Nasceu em Lisboa a 8 de setembro de
1819, onde também faleceu a 22 de janeiro de 1887. Era filho do
conselheiro João Fontes Pereira de Melo, ministro de Estado honorário,
e de D. Jacinta Venância Rosa da Cunha Matos.
Aos treze anos de idade assentou praça
na armada e foi estudar na Academia dos Guardas Marinhas. Dois meses
depois recebia o seu baptismo de fogo, porque, apesar da sua tenra
idade, ia combater nas linhas de Lisboa. D.
Miguel concentrava contra a capital todos os seus meios de ataque, e
Lisboa não estava ainda suficientemente preparada para a defesa. O
enérgico almirante Napier contribuiu para a resistência com todos
os recursos da sua marinha. Até mandou os jovens cadetes navais, e
Fontes ouviu pela primeira vez zunir as balas no combate de 10 de
Outubro, em que Bourmont foi repelido pelos constitucionais.
Cumprido esse dever para com a pátria,
Fontes voltou para a Academia dos
Guardas Marinhas e frequentou o 1.º ano em que foi premiado, o 2.º
em que também obteve prémio, foi em férias fazer uma viagem de
instrução aos Açores a bordo do brigue Faial comandado por
Cecília Kol. No 3.º ano, em que não havia prémios, foi aprovado
com distinção, mas recebeu no seu curso um prémio verdadeiramente
excepcional. Esse prémio fora instituído em 1805 para recompensar
o mérito relevantíssimo. Em trinta anos só três alunos o tinham
obtido. O primeiro fora o pai de Fontes, do segundo não sabemos o
nome, o terceiro foi Pereira de Melo. Tendo acabado assim o seu
curso brilhante, desejou estudar mais e matriculou-se
voluntariamente na Academia de Fortificação. As reformas do ensino
de 1836 transformaram a Academia de Fortificação em Escola do Exército,
e Fontes viu-se conduzido assim a estudar o curso de engenharia em
que foi distintíssimo, tendo passado para essa arma, onde foi
promovido a tenente em 1839. Nesse mesmo ano foi seu pai nomeado
governador de Cabo Verde, Fontes acompanhou-o como seu ajudante, e
desenvolveu na província a actividade febril que sempre o
caracterizou, visitou todas as ilhas de Cabo Verde, o distrito da
Guiné, levantou plantas, e incitou seu pai a que desenvolvesse o
mais que pudesse as obras públicas da província. Para esse fim e
para muitos outros relativos ao desenvolvimento económico de Cabo
Verde escreveu um grande número de relatórios. Nas obras públicas
que se principiaram a empreender colaborou como engenheiro, sendo
uma das obras em que trabalhou o hospital da Misericórdia da Praia.
Em 1843 terminava João Fontes o seu governo e voltava seu filho ao
reino, mas acompanhado por sua mulher, porque o moço oficial de
vinte e um anos apaixonara-se por uma galante senhora cabo-verdiana,
D. Maria Josefa de Sousa, filha do negociante Sousa Machado, e
desposara-la. Pouco tempo depois de chegarem a Lisboa, quando Fontes
estava casado havia pouco mais de um ano, enviuvou, e, pouco depois
de perder sua mulher, perdeu também uma filhinha, que era o único
fruto desse matrimónio. Fontes teve com esses golpes um desgosto tão
profundo que abandonou o estudo da astronomia a que se fora entregar
por simples gosto, e esteve quase um ano sem sair de casa. O que o
arrancou do abatimento em que caíra foi a guerra.
As lutas civis que dilaceravam
Portugal, mesmo depois de triunfar a liberdade, tinham chegado ao
seu período crítico. Rebentara a formidável insurreição de
1846, e o duque de Saldanha era encarregado de ir ao encontro das
tropas revolucionárias. Figurava no seu estado-maior o jovem
tenente de engenheiros, que o duque estimava muito porque era amigo
particular e político do pai. Mas logo percebeu que o rapaz não
precisava de recomendação do nome de seu pai para conquistar a sua
benevolência. Era um dos seus melhores oficiais, e tanto o duque
assim o reconheceu que o encarregou, antes da acção de Torres
Vedras, de fazer um reconhecimento a galope do campo de batalha.
