31 ° rei de Portugal; segundo filho da rainha
D. Maria II e do rei D. Fernando.
Nasceu em Lisboa, no paço das Necessidades em
31 de outubro de 1838, faleceu em Cascais a 19 de outubro de 1889.
Foi baptizado na capela do referido paço, pelo patriarca de Lisboa
D. Patrício da Silva, capelão mor da rainha, a 14 de novembro do
mesmo ano, sendo padrinho o rei de França Luís Filipe. O seu nome
completo era D. Luís Filipe Maria Fernando Pedro de Alcântara António
Miguel Rafael Gabriel Gonzaga Xavier Francisco de Assis João
Augusto Júlio Volfrando Saxe-Coburgo-Gota de Bragança e Bourbon.
Até à morte de seu irmão, o rei D. Pedro V,
foi infante de Portugal, 1.° duque do Porto e duque de Saxónia.
Recebeu uma educação esmeradíssima, como todos os filhos de D.
Maria II. A. soberana destinava-o à vida marítima, não
simplesmente como oficial de marinha honorário, mas como prático,
porque entendia que os príncipes, apesar do seu elevado nascimento,
assim o deviam ser tanto na marinha como no exército, partilhando
os mesmos trabalhos e fadigas dos marinheiros e soldados.
Quando faleceu D. Maria II, em 15 de novembro
de 1853, contava D. Luís quinze anos de idade, e D. Pedro V
dezasseis faltando-lhe apenas dois para atingir a maioridade de 18
anos, marcada pela constituição do país. O rei D. Fernando ficou
Regente do Reino, e os dois irmãos logo empreenderam uma viagem de
instrução e recreio pelas cortes europeias. A
bordo do vapor Mindelo saíram a barra de Lisboa em maio de
1854, indo directamente a Londres, passando depois à Bélgica,
Holanda, Prússia, Áustria, França, Saxe-Coburgo-Gota, e voltando
a Londres, donde regressaram a Lisboa. Em todas as cortes granjearam
os reais viajantes as maiores simpatias pela sua esmerada educação
e fina inteligência. No ano seguinte realizaram outra viagem,
visitando algumas das cortes, onde já haviam estado em 1854, indo
também a Itália, à Suíça, etc.
No seu regresso, D. Pedro V assumiu o governo
do Reino, sendo aclamado em 16 de setembro de 1855, dia em que
justamente completava dezoito anos de idade. Nestas viagens dedicara
se D. Luís especialmente aos estudos navais, e alistando-se na
armada, foi investido no comando do brigue Pedro Nunes, e
depois no da corveta Bartolomeu Dias. Visitou então as
nossas costas africanas. Esteve em Angola, onde foi recebido com
entusiasmo. Voltando a Lisboa, assistiu, como Condestável do Reino,
ao casamento de D. Pedro V, em maio de 1858, em que se realizaram
pomposas festas; e aos de suas irmãs, as infantas D. Maria Ana, em
maio de 1859, e D. Antónia, em setembro de 1861. Fora promovido ao
posto de capitão de fragata a 24 de março de 1858, e, nesta
patente acompanhou a Lisboa a rainha D. Estefânia, sua cunhada, e
as infantas aos seus novos países.
Em 1861 saiu de Lisboa com o infante D. João,
em viagem pela Europa, e estava em Londres quando recebeu o noticia
de que D. Pedro V adoecera gravemente, o que tornava de grande urgência
o seu regresso a Portugal. Os dois infantes embarcaram logo na
corveta Bartolomeu Dias, e desembarcaram em Lisboa pouco
depois do fatal dia 11 de novembro de 1861, em que falecera o
monarca. A primeira notícia do lamentável sucesso, logo a recebeu
a bordo, dada indirectamente pelo marquês de Loulé, presidente do
Conselho de Ministros, tratando-o pelo título de Majestade. O paço
das Necessidades estava coberto de luto; o infante D. Fernando,
ainda uma criança, havia falecido dois dias antes do monarca; em
Dezembro seguinte, nas vésperas do Natal, faleceu o infante D. João,
e D. Augusto também se encontrava perigosamente enfermo, escapando
quase por milagre. Não tardou também a receber se a noticia da
morte do príncipe Alberto, marido da rainha de Inglaterra, que D.
