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Fernando
I,
o Formoso
.
n.
31 de outubro de 1315,
f. 22
de
outubro
de 1383.
9.º
rei de Portugal.
Nasceu
em Lisboa a 31 de putubro de 1315, onde também faleceu a 22 de
igual mês de 1383. Teve o cognome de formoso pela gentileza do seu
porte. Era filho de D. Pedro I e de sua mulher, a rainha D. Constança,
que faleceu ao dá-lo à luz, deixando-o assim órfão dos carinhos
maternais desde o nascimento. Por morte de seu pai, sucedida em 18
de janeiro de 1367, subiu ao trono, contando 21 anos de idade.
A
natureza concedera-lhe liberalmente todos os dons para se fazer amar
do seu povo, mas a sua política ruinosa, os escândalos que
provocou, o seu carácter volúvel, louca prodigalidade e a
imoralidade do seu viver, não tardaram a excitar a geral indignação
e causaram a Portugal irreparáveis danos. D. Fernando era
ambicioso, apesar da sua indolência, grande predilecção pelos
prazeres amorosos, e do seu pouco gosto pelas batalhas. Quando D.
Pedro, o Cruel, foi morto por seu irmão bastardo, D.
Henrique de Trastamara, também pretendente ao trono de Castela,
refugiaram-se em Portugal muitos fidalgos partidários do vencido. e
que tinham lutado em sua defesa. Estes fidalgos despertaram a ambição
de D. Fernando, aconselhando-o a que fizesse valer os seus direitos
à coroa, por sua mãe, D. Constança, prometendo-lhe que muitas
cidades castelhanas seguiriam o seu partido, facto que efectivamente
se deu; o povo português reprovava a guerra, que só poderia ser
favorável a esses estrangeiros que D. Fernando tanto estiorava,
mas o rei só atendia à sua ambição e, para realizar os seus
intentos, não duvidou em se aliar com o rei mouro de Granada,
deixando-o apoderar-se das terras que fossem ao seu partido, e
permitindo-lhe que chamasse para o socorrerem os correligionários
africanos. O neto de D. Afonso IV, vencedor do Salado, sacrificava
assim à sua ambição pessoal uma grande parte da península cristã,
que seu avô tão briosamente havia defendido. Ao mesmo tempo
solicitava a aliança do rei de Aragão, dando-lhe as cidades que
conquistasse, e comprometendo-se a pagar-lhe desde logo um subsídio.
Aos fidalgos castelhanos que se diziam seus partidários, concedia
todas as mercês, distribuindo por eles as terras de Portugal. D.
Fernando, depois de tomar estas precauções, que julgava propicias
para alcançar o que desejava, invadiu a Galiza que se declarara a
seu favor, mas provou logo a sua incapacidade militar e falta de
gosto pelos exercícios bélicos. Na verdade, D. Henrique, apenas
soube desta invasão, marchou para Galiza com um forte exército, e
D. Fernando, não só se retirou precipitadamente, mas confiando a
D. Álvaro Pires de Castro o cuidado de dirigir a retirada, meteu-se
numa galé e fugiu para o Porto. D. Henrique atravessou o Minho,
entrou em Portugal, tomou Braga, e não podendo render Guimarães,
passou a Trás-os-Montes, que devastou, tomando Bragança, Vinhais e
Miranda, e não prosseguiu nas suas conquistas, porque o rei mouro
de Granada atacando a Andaluzia, o obrigou a partir em socorro da
sua fronteira meridional. D.
Fernando fora para Coimbra presenciando indiferente e de longe a
devastação do seu reino. Depois, ao passo que pedia em casamento a
filha do rei de Aragão, e lhe enviava importantes quantias para lhe
subsidiar a aliança e animá-lo a fazer a guerra a Castela,
negociava a paz com o rei D. Henrique, tratando igualmente o
casamento com uma sua filha. As pazes afinal assinaram-se em
Alcoutim em condições. não muito desfavoráveis para Portugal, e
com a cláusula de se realizar o casamento de D. Fernando com D.
Leonor de Castela. O rei de Aragão ficou furioso, e para se vingar
prendeu o tesoureiro português Afonso Baraceiro, que lhe levara o
subsídio de D. Fernando, e confiscou-lhe todo o dinheiro que ainda
tinha em seu poder.
As
enormes despesas da guerra, a perda de tanto dinheiro com o rei de
Aragão, as largas mercês concedidas aos fidalgos castelhanos
haviam reduzido o fisco português a tais dificuldades que D.
