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Isabel de Sousa Coutinho
Isabel de Sousa Coutinho

 

Paim (D. Isabel Juliana de Sousa Coutinho Monteiro).

 

n.      1753. 
f.       [ 10 de abril de ] 1793.

 

Nobre dama, filha de D. Vicente Roque José de Sousa Coutinho de Meneses Monteiro Paim, moço fidalgo com exercício no paço, e de sua primeira mulher, D. Teresa vital da Câmara Coutinho. 

Nasceu em 1753, e faleceu em 1793. 

Estava enamorada de D. Alexandre de Sousa Holstein, quando o marquês de Pombal a apeteceu para esposa de seu filho segundo, José Francisco de Carvalho Daun, e daí se originaram diferentes peripécias, que constituem um verdadeiro romance. Resistiu ela, mas o omnipotente ministro teimou e D. Vicente Paim, ou por ambição ou por fraqueza, obrigou a filha a esse matrimónio odioso. A 11 de abril de 1768, no oratório da casa onde residia a avó da noiva, D. Maria Antónia de S. Boaventura e Meneses Paim, se realizou esse enlace na presença do reverendo Paulo de Carvalho e servindo de padrinhos o marquês de Pombal, então ainda conde de Oeiras, e seu filho mais velho, irmão do noivo, que já usava do mesmo título. D. Isabel, violentada mas sem força para resistir à vontade paterna, pronunciou o sim sacramental, mas nunca considerou seu marido, antes pelo contrário afastou constantemente de si o homem a quem a tinham ligado. Foram baldados todos os esforços que principalmente a avó e uma tia da noiva, D Leonor de Portugal, empregaram para que D. Isabel aceitasse a posição a que a tinham levado violentada, ela a tudo resistiu, a foi tal a decisão que mostrou, que afinal todos se convenceram, de que era inútil continuar nessas diligencias. 

A 15 de agosto de 1771 a filha de D. Vicente Paim foi recolhida no mosteiro de Santa, Joana, e o marquês de Pombal tratou de anular o casamento do filho para depois o casar, sem lhe importar quanto havia de escandaloso neste proceder, com uma senhora da família dos Távoras. É tão curiosa a petição do marquês de Pombal que, apesar de muito extensa, a transcrevemos:   

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*          *

«Ex.mo e Rev.mo Sr. 

Dizem os marqueses de Pombal que, havendo-se celebrado o matrimónio de seu filho José Francisco de Carvalho e Daun com a senhora D. Isabel Juliana de Sousa no dia 11 de abril de 1768, em cujo dia o dito esposo contava catorze anos e dez dias de idade, e a dita esposa mais um ano, por haverem os suplicantes crido com boa fé, que a mesma esposa deliberadamente e de boa vontade casava com o filho dos mesmos suplicantes com o mesmo contentamento, com que seu pai o senhor D. Vicente de Sousa Coutinho, sua avó a senhora D. Maria Antónia de S. Boaventura e Menezes, sua tia a senhora D. Leonor de Portugal, e todos os mais senhores seus próximos parentes concorreram para o contrato e celebração do referido matrimónio, sem que aos mesmos suplicantes passasse pela imaginação, que no sexo e nos tenros anos da dita senhora esposa coubesse o fingimento de uma vontade que não tinha de contrair o sobredito matrimónio. Vieram depois da celebração dele a ser informados muito a seu pesar de factos tais e tão inopinados, como são os seguintes: 

Primeiro facto: - Que a dita senhora esposa logo que foi ajustado o referido matrimónio, mostrou a ele uma tal repugnância, que sendo sucessivamente instada pelas ditas senhoras sua avó e tia, ao fim de alcançarem dela o seu consentimento, e chegando a desenganar-se no tempo mais próximo ao dito matrimónio, de que todas as suas instâncias tinham sido e seriam inúteis para vencerem a repugnância da mesma senhora sua neta e sobrinha se auxiliara então para a reduzirem dos bons ofícios do padre Fr. Manuel de S. Boaventura, religioso carmelita descalço; o qual ficou sucessivamente trabalhando em tal forma, que até à véspera, até à mesma manhã, e até à mesma hora da celebração do dito matrimónio esteve o dito religioso incessantemente ponderando à dita senhora esposa as graves consequências que lhe resultariam de manifestar em público a sua dita repugnância, na mesma hora do recebimento com pesar de todos os parentes que se achavam já naquela hora juntos, para assistirem ao acto da celebração do mesmo matrimónio, e com uma escandalosa desobediência às ordens de seu pai e da dita senhora sua avó. 

