Sousa
de Macedo (António
de).
n. 15 de dezembro de 1606.
f. 1 de novembro de 1682.
Fidalgo
da Casa Real, comendador das ordens de Cristo e de S. Bento de Avis;
doutor em direito civil pela Universidade de Coimbra, desembargador
da Casa da Suplicação, distinto diplomata, secretário de Estado
de D. Afonso VI, etc.
Nasceu
no Porto a 15 de dezembro de 1606, faleceu em Lisboa a 1 de novembro
de 1682. Foram seus pais Gonçalo de Sousa de Macedo, fidalgo da
Casa Real, desembargador de agravos na Casa da Suplicação, juiz da
coroa e da fazenda, e contador-mor do reino, e D. Margarida Moreira,
ambos descendentes de famílias ilustres, oriundas da vila de
Amarante.
Muito
criança ainda veio estudar para Lisboa no Colégio de Santo Antão,
onde aprendeu latim, humanidades e filosofia peripatética, começando
desde logo a revelar um talento superior, pelos grandes progressos
que fazia. Passou depois à Universidade de Coimbra, e ali se
doutorou em direito civil. Foi tão brilhante o concurso que D.
Francisco Manuel de Melo, sem dúvida também um dos mais
robustos talentos do seu século, lhe fez um grande elogio, que está
publicado na sua Viola de Talia. Em seguida voltou para
Lisboa, foi nomeado desembargador de agravos na Casa da Suplicação,
lugar em que se distinguiu, não só pela sua elevada inteligência,
como pela imparcialidade, justiça e rectidão, que sempre presidia
a todos os seus actos. Se na jurisprudência se
tornou eminente, não o foi menos na política, e em 1641 obteve a
nomeação de secretário da embaixada junto à corte de Inglaterra,
sendo escolhido para embaixador D. Antão de Almada. Nessa época,
Portugal terminava a sua escravidão, emancipando-se do domínio de
Espanha, domínio quê durou sessenta anos de afrontas, de misérias
e de opróbrios, e de que nos livrou a coragem a energia de uns
poucos de homens, que planearam a conjuração que nos restituiu a
independência no 1.º de dezembro de 1640, um dos factos mais notáveis
e mais gloriosos da história do país. Espanha, vendo-se então
vencida, e perdendo Portugal que apenas considerava uma simples colónia,
sem ao menos lhe conceder as vantagens de que as outras colónias
gozavam, trabalhou activamente pelo meio da intriga, empregando toda
a insidia possível, aproveitando-se de não ter sido ainda
reconhecida pelas potencias estrangeiras a dinastia brigantina, que
fora chamada ao trono português; de tudo se serviu para que a nação
perdesse o prestígio. Chegou a tanto o despeito de Espanha, que,
quando em 28 de fevereiro de 1641 a embaixada portuguesa partiu pare
Inglaterra, mandou sair de Dunquerque sete fragatas em sua perseguição
até ao canal, mas apesar disso, a embaixada conseguiu entrar em
Plymouth em 7 de março, vencendo todas as contrariedades depois
duma viagem rápida. D. Antão de Almada e António de Sousa de
Macedo foram incansáveis na defesa de D. João IV, defesa em que só
empregaram a eloquência na palavra a na escrita. Aos esforços
destes dois portugueses distintíssimos se deveu em grande parte,
que a Inglaterra
viesse a reconhecer os direitos do duque de Bragança, porquanto não
parecia aquele governo muito disposto a favorecer a restauração
patriótica.
Carlos
I exigiu um documento em que se declarassem as causas e as razões
da revolução de Portugal, sem o que, nem ao menos queria admitir
os embaixadores. António de Sousa de Macedo enviou então, em 12 de
março, ao secretário de Estado do rei de Inglaterra uma carta em
que largamente expunha todos os acontecimentos que tinham
restabelecido a nossa independência. Não foi, portanto, só com a
espada que nessas épocas memoráveis se disputou o direito à coroa
de Portugal, a pena e a palavra concorreram também importantemente,
tornando-se ainda mais distinto António de Sousa de Macedo, a quem
coube grande parte da glória, pela forma como advogou a justiça da
causa. Foi então que publicou em latim as notáveis obras: Lusitania
liberata ab injusta castellanorum dominio, restituto legitimo
principi serenissimo Joanni IV, Londrini, 1645; e a Carta ao
papa Urbano VIII sobre o mesmo assunto. Respondeu também em
linguagem castelhana ao manifesto em favor do rei de Espanha,
publicado em 1641 peto seu cronista D. José Pellizer. Neste opúsculo,
o seu autor não empregou somente a erudição e a lógica, empregou
também a ironia e o ridículo, porque foi pródigo em epigramas
contra Pellizer. Este livro teve nesse mesmo ano, duas edições em
Lisboa e uma em Paris. Ainda em 1641 entrou António de Sousa de
Macedo na violenta questão que se agitava em toda a Europa por causa
da traição que encerrara num cárcere o infante D. Duarte, irmão
do rei D. João IV. Não pôde ficar silencioso, escreveu e publicou
em Londres, onde estava, o seu opúsculo a esse respeito,
intitulado: Publico sentimento da injustiça de Alemanha a el rei
de Hungria. Publicou-se depois em Lisboa no ano de 1642.
