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Noticias circunstanciadas dos sucessos na viagem do General Loison, dos dias 21, 22, e 23 de Junho do 1808. Tendo-se em 16 de Junho em
Vila Real, primeiro que em outra parte reconhecido os Direitos do
Nosso Augusto PRÍNCIPE, e rompido o vergonhoso Grilhão Francês, que
nos oprimia, na tarde desse feliz dia se ouviram por toda a parte
alegres vozes de Viva Portugal, Viva o PRÍNCIPE, e Viva a Religião
pondo-se à testa de toda a Nobreza , e Povo , Francisco da Silveira
Pinto da Fonseca, Tenente Coronel de Cavalaria: depois de tão
gloriosa acção se principiou a combinar os meios, com que se fizesse
realizar o projecto de extermínio do Tirano e Sanguinário Governo
Francês, e restaurar em Portugal o da Soberana Casa de BRAGANÇA. Foi
então que se soube em Vila Real, que o General Loison à testa de
2.500 homens se encaminhava por Lamego ao Porto, a vingar nesta Cidade
a prisão, que os valorosos Espanhóis tinham feito nos executores
infames do pérfido Governo Francês; projectou-se obstar-se-lhe na
passagem do Douro, porém reflectindo-se melhor, intentou-se atacar o
inimigo na passagem do escarpado Marão no sítio dos Padrões da
Teixeira, convidando-se a isto os Povos de Guimarães, Canaveses, e
Amarante; partindo o Tenente-coronel Silveira para Chaves a procurar
fazer marchar 150 homens de Infantaria, já ali unidos, alguma
Artilharia, e principalmente pólvora, e bala, que não tínhamos. Enfim chega o dia 21, em
que Loison passa o Douro com 2.500 Infantes, 100 Dragões, 4 Peças de
Artilharia, e 2 Obuses, trazendo 27 carros de bagagem. 0 General
marchava numa carruagem no centro de uma desmantelada coluna, que
marchava com toda a confiança de Conquistadores, sem ordem, e mesmo
sem Armas carregadas: passaram primeiro 8 Cavaleiros, que
imediatamente se dirigiam a Mesão Frio, para fazerem Quartéis;
passou depois o General, e o infame Português Baeta, Físico-mor do
Exército Francês, e a Cavalaria; o General, e o Físico-mor se
dirigiram à Estalagem da Régua para almoçar aonde um valoroso
Soldado do 18.º Regimento, por alcunha o Ruivo , intentou vingar
neles as mortes, que tão injustamente este General fez nos Oficiais,
Soldados, e Paisanos na Vila das Caldas, mas que aquela Povoação
não consentiu com o temor de que fosse arrasada. A Infantaria
principiou a passar e logo que se achava formada alguma Divisão,
carregava as Armas, e continuava a marcha a Mesão Frio. Estando
Loison para jantar nesta Vila, lhe veio dizer uma Ordenança que nos
Padrões da Teixeira os Paisanos da Serra os não deixavam passar, a
que respondeu o General cheio de cólera. «Fazia tenção de dormir
aqui, agora mudei de tenção; às 4 horas da tarde vou castigar os
rebeldes.» Principiando de jantar, chega-lhe a noticia, que na Régua
dois valorosos homens Portugueses tinham principiado a atacar as
bagagens, e que este partido ia engrossando: destina-se o General a
vir castigar os novos rebeldes; toca às Armas; deixam comeres, malas,
e fardos em poder dos habitantes, e correm à Régua, aonde dois
corajosos homens de Canelas , chamados António Teixeira Fraga
Botelho, e Manuel Pereira Falante , acompanhados depois de Manuel
Alves Failde, António Teixeira de Araújo, e do sempre animoso
Capitão-mor da Prezegueda, que ali tinha vindo com suas Ordenanças,
e que em todo o dia comandou e animou, com outros de Poiares, e
Covelinhas, como também do Peso da Régua , atacaram a guarda da
bagagem, que seriam 200 homens, a tendo-lhe feito grande carnagem
desampararam três carros, que já tinham passado o Rio Douro, dos
quais os nossos ficaram senhores, ficando a outra da margem oposta, à
excepção de uma barca, que vinha passando o rio, da qual os
marinheiros se fizeram senhores, ficando todos os seus efeitos nas
nossas mãos: este sucesso fez retroceder o General e a sua Coluna.
