Portugal - Dicionário

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D. Luis I
D. Luis I

Luís I (D.) O Popular.  

 

n.      31 de outubro de 1838.
f.       19 de outubro de 1889.

 

31 ° rei de Portugal; segundo filho da rainha D. Maria II e do rei D. Fernando. 

Nasceu em Lisboa, no paço das Necessidades em 31 de outubro de 1838, faleceu em Cascais a 19 de outubro de 1889. Foi baptizado na capela do referido paço, pelo patriarca de Lisboa D. Patrício da Silva, capelão mor da rainha, a 14 de novembro do mesmo ano, sendo padrinho o rei de França Luís Filipe. O seu nome completo era D. Luís Filipe Maria Fernando Pedro de Alcântara António Miguel Rafael Gabriel Gonzaga Xavier Francisco de Assis João Augusto Júlio Volfrando Saxe-Coburgo-Gota de Bragança e Bourbon. 

Até à morte de seu irmão, o rei D. Pedro V, foi infante de Portugal, 1.° duque do Porto e duque de Saxónia. Recebeu uma educação esmeradíssima, como todos os filhos de D. Maria II. A. soberana destinava-o à vida marítima, não simplesmente como oficial de marinha honorário, mas como prático, porque entendia que os príncipes, apesar do seu elevado nascimento, assim o deviam ser tanto na marinha como no exército, partilhando os mesmos trabalhos e fadigas dos marinheiros e soldados. 

Quando faleceu D. Maria II, em 15 de novembro de 1853, contava D. Luís quinze anos de idade, e D. Pedro V dezasseis faltando-lhe apenas dois para atingir a maioridade de 18 anos, marcada pela constituição do país. O rei D. Fernando ficou Regente do Reino, e os dois irmãos logo empreenderam uma viagem de instrução e recreio pelas cortes europeias. A bordo do vapor Mindelo saíram a barra de Lisboa em maio de 1854, indo directamente a Londres, passando depois à Bélgica, Holanda, Prússia, Áustria, França, Saxe-Coburgo-Gota, e voltando a Londres, donde regressaram a Lisboa. Em todas as cortes granjearam os reais viajantes as maiores simpatias pela sua esmerada educação e fina inteligência. No ano seguinte realizaram outra viagem, visitando algumas das cortes, onde já haviam estado em 1854, indo também a Itália, à Suíça, etc. 

No seu regresso, D. Pedro V assumiu o governo do Reino, sendo aclamado em 16 de setembro de 1855, dia em que justamente completava dezoito anos de idade. Nestas viagens dedicara se D. Luís especialmente aos estudos navais, e alistando-se na armada, foi investido no comando do brigue Pedro Nunes, e depois no da corveta Bartolomeu Dias. Visitou então as nossas costas africanas. Esteve em Angola, onde foi recebido com entusiasmo. Voltando a Lisboa, assistiu, como Condestável do Reino, ao casamento de D. Pedro V, em maio de 1858, em que se realizaram pomposas festas; e aos de suas irmãs, as infantas D. Maria Ana, em maio de 1859, e D. Antónia, em setembro de 1861. Fora promovido ao posto de capitão de fragata a 24 de março de 1858, e, nesta patente acompanhou a Lisboa a rainha D. Estefânia, sua cunhada, e as infantas aos seus novos países. 

Em 1861 saiu de Lisboa com o infante D. João, em viagem pela Europa, e estava em Londres quando recebeu o noticia de que D. Pedro V adoecera gravemente, o que tornava de grande urgência o seu regresso a Portugal. Os dois infantes embarcaram logo na corveta Bartolomeu Dias, e desembarcaram em Lisboa pouco depois do fatal dia 11 de novembro de 1861, em que falecera o monarca. A primeira notícia do lamentável sucesso, logo a recebeu a bordo, dada indirectamente pelo marquês de Loulé, presidente do Conselho de Ministros, tratando-o pelo título de Majestade. O paço das Necessidades estava coberto de luto; o infante D. Fernando, ainda uma criança, havia falecido dois dias antes do monarca; em Dezembro seguinte, nas vésperas do Natal, faleceu o infante D. João, e D. Augusto também se encontrava perigosamente enfermo, escapando quase por milagre. Não tardou também a receber se a noticia da morte do príncipe Alberto, marido da rainha de Inglaterra, que D. Luís deixara em Londres de perfeita saúde com quem havia jantado na véspera da sua partida. 