Fernando viu-se obrigado a recorrer à medida da alteração das
moedas. Era um recurso fictício, de que resultou a carestia de
tudo, tendo o rei de fixar taxas ao preço dos géneros, vexame que
fez desaparecer os géneros do mercado, e produziu a fome. Como se não
bastassem tantas desgraças, o futuro ainda preparava um quadro mais
tenebroso; a paixão louca de que D. Fernando se possuiu por D.
Leonor Teles de Meneses, mulher dissoluta, perigosa e perversa, que
tanto influiu no seu ânimo, veio completar a obra da ruína e perdição
do reino. D. Leonor Teles era formosa, casada com um fidalgo chamado
João Lourenço da Cunha, e irmã de D. Maria Teles, dama de D.
Beatriz, filha de D. Inês de Castro e irmã de D. Fernando, que
vivia no mesmo paço real, passando por entreter criminosa
intimidade com o próprio irmão. D. Leonor Teles costumava visitar
sua irmã; numa dessas visitas viu D. Fernando nos aposentos de D.
Beatriz, e sentiu por ele uma paixão violenta e impetuosa. D.
Fernando falou a D. Maria Teles, manifestando o amor que os encantos
da irmã lhe despertara na alma, porém D. Maria Teles, muito
diferente de D. Leonor, era uma senhora honestíssima e repeliu as
confidências do soberano, dizendo que não concorreria nunca para
que sua irmã fosse amante do rei. D. Fernando alegou que a queria
para sua mulher, contando obter o divórcio de D. Leonor, a pretexto
dum parentesco longínquo entre ela e seu marido. Era o que D.
Leonor Teles desejava, iria ser rainha, o que muito satisfazia à
sua ambição. O divórcio obteve-se, a dispensa de Roma não se fez
esperar; João Lourenço da Cunha, sabendo o que se passava,
abandonou sua mulher, preferindo o divórcio aos perigos que poderia
correr, sujeitando-se à cólera do rei, e refugiou-se em Castela.
(V. D. Leonor Teles, e Cunha, João Lourenço da). Vencidos
assim os obstáculos, o casamento realizou-se em segredo, em 1371,
na igreja do convento de Leça do Balio. Pela segunda vez teve D.
Fernando de desmanchar um casamento ajustado por tratados. O rei de
Castela, assim como o de Aragão, aceitou as desculpas, mas
vingou-se modificando o tratado de Alcoutim com cláusulas novas,
todas em sua própria vantagem. Quando se tornou público o
casamento de D. Fernando, a oposição foi enérgica e veemente; em
Lisboa rebentou uma revolução, que obrigou o monarca a fugir para
Santarém, mas que foi cruelmente castigada, sendo os chefes presos
e condenados à morte. Em 1372 achavam-se no Porto os dois cônjuges,
sendo então D. Leonor Teles reconhecida como rainha de Portugal por
toda a corte; houve, porém, um fidalgo que se recusou a beijar-lhe
a mão, foi D. Diniz, filho de D. Pedro I e de D. Inês de Castro, e
por isso teve de fugir para Castela (V. Diniz, D.).