Uns corajosos Paisanos se emboscaram no sítio do Santinho; Carlos,
Cirurgião da Régua, e outro, cujo nome se ignora, esperaram com as
Armas ocultas, mas descobertos, que o General passasse, passou, e a 30
passos lhe atiraram quatro tiros, e vendo que [ele] não
caíra, lhe começaram a atirar à pedra, acção que pasmou o
General: os emboscados fizeram fogo, mataram 2 Oficiais de Dragões, e
alguns Soldados de Cavalaria, mas se retiraram, Projectando em o dia 22 o
inimigo saquear o Peso, e a Régua, quis assegurar-se das alturas de
S. Gonçalo, e Senhora da Graça de Lobrigos, e Ribeira de Jugueiros;
para isto mandou o Grão-major de Batalha com um Destacamento de 30
homens, e vários outros Destacamentos, e fez passar a Artilharia para
o lado oposto do rio, e a fez assestar ao Peso e Régua; pôs as suas
Guardas de forma que estas Povoações ficaram cercadas; bordou tudo
com a sua Tropa, e passou a executar mil modos de barbaridades, e
crueldades sobre os infelizes, que por sua idade, sexo, e enfermidades
não puderam largar as suas casas: o que tendo executado, sendo
avisado [que] ia a ser atacado por diferentes Colunas de
valorosas, e corajosas Ordenanças ao meio-dia tocou a reunir, e
começou de repassar o Rio Douro, esquecendo-se de ir ao Porto
executar os vis projectos do seu infame Governador. Foi neste dia de
manhã que no posto da Senhora da Graça três valorosos Paisanos, de
Vila Real, e um do Peso, atacaram a Guarda do Grão-major,
matando a este, e mais dois Soldados, sendo o primeiro, que o feriu
João Baptista de Araújo, Estanqueiro de pólvora em Vila Real, e
repetindo-lhe segundo o caixeiro do Velela do Peso, tomando-lhe o
primeiro um bom macho, em que ia o tal Oficial. O Reverendo Capucho Fr.
Pedro de Parada de Cunhos aqui matou 2 Soldados, e no alto de S.
Gonçalo outro foi morto, sem que neste ataque tivéssemos algum
morto, ou ferido, mas tão somente aqueles infelizes , que a raiva a
barbaridade de hum inimigo batido sacrificou no saque ao seu furor. Foi na tarde do dia 22 que
a Coluna de Ordenanças de Vila Real , numerosa em mais de 10 [mil]
animosos Paisanos , comandada por unânime consentimento de todos , e
pela nomeação do Capitão mor das mesmas Ordenanças de Vila Real,
pelo Tenente de Cavalaria João Botelho Guedes, chegou a S. Gonçalo
de Lobrigos , e sendo informado , que o inimigo tinha embarcado, a que
só lhe restava uma pequena porção de Tropa a passar, animou o Povo,
mandando uma Tendo-se em o dia 23 pela
manhã distribuído pólvora, e bala, que a actividade do
Tenente-coronel Silveira tinha remetido de Chaves, e chegando à nossa
notícia, que Lamego era saqueada determina-se o embarque, e ir
socorrer os nossos compatriotas; não se vê outra coisa mais do que a
emulação de ser o primeiro no Embarque; e se algum desfalecia por
falta de comida (pois havia muitos que fizeram a marcha de um
dia sem ter tomado alimento) o Tenente Botelho, e Francisco Correia do
Amaral o animava, dando-lhe mesmo do seu dinheiro, para comprarem pão
em Lamego, e marcharem, sendo ambos incansáveis em fazer embarcar a
gente, animá-la, e conduzi-la em seguimento do inimigo. Chega-se a Lamego: a valorosa coluna de Vila
Real formada a 3, com Bandeiras despregadas, e. ao som de caixas
batentes, e seguida das outras fazem declarar a esta Cidade, ressoar
nas suas ruas alegres vozes de Viva o PRÍNCIPE REGENTE, Viva
PORTUGAL, Morram os seus inimigos. Os Cidadãos desta Cidade, berço
da nossa Monarquia, repetem o mesmo, correm às Armas, e se unem à
causa comum. Isto feito, corre-se ao ataque, e se encontra o inimigo
acima da Póvoa de Juvantes, aonde estavam descansando; mas vendo, que
o seguíamos, continua a sua marcha nesta forma: O General Loison com
toda a sua Cavalaria na Vanguarda levando no centro a bagagem, e a
Infantaria em coluna na retaguarda, marchando com grande união, e
disciplina, mas velozmente. Foi aqui que 250 a 300 homens valorosos,
cheios do maior ânimo, e coragem fazem sobre o inimigo um fogo
matador, e constante por mais de duas léguas. É de admirar a ordem,
e o método, com que o faziam, aproveitando-se das posições locais,