O povo que adorava o jovem monarca, indignou-se com tão sucessivas e extraordinárias mortes; espalharam se boatos de envenenamento, acusando-se pessoas muito íntimas do paço, dizendo se até que o príncipe Alberto de Inglaterra sucumbira por engano ao envenenamento preparado para o infante D. Luís. Estes boatos tomaram grande vulto, e o povo arrebatado pela paixão insurgiu se dando lugar a alguns tumultos, especialmente quando faleceu o infante D. João, e pelo carnaval seguinte. Saindo do ministério o marquês de Loulé e alguns dos outros ministros, que eram os mais alvejados pela ira popular, a situação foi-se modificando; e conquanto a opinião pública, na sua maioria, estivesse convencida que a morte do rei e dos infantes não fora natural, os espíritos foram serenando, a ordem foi-se restabelecendo, os tumultos reprimiram-se, mas verdadeiramente só houve completo sossego em 1864, quando se conseguiu sufocar a insurreição militar, que se dera no Minho.

No entretanto, o novo rei fez a sua proclamação, e assumiu o governo a 14 de novembro de 1861; no dia 15 convocou as Cortes para ratificar o juramento feito e declarado na proclamação, efectuando-se a cerimónia da aclamação a 22 de dezembro seguinte. Nesse dia interrompeu-se o luto, por ser considerado de grande gala, mas nas festas que se realizaram, notava-se um certo ar de tristeza, que a custo se podia disfarçar, pois que o sentimento pelos sucessos anteriores, com especialidade pela morte de D. Pedro V, era profundo e geral. Em seguida pensou-se no casamento do rei, e sendo escolhida a filha mais nova do rei de Itália Vítor Manuel II, a princesa D. Maria Pia de Sabóia, deu-se começo ao respectivo contrato, vindo o casamento a realizar-se por procuração em Turim a 27 de setembro de 1862, sendo ratificado em Lisboa a 6 de outubro seguinte, com sumptuosas festas e brilhantes iluminações. Em 1865 houve no Porto uma exposição internacional no Palácio de Cristal, que se construíra para esse fim. O êxito foi enorme, causando entusiasmo em todo o país tão notável empreendimento.

Nesse ano, o ministério progressista-histórico, depois de ter procurado conservar-se por meio de repetidas reconstruções, não pôde manter-se no poder, caindo diante da fusão dum dos principais grupos desse partido com o partido regenerador. Constituiu-se então um gabinete presidido por Joaquim António de Aguiar, tendo, porém, verdadeiramente, como dirigente Fontes Pereira de Melo, que foi sempre um dos estadistas mais afeiçoados ao rei D. Luís. Em 1866 veio a Lisboa a rainha D. Isabel de Espanha. Em 1 de janeiro de 1868, em consequência dumas medidas de fazenda que a opinião pública reprovou, deu-se o motim, que se chamou da Janeirinha, e a atitude que a cidade do Porto assumiu, obrigou o Ministério a demitir-se (V. Portugal, vol. III, pág. 1013).

O então conde de Ávila teve o encargo de organizar um Ministério, que teve curta duração. As medidas, que tinham provocado os tumultos, foram revogadas, e os ministros não sabendo ou não podendo conjurar o mal que ameaçava afectar a economia do país, contraíram empréstimos com elevadíssimos juros, que vieram agravar mais a crise politica e financeira. Para maior fatalidade a guerra do Paraguai paralisava a remessa de dinheiro do Brasil para a Europa, o que muito afectava o crédito português, já vacilante pelas discórdias internas, e a que muito susto causava a revolução que rebentara em Espanha em 1868 para derrubar do trono a rainha D. Isabel II, que ficara substituído por um governo interino. Os fundos portugueses baixaram terrivelmente, e a situação mostrou-se deveras gravíssima. Apelou-se então para as economias, e o ministério do conde de Ávila foi substituído por outro, com esse programa, o do bispo de Viseu, que não pôde também sustentar-se por muito tempo. Em 1869 subiu ao poder um ministério progressista-histórico presidido pelo duque de Loulé. As circunstâncias não melhoraram, e a Espanha, decidindo na sua constituição adoptar a forma monárquica, andava em busca dum rei, pensando no soberano português, vendo nessa escolha a tão desejada União Ibérica. Foi nesta ocasião que D. Luís escreveu a carta, que ficou memorável, afirmando que nascera português, e português queria morrer.