Estas missões não se confiam senão a oficiais em cuja aptidão
profissional se tem plena confiança. Do seu trabalho pode depender
a sorte da batalha, e um general em chefe que tem de zelar a sua
reputação o de juntar na mão todos os trunfos, não se, vão
arriscar por mera complacência ou por empenho, a trabalhar sobre
uma planta erra da. Ora Fontes desempenhou se da sua missão com
bravura e com extremo acerto. O marechal tanto o reconhecia, que não
só lhe pôs ao peito ele próprio a cruz da Torre e Espada, mas
tempos depois dizia oficialmente que a vitória de Torres Vedras se
devia em parte ao jovem oficial, porque o excelente reconhecimento
que fizera servira de muito ao general para a escolha e estudo das
posições. Pouco depois entrava seu pai no ministério, ministério
que pouco durou, e que foi logo substituído pelo marechal Saldanha;
mas entretanto presidira às eleições, e o jovem tenente foi
eleito deputado por Cabo Verde, onde tinha não só as simpatias que
pessoalmente inspirara, mas a grande influencia política da família
de seu sogro. Não foi, contudo, com facilidade que Fontes entrou na
câmara. A eleição correra excelentemente e sem a mínima
irregularidade. A candidatura de Fontes era simpática ao governo, e
contudo, sendo apresentado o seu diploma pelo deputado Sá Vargas no
dia 22 de março de 1848, no dia 31 a comissão apresentava o seu
parecer rejeitando-o e anulando a eleição. Era relator D. José de
Lacerda. Explica se isto por um motivo muito simples. (quem dominava
a situação, quem dava leis em grande parte à maioria, era o conde
de Tomar. O ministério era um simples ministério de transição.
Na comissão de verifica ao de poderes dominava principalmente o
puro elemento cabralista. Como o parecer concluía pela rejeição
do deputado dava o regimento da câmara a este o direito de se ir
defender à barra. Foi, e fez uma estreia brilhantíssima. António
José de Ávila, depois duque de Ávila, apoiou a sua causa, e como
o deputado eleito mostrara triunfantemente que a comissão apreciara
mal os documentos que lho tinham sido apresentados, António José
de Ávila propôs que o parecer voltasse à comissão. A câmara
acedeu. Era já uma meia vitória. Mas a comissão era teimosa, e
poucos dias depois apresentava um parecer exactamente idêntico.
Recomeçou a discussão, tornou Fontes a usar da palavra, que lhe
dera logo enorme prestigio. Trata-se da votação, e a câmara
rejeita o parecer por 48 votos contra 27. Em vista dessa votação,
o presidente convidou a comissão a redigir um parecer conforme com
a deliberação da assembleia. A comissão respondeu a isso
demitindo-se. Travou-se novo combate, e alguns membros da comissão
retiraram. as suas demissões. Três persistiram em as manter, e
foram substituídos por António José de Ávila, José Lourenço da
Luz e Augusto Xavier da Silva. Assim reconstituída, a comissão deu
logo parecer favorável, que foi aprovado em seguida.
Fontes Pereira de Melo estava
deputado. Logo Fontes mostrou o seu talento e as suas raras
faculdades de trabalho. Na câmara e nas comissões defendeu
estrenuamente o governo, mas este é que se não pôde sustentar por
muito tempo. Pouco depois caía o ministério Saldanha, e voltou ao
poder o conde de Tomar. Ia então começar o brilhante período
oposicionista de Fontes. Em 1850 apresentou o ministério a lei
conhecida pelo nome de lei das rolhas, que restringia a liberdade de
imprensa; contra a qual se sublevou, pode dizer-se, o país inteiro.
Foi o grande orador Fontes Pereira de, Melo o interprete mais
eloquente desses sentimentos, e o brilhante discurso que pronunciou
na câmara, acerca desse assunto, afirmou-o definitivamente, não só
como um dos primeiros oradores da nossa tribuna política e
parlamentar, mas também como um dos homens destinados pela
sociedade e elevação dos seus pensamentos a gerirem os negócios públicos.
