Fidalgo da Casa Real, por sucessão a seus maiores, cavaleiro da
antiga Ordem da Torre e Espada; oficial da imperial Ordem da Rosa do
Brasil, bacharel formado em cânones pela Universidade de Coimbra,
comissário geral de instrução primária pelo método português,
que ele criou; sócio da Academia Real das Ciências de Lisboa,
membro do Real Conservatório, vogal do Conselho de Instrução Pública
e do antigo Conselho Dramático; sócio da Sociedade Jurídica de
Lisboa, e da Literária Portuense, do Instituto Histórico de Paris,
da Academia das Ciências e Belas Letras de Ruão, da dos Ardentes
de Viterbo, da Academia de História de Madrid, e da Arcádia
Romana, com o nome de Memnide Eginense, escritor e poeta,
etc.
Nasceu em Lisboa a 28 de janeiro de 1800, onde também faleceu a
18 de junho de 1875. Era filho do dr. José Feliciano de Castilho, médico
da Real Câmara e lente de prima da Universidade (V. esse
nome), e de sua mulher, D. Domicilia Máxima de Castilho.
Era uma criança enfezada, que afinal começava a tomar
prometedoras proporções, quando adoeceu gravemente, manifestando sérios
sintomas de tísica, receando-se muito que não pudesse salvar-se.
Resistiu, porém, e já lia e escrevia quando nos seis anos o
sarampo o prostrou novamente no leito, tomando um carácter gravíssimo;
ainda teve a fortuna de resistir, mas com a infelicidade de ficar
privado da vista, tornando-se inúteis todos os meios empregados
pela medicina, especialmente por seu pai, para o livrar da terrível
cegueira. Custa a acreditar que, aprendendo somente pelo que ouvia
ou lhe diziam, Castilho pudesse alcançar tão grande erudição, o
conhecimento superficial dumas poucas de línguas, e a ciência da língua
portuguesa tanto a fundo, que não é fácil determinar aquilo em
que mais primava, nem decidir-se se o poeta era maior que o
prosador. Acompanhado por seu irmão Augusto Frederico de Castilho,
quase da mesma idade, com ele estudou humanidades, se instruiu no
conhecimento dos poetas latinos, que foram sempre os seus estudos
predilectos, e com ele se matriculou na Universidade de Coimbra, na
faculdade de cânones, em que ambos se formaram. Foi discípulo do
padre José Fernandes, latinista de primeira ordem e poeta muito
apreciável, a quem deveu os elementos necessários para adquirir o
conhecimento profundo da língua latina, que sempre o distinguiu. O
seu talento poético começou a desenvolver-se, sendo ainda criança;
versejava com a máxima facilidade, e os seus primeiros versos
tinham já o cunho melodioso e bocagiano; que foi o característico
da sua poesia. Tinha dezasseis anos, quando escreveu e publicou um Epicédio
na morte da augustíssima senhora D. Maria I rainha fidelíssima.
Esta poesia causou a maior surpresa, por ser firmada por um poeta de
tão tenra idade, e sobretudo cego. O paço agradeceu a homenagem à
memória da soberana, concedendo-lhe uma pequena pensão, que teve
apenas o carácter dum aplauso e dum incitamento.
Em 1818 publicou outro poemeto, intitulado: À faustíssima aclamação
de s. m. o sr. D. João VI ao trono. Estas duas composições
granjearam-lhe o despacho da propriedade duma escrivaninha de ofício
de escrivão chanceler e promotor do Juízo da Correição da cidade
de Coimbra, cujo lugar, pelo seu natural impedimento, era exercido
por seu tio António Barreto de Castilho. Em 1820 publicou uma Ode
à morte de Gomes Freire e seus sócios, e nesse ano também
imprimiu anonimamente o elogio dramático, A Liberdade, para
se representar num teatro particular. No sarau realizado na sala dos
capelos da universidade em 21 e 22 de novembro de 1820, recitou várias
composições, que andam insertas na Colecção publicada em
Coimbra. Em 1821 imprimiu o seu poema pseudoclássico Cartas de Eco
e Narciso, dedicadas à mocidade académica. Em outubro de 1826,
sendo provido no priorado de S. Mamede da Castanheira do Vouga seu
irmão Augusto, que abraçara o estado eclesiástico, e que era o
seu companheiro inseparável, seguiu-o àquela solidão alpestre
escondida nas abas da serra do Caramulo. Ali viveu durante oito
anos. Os tempos eram difíceis, as perseguições políticas começaram
pouco depois, seguiu-se-lhes a guerra civil; os seus ecos dolorosos
chegavam por vezes aos recôncavos daquele retiro; seguia-os o
susto, o sobressalto, a inquietação do espírito; pois através de
tudo lá penetraram também os rumores da revolução literária que
ia lavrando na Europa, e isto bastou para lhe alvoroçar a alma. Foi
nessa época que traduziu as Metamorfoses e os Amores
de Ovídeo, que escreveu muitos dos versos que depois se
incorporaram nas Escavações poéticas, e que compôs dois
poemetos: A noite do Castelo e os Ciúmes do Bardo. A
publicação das Cartas de Eco e Narciso motivou ao poeta uma
aventura romanesca. Uma dama reclusa no convento de Vairão, D.