Segundo facto: - Que havendo a dita senhora esposa mostrado naquele aperto, em que a puseram, que prestava o seu consentimento ao matrimónio por ela celebrado na mesma interior obstinação da sobredita repugnância, não só passou esta a manifestar-se desde o mesmo dia das bênçãos nupciais cada hora mais descobertamente, mas veio também a converter-se no mortal, e implacável ódio contra a pessoa do seu referido esposo, que foi presenciado por todas as pessoas de família da casa, e pelas que nela costumavam ter entrada; vendo a dita senhora esposa tratar o dito seu esposo com desabrimentos os mais estranhos, e vendo-a sempre fugir da sua companhia e de todos os actos daquela união ainda exterior, que o vínculo matrimonial faz mais indispensáveis. 

Terceiro facto: - Que aqueles estranhos desabrimentos, aqueles actos externos de aversão, e aqueles desvios da dita senhora esposa passaram do escândalo particular dos parentes, dos familiares, e dos conhecidos da sua casa, a constituírem um escândalo público em toda a corte e cidade de Lisboa. 

Quarto facto: - Que pelo espaço de três anos e quatro meses que decorreram desde 11 de abril de 1768 em que a dita senhora se recebeu até 15 de agosto de 1771 em que foi recolhida no mosteiro de Santa Joana havendo sido sucessivamente persuadida e admoestada com as razões mais cristãs e mais prudentes, por seu próprio pai, pela dita senhora, próximos parentes de ambas as famílias, todas estas diligências foram inúteis porque não produziram outros efeitos que não fossem, primeiro: mostrar a dita senhora cada dia mais rebelde e mais obstinada a inflexibilidade do referido ódio; segundo: excogitar novos pretextos para apartar de si o dito seu esposo, de sorte que não pudesse com ele juntar-se, chegando a dizer que seria muito útil, que antes disso fosse viajar alguns anos pelos países estrangeiros; terceiro: chegar a alienar-se até aos excessos de se dizer que cosia os lençóis da cama e punha barreiras entre o seu lugar e o do seu referido esposo para que a ela não pudesse chegar. 

Quinto facto: - Que nas referidas circunstâncias vendo-se o dito esposo em anos tão juvenis e verdes, provocado com tantos e tão inauditos insultos contrários a todos os direitos, e vendo-se oprimido ao mesmo tempo pelo respeito dos suplicantes para não poder tomar dos mesmos insultos a satisfação que se devia a si mesmo, não pôde deixar de conceber contra a dita senhora sua esposa outra versão correspectiva do ódio que ela lhe tinha, para lhe ser muito penoso o seu malogrado consórcio e para aborrecer a sua companhia, de sorte que até buscava pretextos para não ir só com ela na mesma carruagem, quando à noite costumavam sair da casa dos suplicantes seus pais. 

Sexto facto: - Que com todas as sobreditas causas foi e é constante entre os próximos parentes, entre os domésticos e entre as pessoas, que têm conhecimento da casa dos sobreditos esposos que o dito matrimónio, que entre eles se celebrou, nem foi até agora consumado, nem há esperança alguma prudente do que o venha a ser. 

Nestes tão desagradáveis e tão urgentes termos não podia permitir nem a religião, nem a decência dos suplicantes, que deixassem de precaver (enquanto neles estava) os perigos espirituais e corporais, que em tais casos se costumam seguir dos matrimónios ratos e não consumados, ainda quando são verdadeiros matrimónios celebrados com o livre consentimento que no caso presente se vê que não houve da parte da dita senhora esposa: porque além de estar esta fingindo e simulando um tão sagrado sacramento, são bem conhecidos os gravíssimos perigos, que se costumam seguir assim de se conservarem semelhantes cônjuges desesperados por ódio na mesma casa entre tão implacáveis discórdias, como de viverem em um consórcio que só é aparente sem que o referido ódio recíproco os deixe usar do matrimónio. Com estes urgentes motivos tornaram pois os mesmos suplicantes o expediente de fazerem separar os sobreditos seu filho e nora até buscarem recurso competente, mandando interinamente debaixo de pretextos decorosos o primeiro para a Universidade de Coimbra e a segunda para o convento de Santa Joana de Lisboa. E porque os suplicantes para o fim de impetrarem da sede apostólica a declaração da nulidade do dito matrimónio necessitam de justificar os seis factos acima deduzidos, procedendo V. Ex.ª às perguntas dos referidos cônjuges sobre a consumação ou não consumação do referido matrimónio entre eles fingido, passando a inquerir sobre os seus factos as testemunhas que deles tem melhor informação e expedindo-se-lhe de tudo instrumento em forma autêntica a provante. 