Em 1851 rebentava a insurreição contra o conde de Tomar, iniciada
pelo duque de Saldanha e que logo encontrou eco em todo o país. Foi
o movimento que depois tomou o nome de regeneração, e que triunfou
com uma rapidez verdadeiramente assombrosa. O duque de Saldanha
entrou em Lisboa no meio dos aplausos e das aclamações de todos, e
tomava o poder das mãos do ministério de transição que se
organizara logo em seguida à queda do conde de Tomar. No ministério
que o duque formou entravam vários representantes do partido
progressista nos seus diferentes matizes, mas nenhum deles
verdadeiramente acentuado. Ferreira Pestana, Jervis de Atouguia,
Joaquim Filipe de Soure e o marquês de Loulé. Não era esse ainda
o ministério que o país desejava Nem satisfazia as aspirações
dos radicais, que não viam nele os seus chefes mais exaltados, nem
apresentava homens que pudessem satisfazer o grande desejo de
reformas que o país desejava. Os homens que o país reclamava, e
que iam imprimir à Regeneração o seu verdadeiro carácter, foram
os dois que viram substituir no ministério do duque de Saldanha os
que pouco se demoraram, que foram o marquês de Loulé, Joaquim
Filipe de Soure e Ferreira Pestana.
Esses dois homens eram Rodrigo da
Fonseca Magalhães e Fontes Pereira de Melo. Rodrigo da Fonseca
trazia o grande princípio da tolerância. Havia tanto tempo que os
partidos se debatiam no campo de batalha em lutas sanguinolentas,
que estavam todos cansados e exaustos, e ansiosos por um regimes de
paz, de sossego, que permitisse aos empregados públicos viverem
tranquilamente sem se ocuparem com a política, certos de que não
perderiam o pão de suas famílias, tratando simplesmente do
cumprimento das suas obrigações. A tolerância era o grande
segredo da manutenção do governo. O sistema seguido até ali
dividia o país em dois exércitos que se arremessavam
constantemente um contra o outro para se desalojarem das alturas do
poder. O partido triunfante era o que tinha os oficiais em activo
serviço, os empregados públicos de posse dos seus lugares; o
partido vencido tinha os oficiais na terceira secção, os funcionários
desempregados, uns e outros por conseguinte famintos e ansiosos por
se assenhorearem dos postos donde tinham sido expulsos. Nem havia
governo duradouro com esse sistema, nem paz pública, nem o país
podia ser capazmente servido. Rodrigo da Fonseca pôs termo a isso e
deu logo ao país a tranquilidade, ao ministério a segurança.
Fontes Pereira de Melo, partilhando completamente essas ideias,
tinha ao mesmo tempo o pensamento de fazer reunir a ordem na
administração, de fazer entrar o país no caminho dos grandes
melhoramentos que lá por fora revolviam e transformavam os outros
estados. Personalizava nessa organização ministerial o futuro com
todas as suas ridentes promessas. Fontes Pereira de Melo não
entrou desde logo para a pasta onde devia deixar o seu nome
assinalado. Fez o seu tirocínio na pasta da marinha que fora gerida
por seu pai. Esteve nela muito pouco tempo, mas foi o bastante para
introduzir no serviço a seu cargo reformas de grande alcance. A
mais importante foi a extinção do batalhão naval, que empalhava a
manobra e introduzia nos navios um elemento inútil, a maior parte
das vezes e por conseguinte prejudicial, e a criação do corpo de
marinheiro. No ultramar, além de tomar com rapidez algumas medidas
financeiras acertadas, criava o Conselho Ultramarino que tão altos
serviços prestou à nossa organização colonial.
Mas entretanto o ministro da fazenda
lutava com enormes embaraços. Se a tolerância de Rodrigo da
Fonseca livrava de grandes embaraços o ministério, permanecia
ainda o embaraço gravíssimo resultante do atraso de pagamentos,
que lançara o funcionalismo a um tempo nas mãos dos agiotas e na
miséria. Era necessário sair dessa situação, e nem Franzini, nem
Silva Ferrão, que lhe sucedera, encontravam o modo de o fazer.
Silva Ferrão desistira como desistira o seu antecessor. Foi então
que o duque de Saldanha se lembrou de confiar essa pasta importante
ao jovem colega. O sucesso foi completo. Fontes Pereira de Melo era
duma energia de vontade incontrastável. Deliberou estabelecer daí
por diante sem uma só falta o pagamento em dia aos funcionários. O
dinheiro escasseava completamente, e o crédito só o alcançava
Fontes pelo seu prestígio pessoal, pela confiança que inspirava,
pelo magnetismo da sua energia. Entrava pela manhã cedo para o
ministério da Fazenda, aí almoçava e jantava com uma frugalidade
rara, e não levantava mão do trabalho. Os empregados ao receberem
ordem para anunciarem para certos dias os pagamentos a diferentes
classes, tremiam de susto, porque bem sabiam que estavam os cofres
vazios. Ele ria-se dos seus terrores, e o dinheiro aparecia sempre.