Luís deixara em Londres de perfeita saúde com quem havia jantado
na véspera da sua partida.
O povo que adorava o jovem monarca, indignou-se
com tão sucessivas e extraordinárias mortes; espalharam se boatos
de envenenamento, acusando-se pessoas muito íntimas do paço,
dizendo se até que o príncipe Alberto de Inglaterra sucumbira por
engano ao envenenamento preparado para o infante D. Luís. Estes
boatos tomaram grande vulto, e o povo arrebatado pela paixão
insurgiu se dando lugar a alguns tumultos, especialmente quando
faleceu o infante D. João, e pelo carnaval seguinte. Saindo do
ministério o marquês de Loulé e alguns dos outros ministros, que
eram os mais alvejados pela ira popular, a situação foi-se
modificando; e conquanto
a opinião pública, na sua maioria, estivesse convencida que a
morte do rei e dos infantes não fora natural, os espíritos foram
serenando, a ordem foi-se restabelecendo, os tumultos reprimiram-se,
mas verdadeiramente só houve completo sossego em 1864, quando se
conseguiu sufocar a insurreição militar, que se dera no Minho.
No
entretanto, o novo rei fez a sua proclamação, e assumiu o governo
a 14 de novembro de 1861; no dia 15 convocou as Cortes para
ratificar o juramento feito e declarado na proclamação,
efectuando-se a cerimónia da aclamação a 22 de dezembro seguinte.
Nesse dia interrompeu-se o luto, por ser considerado de grande gala,
mas nas festas que se realizaram, notava-se um certo ar de tristeza,
que a custo se podia disfarçar, pois que o sentimento pelos
sucessos anteriores, com especialidade pela morte de D. Pedro V, era
profundo e geral. Em seguida pensou-se no casamento do rei, e sendo
escolhida a filha mais nova do rei de Itália Vítor Manuel II, a
princesa D. Maria Pia de Sabóia, deu-se começo ao respectivo
contrato, vindo o casamento a realizar-se por procuração em Turim
a 27 de setembro de 1862, sendo ratificado em Lisboa a 6 de outubro
seguinte, com sumptuosas festas e brilhantes iluminações. Em 1865
houve no Porto uma exposição internacional no Palácio de Cristal,
que se construíra para esse fim. O êxito foi enorme, causando
entusiasmo em todo o país tão notável empreendimento.
Nesse
ano, o ministério progressista-histórico, depois de ter procurado
conservar-se por meio de repetidas reconstruções, não pôde
manter-se no poder, caindo diante da fusão dum dos principais
grupos desse partido com o partido regenerador. Constituiu-se então
um gabinete presidido por Joaquim António de Aguiar, tendo, porém,
verdadeiramente, como dirigente Fontes Pereira de Melo, que foi
sempre um dos estadistas mais afeiçoados ao rei D. Luís. Em 1866
veio a Lisboa a rainha D. Isabel de Espanha. Em 1 de janeiro de
1868, em consequência dumas medidas de fazenda que a opinião pública
reprovou, deu-se o motim, que se chamou da Janeirinha, e a atitude
que a cidade do Porto assumiu, obrigou o Ministério a demitir-se (V.
Portugal, vol. III, pág.
1013).
