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Soure
(D. João da Costa, 1.º conde de).
n. 1610.
f. 22 de janeiro de 1664
Conselheiro
de guerra de D. João IV, general de artilharia, mestre de campo
general e governador da província do Alentejo, etc.
Nasceu
em Lisboa no ano de 1610, onde também faleceu em 22 de janeiro de
1664. Era filho de D. Gil Eanes da Costa, fidalgo descendente da
nobre casa dos Costas, que teve por tronco D. João da Costa, 3.º
filho do outro D. Gil Eanes da Costa, e que foi fidalgo na corte de
D. João III, e acompanhou a África seu neto, o rei D. Sebastião,
ficando cativo na batalha de Alcácer Quibir.
D.
João da Costa foi um dos quatenta conspiradores que entraram na
restauração de Portugal, no dia 1.º de dezembro de 1640, porém só
tarde assistiu às conferências dos fidalgos, e ia deitando tudo a
perder com as reflexões que submeteu à consideração dos seus
colegas, contudo, confessava que estando tudo já em tão grande
adiantamento, era impossível recuar, mas que ele via a certeza de
sucumbir. No entretanto, não se desanimou, a conjuração foi
avante, com o feliz êxito bem conhecido, sendo D. João da Costa
que tomou parte com outros conjurados no assalto dado ao paço da
Ribeira na memorável manhã do 1.º de dezembro, e apenas Miguel de
Vasconcelos foi morto, saiu para o Terreiro do Paço com D. Luís de
Almada e outros fidalgos a sublevar o povo, bradando Liberdade! No
dia 2 de dezembro meteu-se numa galé com D. João Rodrigues de Sá,
e foi intimar os galeões espanhóis a renderem-se.
Tratando-se
depois da defesa do reino, foi D. João da Costa nomeado, mestre de
campo de um terço que se formou em Évora, e que foi guarnecer
Elvas, exercendo D. João o governo da praça interinamente. Soube
disciplinar admiravelmente as tropas que tinha debaixo do seu
comando, e com elas destroçou logo em 1641 uma força de cavalaria
castelhana. D. João da Costa não estava sendo somente um enérgico
militar, estava dando também as provas mais cabais do seu tino
militar. Foi ele que informou Martim Afonso de Melo, encarregado do
governo das armas, do estado em que se encontrava a província. No verão
de 1641 teve de repelir uma tentativa do conde de Monterey contra
Elvas, e repeliu-a de forma, que tirou ao general espanhol o desejo
de renovar a tentativa. No fim da campanha, finalmente, foi
comandando a infantaria do exército com que Martim Afonso de Melo
pretendeu tomar Valverde. Mas a defesa de Elvas por D. João da
Costa foi uma das façanhas, que mais contribuíram para dar vigor e
prestigio às nossas tropas. Granjeara por isso grande reputação,
e em 1643 recebeu o comando da artilharia do exército com que o
conde de Óbidos invadiu a Espanha, e a ele se deve a tomada de
Valverde. Em 1644 foi de novo encarregado do comando da artilharia
do exército de Matias de Albuquerque, e na batalha de Montijo a 26
de maio, foi ele quem mais contribuiu para a vitória. D. João da
Costa, num Memorial que dirigiu ao rei sobre as coisas da
guerra, mostrou-se dum espírito tão nobre a tão desprendido de
ruins paixões, apontou com tal isenção os vícios de que padecia
a milícia, queixando-se tão desassombradamente da fraqueza com que
o rei deixava correr a guerra, sem tomar o seu lugar à frente do exército,
defendia com tão pouca atenção pelos melindres do Santo Ofício e
conservação duns regimentos holandeses de cavalaria que el-rei
queria despedir por serem protestantes, que realmente se fica
surpreendido quando se vê o deplorável papel que ele representa no
caso trágico de Francisco de Lucena. Estava ele governando Elvas,
quando foi preso como suspeito de ter correspondência com os espanhóis
um oficial catalão que serviu no exército do Alentejo, chamado D.