Costumados já a esses alívios momentâneos, a essas promessas
constantemente desmentidas, a esses pagamentos mensais que não
tinham continuação, os funcionários recebiam o que se lhes dava,
imaginando sempre que no prazo imediato encontrariam fechada a porta
da Pagadoria. Nunca mais isso sucedeu. Fontes surgira como um
verdadeiro redentor. Salvando milhares de famílias da miséria,
acrescentara ao mesmo tempo os rendimentos do Estado. Pagos em dia,
os empregados trabalhavam com mais zelo. Os rendimentos das alfândegas
subiram extraordinariamente de um dia para o outro. A primeira condição
de regularidade financeira era exactamente a regularidade do
pagamento dos empregados, como a primeira condição do
enriquecimento do Tesouro Nacional tinha de ser o desenvolvimento da
riqueza púbica. Foi isso que Fontes admiravelmente compreendeu. Não
era só o ministro enérgico e reformador, que no seu gabinete
delineava e executava as medidas salvadoras, era também o orador
brilhante e intrépido, que sabia defende-las no parlamento, e que não
recuava diante das tempestades que elas tinham forçosamente de
levantar entre os interesses feridos. Esse restabelecimento da
pontualidade no pagamento dos empregados não se pôde fazer sem se
quebrarem bastantes obstáculos. O decreto de 3 de dezembro de 1851
mandava capitalizar, não só os juros das inscrições que
estivessem largamente atrasados, mas também os vencimentos dos
empregados que estivessem pouco mais ou menos nessas circunstancias.
Só assim se podia assegurar o pagamento pontual para o futuro. Em
pouco tempo Portugal sofria uma verdadeira transformação devida à
iniciativa arrojada do jovem ministro. Em pouco tempo refundia-se
completamente a organização financeira do país, remodelava-se a
circunscrição do município de Lisboa; aboliu-se o velho termo,
substituindo-se pelos concelhos suburbanos de Belém e dos Olivais,
reformou-se a alfândega das Sete Casas, fez-se entrar na receita
geral do Estado a receita proveniente da venda dos bens nacionais
que até então constituía rendimento do Estado, suprimiram-se uma
infinidade de impostos anacrónicos que todos se consubstanciaram na
contribuição predial, e Fontes projectou até acabar com o
contrato do tabaco, levando à câmara o projecto de lei que
substituiu ao regime do monopólio o da liberdade dos tabacos e do
sabão. Não foi por diante essa lei que 12 anos depois o conde de
Valbom apresentava e fazia passar.
Ao mesmo tempo criava Fontes Pereira
de Melo o ministério das Obras Publicas que ele mesmo ia gerir,
dava à construção das estradas um impulso extraordinário e
inaudito, gastando só num ano em estradas 413 contos de réis, soma
enormíssima para um tempo em que a receita geral do Estado não
subia a mais de 10.000 contos, e introduzia enfim os caminhos de
ferro em Portugal contratando com uma companhia a construção das
linhas férreas de Norte e Leste, criava o estudo da indústria e da
agricultura em Portugal, fundando o Instituto Industrial, Instituto
Agrícola e as quintas regionais, criava o Conselho de Obras Públicas.
A tudo atenda a sua actividade exuberante e que dificuldades tinha
de superar, que preconceitos a vencer, que rotina a destruir! Que
oposição encontrou aqui como em toda a parte a ideia fecundíssima
dos caminhos-de-ferro! Como ele teve de lutar na câmara, onde os
mais moderados diziam que bastava um caminho-de-ferro ao país, ao
que ele respondia que muito lhe custava a contentar-se com dois. E
as estradas que brotavam por toda parte, modificando completamente
as condições económicas do país! que transformação incalculável,
que tornou esse período tão brilhante, tão jubiloso e tão
florido de esperanças que não foram iludidas, mas cuja realização
foi estragada por tantos males imprevistos! Enquanto Fontes assim se
ocupava da reorganização do país, discutia-se e aprovava-se nas câmaras
constituintes o Acto Adicional à Carta, que introduzia na constituição
algumas modificações importantes, das quais a mais importante era
sem dúvida a da transformação das eleições indirectas em eleições
directas. Tinha-se chegado a 1853, e o ministério, já com dois
anos de existência, tendo feito tantas reformas importantes, não
podia deixar de se considerar numa situação critica, porque a
oposição que emudecera no principio, começava de novo a procurar
ensejo de o ferir, com tantas mais probabilidades de êxito quanto o
conde de Tomar, que, durante os primeiros tempos como quase
desaparecera da cena política, voltava já à câmara dos pares e
preparava-se para fazer oposição. O ministério, porém, contava
no seu seio tantos oradores que podia entrar em campanha sem receio.