Assinado o tratado de aliança entre Portugal e a Inglaterra, a 29
de janeiro de 1642, D. Antão de Almada e Francisco de Andrade Leitão
partiram para Lisboa, ficando António de Sousa de Macedo como
ministro residente. Havia rebentado com gravíssimo aspecto a luta
entre Carlos I e o parlamento inglês, e o novo embaixador, além de
se ocupar das questões de socorros a Portugal e da manutenção da
sua aliança, tomou parte muito activa nas dissidências políticas
de Inglaterra, auxiliando Carlos I o mais que lhe era possível.
Muitos documentos curiosos, publicados por José de Torres no Arquivo
Pitoresco, vol. V, pág. 364 a 368, provam bem a dedicação que
Macedo manifestou ao rei Carlos I. Uma das maiores provas desta
dedicação foi a carta que o rei lhe escreveu de Oxford em 27 de fevereiro
de 1645, em que lhe declarava o grande pesar que tinha pela sue próxima
partida, da qual por ele soubera, porque devia muitíssimos favores;
protestando que seria eterna a sua gratidão, e que os seus
sucessores deveriam ter sempre em consideração estes serviços,
prestando todas as honras aos seus descendentes, quando se achassem
em Inglaterra Tendo o parlamento promulgado em 1644 uma lei, em que
se proibia a entrada nos portos ingleses a quaisquer navios que
continuassem a reconhecer a realeza de Carlos Stuart, Macedo foi o
primeiro ministro estrangeiro que protestou contra essa lei sem dúvida
injusta, porque, enquanto Carlos I não fosse deposto do trono
legalmente, os estrangeiros só deveriam reconhecer a sua
autoridade, conservando-se sempre alheios às evoluções civis da
Inglaterra. Na biblioteca de Évora existem muitas cartas suas
escritas de Londres para Paris, ao conde da Vidigueira, que então
era nosso ministro naquela corte. Estas cartas, segundo consta,
revelam muitos e importantíssimos esclarecimentos acerca das
malfadadas pendências de Carlos I com o parlamento inglês, pendências
que terminaram com a morte daquele infeliz monarca.
Regressando
a Portugal, foi António de Sousa de Macedo nomeado em 1650
embaixador para Holanda, indo substituir Francisco de Sousa
Coutinho. Esta embaixada era uma das mais difíceis missões diplomáticas
desse tempo, pela forma como procedia aquele país, desejando
conservar-se na melhor harmonia com todas as nações da Europa, e
receando indispor-se com Espanha, que poderia tornar-se sua inimiga,
por cause das deferências que Holanda tinha para com Portugal.
Macedo, como grande diplomata, desempenhou o seu cargo com o maior
zelo e integridade, honrando sempre o nome português, e conseguindo
que a Holanda se desembaraçasse habilmente da posição difícil em
que se encontrava. Em 1652 achava-se de volta a Portugal, tendo
alcançado que pudéssemos ir continuando a recuperar Pernambuco sem
nos expormos a uma guerra marítima com a Holanda. A capitulação
de Pernambuco em 1654 foi em parte, pode dizer-se, resultado dos hábeis
e políticos esforços de António de Sousa de Macedo. Os dez anos
que seguiram foram de descanso político e diplomático para o
ilustre ministro, e anos de trabalho como jurisconsulto. Assistiu em
1656 ao juramento do príncipe D. Afonso, proclamado rei de Portugal
com o nome de D. Afonso VI, pela morte de seu pai, ficando regente
do reino sua mãe, D. Luísa de Gusmão. Mais tarde, em 1662, o
jovem monarca, por instigações do seu ministro e valido conde de
Castelo Melhor, reclamou de sue mãe o poder, e apreciando
devidamente António de Sousa de Macedo como um dos portugueses mais
dignos e de talento superior, o nomeou, por conselho de Castelo
Melhor, seu secretário das Mercês, lugar vago pela demissão dada
a Pedro Vieira da Silva.