No entretanto os acontecimentos da política interna tomaram uma feição, que há muito tempo não tinham. O marechal duque de Saldanha, apesar da sua idade muito avançada, julgando-se ofendido pelo governo do duque de Loulé, promoveu a revolta militar de 19 de maio de 1870, indo de noite ao paço da Ajuda com alguns regimentos, impor ao monarca a demissão do Ministério. Assestaram-se contra o paço as bocas dalgumas peças de artilharia. D. Luís passou nessa noite algumas das horas mais angustiosas da sua vida, porque o velho marechal lhe infligia uma humilhação, a que ele supunha, não teria nunca de sujeitar-se. No propósito de evitar mais lamentáveis acontecimentos D. Luís cedeu àquela inesperada e arrogante intimação, e o duque de Loulé foi demitido. O marechal formou um ministério, que apenas durou cem dias, levantando contra si todos os partidos organizados no país. O marquês de Sá da Bandeira prestou-se a auxiliar o rei no empenho que tinha de pôr termo a uma posição tão humilhante. À revolta de 19 de maio respondeu o golpe de estado de 29 de agosto, pelo qual o rei demitiu o ministério Saldanha, chamando ao poder Sá da Bandeira, que imediatamente cedeu ao conde de Ávila o encargo de constituir o ministério, porque o velho general só pensara em livrar o soberano da situação difícil em que se via.

O novo ministério foi formado com elementos reformistas, sendo o bispo de Viseu um dos ministros. Divergências entre os dois grupos que o compunham, produziram uma crise, em que o rei deu força ao conde de Ávila, e o Ministério foi reorganizado, saindo os elementos reformistas, e dissolvendo-se a câmara que tinha uma maioria reformista. A nova câmara constituiu-se principalmente de elementos progressistas-históricos e regeneradores, e em 13 de setembro de 1871 demitiu-se o Ministério, subindo ao poder Fontes Pereira de Melo, que organizou um gabinete regenerador, que se conservou até 1877. Durante este largo período deram-se notáveis acontecimentos em Espanha. D. Fernando fora convidado para o trono daquele país, que recusara igualmente, como seu filho; o príncipe Amadeu de Sabóia, filho do rei de Itália Vítor Manuel, fora também convidado, e aceitara o espinhoso cargo, em que se conservou até 1873, ano em que nova revolução em Espanha obrigou o príncipe Amadeu a retirar-se para o seu país.

Proclamou-se então a República em Espanha, que apenas durou dois anos, sendo em 1875 restaurada a monarquia bourbónica, subindo ao trono o rei Afonso XII. No princípio do ano de 1877 demitiu-se o Ministério regenerador, depois de se conservar seis anos no poder, que foram para o país de grande prosperidade. Sucedeu-lhe de novo o conde, já então marquês de Ávila, que formou um ministério de transição. Em 1876 formara-se na praia da Granja o partido progressista com a fusão dos partidos reformista e histórico, supondo-se que o primeiro ministério que subisse ao poder, fosse organizado com o novo partido, mas não sucedeu assim, e quando em 1878 se deu um conflito parlamentar, foi chamado outra vez Fontes Pereira de Melo para constituir o gabinete.

Deste facto se originou uma das campanhas mais extraordinárias e de consequências mais funestas que tem havido em Portugal. Os progressistas, despeitados por não terem sido chamados ao poder como esperavam, atacaram directamente o rei, acusando-o de patrocinar escandalosamente os regeneradores. O Diário Popular e o Progresso publicaram artigos violentíssimos. Fontes não mostrou então a sua energia característica, talvez, por ter tomado a deliberação de não ler jornais, e não medir, portanto, o alcance das invectivas. A acusação ficou impune, o que lhe fez ganhar forças, tornando-se pertinaz e implacável. O nome do rei foi completamente desprestigiado; acusavam-no das coisas mais graves, de ter procurado ser rei de Espanha, entrando em negociações com o imperador Napoleão III, não sendo por conseguinte a sua carta, em tempo publicada, senão um documento hipócrita; acusavam-no de ter sido cúmplice do marechal Saldanha na revolta de 19 de maio de 1870, e de querer demitir o ministério Loulé, porque o duque recusava aumentar o subsídio ao teatro de S. Carlos, para que a empresa pudesse escriturar uma bailarina de notável formosura. Não houve, finalmente, injúria que lhe não dirigissem, acusação infamante que lhe não fizessem. Esta campanha difamatória durou um ano, no fim do qual, tendo caído o Ministério regenerador, D. Luís chamou o partido progressista a formar gabinete. A realeza assaltada capitulava, e a capitulação era funesta, porque o trono nunca mais readquiriu o prestígio, que até então tivera.