O
então conde de Ávila teve o encargo de organizar um Ministério,
que teve curta duração. As medidas, que tinham provocado os
tumultos, foram revogadas, e os ministros não sabendo ou não
podendo conjurar o mal que ameaçava afectar a economia do país,
contraíram empréstimos com elevadíssimos juros, que vieram
agravar mais a crise politica e financeira. Para maior fatalidade a
guerra do Paraguai paralisava a remessa de dinheiro do Brasil para a
Europa, o que muito afectava o crédito português, já vacilante
pelas discórdias internas, e a que muito susto causava a revolução
que rebentara em Espanha em 1868 para derrubar do trono a rainha D.
Isabel II, que ficara substituído por um governo interino. Os
fundos portugueses baixaram terrivelmente, e a situação mostrou-se
deveras gravíssima. Apelou-se então para as economias, e o ministério
do conde de Ávila foi substituído por outro, com esse programa, o
do bispo de Viseu, que não pôde também sustentar-se por muito
tempo. Em 1869 subiu ao poder um ministério progressista-histórico
presidido pelo duque de Loulé. As circunstâncias não melhoraram,
e a Espanha, decidindo na sua constituição adoptar a forma monárquica,
andava em busca dum rei, pensando no soberano português, vendo
nessa escolha a tão desejada União Ibérica. Foi nesta ocasião
que D. Luís escreveu a carta, que ficou memorável, afirmando que
nascera português, e português queria morrer.
No
entretanto os acontecimentos da política interna tomaram uma feição,
que há muito tempo não tinham. O marechal duque de Saldanha,
apesar da sua idade muito avançada, julgando-se ofendido pelo
governo do duque de Loulé, promoveu a revolta militar de 19 de maio
de 1870, indo de noite ao paço da Ajuda com alguns regimentos,
impor ao monarca a demissão do Ministério. Assestaram-se contra o
paço as bocas dalgumas peças de artilharia. D. Luís passou nessa
noite algumas das horas mais angustiosas da sua vida, porque o velho
marechal lhe infligia uma humilhação, a que ele supunha, não
teria nunca de sujeitar-se. No propósito de evitar mais lamentáveis
acontecimentos D. Luís cedeu àquela inesperada e arrogante intimação,
e o duque de Loulé foi demitido. O marechal formou um ministério,
que apenas durou cem dias, levantando contra si todos os partidos
organizados no país. O marquês de Sá da Bandeira prestou-se a
auxiliar o rei no empenho que tinha de pôr termo a uma posição tão
humilhante. À revolta de 19 de maio respondeu o golpe de estado de
29 de agosto, pelo qual o rei demitiu o ministério Saldanha,
chamando ao poder Sá da Bandeira, que imediatamente cedeu ao conde
de Ávila o encargo de constituir o ministério, porque o velho
general só pensara em livrar o soberano da situação difícil em
que se via.
O
novo ministério foi formado com elementos reformistas, sendo o
bispo de Viseu um dos ministros. Divergências entre os dois grupos
que o compunham, produziram uma crise, em que o rei deu força ao
conde de Ávila, e o Ministério foi reorganizado, saindo os
elementos reformistas, e dissolvendo-se a câmara que tinha uma
maioria reformista. A nova câmara constituiu-se principalmente de
elementos progressistas-históricos e regeneradores, e em 13 de setembro
de 1871 demitiu-se o Ministério, subindo ao poder Fontes Pereira de
Melo, que organizou um gabinete regenerador, que se conservou até
1877. Durante este largo período deram-se notáveis acontecimentos
em Espanha. D. Fernando fora convidado para o trono daquele país,
que recusara igualmente, como seu filho; o príncipe Amadeu de Sabóia,
filho do rei de Itália Vítor Manuel, fora também convidado, e
aceitara o espinhoso cargo, em que se conservou até 1873, ano em
que nova revolução em Espanha obrigou o príncipe Amadeu a
retirar-se para o seu país.
Proclamou-se
então a República em Espanha, que apenas durou dois anos, sendo em
1875 restaurada a monarquia bourbónica, subindo ao trono o rei
Afonso XII. No princípio do ano de 1877 demitiu-se o Ministério
regenerador, depois de se conservar seis anos no poder, que foram
para o país de grande prosperidade. Sucedeu-lhe de novo o conde, já
então marquês de Ávila, que formou um ministério de transição.