Pedro Bonete. Teve com ele uma larga conferência na prisão, e foi
depois dessa conferência que D. Pedro Bonete fez todas as revelações
que implicavam na conspiração Francisco de Lucena, revelações
cuja notícia veio D. João da Costa trazer pessoalmente a Lisboa.
Evidentemente aproveitou o ensejo para se vingar de um inimigo, mas
não se vingou dum modo nobre a digno.
Nomeado
em 1647 membro do conselho de guerra, D. João da Costa recebeu em
1650 o comando do exército do Alentejo, que conservou até ao fim
do ano de 1653. A guerra então afrouxara muito, e D. João da Costa
pouco teve que fazer militarmente, mas em 1651 o príncipe D. Teodósio
apareceu a exercer nominalmente o comando em chefe do exército, e
D. João da Costa viu-se por conseguinte numa situação melindrosa,
de que se saiu com dignidade. Em 15 de agosto de 1652 conferiu-lhe
D. João IV o título de conde de Soure, e é muito provável que
lhe não desagradasse a hombridade com que ele tratava o príncipe
Rivalidades de monarquia reinante e de herdeiro da coroa. D. João
da Costa não lisonjeava o príncipe. Reagia energicamente contra as
ordens menos sensatas que o príncipe ou os seus conselheiros davam,
a uma vez que o mestre de esgrima do príncipe, fiando-se no seu
valimento com D. Teodósio, ousou desobedecer a uma ordem do conde
de Soure, este não teve dúvida em vir a Lisboa queixar-se. Durante
o seu governo militar houvera apenas duas acções militares de
alguma importância: um combate de cavalaria em Arronches e a tomada
de Oliva; mas D. João IV, em 1656, quando pressentiu que ia recomeçar
a guerra com mais intensidade, mandou o conde de Soure comandar de
novo o exército do Alentejo. Morreu o rei neste intervalo, e foi a
rainha regente D. Luísa quem assinou a nomeação. Mas o conde de
Soure pertencia a um partido que tinha forçosamente de ser vencido
pela gente nova que aspirava a exercer os lugares e as comissões O
conde de Soure pertencia ao partido dos antigos servidores de D. João.
IV, ao passo que em torno do conde de S. Lourenço se agrupava o
partido dos que tinham feito uma certa oposição no tempo do
falecido soberano. O conde de Soure foi nomeado governador das armas
do Alentejo, porque, afinal, não o nomear equivalia a rasgar-se um
decreto mandado lavrar por D. João IV, mas não tardou a ocasião
de se promover o conflito. O conde de Soure, ainda antes da mercê
deste título, tivera com o conde de Penaguião uma grave pendência
que terminou até por um duelo, D. João da Costa esteve algum tempo
preso, e o conde de Penaguião teve de assinar um termo em que se
comprometia a não ter voto em questão alguma em que fosse
interessado D. João da Costa. Era uma declaração original, mas
que veio embaraçar muitíssimo o conde de Penaguião. Em 1656, por
exemplo, era o conde de Penaguião conselheiro de guerra e D. João
da Costa governador das armas do Alentejo. Como é que o conde de
Penaguião havia de deixar de dar voto nos assuntos da guerra? A
rainha foi a primeira a senti-lo, e pediu a D. João da Costa que
desistisse do seu privilégio. D. João declarou que não desistia,
e apesar de muito instado, conservou-se inabalável, ordenando-lhe
por fim a rainha que saísse de Lisboa. O conde declarou que não
partia sem lhe darem reforços. A rainha teimou, e o conde
declarou-se doente. Em vista desta resposta, a rainha observou que não
podia então comandar o exército do Alentejo, e declarasse quem o
havia de substituir. O conde de Soure redarguiu, que podiam
demiti-lo quando quisessem, mas que ele não pedia a sua demissão.
Então a rainha demitiu-o francamente, nomeando para o substituir o
conde de S. Lourenço.
