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D. Maria, infanta de Portugal
D. Maria, infanta de Portugal

Maria (D.). Infanta de Portugal

 

n.      8 de junho de 1521.
f.       10 de outubro de 1577.

 

Infanta, filha do rei D. Manuel e de sua terceira mulher, D. Leonor, irmã de Carlos V. 

Nasceu em Lisboa no paço da Ribeira, a 8 de junho de 1521, sendo batizada no dia 17 pelo arcebispo de Lisboa D. Martinho Vaz da Costa, escolhendo o rei seu pai para padrinho, em nome de Carlos III, duque de Sabóia, o barão de S. Germano, senhor de Balaison, enviado então por embaixador a este reino para solicitar o casamento da infanta D. Beatriz; e madrinhas esta infanta e D. Isabel, sua irmã. Faleceu no seu paço de Santos, então extramuros da cidade de Lisboa, a 10 de outubro de 1577. 

Perdeu seu pai no dia 13 de dezembro do mesmo ano de 1521, tendo ela apenas dois meses de existência. Ausentando-se também sua mãe para Espanha, em 1523, deixando-a ainda no berço, recebeu a primeira educação de D. Elvira de Mendonça, camareira-mor da rainha D. Leonor, sendo depois entregue aos cuidados de sua tia D. Catarina, irmã de sua mãe, quando chegou a Lisboa em 1524 para casar com o rei D. João III. D. Maria era dotada de rara inteligência e de excelente memória. Entre os seus professores, distinguiram-se a sua aia Luísa Sigeia, doutíssima senhora, natural de Toledo, que lhe ensinou letras humanas e a língua latina; sua irmã Ângela Sigeia com quem aprendeu a tocar alguns instrumentos, com especialidade os mais usados no culto divino como a harpa e o órgão, e Frei João Soares de Urró, da ordem dos eremitas de Santo Agostinho, depois bispo de Coimbra, que a iniciou nas divinas letras. 

Quando completou dezasseis anos de idade, o rei seu irmão lhe organizou casa própria e separada do paço real, composta de damas e fidalgos da mais selecta nobreza do reino, sendo tratada com grandeza igual à das rainhas, só com a diferença do título. A infanta D. Maria, pelas amplíssimas heranças que lhe deixaram seu pai e sua mãe, foi a princesa mais rica que, abaixo das rainhas, houve no seu tempo na Europa. Foi senhora de grande número de cidades, vilas e outras terras, juros e jurisdições em França, Espanha e Portugal, e de riquíssimas jóias, baixelas, armações, e tapeçarias da rainha sua mãe. D. João III lhe concedeu muitas mercês e privilégios, como consta de alguns documentos existentes no Arquivo Real, como são: uma carta em data de 26 de janeiro de 1545, em que se lhe concedem de padrão de juro e herdade 5.000$000 reis. em virtude da contrato feito com o mesmo rei D. João III, que se acha inserto; e duas cartas, expedidas à mesma infanta, de privilégios, e jurisdição delas em data de 2 de novembro do mesmo ano; o 1.º no Livro da Chancelaria do dito rei a fol. 25 e os 2.os no Livro 43, fols. 9 verso, e 14 verso. No seu paço particular criou a infanta D. Maria uma verdadeira universidade de senhoras ilustres em todo o género de ciências e artes, de que foi especial protectora, pois não só se encontrava quem se desse à lição dos livros, e tocasse destramente diferentes instrumentos, mas quem com o pincel e com a agulha procurasse nos primores da pintura e lavor virtuosa emulação, e seguisse todos os outros louváveis exercícios, aos quais juntava com tal reverência e edificação a prática dos actos de piedade em todo o género de virtudes, pela direcção de Frei Francisco Foreiro, seu confessor, da ordem de S. Domingos, que parecia mais um mosteiro de religiosas reformado, do que paço real. 