Maria Isabel Baena Coimbra Portugal, escreveu-lhe dando-se como uma
nova Eco, e perguntando se ele procederia como Narciso. Esta
intriga galante deu em resultado a série de quadras do Amor e
Melancolia, que o poeta compôs, e publicou em Coimbra no ano de
1828. Esta senhora veio a ser sua esposa, realizando-se o casamento
em 29 de julho de 1834. Pouco durou este idílio, porque D. Maria
Isabel faleceu em 1 de fevereiro de 1837. No ano de 1840 acompanhou
seu irmão Augusto à ilha da Madeira, e assistiu à sua morte em 31
de dezembro desse ano. Castilho tentou vulgarizar a história de
Portugal numa publicação por fascículos, intitulada Quadros históricos.
A Sociedade propagadora dos Conhecimentos Úteis, que fundara o
jornal literário O Panorama, publicou em 1839 oito fascículos
desta obra, em que colaborou Alexandre Herculano, escrevendo o último
quadro. Nesse mesmo ano passou as segundas núpcias com D. Ana
Carlota Xavier Vidal, natural da ilha da Madeira, que faleceu em
1871. Nos primeiros dias de 1841 voltou da ilha da Madeira, e em 1
de outubro publicava-se o primeiro número da Revista Universal
Lisbonense, por ele fundada e dirigida, uma das folhas que mais
serviços prestou à agricultura, à industria, às artes, à história,
à moralidade e às letras. Deixou a direcção da Revista em
17 de junho de 1845, e nesse ano e no seguinte, de colaboração com
seu irmão, o conselheiro José Feliciano de Castilho, deu principio
à Livraria Clássica Portuguesa, onde escreveu as biografias e juízos
críticos com referência a Bernardes e a Garcia de Resende.
Em 1846 fez uma rápida passagem pela política, militando no
partido cartista, e escrevendo um panfleto intitulado: Crónica
certa muito verdadeira da Maria da Fonte, escrevida por mim mesmo
que sou seu tio, o mestre Manuel. da Fonte, sapateiro do Peso da Régua,
dada à luz por um cidadão demitido que tem tempo para tudo.
Por esse tempo começou também a luta em que empenhou uma grande
parte da sua vida, para fazer adoptar o seu método de leitura,
contra o qual se levantaram grandes polémicas. Depois, duma luta
pertinaz pela violência dos adversários, só ficou vitorioso em
parte, porque se o governo o nomeou comissário para a propagação
do seu método e lhe deu um lugar no Conselho Superior de Instrução
Pública, nunca o fez adoptar oficialmente, e foi esse o eterno
pesar da sua vida. Em 1847, desgostoso por ver a frieza com que fora
acolhida em Portugal a sua inovação, partiu para os Açores, onde
se demorou até 1850. Em Ponta Delgada escreveu o Estudo Histérico-Poético
de Camões, enriquecido de curiosas notas, fundou uma
tipografia, onde se imprimiu o jornal o Agricultor Michalense,
a convite da sociedade promotora da agricultura da ilha, sendo,
Castilho o redactor principal; estabeleceu conferências que
despertaram o amor de estudo; fundou a sociedade dos Amigos das
Letras e Artes; escreveu a Felicidade pela agricultura, o Tratado
de Mnemónica, o Tratado de metrificação, as Noções
rudimentares para uso das escolas, e traduziu os Colóquios
aldeãos de Timon; tentou radicar a tipografia e a gravura em
madeira; compôs para aplicar a poesia à música, e torná-la por
isso mais atractiva, o hino do trabalho que se tornou muito popular,
o dos lavradores, e o da infância no estudo; por sua iniciativa se
criaram na ilha escolas gratuitas, umas de instrução primária,
outras de instrução secundária; aí se ensaiou pela primeira vez
o método de leitura repentina.