Triunfaram
pois os seus inimigos, mas um homem da sua importância não podia
facilmente ser posto de parte, e em 1659 foi nomeado para ir a Paris
como embaixador, acompanhado pelo sábio Duarte Ribeiro de Macedo,
como secretário da embaixada. A situação era grave. A França
prestaram-nos realmente grandes serviços, esperando uma diversão
importantíssima que impedia os espanhóis de concentrarem contra nós
todas as suas forças. Mas a França não fazia isso por interesse
nosso, fazia-o por interesse seu. Exausta porém, pelas guerras
civis da Fronda, a França, e principalmente o primeiro-ministro
cardeal Mazarino desejava ardentemente a paz. Mazarino queria com a
sua duplicidade italiana, fazer jogo connosco, de forma, que, ameaçando
reconhecer a nossa independência, pudesse arrancar à Espanha as
maiores concessões, estando pronto contudo a abandonar-nos sem
remorso. Apenas constou em Portugal que houvera uma suspensão de
armas, entre a França e a Espanha e que se tratava de chegar a um
acordo, apoderou‑se de todos um verdadeiro terror, e o governo
tratou de enviar a França quem pudesse modificar a direcção
funesta que os negócios iam tomando. Foi esse homem, como fica
dito, o conde de Soure. Nunca houve diplomata que mais incomodasse o
cardeal Mazarino e o seu eterno sistema de política italiana, todo
de golpes traiçoeiros. Poderoso argumentador, impassível, não se
deixando nunca desconcertar pelo fluxo de palavras, com que o astuto
ministro o inundava, o conde de Soure, sem se afastar do campo do
direito e da razão, obrigava Mazarino a desfazer-se em sofismas, e
praticar até violências que não estavam nos seus hábitos a fim
do disfarçar a sua nefasta política. Quando o conde de Soure
chegou a Paris, já o cardeal Mazarino assinara, contudo, os
preliminares da paz com a Espanha, preliminares em que havia um
artigo pelo qual a França declarava abandonar-nos se nós não nos
resolvêssemos a aceitar o perdão que a Espanha generosamente nos
oferecia pela boca desse mesmo D. Luiz de Haro, que no princípio
desse ano de 1659 fora vergonhosamente batido nas linhas de Elvas, e
fugira a unhas de cavalo diante das milícias portuguesas, em cujas
mãos deixava bagagens, correspondência, munições, artilharia,
armas e quase todo o exército prisioneiro. O conde de Soure, porém,
não sabia que já tínhamos sido abandonados, e empregava todas as
razões e todos os argumentos para obrigar Mazarino a incluir-nos no
tratado da paz. Mazarino, que não podia confessar que já nos excluíra,
revoltava-se contra o conde de Soure, bradava que já oferecera à
Espanha inclusivamente restituir-lhe, todas as conquistas, mas que a
Espanha teimava em não aceitar. O conde de Soure não desistia das
suas instâncias, oferecia à França somas enormes para conseguir
que o cardeal nos protegesse, mas, apesar da avareza proverbial de
Mazarino, como via que essa condição seria o prolongamento da
luta, não se deixava seduzir por somas de espécie alguma. Também
não desenganava nem despedia o conde, porque a sua presença em
Paris servia-lhe imenso para fazer jogo com os negociadores espanhóis.
Se ele o despedisse, D. Luiz de Haro, livre dum grande peso, seria
mais renitente nas concessões que Mazarino desejava. Assim, apenas
D. Luiz de Haro resistia a alguma proposta de Mazarino, este fingia
logo dar ouvidos ao conde de Soure, e isso bastava para simplificar
todas as negociações. O profundo despeito que os espanhóis
nutriam contra nós, e sobretudo o rancor que nos votava D. Luís de
Haro, faziam com que os negociadores de Filipe IV de tudo
desistissem, só para que Portugal não obtivesse da França nem a
mais leve animação. O conde de Soure, porém, não era homem que
estivesse resolvido a suportar muito tempo este sistema, por isso,
logo que viu que as negociações não davam resultado, mandou
escrever pelo secretário Duarte Ribeiro de Macedo, e publicou o
manifesto intitulado: Razões poderosíssimas que a França tinha
para defender os interesses de Portugal no tratado de paz. Este
manifesto, admiravelmente argumentado, punha em relevo todas as
obrigações que a França tinha, pelos compromissos que tomara, de
não abandonar Portugal, e ao mesmo tempo mostrava que os bem
entendidos interesses da França a colocavam no mesmo terreno.