Pela fama da sua grande instrução e de muitas virtudes, alguns dos maiores príncipes da Europa a pretenderam para esposa, como foram: o Delfim de França, filho de Francisco I; o duque de Orleães, irmão do mesmo Delfim, a quem o imperador Carlos V prometera a investidura do ducado de Milão, ou do condado de Flandres. Não se efectuando nenhum destes casamentos, pelo falecimento destes príncipes antes deles se realizarem, o rei Fernando de Hungria, rei dos romanos, e depois imperador, enviou a Portugal um embaixador pedindo a mão da infanta para mulher de seu filho Maximiliano, e por fim, o rei de Espanha, Filipe II, apenas enviuvou da rainha Maria de Inglaterra, também a requestou. Dizem que a principal razão porque nenhum destes casamentos se realizou foi a pouca vontade de D. João III, porque naquele tempo os cofres reais achavam-se exaustos, e era dificultoso satisfazer à infanta o muito que importava a sua legitima e o valor do dote, e arras da rainha D. Leonor, sua mãe, que tinha de levar consigo para quem casasse com a infanta. Conservou-se, portanto, a infanta sempre solteira, consagrando-se ao serviço de Deus. No ano de 1558, tendo já falecido D. João III, para satisfazer aos desejos de sua mãe, que desejava ansiosamente vê-la depois duma separação de trinta e sete anos saiu de Lisboa acompanhada de grande número de fidalgos e de muitas damas suas e da rainha D. Catarina, sua tia, indo a Elvas e dali a Badajoz, onde a rainha D. Leonor veio encontrá-la, com sua irmã, a rainha de Hungria e muitos grandes de Espanha. Em Badajoz se demoraram vinte dias, realizando-se então muitas festas públicas. D. Leonor desejava ardentemente que sua filha não voltasse para Portugal, oferecendo-lhe todas as riquezas e estados que possuía, mas a infanta, lembrando-se do juramento que prestara de voltar ao reino, resistiu a todas as súplicas de sua mãe. D. Leonor ficou tão pesarosa que, poucos dias depois deste encontro, faleceu. 

A infanta D. Maria continuou em religiosos exercícios. Edificou à sua custa em 1575 a igreja e a capela-mor do convento de Nossa Senhora da Luz, da ordem de Cristo, situado no largo da Luz. (V. Portugal, este vol. pág. 596). Também fundou no lado fronteiro, um hospital, que se concluiu em 1618, já muito de pois do falecimento da infanta, e para o qual deixara avultados rendimentos. Os seguintes conventos foram igualmente fundados pela infanta D. Maria: o de Santa Helena do Calvário em Évora; o de Nossa Senhora dos Anjos, de capuchos arrábidos, junto a Torres Vedras, em cuja vila também teve um palácio; o de S. Bruno, e o de Santo Cristo dos Milagres, de Santarém, e deixou em seu testamento com que se edificasse um mosteiro para as comendadeiras da Ordem de S. Bento de Avis, que se construiu em Lisboa com a invocação, que ela ordenara, de Nossa Senhora da Encarnação, que ainda hoje existe. Fundou mais a igreja paroquial de Santa Engrácia, de Lisboa, e fez muitas obras piedosas em outras casas religiosas, como no convento da Graça, da ordem de Santo Agostinho, onde mandou construir uma capela dedicada a Nossa Senhora, cuja imagem foi primorosamente coberta de prata lavrada; no mosteiro de S. Bento, que estava em construção, mandou fazer uma grande imagem deste santo, que foi colocada no altar-mor, adornando também a sua capela e a de outros altares. Por intervenção do embaixador de Portugal na Cúria Romana obteve uma relíquia do mesmo santo, que era uma parte da que existia no mosteiro de S. Paulo, de Roma. 

Dispôs ainda em vida de muitas das suas riquezas, e no seu testamento, feito em 17 de julho de 1577, determinou muitas obras de caridade por todo o reino, grandes socorros para pobres, viúvas, donzelas, órfãos, enfermos, remissão de cativos, muitas casas para abrigo dos peregrinos, dotes para casamentos de órfãs, etc. Todos os anos vestia nove mulheres no dia de Nossa Senhora da Encarnação, e outras tantas no dia da Natividade; na sexta-feira de Paixão vestia trinta e três pobres. Determinou também muitos sufrágios anuais e muitas missas quotidianas. A seu sobrinho, o rei D. Sebastião deixou, além de outros legados, uma rica tapeçaria de panos de Tunis, que a infanta, em honra de seu tio, o imperador Carlos V, e do infante D. Luís; seu irmão mandara fazer a Flandres. Não estando concluída ainda na ocasião do seu falecimento, a capela de Nossa Senhora da Luz, no convento deste título, que ela destinara para seu jazigo, mandou que a depositassem provisoriamente no mosteiro da Madre de Deus, em Xabregas, onde efectivamente foi depositado o seu corpo na casa do capítulo, junto ao da rainha D. Leonor, mulher de D. João II, celebrando-se exéquias com grande pompa, a que assistiram o rei D. Sebastião, o cardeal D. Henrique e toda a corte. Quase vinte anos depois, em 30 de junho de 1597, por determinação de Filipe I, de Portugal, procedeu-se à trasladação do cadáver da infanta para o seu jazigo na igreja da Luz.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Portugal - Dicionário Histórico, Corográfico, Heráldico, Biográfico, Bibliográfico, Numismático e Artístico,
Volume IV, págs. 825-
827

105Edição em papel © 1904-1915 João Romano Torres - Editor
Edição electrónica © 2000-2015 Manuel Amaral