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Real Colégio Militar.

 

 

Nos primeiros anos do século 19 foi fundado o Colégio da Feitoria, ou colégio regimental da artilharia da corte, que é principalmente recomendável pelo facto de ser convertido, não muito depois, no estabelecimento denominado Colégio Militar. 

No dia 2 de março de 1803, no sítio da Feitoria, junto da Torre de S. Julião da Barra, fundou o coronel António Teixeira Rebelo um colégio destinado a dar instrução aos filhos dos oficiais do regimento da artilharia da corte, do qual era então o comandante. Apesar da boa vontade e do fervoroso entusiasmo do fundador, não cabia no possível, que o seu instituto lograsse grande desenvolvimento, porquanto as economias regimentais eram o único recurso de que dispunha. Felizmente obteve do governo que os alunos do colégio assentassem praça no seu regimento, embora com a mais modesta retribuição, mas esta mesma vantagem era insuficiente para a manutenção do colégio, e por certo teria de fechar se não fosse um acaso providencial. Contava o colégio dois anos de existência, quando, em 1805, o príncipe regente D. João, mais tarde D. João VI, o foi visitar, e sendo informado das muitas dificuldades com que lutava, mandou abonar 240 reis diários a cada colegial para sustentação própria, e proporcionar módica gratificação aos professores, que até então haviam ensinado gratuitamente. A torça de vontade tudo vence, Teixeira Rebelo pôde ir sustentando o colégio, com maiores ou menores dificuldades, desigualdades nos estudos, e sem categoria entre a instituição reservada ao ensino oficial, chegou o colégio ao ano de 1813. 

 

Os edificios da Feitoria

© LACM

Os edificios da Feitoria, perto da Torre de S. Julião, em Oeiras, onde foi criado o colégio que deu origem ao Colégio Militar

 

A mudança da corte para o Brasil, as alternativas da Guerra Peninsular, que correra incessante, a mudança dos regimentos aquartelados até então na Feitoria e em S. Julião da Barra, o numero crescente de alunos, no qual se inscreviam já alguns órfãos de pai que sucumbira na luta da pátria, tudo serviu para animar Teixeira Rebelo na diligencia de obter edifício e local mais apropriados para os seus colegiais, e do governo perfilhar e elevar o colégio, dando-lhe a estabilidade e o crédito, que poderiam perder com o falecimento do fundador. Já a esse tempo, incompleto como estava, o colégio pela tal ou qual ciência que ministrava, e pela pratica militar oferecida na Feitoria, tinha preparado diferentes alunos para entrarem no exercito como oficiais, e tomarem parte nas campanhas daquela época. No ano de 1813, acima citado, os governadores do reino confirmaram oficialmente aquela benéfica instituição, que já contava 10 anos de existência, decretando a sua transformação num estabelecimento, a que se deu o nome de Real Colégio Militar, destinado à educação dos filhos dos oficias do exercito e da marinha, que não tivessem meios de os mandar educar, e que por serviços militares houvessem merecido aprovação e louvor da parte dos seus superiores. Por portaria de 7 de janeiro de 1814 foi determinado que o numero dos alunos fosse de cem, e que o colégio fosse mudado para o edifício de Nossa Senhora dos Prazeres no sitio da Luz, onde a infanta D. Maria, filha do rei D. Manuel e de sua terceira mulher, a rainha D. Leonor, havia fundado um hospital, que até aos meados do século 17 fora administrado pelos freires da Ordem militar de Cristo, e que o terramoto de 1755 havia reduzido a ruínas, o que tudo foi aprovado por aviso do ministério de 18 de março de 1814. Procedeu-se às obras e aos melhoramentos precisos para a nova instalação, e a transferência realizou-se, sendo Teixeira Rebelo nomeado o seu primeiro director, cargo que exerceu até à data do falecimento, sucedido em 6 de outubro de 1825. No ano de 1828, foi o seu retrato colocado por gratidão e em honra da sua memória numa das salas do colégio. Anos mais tarde, em 1858, pagou também à sua memória Um tributo de saudade e respeito, como criador e director do Colégio Militar, um oficial que no mesmo colégio foi professor, e depois comandante, o marechal de campo reformado João Xavier da Costa Veloso. Na sala da biblioteca do Colégio existe o seu busto, feito em bronze. A portaria de 7 de janeiro de 1814 determinava também que o colégio fosse regido interinamente pelos estatutos que a acompanhavam, e que eram assinados pelo tenente-general, secretario dos Negócios da Guerra, D. Miguel Pereira Forjaz. Em 16 de maio do mesmo ano, oficiava do Rio de Janeiro o marquês de Aguiar ao patriarca eleito de Lisboa, dizendo-lhe em substancia, que Sua Alteza Real fora informado pelos governadores do Reino, de haver sido efectuada a abertura do Colégio Militar reformado, e transferido para o edifício do hospital da Luz; que os mesmos governadores tinham remetido a relação dos doze alunos que por aquela ocasião foram admitidos para preencher o numero de cinquenta, que formava o completo dos que deviam ser sustentados por conta do estado. Que Sua Alteza Real vira os estatutos provisionais que os governadores tinham do reino mandado por em observância os quais Sua Alteza Real confirmava; autorizando também os mesmos governadores para mandarem satisfazer os soldos e ordenados que tinham arbitrado para os empregados e lentes do mesmo colégio. 

