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1.º marquês de Marialva
1.º marquês de Marialva

 

Marialva (D. António Luís de Meneses, 3.º conde de Cantanhede, e 1.º marquês de).

 

n.      
f.       16 de agosto de 1675.

 

General do exército do Alentejo, conselheiro de Estado e de Guerra, um dos generais que mais se distinguiram na Guerra da Restauração de 1640.

Acerca da data do seu nascimento divergem alguns biógrafos; parece, porém, que deve merecer maior crédito o escritor coevo conde da Ericeira, D. Luís de Meneses, que na sua obra o Portugal Restaurado, dá em 1657 D. António Luís de Meneses com mais de sessenta anos, vindo, portanto, a nascer ainda no século 16. Faleceu em 16 de agosto de 1675, como diz P. Francisco de Santa Maria, no vol. II do Ano Histórico, e D. António Caetano de Sousa, nas Memórias históricas e genealógicas dos grandes de Portugal, posto que por engano tivesse dito 19 de maio no tomo V da Historia Genealógica.

Era filho do 2.º conde de Cantanhede, de quem herdou o título, D. Pedro de Meneses, e de sua mulher, D. Constança de Gusmão, filha do 1.º conde de Vila Franca, Rui Gonçalves da Câmara. Continuas lutas se seguiram à revolução do 1.º de dezembro de 1640, provocadas pelos exércitos castelhanos, que procuravam energicamente passar as fronteiras de Portugal; o conde de Cantanhede tomou parte muito activa nestas lutas, distinguindo-se sempre pelo seu grande arrojo e valentia. Fora nomeado coronel no próprio dia 1.º de dezembro, quando se realizou a aclamação de D. João IV. Organizou-se depois em Coimbra um regimento de 1.660 homens, de que ele era o comandante, regimento que se tornou muito afamado pelas provas de valor e de intrepidez com que sempre se distinguia nos combates em que entrava. Quando em 1641 o coronel conde de Cantanhede chegou a Cascais, o rei quis recompensar-lhe os serviços prestados em honra da pátria, dando-lhe um lugar da maior importância e confiança na corte, que o distinto fidalgo não aceitou, porque a carreira das armas, para que tinha decidida vocação, lhe fazia antever um futuro brilhante de vitórias e de feitos heróicos. Quando era preciso reforçar as tropas que guarneciam as fronteiras, recorria-se sempre ao valioso auxílio de D. António Luís de Meneses.

Em 1656 morreu D. João IV, e até esse momento o ilustre fidalgo, que usava do título de conde de Cantanhede, não aceitou cargo algum de importância na corte, por ser do partido contrário ao conde de Odemira, que tinha todo o valimento real. Os afeiçoados do conde de Cantanhede só começaram, portanto, a salientar-se na corte, depois do falecimento do monarca. Corria o ano de 1658. A praça de Elvas, de que era governador D. Sancho Manuel, depois conde de Vila Flor, achava-se cercada por um exército de 3.000 homens comandados pelo general castelhano D. Luís Mendes de Haro. A rainha D. Luísa de Gusmão, regente do reino pela menoridade de D. Afonso VI, escreveu em 2 de dezembro de 1658 a seguinte carta: 

«Conde amigo. Eu el-rei vos envio muito saudar, como aquele que amo. É de tanta importância acudir à província do Alentejo com uma pessoa que a governe, enquanto o inimigo persiste sobre Elvas, e que esta seja tal, que a alente e console, e tenha autoridade, actividade e zelo para formar um exército capaz de ir socorrer aquela praça, se o pedir a necessidade, que ainda que a importância da vossa pessoa nesta corte pedia-vos não apartasse de mim, me é preciso encomendar-vos partais logo a livrar-me do cuidado em que me tem posto as coisas daquela província, e a fazer-me, e a este reino um serviço tão grande, como aquele será; e porque para tão conhecido amor como me tendes, e ao reino, e por o muito que desejais sua conservação, e defesa, são necessárias poucas palavras para vos persuadir vades acudir a tão grande ocasião com estas poucas regras espero partireis logo, e por elas mando a todos os cabos, e oficiais de guerra, justiça e fazenda vos obedeçam e cumpram as vossas ordens, em tudo o que tocar ao intento referido, em que espero façais o que deveis a quem sois, e à boa vontade que vos tenho, que são dois motivos bem grandes, para um homem como vós». Não contente com esta carta, a rainha mandou chamar o conde, e disse-lhe: «Sois tão empenhado na conservação deste reino, tendes tanta actividade e tão grande coração, que fio de vós o socorro da praça de Elvas, que é a muralha, que na província do Alentejo nos defende de nossos inimigos; parti-vos logo para Estremoz, e fiai da minha diligência mandar-vos assistir com toda a gente e cabedais que houver no reino, e não tenhais pelo menor socorro as desatenções e desconcertos, que os castelhanos costumam ter nos seus exércitos, quando as empresas são dilatadas; e dou-vos licença para que na certeza desta inteligência me tenhais por castelhana.»