Comparava o procedimento da França para com outros países com o
procedimento que ela agora parecia querer seguir para com Portugal,
e mostrava que se envolvia assim numa teia de contradições. O
cardeal Mazarino irritou-se extremamente, e não o escondeu ao
embaixador; mandou recolher os exemplares do manuscrito, que se
tinham posto à venda, e quis proceder contra o francês que o
traduzira. Valeu-lhe a imunidade da casa do embaixador onde se
acolheu. Ao mesmo tempo o cardeal escrevia à rainha regente de
Portugal, queixando-se do conde de Soure, e a rainha enviava-lhe a
tradicional resposta, que folgara de saber dum modo tão oficial que
o embaixador cumprira o seu dever.
Entretanto,
começavam as negociações definitivas nos Pirenéus, e o conde de
Soure, resolvido a não largar de mão o negócio, partiu para S. João
da Luz onde estava a corte francesa. Mazarino recebeu-o com as máximas
honras, porque isso entrava na sua política, mas também o
receberam com viva simpatia os mais importantes fidalgos de França,
os Guise, os Harcourt, os Vandemonts, os Lorenas, e sobretudo o
grande marechal de Turenne, que simpatizava connosco pela bravura de
que tínhamos dado provas, e pela nossa constância militar. Apesar
de tudo isso, a paz assinou-se, obrigando-se a França a cortar
todas as relações com Portugal, e proibir aos súbditos franceses
que servissem no exército português, e deixar de exportar para
Portugal, não só munições de guerra, mas géneros de qualquer
espécie, obrigando-se a Espanha como prova de atenção pela
poderosa intercessão do rei de França, a repor as coisas em
Portugal no estado em que se achavam antes de 1640, logo que
Portugal voltasse a reconhecer a soberania de Filipe IV. Em consequência
destas deliberações veio o marquês de Chouppes trazer a D. Luísa
de Gusmão o ultimato das duas cortes. O conde de Soure recebeu
ordem de D. Luísa para sair imediatamente da corte, afim de evitar
a afronta de o mandarem sair. Mas o conde de Soure não deixou a
França, ficou escondido em casa do senhor d' Albret, e tratando de
aliciar oficiais franceses para servirem nas fileiras do exército
português. Foi nessa empresa auxiliado pelo marechal de Trurenne,
que lhe recomendou entre outros o general conde de Schomberg, que
mais facilmente podia sair para Portugal, porque, apesar de ter
estado até então ao serviço da França, era alemão de
nascimento. Mazarino era obrigado pela letra do tratado a não
consentir nesses alistamentos, mas o cardeal não tinha o menor
empenho em cumprir à risca as suas promessas. Fechou os olhos a
tudo isso, e o conde de Soure, que a 2 de agosto de 1660 teve de Luís
XIV a sua audiência de despedida, apesar da oposição do
embaixador espanhol, esteve mais de dois meses tratando desses
alistamentos. Partiu afinal com o conde de Schomberg do Havre no dia
20 de outubro de 1660.
Chegando
a Lisboa foi muito bem recebido pela rainha, mas, tempos depois,
como fizesse oposição ao conde de Castelo Melhor, foi por este
exilado para Loulé, e regressando a Lisboa em 1664 por ocasião do
casamento de D. Afondo VI, veio a falecer pouco depois.
João
da Costa, 1º conde de Soure Genealogy (Geni.com)
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