Quarto
filho do rei D. Manuel e de sua segunda mulher, a rainha D. Maria.
Foi duque de Beja, condestável do Reino, grão-prior do Crato, da Ordem
de S. João de Jerusalém, etc.
Nasceu
em Abrantes a 3 de março de 1506, faleceu a 27 de novembro de 1555.
Tinha
pouco mais de um ano quando o rei seu pai lhe nomeou por governador
de sua casa a Rui Teles de Meneses, senhor de Unhão, por carta
passada em Abrantes, a 10 de maio de 1507, e pouco depois lhe deu o
mesmo fidalgo por camareiro-mor, a 12 do dito mês, por outra carta
passada em Alenquer. Dando desde muito criança provas de grande
inteligência, seguiu com ardor as lições do professor Pedro
Nunes, com quem aprendeu filosofia, aritmética, geometria e
astronomia, distinguindo-se tanto nestas disciplinas que mereceu do
seu sábio mestre um encarecido elogio, por ocasião de lhe dedicar
a tradução dos três tratados de Ptolomeu, como vem mencionado nas
Memórias históricas sobre
alguns matemáticos portugueses, de António Ribeiro dos Santos:
“E duvidando muito comigo, se dirigiria isto a V. A. a matéria da
obra me convidou a fazer: que pois V. A. tem tanto primor na
Cosmografia, e na parte instrumental, e tem tão alto e tão claro
entendimento e imaginação, que pode facilmente inventar muitas
coisas que os antigos ignoraram, parece que de direito lhe
pertencia: de outra parte punha-me grande receio de ser a Obra tão
pequena e não haver nela coisa que a V. A. seja nova.” Nos seus
estudos com Pedro Nunes teve por colega D. João de Castro, com quem
manteve sempre a mais dedicada amizade. Também estudou outras ciências
com o mestre Lourenço de Cáceres, homem de muita erudição, que
depois nomeou seu secretário.
O
infante D. Luís mostrou muita predilecção pela poesia, e grande
afecto a Gil Vicente. A sua intimidade com os sábios e os poetas do
seu tempo, o seu trato afectuoso com muitos dos mais ilustrados
fidalgos da corte, a sua amabilidade muito pouco própria dum príncipe
naquele época, a sua viva inteligência, o seu espírito aberto a
todas as grandes coisas, tinham lhe granjeado não só a estima das
pessoas que frequentavam o paço, mas também uma grande
popularidade, porque realmente o povo gostava de ver aquele príncipe
jovial, franco, desembaraçado, inteligente e instruído, tão
completamente diverso do sombrio D. João III, seu irmão. Foi essa
mais uma razão para que o monarca começa-se a criar contra ele
certa inimizade, que o levou a atravessar todos os seus planos e a
contrariar todos os seus projectos. D. Luís desejava ardentemente
ir à Índia, e decerto seria de grande proveito nessa época a ida
ao Oriente dum príncipe tão chegado ao rei, tão estimado e tão
digno de comandar. D. João III nunca acedeu àquele desejo, e essa
negativa causou o maior desgosto ao infante D. Luís.
Não
foi ainda por vontade do rei que D. Luís tomou parte na célebre
expedição de Carlos V contra Tunes em 1530. O imperador pedira auxílio
a Portugal para essa expedição empreendida contra o célebre corsário
Barba roxa, que se assenhoreara das regências de Argel e de Tunes,
e que dominava impunemente o Mediterrâneo, onde praticava toda a
qualidade de piratarias. D. João mandou-lhe imediatamente uma
esquadra de vinte caravelas, duas naus e o célebre galeão S. João,
cognominado o Bota-fogo, que era o navio mais afamado da época.
A esquadra ia comandada por António Saldanha.. Mais uma vez o
monarca se esquecera de seu irmão, que de certeza ambicionaria ser
ele o comandante da esquadra. Contudo, o infante não pôde resistir
ao desejo de tomar parte na expedição, e saiu secretamente de Évora,
onde estava a corte, indo ter a Barcelona com o imperador Carlos V,
que tinha por ele o mais vivo afecto. D. João III não teve remédio
senão sancionar a resolução tomada pelo infante, e mandou para o
acompanharem muitos fidalgos de autoridade, dando-lhe em tudo, a ele
o primeiro lugar, como era devido a pessoa de tão elevada
hierarquia, e ordenando-o assim por carta a António de Saldanha,
comandante da esquadra, para que por todos fosse obedecido onde
estivesse, como se fosse o próprio rei. A primeira ideia do
imperador foi desalojar o inimigo de Tunes, onde se havia
fortificado, para que voltasse ao mar, em que só poderia acometer
com forças vagas; e apesar da empresa ser tão difícil como
arriscada, deveu-se à animosa deliberação do infante, contra o
parecer de muitos capitães antigos e experimentados, o felicíssimo
sucesso com que se concluiu, cortando com o decantado e espantoso
galeão, que governava, de 366 peças de bronze a fortíssima cadeia
que atravessava o porto de Goleta, dando-lhe assim a ele imperador a
vitória, como a honra, que por ela
veio, ao nome português. Carlos V, em recompensa dos seus
merecimentos e pelos memoráveis serviços que lhe prestara naquela
gloriosa empresa, pensou em dar ao infante a investidura de Milão,
que vagara pela morto do duque daquele estado Francisco Sforza, que
não deixara descendência. Não pôde, porém, efectuar-se o seu
desejo por se lhe oporem as pretensões de França.