Em
janeiro de 1663 foi nomeado secretário de estado, e agraciado com
as comendas de S. Tiago de Souselas na Ordem de Cristo, e de Santa
Eufémia, de Penela, na Ordem de Avis, e com a alcaidaria-mor de
Freixo de Numão. Foi António de Sousa de Macedo um dedicadíssimo
colega do conde de Castelo Melhor. Dos seus trabalhos como ministro
restam dois documentos importantes, a Proposta que vocalmente fez
por mandado de Sua Majestade à junta dos eclesiásticos, catedráticos
e outras pessoas doutas e ministros de tribunais no convento de S.
Francisco de Lisboa em 8 de março de 1653 e a Relação sumária
que tinham passado sob a protecção de se confirmarem por sua
Santidade os bispos de Portugal e suas conquistas nomeados por
el-rei. Referem-se ambos à mesma questão, e foram reimpressos
nesse mesmo ano em português a em latim. Como se António de Sousa
de Macedo houvesse de tocar em todos os pontos da actividade humana,
também foi jornalista, porque os Mercúrios
portugueses,
com as novas da guerra entre Portugal e Castela,
periódicos mensais que principiaram a sair em Janeiro do 1663 e
foram sem interrupção até dezembro de 1666, formando uma colecção
de cinquenta números, porque houve dois suplementos, eram escritos
por ele. Além de tantos títulos que enobreciam Macedo, tinha pois
o de mais antigo jornalista conhecido, visto que ficaram em perpétuo
esquecimento os nomes dos redactores da primitiva Gazeta,
publicada em 1641. No artigo que serve de introdução ao primeiro número
do Mercúrio, queixa-se amargamente António de Sousa de
Macedo da falta de jornais, o que mostra que nessa época se não
publicou em Portugal nenhum periódico. O Mercúrio português
teve grande voga, mas apesar de ser escrito por homem tão erudito,
parece que não pôde, contudo, escapar ao fado de todos os jornais
políticos, porque o padre António Vieira achava-o pouco verídico,
impolítico e mal escrito. Essas dissidências poderiam talvez ser
motivadas pelo facto de serem os dois grandes escritores de opiniões
contrárias nas intrigas palacianas e políticas entre D. Afonso VI,
seu irmão D. Pedro e a rainha D. Maria Francisca de Sabóia.
Macedo, como secretário de Estado havia tomado o partido de D.
Afonso VI, a quem era afeiçoado, fazendo-lhe portanto oposição o
partido da rainha e do infante D. Pedro. Resultou daqui aborrece-lo
a rainha, e para se vingar acusá-lo de lhe ter faltado ao respeito;
porém a forma como os seus próprios inimigos referem o conflito é
muito curiosa. A rainha queixou-se de um facto qualquer sucedido com
um dos seus criados, e parece que dirigiu algumas palavras de
censura aos portugueses, e António de Sousa de Macedo respondeu com
irreverente cólera: "que sua majestade não tinha razão
de se queixar dos portugueses, porque o respeito que eles lhe
tinham, chegava a ser adoração". Não parece que esta
amabilidade possa envolver irreverente cólera, contudo, a
rainha considerou-se muito ofendida, e exigiu a demissão de Macedo.
D. Afonso opôs-se, sustentou uma grave luta contra sua mulher e seu
irmão, mas afinal pela falta de energia, que tão fatal lhe foi,
esmoreceu a sucumbiu, acabando por ceder. O conde da Ericeira, no Portugal
restaurado, diz, que o Conselho do Estado entendeu que, "só
para dar gosto à duquesa de Nemours", devia o rei mandar
retirar da corte durante dez ou doze dias o secretário de Estado e
restitui-lo depois à sua antiga ocupação. O facto é que a
rainha, naturalmente por Sousa de Macedo ser protegido pelo conde de
Castelo Melhor, reputava-o como adversário, e tanto se magoou com o
marido, enquanto não foi castigado o secretário de Estado, que
deixou de comparecer no segundo dia da corrida de touros da festa de
Santo António, celebrada por essa ocasião no Terreiro do Paço
pelo Senado de Lisboa. Foi então que se recorreu ao Conselho de Estado,
para satisfazer a irritação daquela senhora. Passado algum tempo
voltou Macedo a exercer o seu antigo lugar, o que aumentou as iras
da rainha, e levou seu cunhado, que mais tarde foi seu marido e rei
D. Pedro II, a uma cena violenta com D. Afonso VI, acabando o
conflito levantado por este motivo pela saída de Macedo para fora
do paço e para sítio, "onde nunca mais pudesse receber ordens
do infeliz monarca", como ele prometeu e cumpriu.