Em maio de 1879 constituiu-se enfim o Ministério progressista, e dentro em pouco principiou também a organizar-se em Portugal o partido republicano, que já em 1880 alcançara grande força, o que bastante inquietou o governo, que receando ver as festas do centenário de Camões perturbadas pelas suas manifestações, aconselhou o rei a retrair-se um pouco, conservando-se naquela solenidade cívica como um simples espectador. Em 1881 queria o governo progressista fazer votar nas câmaras o projecto dum tratado com a Inglaterra relativo a Lourenço Marques, em que apareciam cláusulas extremamente desagradáveis para o país. Os republicanos aproveitaram a repulsa que o tratado inspirou, para promoverem uma agitação, de que resultou a queda do ministério. Foi chamado então ao poder António Rodrigues Sampaio, que formou um gabinete completamente regenerador, o qual no fim desse mesmo ano de 1881 foi substituído por outro, também regenerador, presidido por Fontes Pereira de Melo. O partido progressista, ficando na oposição, renovou a campanha de 1878, mas com menos violência.

Surgiu a questão do caminho-de-ferro de Salamanca. A iniciativa que tomou o partido regenerador, foi recebida com pouca simpatia, e o partido progressista combateu-a energicamente, merecendo aplausos da grande maioria do país. Não conseguindo, porém, o que desejava, que era a queda do Ministério, e querendo por força derrotá-lo, arrojou-se de novo à luta contra o rei, e quando em 1882 D. Luís foi a Viseu com a família real inaugurar o caminho-de-ferro da Beira Alta, tentou fazer manifestações que lhe fossem desagradáveis. O visconde do Serrado, que era governador civil, fez o seu discurso, que não foi quase ouvido, e todos receavam que a multidão instigada pelos políticos, fizesse alguma manifestação hostil. O rei não se perturbou, e quando o visconde do Serrado acabou de falar, tomou a palavra; a sua voz sonora e simpática logo impressionou o público. O seu discurso, em que exaltou as memórias patrióticas de Viseu, entusiasmou-o. A manifestação hostil transformou-se numa ovação delirante. Todos estes factos davam vitalidade ao partido republicano, já então importante pelo número e pela qualidade das pessoas que nele militavam. Esta viagem de D. Luís e da família real às províncias do norte, fora precedida de muitas outras feitas em diversas ocasiões, tendo sido os augustos personagens sempre recebidos em toda a parte com entusiasmo.

D. Luís, depois da sua aclamação, também fora diversas vezes ao estrangeiro, ficando regente do Reino seu pai o rei D. Fernando. Em 1881 foi oficialmente a Cáceres ter uma entrevista com o rei de Espanha Afonso XII, que no ano seguinte, 1882, lhe veio pagar a visita a Lisboa, voltando depois o rei a Madrid em 1883. No Porto recebera sempre D. Luís, assim como a família real, as maiores provas de simpatia. Em 1883 o príncipe real D. Carlos e seu irmão o infante D. Afonso, fizeram uma viagem pela Europa. O ministério regenerador continuava no poder, reconstituindo-se em 1883 com quatro novos ministros, Lopo Vaz, Barjona de Freitas, António Augusto de Aguiar e Pinheiro Chagas.

Durante este último período recebeu importante impulso o nosso movimento colonial. Quando o rei D. Luís começou o seu reinado, estava quase concluído o caminho de ferro do norte e leste, e em construção o do sul e sueste. Em 1877 conseguiu ver concluído o caminho de ferro do norte pela construção da ponte Maria Pia; em 1889, com a conclusão da linha do Algarve, viu também terminada a principal rede ferroviária ao sul do Tejo. Em 1881, o ramal de Cáceres concluído, punha a capital do Reino em contacto mais directo com a de Espanha; em 1882, a conclusão do caminho de ferro da Beira Alta e do ramal da Figueira abria ao comércio uma nova fonte de riqueza. Em 1885 conclui-se a rede de caminhos-de-ferro do Minho e Douro, em 1887 achava-se acabada a linha de Lisboa e Figueira por Torres Vedras, o caminho de ferro de Sintra, e em 1889 a linha de Cascais; também se concluíra o caminho de ferro de Guimarães, da Póvoa de Varzim ao Porto e a Vila Nova de Famalicão, etc. No seu tempo começaram-se as obras do porto de Lisboa e as do porto de Leixões; no ultramar iniciaram-se as importantes obras do cabo submarino que liga Portugal com todas as suas possessões da África Ocidental, as do caminho-de-ferro de Ambaca e de Lourenço Marques, deu-se impulso à colonização de Moçâmedes.