Quando Fontes entrara para a marinha, entrara também para a justiça
e negócios eclesiásticos o bispo do Algarve Fonseca Moniz, mas
este nem chegara a tomar posse, de forma que Rodrigo da Fonseca
tomara à sua conta a pasta da justiça conjuntamente com a do reino
que já estava gerindo, quando a saída de Silva Ferrão, que se não
entendia com a pasta da fazenda, chamou a este ultimo ministério
Fontes Pereira de Melo. Conservar juntamente o ministério da
marinha era impossível. Aproveitou-se o ensejo para se fazer uma
nova recomposição. Entraram no governo António Luís de Seabra e
Almeida Garrett. O primeiro tomou a pasta da justiça, Almeida
Garrett a dos estrangeiros e Jervis, que ocupava esta ultima, passou
para a da marinha. Assim tinha o ministério três oradores de
primeira ordem, cada um no seu género: Garrett, Rodrigo da Fonseca
e Fontes, um orador excelente debater como dizem os ingleses,
Seabra, e dois que sabiam manter-se no seu lugar, embora estivessem
longe de ter altos predicados oratórios, Saldanha e Jervis.
Infelizmente uma dissidência entre Garrett e os seus colegas,
dissidência em que Garrett não tinha a mínima razão, fez com que
o grande poeta saísse do ministério; Seabra, que entrara com ele,
com ele quis sair, e aqui fica de repente o governo reduzido a
quatro ministros e em que ocasião! Quando o conde de Tomar, um
verdadeiro atleta, reaparecia na tribuna, quando Garrett se ia
juntar às falanges oposicionistas, e sobretudo quando vinha um
acontecimento desastroso agravar as dificuldades da situação.
No dia 15 de novembro de 1853 morria
inesperadamente D. Maria II; seu filho primogénito, D. Pedro,
apenas contava dezasseis anos. Impunha-se por conseguinte uma
menoridade debaixo da regência de el-rei D. Fernando. Ora as
menoridades são períodos sempre escabrosos, e o governo achou-se
realmente em situação difícil. O duque de mais a mais não
quisera fazer uma nova recomposição, de forma que o duque tinha a
presidência e a guerra, Rodrigo o reino e a justiça, Jervis a
marinha e os estrangeiros, Fontes a fazenda e as obras públicas.
Este também desenvolveu nessa famosa sessão de 1844 uma actividade
assombrosa. O duque de Saldanha adoeceu, Jervis não era para
grandes lutas, de forma que os dois ministros parlamentares eram
Fontes e Rodrigo, que mal sabiam como haviam de acudir a cada
instante às interpelações que se cruzavam. Na câmara dos pares
sobretudo foi Fontes admirável. Tinha na sua frente o conde de
Tomar e o conde da Taipa, o mais impertinente de todos os
guerrilhas, pois não cessou uma vez só de os bater completamente.
Os factos auxiliavam muito a eloquência de Fontes. A oposição
passava o seu tempo a declarar que o pagamento em dia era puramente
fantasmagórico, e que essa fantasmagoria ia acabar, mas passavam os
meses, passavam os anos, e a exacta pontualidade nos seus pagamentos
continuava a ser a divisa do Estado. Mas Fontes podia não se
limitar só a falar nos serviços que a sua administração prestara
aos empregados, podia lembrar que tinha gasto 400 contos em obras
publicas, mas que construíra 460 quilómetros de estradas, e tinha
120 em construção, fizera 17 pontes, assegurara por meio de
subsidio a navegação a vapor no Tejo e no Sado e entre Lisboa e os
Açores, que finalmente não só contratara a construção do
caminho de ferro internacional, mas também introduzira em Portugal
a telegrafia eléctrica, fazendo um contrato com a casa Breguet para
o estabelecimento da rede telegráfica. Obras que só depois se
executaram, foram também por ele decretadas ou iniciadas neste período
tais como o estabelecimento das águas de Lisboa, o caminho-de-ferro
entre Lisboa e Sintra, as docas do porto de Lisboa. Em tudo se
encontra em Portugal o vestígio da acção e da iniciativa de
Fontes.