O conde de Cantanhede, a quem somente agradavam empresas dificultosas, beijou a mão da rainha, muito reconhecido pela distinção que recebera. Pondo-se em seguida em movimento, reuniu todas as tropas de que podia dispor, mandou comunicar astuciosamente a D. Sancho Manuel, que estabelecera o seu quartel-general em Estremoz, e que contasse com o mais pronto socorro. O exército, assim organizado, saiu de Estremoz em 11 de janeiro de 1659, e chegou dois dias depois à frente das linhas de Elvas. Seguiu-se a grande e memorável batalha no dia 14, que foi uma das maiores glorias para D. António Luís de Meneses (V. Portugal, vol. III, pág. 125 e seguintes). D. Afonso VI e a rainha regente, sua mãe, estavam na igreja de Santa Engrácia assistindo à festa que a nobreza costumava fazer em desagravo do desacato ali cometido, quando recebeu a notícia da vitória alcançada. Foi tal o entusiasmo que imediatamente se cantou um solene Te Deum em acção de graças; em seguida D. Afonso e a rainha foram para o paço da Ribeira, com a corte, no meio das mais entusiásticas aclamações do povo. Quando o conde de Cantanhede regressou a Lisboa, foi recebido no paço com as maiores honras e distinções, vindo o próprio rei, por conselho do conde de Odemira, espera-lo à entrada. O conde de Cantanhede recebeu muitas mercês, sendo também agraciado com o título de marquês de Marialva, por decreto de 11 de junho de 1661, juntando-se depois a esta honra o juro e herdade por alvará de 14 de maio do 1675. Sendo governador das armas na província da Estremadura, desejou o marquês de Marialva ir comandar no Alentejo, mas a rainha, receando que o conde de Atouguia, que então governava aquela província, se despeitasse, assim como as pessoas que compunham o novo partido que principiava a formar-se em torno de D. Afonso VI, pediu ao marquês que desistisse daquela pretensão. O marquês cedeu ao pedido, porque percebeu bem a inconveniência e até o perigo que poderia haver em sustentar discórdias internas, quando os inimigos da pátria estavam continuamente obrigando os portugueses a entrar em combate. Nesta inteligência marchou para o Alentejo, comandando somente as forças auxiliares da Estremadura. Foi neste tempo, em 1661, que D. João de Áustria entrou em Portugal com o seu exército, mas assim como acontecera anteriormente, não houve luta alguma militar digna de menção, porque os castelhanos ainda estavam muito ressentidos da derrota de Elvas, e não se animavam a organizar forças suficientes para intentar nova invasão de Portugal. Contudo, o intrépido guerreiro praticou heróicas proezas nas campanhas de Estremoz, de Juromenha, e de Arronches.

Em 1662 o marquês de Marialva desejou ardentemente passar pela segunda vez ao governo das armas do Alentejo, e como para conseguir esse intento era preciso primeiro demitir o conde de Atouguia, lembrou à rainha que o conde era digno de ser nomeado general da armada real, muito principalmente havendo desconfianças, que na próxima primavera os espanhóis recomeçariam os seus ataques. A rainha, que muito respeitava o marquês, e desejando ser-lhe agradável, mandou oferecer ao conde de Atouguia a nomeação desse novo cargo. O conde recebeu a oferta com profundo pesar, e não podendo vencer a cólera que o dominava, respondeu à soberana com as mais sentidas frases, o quanto lhe era penoso tirarem-lhe aquele governo, principalmente na ocasião em que as prevenções de Castela ameaçavam maior perigo. Esta resposta obrigou a rainha a hesitar alguns dias em fazer a nomeação do marquês de Marialva para governador das armas do exército na província do Alentejo; este, porém, tanto insistiu que afinal venceu todas as dificuldades. Sabendo isto, o conde de Atouguia pediu licença à rainha para se retirar à corte, e depois, a conselho do duque de Cadaval, a quem a regente pedira particularmente para resolver o conde a aceitar a nomeação, que ela lhe oferecera, resignou-se a satisfazer a vontade soberana. O marquês de Marialva desta vez não foi tão feliz nos seus empreendimentos, e muito mais porque servindo no exército o conde de Schomberg, o nosso general possuiu-se profundamente da ideia de que vinha aquele estrangeiro murchar-lhe os louros da sua brilhante vitória das linhas de Elvas. Tomando D. Afonso VI posse do reino e começando o conde de Castelo Melhor a exercer o seu omnipotente ministério, o marquês de Marialva perdeu muito no régio valimento; deixou o governo das armas no Alentejo, sendo substituído por D. Sancho Manuel, que fora agraciado com o título de conde de Vila Flor. Mas chegando a Lisboa a notícia da tomada de Évora por D. João de Áustria, houve necessidade de mandar com toda a pressa reforços para o Alentejo, e foi ainda o marquês de Marialva que marchou à frente dum exército, na maior parte com posto de muitos voluntários da primeira nobreza. Chegando aquela província reuniu-se ao conde de Vila Flor, e tomou parte importante na recuperação da cidade de Évora. Em 1661 tomou Valência de Alcântara, uma das principais praças da Extremadura espanhola, onde também se distinguiu. Em 1665, estando em Estremoz, correu em 17 de Junho a Vila Viçosa, que os espanhóis haviam sitiado; foi, porém, surpreendido pelo general Carracena em Montes Claros, e ali se travou combate, que foi mais uma vitória para o marquês de Marialva, e a ultima coroa dos seus triunfos bélicos (V. Montes Claros). A derrota de Carracena enfraqueceu muito o ânimo dos castelhanos, que se confessaram vencidos, e deu causa à Espanha solicitar a paz, sendo o ilustre guerreiro um dos plenipotenciários, que assinaram o tratado em 13 de fevereiro de 1668. 