Nas suas relações internacionais Portugal também não foi infeliz; gozava de paz absoluta, e esteve sempre em excelentes relações com as nações estrangeiras. Mereceu a afeição particular do imperador Napoleão III, e foi sempre benquisto pela República Francesa; viu resolvidos a favor de Portugal por arbitragem, primeiro do presidente da república dos Estados Unidos, depois, pelo da República Francesa, as questões com a Inglaterra acerca da ilha de Bolama e de Lourenço Marques. Nas colónias, se houve a guerra desastrosa da Zambézia em Moçambique e os tristes acontecimentos de Bolor na Guiné, o monarca pudera ver, em compensação, para o fim do seu reinado restabelecida a ordem em toda a extensão do nosso domínio colonial. No reinado de D. Luís assinou-se o tratado do Zaire, resolvido na conferência de Berlim, e pelo qual, se Portugal cedia as suas aspirações um pouco vagas a todos os territórios compreendidos entre 5º 12' e 8º de latitude meridional, em compensação obtinha territórios ao norte daquele primeiro limite, e via reconhecidos definitivamente os seus direitos a uma região que lhe fora até então sempre defesa e o seu domínio nessa rica região do Zaire e do Congo, onde logo se formou um novo distrito da província de Angola com o nome de distrito do Congo.

Em 20 de fevereiro de 1886 tornou ao poder o partido progressista. Começava-se então a tratar do casamento do príncipe real D. Carlos com a princesa D. Maria Amélia de Orleães, casamento que se realizou em 22 de maio desse mesmo ano. Por essa ocasião fez o rei D. Luís uma viagem ao estrangeiro, ficando o príncipe Regente do Reino, e dessa viagem já voltou doente, posto que essa doença senão tivesse manifestado de um modo que inspirasse receios. Em 1887 recebeu um golpe cruel, a morte de Fontes Pereira de Melo, estadista muito dedicado e de quem ele era sincero amigo. Os tratados que se celebraram depois de 1886 com o estrangeiro, não eram dos mais consoladores. Pelo tratado com a França acerca da Guiné, perdíamos o Casamansa; pelo tratado com a Alemanha recuávamos ao sul de Angola até Cunene.

O rei D. Luís era um espírito culto; além da sua especial instrução científica, falava correctamente sete ou oito dos principais idiomas da Europa; dedicava-se às belas artes, desenhando e pintando, compondo música, e executando-a em diversos instrumentos, com especialidade no violoncelo e no piano. Tinha profundo amor às letras, estudando os clássicos e os sábios. Era considerado um dos monarcas mais instruídos e estudiosos da Europa. O teatro entusiasmava-o, e tinha por Shakespeare um verdadeiro culto. Quis empreender a tradução de algumas das suas obras, e como lhe dissessem aqueles a quem lia os seus escritos, que as traduções estavam excelentes, resolveu-se as publicá-las, sem lhes pôr o seu nome. A primeira que se imprimiu, foi a tradução do Hamlet, em 1877; edição muito nítida em papel superior, destinada para brindes; em 1880 fez-se a 2.ª edição, em que se lia a nota seguinte: «propriedade cedida por sua majestade o rei à Associação das Creches.» O rei, permitindo que o dito instituto fizesse a nova impressão, foi para que o produto da venda revertesse em produto do cofre que protege a infância indigente. Em seguida publicou o Mercador de Veneza, em 1879; desta edição cedeu o rei 300 exemplares a favor da Sociedade das Casas de Asilo da Infância Desvalida de Lisboa. Também traduziu Ricardo III, publicado em 1880; depois apareceu o Otelo, em 1885, trazendo o nome do tradutor. Começou as traduções, que não concluiu, do Romeu e Julieta, Estupro de Lucrécia, Vénus e Adonis, A Esquiva domada. Traduziu também várias poesias de Rollinat, alguns trechos da Fille de Rolland, de Bernier, e a comédia de Pailleron Le Monde ou l’on s'ennuie que Gervásio Lobato traduziu com o título de Sociedade onde a gente se aborrece. Como presidente da Academia Real das Ciências instituiu o prémio de 1.000$000 réis destinado à obra mais notável que se tivesse publicado nesse ano.