Tratava-se, porém, de coroar a obra
restabelecendo o crédito do país, arrastado no estrangeiro, em
consequência de se não terem pago os dividendos dos diferentes
empréstimos. Por um artigo do regulamento do Stock Exchange
nega-se a cotação nesse estabelecimento aos títulos de qualquer
Estado que não pague os dividendos dos anteriores empréstimos.
Havia muito que Portugal os não pagava, e portanto os seus fundos não
tinham cotação no grande mercado financeiro de Londres. Ora como
podia Portugal perseverar no caminho que estava seguindo se tivesse
que desistir de recorrer a capitais estrangeiros, se não pudesse
levantar empréstimos em Londres? Como havia de fazer os seus
caminhos-de-ferro, continuar no caminho dos melhoramentos se pudesse
lançar mão única e exclusivamente de capitais portugueses? Era
evidentemente impossível. Mas quem conseguiria abrir essas portas
implacáveis? Havia um homem só capaz dessa empresa – Fontes
Pereira de Melo. Foi ele que disso pessoalmente se encarregou. Em
1855 partiu para Londres. Estava-se em Novembro. Fontes encontrou
enormes dificuldades, a ponto que desanimou, e partiu para Paris
completamente desalentado; mas inspirava tantas simpatias em toda a
parte, era tão bem recebido na alta sociedade política! Napoleão
III queria conhece-lo e convidou-o para jantar nas Tulherias;
recebia-o com muito singular afecto a rainha Vitória, e daí
resultou que a pouco e pouco os, financeiros desfranziram o rosto e
tornaram-se mais tratáveis. O Stock Exchange abriu-nos as
suas portas e os fundos portugueses tiveram cotação, e tudo se
desfez para se levantar um empréstimo importante cuja soma não
seria inferior a 13.500 contos, Fontes voltava triunfante a
Portugal, mas ia encontrar as dificuldades que deviam resultar
naturalmente do melhoramento da nossa situação financeira. Era
evidente que uma das primeiras condições do acordo de Londres era
o levantamento de novos impostos. Sem isso não se julgariam
suficientemente garantidos os que iam abrir-nos as portas do Stock
Exchange e garantir por conseguinte aos portadores de títulos
dos antigos empréstimos e aos subscritores dos novos empréstimos
que os seus juros lhes seriam pagos integralmente. Fontes teve por
conseguinte de apelar para novos recursos. Levantou-os melhorando ao
mesmo tempo a cobrança e a administração do tributo que
aumentava, mas o contribuinte, que acha óptimos os melhoramentos,
quando lhe apresentam a conta reage sempre. Não foi difícil à
oposição agitar o país, e promover a famosa representação dos
cinquenta mil peticionários. O governo manteve-se contudo impávido
diante dessa tempestade, porque tinha a consciência de que cumpria
o seu dever, e fazia o que era inevitável que se fizesse. Apear dos
cinquenta mil peticionários, fez aprovar na câmara dos deputados a
lei dos tributos. Na câmara dos pares tinha, porém, que lutar com
maiores dificuldades, e para as vencer precisava de uma fornada. D.
Pedro V não lha quis conceder.
