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Ximenes (Fernão e Gaspar).
n.
f.
O
nome destes dois irmãos passou à história por terem figurado num
dos mais comovedores episódios que se conhecem do amor
fraternal.
Em
1585 naufragou no baixo da Judia, próximo a Madagáscar, a nau S.
Tiago, salvando-se numa lancha quarenta e tantas pessoas que
sofreram as maiores inclemências e privações, até que se
reconheceu ser indispensável lançar ao mar algumas delas, porque o
barco já não podia com tanto peso e ameaçava afundar se. As
vítimas eram designadas por homens de confiança dum religioso,
frei Tomás, que representou nesta tragédia um papel hediondo, e
foi então que se deu um caso extraordinário de amor fraternal que
ficou celebre através dos tempos. Na lancha iam Fernão Ximenes e
Gaspar Ximenes, irmãos e naturais de Lisboa. Como por qualquer
razão nenhum deles fosse sacrificado pelos terríveis juizes,
produziu-se entre os náufragos um movimento de protesto, alegando
eles que era uma barbaridade que se sacrificassem homens que eram o
amparo de suas famílias, e que ficassem a bordo dois irmãos, um
dos quais podia ser lançado ao mar.
Em
face deste protesto, os juizes executores, que eram quatro, não
esperaram que os ânimos se irritassem mais; lançaram as mãos a
Gaspar Ximenes, que era o mais velho dos dois, e iam a deitá-lo á
agua quando Fernão, agarrando-se a ele com todas as forças que o
desespero lhe dava, gritou, chorando, que o sacrificado devia ser
ele, porque seu irmão Gaspar era quem sustentava a mãe e as
irmãs, e por isso lhes fazia muita falta, dito o que, sem mais
delongas, se arrojou ao mar, mostrando uma coragem e uma frieza de
ânimo que assombrou a todos. Gaspar, salvo pela dedicação de seu
irmão, chorava e suplicava aos seus companheiros de infortúnio que
se apiedassem do heroico moço, mas as suas súplicas não tinham
eco. Primeiramente, Fernão Ximenes refugiara-se, como os outros
náufragos condenados à morte, nuns penedos, mas logo depois, não
querendo morrer sem esgotar todos os recursos de salvação, tornou
a lançar-se ao mar e, nadando vigorosamente, foi seguindo a lancha.
Seu irmão, vendo-o condenado a uma morte horrível, redobrava as
suas súplicas, que já iam importunando os mais egoístas da
companhia, sendo preciso que alguém mais generoso lhe aconselhasse
em voz baixa a que sufocasse a sua dor, para não correr o risco de
ser também lançado ao mar.
Por
fim, pôde mais que as lagrimas e as rogativas de Gaspar a
intrepidez de Fernão, que começou a abalar o animo de alguns dos
náufragos que ansiosamente o viam na sua luta desesperada pela
vida. Obstinavam-se os endurecidos de coração em mostrar-se
indiferentes à sorte do pobre moço, que não tardaria a sucumbir
por falta de forças e que já mal podia mover-se, mas nem tudo eram
egoísmos a bordo; num dado momento, os homens generosos, não
podendo suportar por mais tempo a crueldade daquele espectáculo,
gritaram que se recolhesse o infeliz nadador, que talvez nisso, não
houvesse perigo para os demais, e que só fosse abandonado à sua
sorte se efetivamente se reconhecesse que o havia. Este movimento de
compaixão foi tão eloquente e tão espontâneo que os menos
inclinados à piedade não puderam resistir-lhe, e disse se então a
Fernão Ximenes que subisse para a lancha Mas ele é que já não o
podia fazer, porque estava extenuado, e foi preciso estender-lhe um
chuço, a que se agarrou, para o recolhera bordo quase desmaiado.
Mais alguns instantes decorridos, e o heróico mancebo seria tragado
pelo mar.
Este
comovedor exemplo de amor fraternal tornou-se celebre. Os náufragos
sobreviventes contaram-no ainda com o assombro que lhes produzira no
trágico momento em que sucedera, e tal impressão causou a todos os
que ouviram a historia deste acontecimento que o nome dos irmãos
Ximenes notabilizou-se não só em Portugal como também no
estrangeiro, onde este episodio foi narrado em vários livros.
Uma
história dos Ximenes Manu Leo
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