penedias, e desfiladeiros; a presteza, com que depois de fazerem a sua
descarga, se lançavam à terra para carregar, e enquanto os outros
avançavam terreno para dar a sua descarga, o reconhecimento das
alturas, as emboscadas, etc. sendo animados todos pela, Nobreza já
dita, distinguindo-se muito o Monsenhor Miranda , e o Tenente João
Pinto Passo, que igual ao vento chegou em uma escaramuça, a raspejar
a coluna inimiga; porém a. falta de pólvora, e bala fez cessar o
fogo, e ataque. Mostra bem o respeito, que nos olharam, a disciplina,
com que a coluna inimiga marchava, a retirada em ordem que fazia, as,
guardas, que lançava para protege-la, e o ser obrigado o General a
montar a Cavalo, e a manobrar em consequência. Cessando o ataque, o inimigo acampou em duas
pequenas eminências, formando da sua coluna dois quadrados, e
recocentrando, no seu intervalo toda a bagagem, postando fortes
guardas em todas as direcções, que mesmo de noite foram incomodadas
por alguns, que dormiram ao pé e pelos povos daquelas serras, que
igualmente concorreram a seguir o inimigo. No dia 24 não passaram de Castre Daire,
sendo até ali mesmo acossados, aonde o General pediu fios para se
curar, por ir ferido em uma coxa. Resultou destes diferentes ataques ser livre
a Capital do Porto, pôr-se em fugida hum General experimentado, que
comandava esses chamados valorosos vencedores de Marengo, Austerlitz,
e Iena, sendo acossados por Paisanas descalços, armados pela maior
parte de fouces, chuços, e paus; vermos seguras de invasão as Províncias
do Minho, e Trás-os-Montes; sofrendo de perda incalculáveis
bagagens, já na Régua, que se lhe tomaram, já em Mesão Frio, e
Castro Daire, que abandonaram; vários, e ricos uniformes, que ornam
os Templos de S. Gonçalo de Amarante, e Senhora da Oliveira em Guimarães,
e de que andam vestidos os nossos Paisanos; 2 Obuses, e mais de 25
barris de pólvora, e bala, que foram mergulhados no Rio Douro, uma
forja de Campanha, que enobrece Vila Real, outra despedaçada na Póvoa
de Juvantes, uma Carreta ali quebrada, a Secretaria lançada no Rio;
perda para eles, e para nós considerável , para nós por perdermos o
conhecimento de seus planos, e projectos, Livros Mestres, e económicos
de Companhias , Livros, e Instrumentos de Musica, e sobretudo várias
preciosidades de ouro, e prata, que deixaram os nossos Paisanos ricos. Calcula-se a perda dos mortos do inimigo em
mais de 300, e se sabe que em Viseu achou de menos 700 a 800: nos
mortos entra um Grão-Major, um Ajudante de Ordens, um Capitão, e
dois Oficiais de Cavalaria: consta levar de Castro Daire 20 Carros de
feridos, sendo do seu número o General, e um Ajudante de Campo.
Morreram da nossa parte 4 valorosos homens, perda considerável pelo
seu valor, o qual os sacrificou até ir com uma foice no Peso
atacar-lhe as fileiras; tivemos três feridos: morreram mais no saque
15 pessoas das desgraçadas, que nas casas se achavam, e encontravam
nos caminhos descuidadas. Distinguiram-se, além dos já nomeados
e cujos nomes se puderam averiguar, de Vila Real o Capitão
Baia , o Padre Luís Cambalhoto, 2 irmãos, por alcunha os Paciências,
Gregório das Quintelas, o Tenente de Milícias de Parada Cristóvão,
o Reverendo José de Galegos da Serra, um sobrinho do Pintor da Rua
Nova, o Padre José Ferreira Grilo, Alexandre Carroça, António Dias
, o Reverendo Abade de S. Dionísio, António Cumprido, hum rapaz por
alcunha o Mirandeiro, Romão Fernandes, todos de Vila Real, e outros
muitos que ignoro os nomes; 3 Religiosos de Celeiros, os de Canelas,
os da Prezegueda, muitos de Guimarães, alguns de Lamego, e entre
estes os Marchantes, que até foram a cavalo, e com os seus cães de
fila: é grande o sentimento ignorar o nome de um Religioso, que em
toda a Acção de 23 perseguiu o General, e que obrigou a este a
fazer-lhe elogios em Viseu. Deve-se grande parte desta Acção ao
valoroso Coronel de Milícias António da Silveira Pinto, motor da
marcha da Coluna de Vila Real; e que com presteza nos veio sustentar,
e franquear a passagem do Rio com 150 homens de Tropa de Linha, e 4 Peças. |
© 2000-2010 Manuel Amaral