Portugal - Dicionário

A B C D E F G H I J K L M N O P Q R S T U V W X Y Z
O Portal da História Dicionário > Frei Inácio de São Caetano
Frei Inácio de São Caetano
Frei Inácio de São Caetano

São Caetano (frei Inácio de).

 

n.      31 de julho de 1719.
f.       29 de novembro de 1788.

 

Religioso da ordem dos carmelitas descalços, bispo de Penafiel, arcebispo titular de Tessalónica, confessor da rainha D Maria I, inquisidor geral, etc. 

Nasceu em Chaves a 31 de julho de 1719; faleceu no paço de Queluz a 29 de novembro de 1788. Era filho de Pedro Álvares de Teixeira e de Isabel Rodrigues, lavradores abastados. 

Assentou praça por ordem de seus pais no Regimento de Infantaria de Chaves, tendo, porém, mais vocação para os estudos do que para as armas, passou secretamente a Salamanca, resolvido a seguir o curso da Universidade. Ordens terminantes do pai o obrigaram a voltar para Chaves, onde frequentou humanidades, convencendo a família de que lhe não convinha seguir a vida militar, e que lhe permitissem a vida eclesiástica. Professou então em Lisboa no convento dos Remédios da Ordem Carmelita a 6 de janeiro de 1736, e seguiu o curso de artes no Colégio de N. Sr.ª dos Remédios, de Évora. Passou depois, em 1739, a estudar teologia, em Coimbra, no Colégio de S. José, e em 1745 foi nomeado lente de teologia no colégio de Braga, onde regeu durante dois anos a cadeira de escritura. Em 1746 passou à categoria de leitor da sagrada página, e o arcebispo primaz D. José de Bragança, entusiasmado pela erudição do moço carmelita, fê-lo muito seu valido. Em 1754 foi eleito prior do colégio de Braga, no capítulo da sua ordem, celebrado em S. Pedro de Pastrana. Frei Inácio de S. Caetano já adquirira grande reputação de teólogo, porque num definitório celebrado em Braga foi escolhido pelo geral frei José de Jesus Maria José para responder a umas dúvidas que se tinham apresentado em Alemanha a respeito de predestinação. Nomeou-o por essa época seu confessor o arcebispo primaz. Frei Inácio acompanhou o prelado na sua visita à diocese, visita em que o arcebispo faleceu em Ponte de Lima no ano de 1756. Nesse mesmo ano, reunindo-se em Pastrana o capítulo geral da ordem, foi frei Inácio escolhido para o substituir. Assistiu ao capítulo, e ali o nomearam prior de Carnide, lugar de que tomou posse nos meados de 1737, e em que principiou a formar a sua preciosa livraria enriquecida depois com as, dádivas de D. Pedro III e dos seus dois irmãos bastardos, D. António e D. José. 

Como foi que frei Inácio se encontrou com o marquês de Pombal, não está bem averiguado, o facto, porém, é que por indicação do ministro de D. José e contra a vontade de muitos, frei Inácio recebeu em 1759 a nomeação de  confessor da princesa da Beira, depois rainha D. Maria I, lugar que vagara pela expulsão dos jesuítas confessores do paço, e depois da morte de Frei José de Sant'Ana. O marquês tinha bastante confiança no frade carmelita para o nomear membro da Real Mesa Censória, em 1768, e frei Inácio correspondeu a essa confiança acompanhando-o na sua política anti-reaccionária, e não hesitando em fulminar, juntamente com os seus colegas Cenáculo e Pereira Ramos, a pastoral sigilista do bispo de Coimbra D. Miguel da Anunciação por sentença de 1765. Tendo-se criado os novos bispados de Beja, Penafiel, Pinhel, Castelo Branco e Aveiro, foi em 1770 provido no de Penafiel. Desejou frei Inácio tomar posse do seu bispado, abandonando a corte, onde se não dava bem, mas a princesa não queria de modo algum afastar-se do seu director espiritual, e não se pôde conseguir dele que deixasse o seu retiro de Carnide para vir viver no paço, ao menos não lhe consentiu que cumprisse os deveres de residência episcopal não lhe permitindo que fosse para Penafiel. Foi durante esse período que Frei Inácio de S. Caetano publicou em 1761 e 1762 O Portugal agradecido e a Gratidão desempenhada, sermões pregados por ele em dias de festa da corte, e em 1773 a Dissertação critica e apologética da  autenticidade do primeiro concilio bracarense, celebrado em 411,. vindicada, contra os vãos­ esforços que para prova. a sua suposição fizeram Gaspar Estaço, P. M. Macedo, o dr. Manuel Pereira da Silva Leal, e ultimamente um sábio moderno, Autor Lusitano Filopátrio. Com este livro deu-se um caso curioso. Frei Caetano pretendia refutar nessa obra vários escritores, e entre eles um sábio moderno. Ora esse sábio era António Pereira de Figueiredo, que procurara demonstrar a falsidade do sobredito concílio numa Dissertação que nunca pôde publicar, porque a Mesa Censória a que pertencia frei Inácio não lhe deu as necessárias licenças. De forma que se publicou a refutação duma obra que ficou inédita. 