Estes estatutos provisórios foram reformados pelo alvará de 18 de maio de 1816, promulgado no Rio de Janeiro. O pensamento que presidiu a esta reforma, foi a resolução de dar aquele estabelecimento maiores proporções, alargando a esfera da sua acção e benefícios, admitindo maior numero de colegiais, tanto dos sustentados à custa do estado, como dos pensionistas, e generalizando assim, pela maneira possível, a instrução da mocidade, Para conseguir tal fim, foi forçoso fazer algumas alterações nos estatutos, conferindo-se maior liberdade aos pais de família para escolherem o destino que conviesse dar a seus filhos, depois de conhecerem melhor as suas inclinações e talentos, o que não pôde realizar-se na tenra idade em que são admitidos os colegiais. Procurou-se também atender muito especialmente à disciplina e educação dos colegiais, e à administração económica do estabelecimento. Em 1814 só eram admitidos cinquenta alunos, dos sustentados por conta do estado; em 1816, porém, foi elevado ao dobro desse número, como se vê num dos artigos dos novos estatutos: «Serão admitidos no Real Colégio Militar duzentos colegiais; cem que serão sustentados à custa do Estado, e os outros cem à custa de seus pais e tutores dos cem lugares para colegiais do Estado, oitenta e quatro pertencerão ao exército, e dezasseis à marinha.» No ano de 1820 foi comunicado a Teixeira Rebelo, já então no posto de marechal, que Sua Majestade vira com bastante prazer o plano de organização e método de estudos que se observava no Real Colégio Militar; e em testemunho da atenção que lhe merecia aquele estabelecimento, mandou por à disposição do marechal a quantia de 332$000 reis, para ser dividida em doze prémios, nos termos da nota que acompanhava o aviso, os quais deviam ser distribuídos, no fim do ano lectivo de 1821, pelos discípulos que maiores progressos fizessem nas suas respectivas aulas. Conhecendo-se que era muito acanhado o edifício para conter tão grande número de estudantes, fez-se o arrendamento, em 1823, do palácio e quinta limítrofe àquela casa, propriedade do conde de Mesquitela. O decreto de 1 de setembro de 1824 suprimiu o segundo ano matemático, substituindo-lhe o ensino de história militar, desenho topográfico, e reconhecimentos militares. Concedeu também aos alunos do Colégio Militar a faculdade de se matricularem no 2.º ano da Academia Real de Marinha de Lisboa, em tendo concluído com aprovação o 1.º ano matemático no mesmo colégio. O decreto de 3 de novembro de 1835 ampliou a faculdade concedida pelo de 1.º de setembro de 1824, concedendo que os alunos do Real Colégio Militar pudessem também matricular-se no 2.º ano da Academia de Marinha e Comércio da cidade do Porto, uma vez que mostrassem ter concluído com aprovação o 1.º ano matemático no mesmo colégio. 