Em
1660, o general Monk, de acordo com o parlamento, chamou ao trono
inglês o rei Carlos II. Havia terminado a revolução que
derrubara os Stuarts e colocara no poder o usurpador Oliver Cromwell. António de Sousa de Macedo escreveu uma felicitação em
latim, que o rei Carlos II muito agradeceu; a quis ser o cronista
das festas que se fizeram por ocasião do casamento deste rei com a
infanta D. Catarina, filha de D. João IV, e irmã de D. Afonso VI e
de D. Pedro II, publicando anonimamente e em espanhol: Relacion
de las fiestas que se hizieron em Lisboa com la nueva del casamiento
de la serenissima infanta de Portugal dona Catalina com el-rei de la
Gran-Bretanha. Os últimos anos da vida de Sousa de Macedo foram
passados com mais descanso. Deixou um filho, chamado Luís Gonçalo
de Sousa de Macedo, 1.º barão da Ilha Grande, de que seu pai era
donatário, e que Carlos II agraciou com o título de barão da
Molingaria, em atenção aos serviços prestados por seu pai ao
infeliz monarca Carlos I, na desgraçada causa que o levou ao patíbulo
em 1649. O diploma passado pelo próprio punho real, em 28 de junho
de 1661, em que foi concedida esta graça por mercê especial de
Carlos II, está escrito em pergaminho e em língua latina, com selo
real pendente, e traduzido em vulgar.
António
de Sousa de Macedo faleceu no palácio no largo do Poço Novo, solar
de família, onde viveram os seus descendentes, condes de
Mesquitela, palácio onde há anos está a Escola Rodrigues Sampaio.
Foi sepultado na igreja do convento de Jesus, hoje freguesia das
Mercês, na capela do Senhor Jesus da Misericórdia, que ele mesmo
instituiu. No seu jazigo acha-se também encerrado o cadáver de sua
mulher, D. Mariana Lemercier. O jazigo, que é ornado de vários
emblemas, está colocado ao lado direito do altar da dita capela,
que ainda existe, a tem um extenso epitáfio em latim. Sobre a porta
que dá entrada para a capela, do lado da sacristia, lêem-se os
quatro primeiros versos da estância quarenta do canto primeiro da Ulissipo,
poema daquele finado escritor. Ao lado da porta, está a seguinte
declaração da capela ter sido edificada por Macedo: "Tratando
da morte no melhor tempo da sua vida, fundou, armou e dotou esta
capela para si e sua mulher D. Mariana Lemercier e seus
descendentes, com trinta mil réis de renda cada ano para uma missa
quotidiana perpétua e ofício de nove lições no oitavário dos
defuntos, e mais seis mil réis de renda para a fábrica e com outra
renda para merceeiros". Sobre a porta que dá para a igreja,
também se lêem os últimos quatro versos da referida estância. Ao
lado sobre a lousa de seus pais também se lê um epitáfio. As
paredes da capela estão cheias de dísticos, e no tecto também se
vêem uns emblemas com diversas frases latinas. Segundo consta, no
subterrâneo estão enterradas algumas pessoas, descendentes da família
deste ilustre e nobre varão.
Na
Biblioteca Lusitana e no Dicionário Bibliográfico
vem uma minuciosa relação das suas obras, das quais mencionaremos
algumas das principais: Flores de Espanha e Excelências de
Portugal, escrita em excelente linguagem castelhana, que teve
duas edições, uma em 1631 a outra em 1737. As seguintes obras
patenteiam bem a sua competência em todas as matérias, como grande
génio
que era: Harmonia politica, estatística; Vida de Santa
Rosa, historiador; Ulissipo, poeta; Genealogia Regnum
Lusitaniae, genealogista; Domínio sobre a fortuna, filósofo;
Decisões e Lusitania Liberata, jurisconsulto; Flores
de Espanha e Eva e Ave, em que prova ter sido muito
versado na história antiga e moderna, na profana e na sagrada, e
possuir a mais sólida e variada instrução.