D.
Luís era muito religioso, e fundou em Estremoz o mosteiro das
religiosas de S. João de Malta, único que aquela ordem teve em
Portugal; também fundou os dois conventos da província da Arrábida,
de que foi grande benfeitor; o primeiro de N. Sr.ª da Piedade,
entre Benavente e Salvaterra, onde residia a maior parte do ano,
como se tivesse professado; o segundo, para que deu somente o sítio
no termo e vizinhança de Lisboa, de Santa Catarina de Ribamar, que
depois veio a fundar a infanta D. Isabel, mulher do infante D.
Duarte. D. Manuel consagrava grande estima a D. Luís, e entre
outras mercês, o nomeou fronteiro-mor da comarca entre Tejo e
Guadiana, por carta, dada em Lisboa a 16 de novembro de 1521, que
foi assinada por D. João, ainda príncipe, por seu pai o não poder
fazer pela sua doença, que um mês depois o vitimou. Esta mesma
mercê lhe confirmou depois D. João III, em Coimbra, por carta de 5
de agosto de 1527, com a cláusula expressa de cumprir a vontade do
rei D. Manuel seu pai, e recomendação feita a ele a tempo do seu
falecimento.
Teve
carta de mercê do título de duque de Beja, e de doação em sua
vida das vilas da Covilhã, Ceia, Almada, Moura, Serpa, Marvão
concelho de Lafões, e Besteiros, dada em Coimbra, por D. João III,
no mesmo dia 5 de agosto de 1527, em que declara faze-lo assim por
cumprir e trazer a efeito a vontade do rei D. Manuel seu pai, que já
o tinha mandado fazer por uma carta sua ainda, por ele não assinada
a tempo do seu falecimento, a qual lhe recomendou assinasse por não
estar em disposição de o poder fazer. Da cidade de Beja teve carta
de doação das rendas e senhorios e de todo o seu termo, dada em Évora
a 29 de março de 1534. tomando posse por ele o dr. Afonso Serrão,
desembargador, ouvidor e chanceler de sua casa, a 5 de abril
seguinte. Foi condestável do reino por carta passada em Coimbra,
com as mesmas cláusulas acima citadas; e ultimamente administrador
perpétuo com jurisdição no priorado do Crato, por carta de 10 de
março, dada em Lisboa, em 1529, na qual se declara ser já comendatário
do dito priorado por mercê do rei D. Manuel seu pai. O infante D.
Luís nunca foi casado, como descreve Damião de Góis e outros
historiadores, no entretanto não faltaram muitas negociações e
contratos de casamento correspondentes à sua pessoa e merecimentos,
que se não efectuaram. Foram estes o da princesa Hedwige, filha de
Segismundo, rei da Polónia; o de Cristina, filha de Cristiano II,
rei de Dinamarca, viúva de Francisco Sforza, com quem o imperador
Carlos V lhe queria entregar o ducado de Milão; com a filha primogénita
de Francisco I, rei de França, casando o delfim duque de Bretanha
seu filho, com a infanta D. Maria, irmã do infante; com a infanta
D. Maria, sua sobrinha, que depois foi rainha de Espanha, casando
com Filipe II; com a princesa Maria, filha de Henrique VIII de
Inglaterra, e herdeira daquela coroa por morte de seu irmão Duarte
VI, que também veio a casar com o mesmo Filipe II, já viúvo da
infanta de Portugal; e ultimamente com D Maria, sua sobrinha, filha
do infante D. Duarte, que foi duquesa de Parma, mulher de Alexandre
Farnésio. Deixou um filho natural, havido de Violante Gomes, por
alcunha a Pelicana, que parece ter sido de origem judaica, de
que resultou um filho, que foi o celebre D. António, prior do
Crato. Estando D. Luís em Salvaterra, adoeceu gravemente, o que o
obrigou a regressar à corte, e junto do mosteiro de S. Bento dos Lóios,
numa quinta que pertencia ao conde de Linhares, D. António de
Noronha, acompanhando-o por ordem do rei D. António de Ataíde,
conde da Castanheira, e Pedro de Alcáçova Carneiro, secretário do
conselho do rei, em poucos dias faleceu. No dia seguinte foi
sepultado com grande pompa no convento de Belém.
Acerca
do infante D. Luís pode ver-se Vida
do infante D. Luís, por D. José Miguel João de Portugal,
conde de Vimioso; O Ano histórico,
tomo III, pág. 397 a 399; Biblioteca
Lusitana, de Barbosa Machado, vol. III, pág. 45. Atribuem-lhe o
Auto de D. Duardos, que
depois de repetidas impressões, saiu em Lisboa, 1659, contudo, este
Auto foi publicado entre as obras de Gil Vicente, e figura no vol.
III dessas obras, com o titulo de Tragicomédia.
Várias Cartas do infante, dirigidas a diversas pessoas, andam no
livro acima citado do conde de Vimioso, e na Vida
de D. João de Castro, por Jacinto Freire de Andrada; nas Crónicas
da Companhia de Jesus, da Arrábida, dos Cónegos regrantes; no Antiquário
Conimbricense, etc.