O marquês de Marialva exerceu os seguintes cargos: conselheiro de Estado e da Guerra, vedor da fazenda real, ministro do despacho, governador das armas de Lisboa, Setúbal, Cascais e Estremadura, e capitão-generaI da província do Alentejo. Em 1669 foi nomeado procurador das cortes de Lisboa por uniforme sufrágio do povo e da nobreza, devendo-se a ele grande parte dos negócios que se concluíram. A sua opinião era sempre muito considerada e ouvida em todas as questões sérias, que em Portugal se deram naquele tempo. Chamavam-lhe o libertador da pátria. O marquês de Marialva era senhor das vilas de Merles, Mondim, Cerva, Atem, Ermelho, Bilho, Vilar de Perreiras, Avelãs do Caminho, Leomil, Penela, Póvoa e Valongo; senhor do morgado de Medelo, e S. Silvestre, comendador de Santa Maria de Almonda, e da ordem de Cristo, etc. 

Havia casado em 1635 com D. Catarina Coutinho, filha e herdeira de D. Manuel Coutinho, senhor da Torre do Bispo. Teve dois filhos e sete filhas: D. Pedro António de Meneses, que foi o 4.º conde de Cantanhede e 2.º marquês de Marialva; D. Manuel Coutinho, que D. Pedro II agraciou com o título de conde do Redondo; D. Guiomar de Meneses, que casou com seu tio paterno D. Rodrigo de Meneses; D. Maria Joana Coutinho, que foi marquesa de Cascais pelo seu casamento com o 2.º marquês deste título, D. Luís Álvares de Castro; D. Isabel de Meneses, casada com D. Lourenço de Lencastre, comendador e alcaide-mor de Coruche; D. Antónia de Meneses, D. Jerónima Coutinho e D. Maria Coutinho, que foram religiosas no convento da Esperança, de Lisboa, e D. Joana de Meneses, que faleceu sem estado. O marquês de Marialva determinou que o sepultassem na vila de Cantanhede, e o seu coração ficasse no convento de S. Pedro de Alcântara, de Lisboa, dos religiosos da província da Arrábida, que ele próprio mandara edificar em 1670 em acção de graças da vitória de Montes Claros. Do livro mais antigo dos óbitos daquele convento consta que efectivamente o coração ali se conservara, com todo o respeito, dentro dum cofre de prata, até que por ordem de D. Pedro II, sendo ainda regente, foi trasladado para o convento de S. Vicente de Fora, ficando colocado no pavimento junto ao túmulo de D. João IV, com a seguinte inscrição:

 

HIC, UBI LUSIADUM JACET INSTAURATOR IN UNA,
PIGNUS HABET POSITUM COR MARIALVA SUUM,
CORDE SUUM SEQUITUR REGEM MARIALVA SEPULTUM,
UT VITAM CREDAS, NON PERIISSE FIDEM.

 

O cadáver do ilustre militar foi depositado no convento de Cantanhede, sendo as vísceras junto ao coração sepultadas na capela-mor da igreja junto do túmulo da marquesa, sua mulher. 

As armas dos Marialvas são: Escudo esquartelado; nos primeiros a quartos quartéis as armas reais com o filete; nos segundo e terceiro em campo azul as três flores de lis de ouro, e sobreposto o escudo dos Meneses, que é em campo de ouro um anel.

 

 

 

 

Genealogia do 1.º marquês de Marialva
Geneall

 

 

 

 

 

Portugal - Dicionário Histórico, Corográfico, Heráldico, Biográfico, Bibliográfico, Numismático e Artístico,
Volume IV, págs. 8
44-846.

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