No dia 22 de fevereiro de 1850 regressou a Lisboa, e empregou-se
com violência na luta contra os adversários do seu método de
leitura, que se publicaram duas edições em 1850 saindo a terceira
em 1853, refundida e acompanhada de vinhetas, com o titulo de Método
português Castilho. Esta propaganda também motivou grandes polémicas,
em que por vezes Castilho se excedeu, como na Tosquia de um Camelo,
carta a todos os mestres das aldeias e das cidades, em 1853; O
ajuste de contas, em 1854, e Resposta aos Novíssimos
impugnadores do Método português, de 1854, publicando neste
mesmo ano a 4.ª edição do Método. Em 1853 foi nomeado
comissário geral de instrução primária; então abriu cursos públicos
em Lisboa, Leiria, Porto e Coimbra, para instruir os professores. Em
1865 foi ao Brasil com o intuito de propagar, o seu Método
donde voltou nesse mesmo ano, sendo recebido amigavelmente pelo
imperador D. Pedro II, a quem dedicou o seu drama Camões, e
de quem foi sempre dilecto amigo, até à morte. Quando D. Pedro V
criou em 1858 as três cadeiras do Curso Superior de Letras,
ofereceu a Castilho a cadeira de literatura portuguesa, que ele não
quis aceitar. Em 1861 publicou se a nova edição do Amor e
melancolia, aumentada com a Chave do enigma, parte
complementar desenvolvida, com a autobiografia do poeta até 1837.
Em 1862 publicou-se a tradução dos Fastos de Ovídeo, em
seis volumes, seguida de copiosíssimas notas escritas a seu convite
por diferentes escritores portugueses. Em 1863 publicou-se o Outono,
colecção de poesias. Em 1866 foi a Paris em companhia de seu irmão
José Feliciano de Castilho, sendo ali apresentado a Alexandre
Dumas, de quem era apaixonado admirador. Nesse ano publicou em Paris
a Lírica de Anacreonte; em 1867, também em Paris, apareceu
urna edição luxuosa da tradução das Geórgicas de Virgílio;
em 1868 saíram os Ciúmes do Bardo, com a tradução em
italiano pelo próprio autor. Castilho empreendeu a tradução do Fausto,
de Goethe, primeira parte, sobre uma tradução francesa. Surgiu uma
polémica violenta, chamada a Questão faustiana. Existe um
grande número de cartas de Castilho publicadas em jornais e
revistas a este respeito, que bem mereciam ser coligidas em
volume.
O titulo de visconde de Castilho foi-lhe concedido em duas vidas
por decreto de, 25 de maio de 1870. A sua morte foi muito sentida, e
no seu funeral viram-se representadas todas as classes da sociedade,
os ministros, os seus colegas da Academia, os representantes das
letras e do jornalismo, os homens mais ilustres no exército, da
magistratura, do professorado e da armada. Do visconde de Castilho
veio publicada uma minuciosa biografia escrita por A. X. Rodrigues
Cordeiro no Almanaque de lembranças para 1877, outra pelo
Dr. Teófilo Braga, na Enciclopédia Portuguesa Ilustrada, em
publicação no Porto, vol. 2.°, pág. 639 e 640; e outra por
Latino Coelho, na Revista Contemporânea tomo 1, pág. 297 a
312, 353 a 360, 453 a 459, continuando no vol. II. de pág. 177 a
183 e de pág. 321 a 336. No Dictionnaire des contemporains,
de Vapereau, 3.ª edição, pág. 339, vem também a seu respeito
uma notícia biográfica. Para comemorar o centenário do nascimento
do notável homem de letras, colocou-se em 28 de janeiro de 1900 uma
lápide na propriedade onde ele nasceu, a S. Pedro de Alcântara.