No período da regência da infanta D. Isabel Maria, 1826 a 1828, foi director do Colégio Militar o coronel Cândido José Xavier, e por efeito duma sua proposta, foi decretada urna reforma de ensino, a qual consistia em estabelecer um curso de seis anos, sendo três destinados aos preparatórios, e os três restantes para instrução militar. Em 1830, pelo decreto de 29 de março, o conde de S. Lourenço, ministro do governo de D. Miguel, instituiu no edifício da Luz a Escola Militar Veterinária, que depois, em 8 de agosto de 1833, foi mudada para a calçada do Salitre. e por fim extinta pela lei de 10 de dezembro de 1852. O decreto de 2 de agosto de 1834 mandou estabelecer no Colégio Militar a aula de música, equitação e ginástica. Pela ordem do dia de 18 de dezembro do mesmo ano, foi determinado que os alunos que houvessem completado com aproveitamento os estudos do Colégio Militar e a quem, por tal motivo, se tivesse mandado dar a gratificação de 400 reis diários, fossem considerados, apenas assentas sem praça, como aspirantes a oficiais, e como tais gozassem das prerrogativas que lhes competissem; sendo preferidos nas promoções, em igualdade de circunstancias de mérito, aos demais aspirantes a oficiais. Pela carta de lei de 15 de abril de 1835, foi elevado o número de alunos do Colégio Militar, dos sustentados à custa do Estado, a cinquenta, os quais pertenceriam cento e trinta e quatro lugares a filhos de oficiais do exército, e dezasseis aos filhos de oficiais da armada, e brigada de marinha, ficando indeterminado o número dos que pagassem a sustentação no colégio. A mesma carta de lei atendeu muito particularmente aos filhos dos oficiais de voluntários. ou de Milícias, que, ou serviram a causa da liberdade, ou por ela padeceram. E, finalmente, a mesma lei autorizou o governo para fazer as alterações que tivesse por convenientes no sistema de estudos que então estava em vigor no colégio, contanto que de tais alterações não resultasse aumento da despesa. Em virtude desta autorização, decretou o governo em 13 de outubro um novo plano de estudos, e regulamento, para o Colégio Militar. 

Vendo-se que o edifício da Luz não era já suficiente para conter o avultado número de estudantes, foi determinado ainda em 1835 a transferência do Colégio Militar para o edifício do extinto convento dos padres de S. Vicente de Paula, denominado de Rilhafoles, que fora fundado em 1717, Diversas reformas se seguiram, em 12 de setembro de 1837, 24 de dezembro de 1839 e 20 de outubro de 1841, que fez extensiva aos filhos dos guardas marinhas e dos oficiais das guardas municipais de Lisboa e Porto a admissão no Colégio Militar. Em 1844, 1845 e 1847 ainda se deram novas reorganizações. O decreto da 14 de novembro de 1848, referendado pelo duque de Saldanha e barão de Franco, mandou transferir para o edifício de Mafra o Colégio Militar, sendo o edifício de Rilhafoles destinado para o hospital de alienados que ainda hoje existe. Mas era grande a distância de Lisboa a Mafra, e difíceis as comunicações. Alguns oficiais de terra e mar, e sobretudo as viúvas de militares que tinham ali os filhos a educar, dirigiram representações ao parlamento no sentido de ser transferido para mais próximo de Lisboa o Colégio. Só anos mais tarde, em 1858 é que estas representações obtiveram deferimento, vindo de novo o Colégio Militar para o edifício da Luz, novamente restaurado para esse efeito. 

Muitas reformas ainda se deram na organização do Colégio Militar, em vários anos, até que em 1870, reconhecendo-se que o ensino ministrado não satisfazia plenamente a uma boa educação militar, se decretou em 14 de junho, uma reorganização do Colégio, que foi radicalmente transformado numa escola completa de infantaria e cavalaria para oficiais e oficiais inferiores, anexando-se o asilo dos filhos dos soldados. Voltou então novamente o Colégio Militar para Mafra, dando-se por motivo desta transferência, possuir o edifício de Mafra mais amplas acomodações para os dois diversos ramos de estudos de que falava o plano de 14 de junho, plano que foi logo mandado suspender em 25 de setembro, sendo revogado, por dispendioso, pela lei de 27 de dezembro do mesmo ano, voltando-se ao antigo plano de estudos. Finalmente, em 1873, o Colégio Militar foi pela terceira vez instalar-se no edifício da Luz, onde ainda hoje se conserva. Além do plano de estudos decretado em 11 de julho de 1875, publicou-se em 3 de novembro de 1886, um novo regulamento literário tendo em vista harmonizar os estudos do Colégio Militar com o curso geral dos Liceus centrais do reino, de forma que houvesse perfeita equivalência entre as matérias professadas no Colégio e as dos liceus, afim de serem válidos nestes os atestados dos exames feitos no colégio. A reforma geral da instrução secundária, decretada em 27 de dezembro de 1894, determinou a elaboração dum novo regulamento literário do Colégio Militar, que começou a vigorar em 3 de outubro de 1895, e pelo qual os estudos neste estabelecimento foram regulados por forma idêntica à dos liceus centrais do reino. 