Pedem a V. Ex.ª lhes faça mercê deferir-lhes na forma que requerem. E. R. M. [E Receberão Mercê]

- Marquês de Pombal – Marquesa de Pombal.» 

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*            *

Despachada favoravelmente esta petição, foram ouvidas muitas testemunhas e os dois cônjuges, contando-se entre aquelas grande número de criados e familiares e ao mesmo tempo pessoas de posição elevada e que exerciam cargos importantes na corte. 

D. Isabel quando foi interrogada disse: 

«que nunca teve vontade de casar com o Ex.mo José Francisco de Carvalho e Daun, e esta repugnância a manifestou sempre constantemente até do ponto da celebração do matrimónio, a todos os seus parentes e familiares principalmente a sua avó, a Ex.ma D. Maria Antónia de S. Boaventura, e a sua tia, a Ex.ma D. Leonor de Portugal, e também a significou a seu mesmo pai dela depoente em uma carta sue lhe escreveu a França, onde se acha residente como embaixador de S. M. F., os quais todos trataram sempre de a persuadirem e reduzirem a que quisesse casar com o dito seu esposo, representando-lhe umas vezes os grandes interesses que se lhe seguiam deste casamento, e outras os grandes inconvenientes que resultariam se nele não consentisse; de tal sorte que vindo eles a conhecer pela experiência do tempo que eram inúteis a escusadas todas as diligencias porquanto ela estava firme na sua vontade de não casar com o dito seu esposo, se valeram da indústria do padre Fr. Manuel de S. Boaventura, religioso carmelita descalço, para que a convencesse e reduzisse ao que a dita sua avó e tia tanto desejavam que era o tal casamento, o qual religioso por muitas vezes instou com várias razões a que desse o seu consentimento, principalmente na véspera do dia em que se haviam de celebrar as núpcias e ainda no mesmo dia a hora em que estavam já, juntos todos os parentes de uma e outra parte, vendo-a chorar muito e que estava na resolução de negar o seu consentimento se esforçou muito em convencer que se o não prestasse, se lançava a perder e haveria grandes desgostos. Pelo que ela muito aflita e cheia de temor se não atreveu a declarar no acto da celebração do dito matrimónio que não consentia nele; mas depois desse acto mostrou sempre constantemente a todos os seus parentes e familiares a sua repugnância, a qual foi sempre bem conhecida de todos e que aquele consentimento que dera não fora livre e voluntário, mas muito violento e coarcto, vingada do temor e medo em que a tinham posto os ditos seus parentes das razões com que a pretendera convencer o dito religioso, as quais ela não sabia responder pela sua idade e fragilidade do seu sexo.» 

Foi assim que D. Isabel respondeu enquanto ao primeiro facto, e para que se conheça bem como foi realizado esse casamento, transcreveremos também o que sobre este ponto depôs o filho do marquês de Pombal. Disse ele que:

«logo nas primeiras vezes que a visitou e falou com ela conheceu a sua pouca satisfação do referido casamento, por não experimentar nele aquelas demonstrações de amor que esperava a que costuma haver entre esposos, o, que então atribuiu a pejo e cobardia e a sua tenra idade, mas continuando depois por longo espaço de tempo, que mediou até que se receberam, a experimentar na dita sua esposa um grande desagrado e aversão, ele depoente se desgostou muito do mesmo casamento, mas pelo grande respeito que tem aos Ex.mos suplicantes seus pais, e também pela esperança de que ela havia depois de recebidos mudar a má vontade que mostrava, e que lhe teria aquele amor que é natural entre casados, não se atreveu a contradizer ou opor-se ao dito casamento.» 