Em 1876 formara-se na praia da Granja o partido progressista com a
fusão dos partidos reformista e histórico, supondo-se que o
primeiro ministério que subisse ao poder, fosse organizado com o
novo partido, mas não sucedeu assim, e quando em 1878 se deu um
conflito parlamentar, foi chamado outra vez Fontes Pereira de Melo
para constituir o gabinete.
Deste
facto se originou uma das campanhas mais extraordinárias e de
consequências mais funestas que tem havido em Portugal. Os
progressistas, despeitados por não terem sido chamados ao poder
como esperavam, atacaram directamente o rei, acusando-o de
patrocinar escandalosamente os regeneradores. O Diário
Popular e o Progresso
publicaram artigos violentíssimos. Fontes não mostrou então a sua
energia característica, talvez, por ter tomado a deliberação de não
ler jornais, e não medir, portanto, o alcance das invectivas. A
acusação ficou impune, o que lhe fez ganhar forças, tornando-se
pertinaz e implacável. O nome do rei foi completamente
desprestigiado; acusavam-no das coisas mais graves, de ter procurado
ser rei de Espanha, entrando em negociações com o imperador Napoleão
III, não sendo por conseguinte a sua carta, em tempo publicada, senão
um documento hipócrita; acusavam-no de ter sido cúmplice do
marechal Saldanha na revolta de 19 de maio de 1870, e de querer
demitir o ministério Loulé, porque o duque recusava aumentar o
subsídio ao teatro de S. Carlos, para que a empresa pudesse
escriturar uma bailarina de notável formosura. Não houve,
finalmente, injúria que lhe não dirigissem, acusação infamante
que lhe não fizessem. Esta campanha difamatória durou um ano, no
fim do qual, tendo caído o Ministério regenerador, D. Luís chamou
o partido progressista a formar gabinete. A realeza assaltada
capitulava, e a capitulação era funesta, porque o trono nunca mais
readquiriu o prestígio, que até então tivera.
Em
maio de 1879 constituiu-se enfim o Ministério progressista, e
dentro em pouco principiou também a organizar-se em Portugal o
partido republicano, que já em 1880 alcançara grande força, o que
bastante inquietou o governo, que receando ver as festas do centenário
de Camões perturbadas pelas suas manifestações, aconselhou o rei
a retrair-se um pouco, conservando-se naquela solenidade cívica
como um simples espectador. Em 1881 queria o governo progressista
fazer votar nas câmaras o projecto dum tratado com a Inglaterra
relativo a Lourenço Marques, em que apareciam cláusulas
extremamente desagradáveis para o país. Os republicanos
aproveitaram a repulsa que o tratado inspirou, para promoverem uma
agitação, de que resultou a queda do ministério. Foi chamado então
ao poder António Rodrigues Sampaio, que formou um gabinete
completamente regenerador, o qual no fim desse mesmo ano de 1881 foi
substituído por outro, também regenerador, presidido por Fontes
Pereira de Melo. O partido progressista, ficando na oposição,
renovou a campanha de 1878, mas com menos violência.