O edifício em que está instalado o Colégio Militar tem sofrido várias modificações e ampliações que transformaram um pouco a primitiva traça interior, de que conserva, porém, as linhas gerais. Com a frente voltada para o norte, na qual se notam a cruz de Cristo, uma imagem da Virgem e uma inscrição latina, por baixo do escudo de armas da infanta D. Maria, onde se refere o primitivo destino do edifício, tem este a forma dum rectângulo com dois pavimentos, fazendo saliências na face posterior e na do nascente anexos construídos posteriormente. No centro existe um grande claustro empedrado e rodeado duma espécie de galeria em arcos de pedra. No primeiro pavimento, ao rés-do-chão para a frente e um pouco elevado, na parte de traz, sobre o terreno da cerca, estão instaladas: na face da frente, a sala de visitas e gabinete do director, a secretaria e o gabinete do subdirector; nas outras faces, a sala dos oficiais e varias dependências do serviço interno do colégio, tais como refeitório, cozinha, biblioteca, sala de armas, etc. Fronteira à porta da entrada e na face sul do claustro começa uma larga escadaria que conduz ao pavimento superior. Neste, ao centro da face sul, há uma pequena capela com um belo retábulo; nessa mesma face e nas restantes estão instaladas as camaratas dos alunos e várias aulas. Em anexos ligados com a face sul e construídos há poucos anos estão instaladas: no de nascente a camarata e aulas dos alunos admitidos em cada anuo no Colégio, que frequentam a 1.ª ou 2.ª classes e que estão sujeitos a um regime especial; no anexo do poente estão instaladas, no pavimento inferior, as aulas de física e de ciências naturais, e no superior a aula de desenho e geografia. A enfermaria está estabelecida, a pouca distancia do edifício principal, num palacete que pertenceu aos condes de Mesquitela, em que já se falou, o qual, com a vasta quinta que o cerca, foi adquirido pelo Estado, primeiro como arrendamento, e há poucos anos por compra, sendo devidamente adaptado aquele destino. O jardim, anexo ao palácio enfermaria, foi destinado aos exercícios de ginástica e esgrima ao ar livre, tendo-se feito para tal fim um vasto terrasse de betão; a quinta serve para nela se exercitarem os alunos nas corridas a pé. Na mesma quinta se instalaram os jogos de lawn-tenis, de criket, e outros de força e destreza. A instrução de equitação é dada num picadeiro estabelecido numa das dependências do antigo convento dos freires de Cristo, achando-se também ali as cavalariças, etc. Em março de 1903 celebraram-se no Colégio Militar brilhantes festas, comemorando o primeiro centenário da sua fundação, promovidas pelo seu director, então o sr. general José Estêvão de Morais Sarmento. Depois da proclamação da Republica, em 5 de outubro de 1910, o colégio deixou de ter o título de real, chamando-se unicamente Colégio Militar. 

Na Historia dos estabelecimentos científicos, literários e artísticos de Portugal, por José Silvestre Ribeiro, encontram-se curiosas notícias acerca do Colégio Militar nos volumes: III, pag. 146 a 154; V, pág. 238 a 241; VI, pág. 26, 341 a 367; XI, pág. 112 a 122; XVII, pág. 271, 279, 317. Em 1853 publicou-se um opúsculo: Ideias sobre a reorganização do Real Colégio Militar, contendo provisoriamente a parte legislativa e as principais disposições regulamentares, com alguns esclarecimentos para a sua melhor inteligência e execução pelo autor Evaristo José Ferreira, marechal de campo reformado, ex-director do mesmo colégio. Também se encontram noticias no tomo II, parte 2.ª da Nova série de Memórias da Academia Real das Ciências de Lisboa, nos Apontamentos relativos á instrução publica, por João Ferreira Campos, na Colecção sistemática das ordens do Exercito desde 1809 até 1858, coordenada por Vital Prudêncio Alves Pereira, Lisboa, 1859-1860; Legislação militar de execução permanente até 31 de dezembro de 1860, por José de Alcântara, Lisboa, 1861; A reorganização do Colégio Militar. O passado, o presente e o futuro, escrito anónimo, Lisboa, 1862.

 

 

 

 

Página de entrada no espaço do colégio
Colégio Militar

 

 

 

 


Portugal - Dicionário Histórico, Corográfico, Heráldico, Biográfico, Bibliográfico, Numismático e Artístico,
Volume VI, págs. 105-108.

105Edição em papel © 1904-1915 João Romano Torres - Editor
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