José Francisco quando casou tinha feito poucos dias antes catorze anos, como fala pois no longo espaço de tempo em que reconheceu antes da celebração do matrimónio que a futura noiva lhe não tinha amor algum ou segundo as próprias palavras dele tinha pouca satisfação desse casamento? É impossível não ver que essa união não passava de um calculo interesseiro do grande estadista, que cego talvez pelo amor de pai fechava os olhos para não ver as consequências desastrosas de um enlace forçado, e em que a noiva se na hora solene e diante do altar não declarou, terminantemente, que estava ali violentada, foi porque sabia até onde chegava a omnipotência do valido de D. José, omnipotência que a avó, a tia e o padre carmelita não deixaram até ao ultimo momento de lhe pôr diante dos olhos. Concluído o processo solicitou o marquês de Pombal da cúria a anulação do casamento, e tendo o pontífice nomeado o cardeal patriarca Saldanha, o cardeal Cosme da Cunha e o núncio para serem juizes neste litígio, proferiram eles a 16 de julho de 1772 a sentença declarando nulo o casamento do filho de Sebastião José de Carvalho com D. Isabel Paim. 

Não se contentou a avó de D. Isabel com o suplício que lhe havia imposto, e irritada, por ver que não tinha podido vencer a neta, dirigiu a el-rei o seguinte requerimento:  

«- Senhor. 

Diz D. Maria Antónia de S. Boaventura e Meneses que, tendo seu filho D. Vicente de Sousa Coutinho a certa e infeliz notícia que se tratava de anular o matrimónio que havia contraído sua filha D. Isabel Juliana de Sousa com José Francisco de Carvalho e Daun, filho dos marqueses de Pombal, e reconhecendo que a nulidade do dito matrimónio foi originada pelo perverso ânimo da dita sua filha: ordenou à suplicante em carta de 22 de junho do presente ano que, declarado nulo o dito matrimónio suplicasse de V. M. a graça de mandar recolher a dita sua indigna filha a neta da suplicante em um convento por toda a vida com proibição de falar a pessoa alguma de fora do mesmo convento. E porque se acha efectivamente declarado nulo o dito matrimónio por sentença dos juizes apostólicos para esse efeito nomeados pelo Santo Padre com inconsolável e perpétuo desgosto da suplicante e de seu filho: Recorre a mesma suplicante em seu nome e do dito seu filho a V. M. para que, por sua sensata piedade, se digne ordenar que a dita sua indigna neta seja logo transportada do convento de Santa Joana, onde interinamente foi recolhida, para um remoto convento de apertadíssima reclusão qual a V. M. parecer a que aí fique por toda a vida inclusa com proibição de falar ou comunicar com pessoa alguma externa verbalmente ou por escrito, e que assim se lhe intime e à prelada do mesmo convento para que lhe não permita comunicação alguma sob pena de incorrer no real desagrado de V. M. Pede a V. M. se digne por sua real piedade remediar a triste situação da suplicante e seu filho com a providência que imploram, que ainda é diminuto castigo ao que merece a perversa índole da dita sua indigna neta e limitada satisfação ao pesar com que a suplicante e o dito seu filho vêem desfeita uma aliança em que tanto interessavam para o maior esplendor da sua descendência. Assina a suplicante reverentemente a presente suplica. E. R. M. 

- D. Maria Antónia de S. Boaventura e Menezes.»

O despacho, como era natural, não se fez esperar, a em 18 de julho ordenava D. José, ou o marquês de Pombal, que D. Isabel fosse removida para o convento do Calvário de Évora, e que nele ficasse reclusa até que o pai dispusesse dela, com proibição de falar ou comunicar com pessoa alguma externa verbalmente ou por escrito na forma que requerera a veneranda avó. Terminava o decreto mandando guardar na Torre do Tombo todos os documentos que se referiam à anulação do casamento de D. Isabel. 

A nobre dama foi efectivamente levada para o citado convento, onde se conservou encerrada até à morte de el-rei D. José e queda do marquês de Pombal. Alcançando então a liberdade, pôde ligar-se ao homem que amava, e a quem dera provas tão notáveis de constância. O seu casamento com D. Alexandre de Sousa Holstein realizou-se a 27 de junho de 1779, e o filho primogénito dessa união foi o grande estadista duque de Palmela. D. Isabel Coutinho Paim veio a ser a bisavó da Sr.ª, duquesa de Palmela há pouco falecida. 

Sobre este facto histórico escreveu o Sr. Marcelino de Mesquita um drama em quatro actos e sete quadros, intitulado Sempre-noiva, que se representou no teatro de D. Maria II em 1900, sendo publicado nesse mesmo ano. Veja se a obra Vida do duque de Palmela, D. Pedro de Sousa e Holstein, por D. .Maria Amália Vaz de Carvalho, Lisboa, 1898.

   

 

 

 

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Portugal - Dicionário Histórico, Corográfico, Heráldico, Biográfico, Bibliográfico, Numismático e Artístico,
Volume V, págs
. 374-376.

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