A primeira Invasão francesa - 2.º parte

 



A situação de Portugal era desesperada no Outono de 1807. A França pressionava para que o país, contra os seus interesses, aderisse ao sistema continental, fechasse os portos ao comércio britânico e, mais inaceitável ainda, confiscasse a propriedade britânica em Portugal.

Vista de Lisboa tirada do Tejo
Vista de Lisboa tirada do Tejo, de Zacarias Doumet

Tentar resistir militarmente ao imenso poderio do Império francês, ainda por cima com o apoio da Espanha, parecia, e era, claramente impossível. O exército português estava desmobilizado, como era exigível a uma potência neutral, e fazer preparativos militares nessa altura seria considerado um acto, senão de guerra, pelo menos inamistoso. O Eleitor de Hesse na Alemanha, acabava de perder o seu trono por essa razão. Cortar as relações com o Reino Unido era pôr em causa a segurança das rotas comerciais do Império português, assim como o abastecimento de Lisboa, que vivia das importações de géneros alimentares estrangeiros, sobretudo o trigo americano. Era também pôr em causa o comércio do vinho do Porto, o mais importante produto de exportação português, vendido quase exclusivamente na Grã-Bretanha. Em última instância poderia acontecer a Portugal o que tinha acabado de acontecer à Dinamarca, e o exército aquartelado ao longo da fronteira terrestre e em Lisboa, com alguns corpos no Porto, não estava preparado para defender as zonas costeiras.

A solução que a Coroa portuguesa tentava conseguir por via diplomática passava por aderir ao Sistema Continental, mas sem tomar a medida drástica do confisco dos bens dos súbditos britânicos, o que criaria um casus bellum com a Grã-Bretanha, e o de negociar com este país a não aplicação das Ordens em Conselho inglesas de 1806, que colocavam os portos dos países que aderissem ao Sistema Continental automaticamente em estado de bloqueio. Do ponto de vista diplomático este programa de acção era perfeitamente aceitável. A capacidade das frotas britânicas de manterem o bloqueio de todos os portos europeus - da Noruega, passando pelas costas do Báltico, até Cádiz, no Atlântico e de Algeciras até aos portos do Adriático, como Veneza e Ragusa, no Mediterrâneo - era evidentemente limitada, e por isso dependente da vontade política do gabinete britânico de decidir bloquear o quê.

O problema é que, após Tilsit, as duas grandes potências em confronto declararam, de facto, guerra aos neutrais. Primeiro à Dinamarca, logo a seguir a Portugal e em 1812 aos Estados Unidos da América. Por mais absurdo que esta guerra fosse do ponto de vista económico, e mesmo ilegal face ao direito internacional, de acordo com o Tratado de Utreque, como notavam os políticos destes três países aos seus congéneres franceses e britânicos, o que era um facto é que a partir de 1807 a guerra tornou-se uma guerra total. Isto é, a guerra entre a França e o Reino Unido tinha deixado de ter um objectivo final quantificável em territórios, ou outros benefícios palpáveis, ganhos ou perdidos, e por isso passíveis de serem discutidos diplomaticamente, mas passou a ter um único objectivo, que era o de destruir a capacidade económica e militar da outra grande potência, de maneira a que uma deixasse de se opôr aos objectivos da outra. Não podia haver neutrais nesta guerra até à morte, e por isso a Inglaterra não aceitou as propostas portuguesas, como nem se tinha preocupado em discutir com a Dinamarca, e como não discutirá no futuro com os Estados Unidos. E a França imperial muito menos contemporizará com aquilo que muito historiador português considerará a "indecisão" portuguesa.

Em Dezembro de 1807, ao não conseguir apresar a frota portuguesa, o imperador francês perdia definitivamente qualquer hipótese de atacar militarmente a Grã-Bretanha. Dos 45 navios que pensara conseguir em Julho, não conseguiu um único em estado de servir. Os planos de Tilsit tinham ido literalmente por água abaixo. Restava-lhe a guerra económica, mas para isso precisava de controlar cada vez mais os portos dos aliados.

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