Surgiu
a questão do caminho-de-ferro de Salamanca. A iniciativa que tomou
o partido regenerador, foi recebida com pouca simpatia, e o partido
progressista combateu-a
energicamente, merecendo aplausos da grande maioria do país. Não
conseguindo, porém, o que desejava, que era a queda do Ministério,
e querendo por força derrotá-lo, arrojou-se de novo à luta contra
o rei, e quando em 1882 D. Luís foi a Viseu com a família real
inaugurar o caminho-de-ferro da Beira Alta, tentou fazer manifestações
que lhe fossem desagradáveis. O visconde do Serrado, que era
governador civil, fez o seu discurso, que não foi quase ouvido, e
todos receavam que a multidão instigada pelos políticos, fizesse
alguma manifestação hostil. O rei não se perturbou, e quando o
visconde do Serrado acabou de falar, tomou a palavra; a sua voz
sonora e simpática logo impressionou o público. O seu discurso, em
que exaltou as memórias patrióticas de Viseu, entusiasmou-o. A
manifestação hostil transformou-se numa ovação delirante. Todos
estes factos davam vitalidade ao partido republicano, já então
importante pelo número e pela qualidade das pessoas que nele
militavam. Esta viagem de D. Luís e da família real às províncias
do norte, fora precedida de muitas outras feitas em diversas ocasiões,
tendo sido os augustos personagens sempre recebidos em toda a parte
com entusiasmo.
D.
Luís, depois da sua aclamação, também fora diversas vezes ao
estrangeiro, ficando regente do Reino seu pai o rei D. Fernando. Em
1881 foi oficialmente a Cáceres ter uma entrevista com o rei de
Espanha Afonso XII, que no ano seguinte, 1882, lhe veio pagar a
visita a Lisboa, voltando depois o rei a Madrid em 1883. No Porto
recebera sempre D. Luís, assim como a família real, as maiores
provas de simpatia. Em 1883 o príncipe real D. Carlos e seu irmão
o infante D. Afonso, fizeram uma viagem pela Europa. O ministério
regenerador continuava no poder, reconstituindo-se em 1883 com
quatro novos ministros, Lopo Vaz, Barjona de Freitas, António
Augusto de Aguiar e Pinheiro Chagas.
Durante
este último período recebeu importante impulso o nosso movimento
colonial. Quando o rei D. Luís começou o seu reinado, estava quase
concluído o caminho de ferro do norte e leste, e em construção o
do sul e sueste. Em 1877 conseguiu ver concluído o caminho de ferro
do norte pela construção da ponte Maria Pia; em 1889, com a
conclusão da linha do Algarve, viu também terminada a principal
rede ferroviária ao sul do Tejo. Em 1881, o ramal de Cáceres
concluído, punha a capital do Reino em contacto mais directo com a
de Espanha; em 1882, a conclusão do caminho de ferro da Beira Alta
e do ramal da Figueira abria ao comércio uma nova fonte de riqueza.
Em 1885 conclui-se a rede de caminhos-de-ferro do Minho e Douro, em
1887 achava-se acabada a linha de Lisboa e Figueira por Torres
Vedras, o caminho de ferro de Sintra, e em 1889 a linha de Cascais;
também se concluíra o caminho de ferro de Guimarães, da Póvoa de
Varzim ao Porto e a Vila Nova de Famalicão, etc. No seu tempo começaram-se
as obras do porto de Lisboa e as do porto de Leixões; no ultramar
iniciaram-se as importantes obras do cabo submarino que liga
Portugal com todas as suas possessões da África Ocidental, as do
caminho-de-ferro de Ambaca e de Lourenço Marques, deu-se impulso à
colonização de Moçâmedes.
Nas
suas relações internacionais Portugal também não foi infeliz;
gozava de paz absoluta, e esteve sempre em excelentes relações com
as nações estrangeiras. Mereceu a afeição particular do
imperador Napoleão III, e foi sempre benquisto pela República
Francesa; viu resolvidos a favor de Portugal por arbitragem,
primeiro do presidente da república dos Estados Unidos, depois,
pelo da República Francesa, as questões com a Inglaterra acerca da
ilha de Bolama e de Lourenço Marques. Nas colónias, se houve a
guerra desastrosa da Zambézia em Moçambique e os tristes
acontecimentos de Bolor na Guiné, o monarca pudera ver, em compensação,
para o fim do seu reinado restabelecida a ordem em toda a extensão
do nosso domínio colonial. No reinado de D. Luís assinou-se o
tratado do Zaire, resolvido na conferência de Berlim, e pelo qual,
se Portugal cedia as suas aspirações um pouco vagas a todos os
territórios compreendidos entre 5º 12' e 8º de latitude
meridional, em compensação obtinha territórios ao norte daquele
primeiro limite, e via reconhecidos definitivamente os seus direitos
a uma região que lhe fora até então sempre defesa e o seu domínio
nessa rica região do Zaire e do Congo, onde logo se formou um novo
distrito da província de Angola com o nome de distrito do Congo.