Veio
depois a guerra com Castela, que foi bem desastrosa. D. Henrique
atravessou, Portugal quase sem encontrar resistência, e veio pôr
cerco a Lisboa, terminando a guerra com uma paz humilhante assinada
em 19 de março de 1373. O reino conservou-se durante cinco anos em
completa paz, e esses cinco anos foram empregados em tomar providências
úteis e em administrar sensatamente, e foi essa a parte brilhante
deste reinado. D. Fernando tomou então medidas muito sensatas sobre
o desenvolvimento da agricultura e da marinha, construíram-se
navios, Lisboa foi circundada de muralhas, fizeram-se leis
repressivas da mendicidade; leis animadoras do comércio; tomaram-se
medidas enérgicas contra os abusos da nobreza. No que respeita à
conveniência dos estudos mereceu um certo louvor. Fez manter e
guardar os privilégios da Universidade de Coimbra, dando provas de
que tomava muito a peito auxiliar os estudos do reino. Em 1376
impetrou do papa Gregório IX uma bula, para que se dessem graus de
bacharel em qualquer lícita faculdade, e se usassem as insígnias
destes graus. A provisão de 3 de junho de 1377, pela qual
transferiu a Universidade para Lisboa, faz ver que mandara vir de
reinos estrangeiros alguns homens de instrução para regerem
cadeiras no Studo. É muito curiosa a cláusula dessa provisão,
na parte em que dá a razão da transferência: «E vendo e
considerando, que se o nosso Studo que ora staa na Cidade de
Coimbra, fosse mudado na cidade de Lisboa, que na nossa terra
poderia aver mais letrados, que averia, se o dito Studo na dita
Cidade de Coimbra estevesse, por alguns lentes, que de otros
regnos mandamos vir, nom queriam leer se nom na cidade de Lisboa... mandamos
que o dito Studo, que ora staa na dita cidade de Coimbra, seja em a
dita cidade de Lisboa pela guiza que ante soya estar.» Provisões
em grande número abonam o interesse que lhe merecia à,
Universidade, e o quanto se empenhou em promover os cómodos dos
lentes e dos estudantes, e em fazer guardar os foros, regalias e
privilégios da mesma Universidade. Nos princípios do ano de 1378
isentou-a de pagar dízimas e portagens de todas as coisas que
fossem trazidas para mantimentos das pessoas da mesma Universidade,
assim por terra como por mar; mandou a todos os oficiais destes
direitos que os não percebessem, sem embargo de qualquer defesa ou
mandado em contrário, e que os respectivos escrivães registassem
em seus livros esta provisão.
Pouco
tempo, porém, durou este movimento moralizador; infelizmente a
sensualidade e a ambição. os dois vícios predominantes de D.
Fernando prejudicaram, sempre o bom efeito da sua administração. A
devassidão propagara-se de tal forma, que a impudência era
completa. Os amores escandalosos da rainha com o conde de Andeiro,
fidalgo espanhol (V. Andeiro) não tardaram a tornar-se públicos,
e o desejo incessante de cingir a coroa de Castela, lançava de novo
o monarca em deploráveis lutas. Foi o próprio conde Andeiro quem
preparou a guerra, servindo como negociador secreto entre Portugal e
Inglaterra para uma nova aliança contra Castela, aproveitando
duplamente o mistério em que essas negociações se envolviam para
estar a sós com el-rei tratando de enganar Castela, e com a rainha
tratando de enganar a el-rei. Em resultado destas negociações veio
a Portugal o príncipe conde de Cambridge com um pequeno exército.
Então todas as desgraças caíram a um tempo sobre o reino; a
guerra assolava as fronteiras sem resultado de espécie alguma; no
mar a nossa esquadra sofreu uma terrível derrota; os nossos
aliados, os ingleses, praticavam as maiores atrocidades nas províncias;
D. Leonor Teles enganava descaradamente o marido, exercendo grande
império no seu espírito, chegando a arrancar-lhe uma ordem para se
mandar matar D. João, o mestre de Avis, que ela detestava, o qual
foi salvo milagrosamente por um servidor fiel.
A
Igreja cristã estava dividida pelo grande cisma do Ocidente, e D.
Fernando, que em religião tinha tão absoluta falta de princípios
como em moralidade, e com o seu carácter volúvel, ora reconhecia
um papa ora reconhecia outro, com grave perturbação da consciência
dos seus súbditos. No fim de tantos desastres, fez se a paz, dando
D. Fernando sua filha D. Beatriz em casamento ao novo rei D. João I
de Castela. Era uma perfídia, porque D. Beatriz, apesar de muito
criança ainda, já fora desposada com um filho do conde de
Cambridge, por isso o fidalgo inglês saiu furioso de Portugal. A
paz assinou-se em 1383. D. Fernando sentia-se muito doente, e
conhecendo que a morte se aproximava, pediu os sacramentos da
Igreja, e lamentou e chorou amargamente as faltas que em toda a sua
vida cometera. Teve três filhos do seu matrimónio: D. Afonso e D.
Pedro, que morreram logo depois de nascerem e D. Beatriz que foi
rainha de Castela, mulher de D. João I, filho de D. Henrique de
Trastamara. Teve também uma filha bastarda, que casou com o conde
de Gijon, filho bastardo do referido monarca castelhano D. Henrique.
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Biografia do rei D. Fernado
O Portal da História
D. Fernando I, o último rei da primeira dinastia
Ensina RTP A Crónica de D. Fernando I de Fernão Lopes
(edição de 1895-1896)
BNP - Biblioteca Nacional de Portugal - Biblioteca nacional digital
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