Morrendo em 1777 o rei D. José, caiu o marquês de Pombal, e subiu ao poder D. Maria I, e com ela os inimigos do grande estadista, que lhe não pouparam injúrias nem calúnias. Valeu de muito ao marquês o ter colocado ao lado da princesa como confessor o homem que fizera bispo de Penafiel, e que, apesar de se mostrar adito à política do marquês, soubera conservar grande prestígio e autoridade no espírito de D. Maria I. Não ia ela tão longe que pudesse. contrariar a reacção que se levantava desenfreada de todos os lados contra o marquês de Pombal, nem o bispo de Penafiel quereria, apesar de tudo, que ficasse no poder o homem de quem teria de ser servo, quando todas as circunstâncias concorriam para o fazer a ele, confessor da rainha, senhor omnipotente; mas a sua presença no Paço não só concorreu muito para que a perseguição ao marquês não fosse tão violenta como podia ser, mas bastou para impedir actos ide reacção, que prejudicariam gravemente o progresso da civilização portuguesa. A ele se deve, mais do que a ninguém o não terem voltado nesse tempo os jesuítas a Portugal, a ele e a João Pereira Ramos se deve o não se ter publicado a sentença de reabilitação dos Távoras publicação que seria uma nódoa eterna estampada na fronte de D. José pela sua própria filha. O que dava força ao arcebispo era exactamente a pouca vontade, que ele mostrava ter de viver no Paço e de desfrutar a omnipotência que tinha realmente. A muito custo conseguira a rainha, depois de subir ao trono, que ele deixasse a sua predilecta habitação de Carnide, e fosse residir para o Paço. 

Como definitivamente não podia, como desejava, exercer as suas funções episcopais, pediu à rainha que o exonerasse desse encargo, e depois de muitas instâncias, alcançou enfim que o papa Pio VI aceitasse a sua resignação, suprimindo ao mesmo tempo o bispado de Penafiel, cuja inutilidade era evidente. Em compensação nomeou-o arcebispo de Tessalónica in partíbus infidelium e concedeu-lhe por solicitações da rainha, que ficasse com uma pensão de 10 mil cruzados tirada das rendas da mitra, com a quinta do Prado e com a residência episcopal. Também sem o solicitar nem parecer desejá-lo, foi nomeado inquisidor-mor, e a sua influência no espírito da rainha tornava-se tanto maior quanto menos ele parecia desejar conservá-la. É curiosa, mas profundamente verdadeira, esta influência exercida nos espíritos fracos por aqueles que os maltratam. O arcebispo de Tessalónica era declaradamente anti jesuítico, e a rainha consagrava aos jesuítas a maior veneração; o arcebispo era conhecido anti ultramontano e a rainha tinha um respeito cego pelo vigário de Cristo; longe de se comprazer em misticismo o arcebispo tratava rudemente as beatas da corte; a rainha era essencialmente mística, o arcebispo fora um dos que tinham condenado a pastoral sigilista do bispo de Coimbra, e a rainha tratava esse mesmo bispo com a veneração que se deve aos santos e aos mártires; o arcebispo era francamente odiado pela nobreza, e a nobreza exercia no ânimo de D. Maria I uma influência predominante, como vítima que fora do sistema pombalino que a rainha detestava acima de todos; o arcebispo longe de favorecer as tendências devotas da rainha, repreendia-a asperamente por esses misticismos exagerados, e apesar destas contradições constantes, o arcebispo exercia tal influência no ânimo. da rainha, que esta não só lhe não levava a mal as suas prelecções pelo génio administrativo de Pombal e os seus conselhos anti-reaccionários, mas ouvia-o e atendia-o sempre e em tudo, dava-lhe força contra todos, não podia passar sem ele, e morrendo o arcebispo num período em que varias desgraças de família pungiram a rainha, foi a perda do arcebispo a que ela mais do que todos sentiu. E foi realmente a mais desastrosa de todas, porque da morte do arcebispo resultou a loucura da rainha. Na verdade, D. Maria I era um espírito fraco atacado da monomania religiosa; longe de lhe animar as tendências, o arcebispo reprimia-lhas, e prestava-lhe assim o serviço que o médico da casa de saúde presta ao alienado que reprime, exercendo sobre ela a mesma influência soberana que o médico exerce sobre o doido. Morrendo o arcebispo de Tessalónica, sucedeu-lhe no cargo de confessor da rainha o bispo do Algarve D. José Maria de Melo, que procedeu. de modo diverso. O resultado foi a rainha enlouquecer pouco tempo depois. 

A morte de D. frei Inácio de S. Caetano está envolvida num certo mistério. Diz-se que uns sicários assalariados por cortesãos que o não viam com bons olhos pela forma altiva com que ele os tratava, o esperaram em Queluz, quando a corte ali estava, num sítio pitoresco e retirado chamado a Matinha, onde o arcebispo costumava ir descansar, e armados de sacos de areia, o moeram de forma tal, que o prelado foi encontrado naquele recinto sem fala, pelos serviçais que o conduziram pira o leito onde sucumbiu. Foi esta a versão que correu, mas também se lhe atribui a morte a um ataque apopléctico. 

Além das obras já citadas, D. frei Inácio de S. Caetano ainda escreveu: Compendio de teologia moral evangélica, para formar dignos ministros do sacramento da penitencia, etc., Lisboa, 1776; 6 tomos; reimpresso em 1784, notavelmente acrescentada nesta segunda edição; Ideia dum perfeito pároco, instruindo as suas ovelhas na solida piedade, Lisboa, 1772; 5 tomos; novamente acrescentada em segunda edição, 1785. Estas obras foram publicadas sem o nome do autor.

 

 

 

 

 

 

 


Portugal - Dicionário Histórico, Corográfico, Heráldico, Biográfico, Bibliográfico, Numismático e Artístico,
Volume VI, págs. 669-671.

105Edição em papel © 1904-1915 João Romano Torres - Editor
Edição electrónica © 2000-2015 Manuel Amaral