Em
20 de fevereiro de 1886 tornou ao poder o partido progressista. Começava-se
então a tratar do casamento do príncipe real D. Carlos com a
princesa D. Maria Amélia de Orleães, casamento que se realizou em
22 de maio desse mesmo ano. Por essa ocasião fez o rei D. Luís uma
viagem ao estrangeiro, ficando o príncipe Regente do Reino, e dessa
viagem já voltou doente, posto que essa doença senão tivesse
manifestado de um modo que inspirasse receios. Em 1887 recebeu um
golpe cruel, a morte de Fontes Pereira de Melo, estadista muito
dedicado e de quem ele era sincero amigo. Os tratados que se
celebraram depois de 1886 com o estrangeiro, não eram dos mais
consoladores. Pelo tratado com a França acerca da Guiné, perdíamos
o Casamansa; pelo tratado com a Alemanha recuávamos ao sul de
Angola até Cunene.
O
rei D. Luís era um espírito culto; além da sua especial instrução
científica, falava correctamente sete ou oito dos principais
idiomas da Europa; dedicava-se às belas artes, desenhando e
pintando, compondo música, e executando-a em diversos instrumentos,
com especialidade no violoncelo e no piano. Tinha profundo amor às
letras, estudando os clássicos e os sábios. Era considerado um dos
monarcas mais instruídos e estudiosos da Europa. O teatro
entusiasmava-o, e tinha por Shakespeare um verdadeiro culto. Quis
empreender a tradução de algumas das suas obras, e como lhe
dissessem aqueles a quem lia os seus escritos, que as traduções
estavam excelentes, resolveu-se as publicá-las, sem lhes pôr o seu
nome. A primeira que se imprimiu, foi a tradução do Hamlet,
em 1877; edição muito nítida em papel superior, destinada para
brindes; em 1880 fez-se a 2.ª edição, em que se lia a nota
seguinte: «propriedade cedida por sua majestade o rei à Associação
das Creches.» O rei, permitindo que o dito instituto fizesse a nova
impressão, foi para que o produto da venda revertesse em produto do
cofre que protege a infância indigente. Em seguida publicou o Mercador
de Veneza, em 1879; desta edição cedeu o rei 300 exemplares a
favor da Sociedade das Casas de Asilo da Infância Desvalida de
Lisboa. Também traduziu Ricardo III, publicado em 1880;
depois apareceu o Otelo,
em 1885, trazendo o nome do tradutor. Começou as traduções, que não
concluiu, do Romeu e Julieta,
Estupro de Lucrécia,
Vénus e Adonis, A
Esquiva domada. Traduziu também várias poesias de Rollinat,
alguns trechos da Fille de
Rolland, de Bernier, e a comédia de Pailleron Le
Monde ou l’on s'ennuie que Gervásio Lobato traduziu com o título
de Sociedade onde a gente
se aborrece. Como presidente da Academia Real das Ciências
instituiu o prémio de 1.000$000 réis destinado à obra mais notável
que se tivesse publicado nesse ano.