Fundou os Albergues Nocturnos, e subsidiou largamente muita obra de caridade. A doença que o assaltara havia alguns anos, caminhava lentamente. Fez uma viagem ao estrangeiro, em que teve ocasião de abraçar pela última vez o imperador Guilherme, que lhe era muito afeiçoado. Em 1888, por conselho dos médicos, foi ao Bom Jesus de Braga em companhia de sua família. Dali dirigiu-se a Viana do Castelo para inaugurar as obras do porto, e a Guimarães inaugurar a estátua de D. Afonso Henriques. Foi também ao Gerez, onde assistiu a uma caçada. O ano de 1889 anunciou-se mal. No verão foi para Sintra, mas aí os sofrimentos tornaram se gravíssimos. Nos fins de Setembro levaram-no para Cascais quase moribundo, vindo a falecer em Outubro, depois de dolorosa e prolongada agonia.

D. Luís foi também o presidente do Congresso de Beneficência Municipal, em que prestou os maiores serviços. O rei D. Luís era grão-mestre das três ordens militares, de Cristo, de Avis e S. Tiago da Espada; grão-mestre das ordens de Nossa Senhora da Conceição e da Torre e Espada; cavaleiro das seguintes ordens estrangeiras: Suprema da Santíssima Anunciada, de Itália; Tosão de Ouro, de Espanha; Jarreteira, de Inglaterra; grã-cruz das ordens de Ernesto Pio, de Saxe-Coburgo-Gotha; da Coroa de Arruda (Rue), da Saxónia Real; da Águia Negra, da Prússia, com colar; do Cruzeiro do Sul, da Rosa, com colar, e de D. Pedro I, do Brasil; de Santo Estêvão da Hungria, Áustria; de Mérito Militar de S. Fernando; da ordem soberana de S. João de Jerusalém, de Roma; de Santo Humberto, da Baviera; da Legião de Honra, de França; de Santo An­dré, com colar, de Santo Alexandre Nevsky, de Sant’ana, e da Águia Branca, da Rússia; do Elefante, em brilhantes, da Dinamarca; dos Serafins, e de Santo Olavo, da Suécia; do Leão Neerlandês, dos Países Baixos, Holanda; do Salvador, da Grécia; da ordem de Luís, de Hesse Grão-ducal; da Coroa dos Wendes, com colar, de Meklembourgo-Scheverim Strelitz; da Estrela, da Roménia; do Medjidié, em brilhantes, da Turquia; da ordem da Vigilância ou Falcão Franco, de Saxe Weimar; do Sol de Ouro, de Sião; do Nichan-Iftikar, em brilhantes, de Tunes; do Sol de Ouro, da Birmânia; da ordem do Redentor do Mundo, da Libéria; de S. Carlos, de Mónaco; dos Cavaleiros de S. Marino; da Real Ordem de Mélusine.

Era presidente da Academia Real das Ciências, e presidente honorário e protector de várias corporações científicas, literárias e de beneficência do Reino. Fundou em 1883 a Escola de Instrução Primária na Real Quinta do Alfeite, que se inaugurou em 8 de abril desse ano. Em 30 de abril de 1862 mandou deduzir da sua dotação a quantia de 42.000$000 réis, como donativo espontâneo, que deveria verificar-se no ano económico de 1862-1863, sendo sua vontade que desta soma fossem aplicados 10.000$000 réis para a edificação do Observatório Astronómico de Lisboa, e 6.000$000 réis para os melhoramentos do Observatório do Infante D. Luís, devendo a restante quantia de 26.000$000 réis entrar na receita geral do tesouro público. Quando em 1863 se estabeleceu o Asilo dos filhos dos soldados, D. Luís cedeu para a sua instalação a parte do edifício de Mafra onde estivera o Colégio Militar, e assistiu em 24 de agosto à abertura do mesmo asilo. Em 19 de maio de 1864 mandou entregar à Escola Naval de tiro estabelecida a bordo da nau Vasco da Gama diversos livros franceses, afim de constituírem o núcleo duma biblioteca especial para a instrução respectiva, devendo essa biblioteca ser instalada no mencionado navio, sob os cuidados e direcção do competente oficial director.

 

 

Biografia e ficha genealógica de D. Luis I, rei de Portugal
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Portugal - Dicionário Histórico, Corográfico, Heráldico, Biográfico, Bibliográfico, Numismático e Artístico,
Volume IV, págs.
569-573.

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