Fundou
os Albergues Nocturnos, e subsidiou largamente muita obra de
caridade. A doença que o assaltara havia alguns anos, caminhava
lentamente. Fez uma viagem ao estrangeiro, em que teve ocasião de
abraçar pela última vez o imperador Guilherme, que lhe era muito
afeiçoado. Em 1888, por conselho dos médicos, foi ao Bom Jesus de
Braga em companhia de sua família. Dali dirigiu-se a Viana do
Castelo para inaugurar as obras do porto, e a Guimarães inaugurar a
estátua de D. Afonso Henriques. Foi também ao Gerez, onde assistiu
a uma caçada. O ano de 1889 anunciou-se mal. No verão foi para
Sintra, mas aí os sofrimentos tornaram se gravíssimos. Nos fins de
Setembro levaram-no para Cascais quase moribundo, vindo a falecer em
Outubro, depois de dolorosa e prolongada agonia.
D.
Luís foi também o presidente do Congresso de Beneficência
Municipal, em que prestou os maiores serviços. O rei D. Luís era
grão-mestre das três ordens militares, de Cristo, de Avis e S.
Tiago da Espada; grão-mestre das ordens de Nossa Senhora da Conceição
e da Torre e Espada; cavaleiro das seguintes ordens estrangeiras:
Suprema da Santíssima Anunciada, de Itália; Tosão de Ouro, de
Espanha; Jarreteira, de Inglaterra; grã-cruz das ordens de Ernesto
Pio, de Saxe-Coburgo-Gotha; da Coroa de Arruda (Rue), da Saxónia
Real; da Águia Negra, da Prússia, com colar; do Cruzeiro do Sul,
da Rosa, com colar, e de D. Pedro I, do Brasil; de Santo Estêvão
da Hungria, Áustria; de Mérito Militar de S. Fernando; da ordem
soberana de S. João de Jerusalém, de Roma; de Santo Humberto, da
Baviera; da Legião de Honra, de França; de Santo André, com
colar, de Santo Alexandre Nevsky, de Sant’ana, e da Águia Branca,
da Rússia; do Elefante, em brilhantes, da Dinamarca; dos Serafins,
e de Santo Olavo, da Suécia; do Leão Neerlandês, dos Países
Baixos, Holanda; do Salvador, da Grécia; da ordem de Luís, de
Hesse Grão-ducal; da Coroa dos Wendes, com colar, de
Meklembourgo-Scheverim Strelitz; da Estrela, da Roménia; do Medjidié,
em brilhantes, da Turquia; da ordem da Vigilância ou Falcão
Franco, de Saxe Weimar; do Sol de Ouro, de Sião; do Nichan-Iftikar,
em brilhantes, de Tunes; do Sol de Ouro, da Birmânia; da ordem do
Redentor do Mundo, da Libéria; de S. Carlos, de Mónaco; dos
Cavaleiros de S. Marino; da Real Ordem de Mélusine.
Era
presidente da Academia Real das Ciências, e presidente honorário e
protector de várias corporações científicas, literárias e de
beneficência do Reino. Fundou em 1883 a Escola de Instrução Primária
na Real Quinta do Alfeite, que se inaugurou em 8 de abril desse ano.
Em 30 de abril de 1862 mandou deduzir da sua dotação a quantia de
42.000$000 réis, como donativo espontâneo, que deveria
verificar-se no ano económico de 1862-1863, sendo sua vontade que
desta soma fossem aplicados 10.000$000 réis para a edificação do
Observatório Astronómico de Lisboa, e 6.000$000 réis para os
melhoramentos do Observatório do Infante D. Luís, devendo a
restante quantia de 26.000$000 réis entrar na receita geral do
tesouro público. Quando em 1863 se estabeleceu o Asilo dos filhos
dos soldados, D. Luís cedeu para a sua instalação a parte do edifício
de Mafra onde estivera o Colégio Militar, e assistiu em 24 de agosto
à abertura do mesmo asilo. Em 19 de maio de 1864 mandou entregar à
Escola Naval de tiro estabelecida a bordo da nau Vasco
da Gama diversos livros franceses, afim de constituírem o núcleo
duma biblioteca especial para a instrução respectiva, devendo essa
biblioteca ser instalada no mencionado navio, sob os cuidados e
direcção do competente oficial director.