O governo pediu imediatamente a sua
demissão, mas tinha tanto a consciência da sua força, que no próprio
dia da sua queda foram os ex-ministros alegremente para o teatro e
certos de que ali o rodeariam também essas simpatias. O seu
triunfo, porém, ainda foi mais completo. Sucedia-lhes o marquês de
Loulé, que organizou gabinete no dia 6 de junho de 1856; mas o novo
chefe do gabinete, quando se apresentou à câmara, declarou que o
seu programa era o dos seus ilustres predecessores. Não se podia
prestar a um gabinete mais completa homenagem. Tal foi o primeiro
ministério de Fontes Pereira de Melo, aquele em que se
manifestaram de um modo mais glorioso as suas raras qualidades de
estadista Nunca passou pelos conselhos da coroa que não deixasse
brilhantemente assinalada a sua passagem, mas neste gabinete de 1851
o seu papel foi realmente o de um destes gloriosos reformadores,
cuja poderosa iniciativa transforma completamente as condições
económicas duma sociedade e de um povo. No seguinte ministério de
1869 ia Fontes revelar-se o homem político. A morte de Rodrigo da
Fonseca ia fazer do jovem ministro o verdadeiro chefe do partido
regenerador. Na campanha da oposição, que durou dois anos e meio
representou Fontes na câmara a ilha Terceira, e a sua palavra
tornou-se notável tanto nas questões financeiras em que foi o
primeiro, como na questão de Charles et Georges, em que pôde
brilhar mesmo ao lado de José Estêvão. Esta última discussão
foi o primeiro golpe no governo histórico, que pediu a demissão,
sendo chamado a organizar gabinete a 16 de março de 1859 o duque da
Terceira.
Fontes entrou então na pasta do
reino, e justamente porque era ele que representava essencialmente a
política do novo gabinete. Entrava para a pasta da fazenda Casal
Ribeiro, para a das obras públicas António de Serpa, e para a
justiça Martens Ferrão. Eram os três homens novos que iam começar
a sua brilhantíssima carreira. Na pasta do reino ia fontes deixar
profundamente assinalada a sua passagem. Basta citar-se a nova lei
eleitoral, a mais liberal e mais razoável que até então tinha
havido; a transferência do Conselho Superior de Instrução Publica
de Coimbra para Lisboa, a reforma do ministério, a passagem da
Escola Politécnica para a jurisdição do ministério do reino, a
abolição dos passaportes, a lei que concedeu pensões aos que se
tinham distinguido na verdadeira campanha contra febre amarela, a
que mandou proceder à reconstrução do convento dos Jerónimos.
Sentiu-se sempre em todos os ministérios em que Fontes entrou, a
sua larga iniciativa, o seu espírito resoluto. Pois bem pouco tempo
esteve no ministério do reino. Bastaram, contudo os dezasseis meses
que o geriu, desde 16 de março de 1859 até 4 de julho de 1860,
para que fizesse mais do que muitos outros haviam feito em largos
anos. A política liberal deve-lhe a lei eleitoral de 1859, a instrução
publica a organização mais justa do ensino superior, a beneficência
a fundação do Hospital Estefânia, e a policia a abolição dos
passaportes que a sobrecarregavam de trabalho inútil, e lhe tirava
o tempo mais preciso para seriamente velar pela segurança publica.
Mas o duque da Terceira morrera, e deixara por conseguinte o
gabinete sem presidência. As reconstruções, quando são tão
radicais, enfraquecem sempre um ministério, e o gabinete resolveu
pedir a demissão. Sucedeu-lhe de novo o ministério histórico, que
atravessou um período calamitoso, em que teve de se reconstruir a
cada instante, mas que deu a Fontes Pereira de Melo mais uma ocasião
de mostrar a elevação do seu espírito e do seu carácter. Um ano
depois de subir ao poder, sucedia ao marquês de Loulé o infortúnio
de assistir à série de desgraças que enlutaram a família real.
Morria o infante D. Fernando, logo depois el-rei D. Pedro V, pouco
depois o infante D. João, e o infante D. Augusto chegou a estar,
por assim dizer, moribundo. O povo, suspeitando crimes,
envenenamentos, tumultuava em torno do paço, e acusava os
ministros. Nada mais fácil do que aproveitar essa excitação dos
ânimos para jogar ao ministério um golpe mortal. Não o fez
Fontes, apesar de estar dirigindo a, oposição. Pelo contrário,
deu força ao ministério que no princípio do ano de 1862 fez uma
larga reconstrução, em que entraram como elementos novos Lobo de
Ávila, depois conde de Valbom, e Mendes Leal.
Deu certa força ao ministério a
questão das irmãs de caridade francesas. Nessa questão, foi
incontestavelmente Fontes Pereira de Melo arrastado pelos magnates
do seu partido. Na discussão Fontes colocou a questão num terreno
sólido e justo, mostrando que o ministério que queria expulsar as
irmãs de caridade era o mesmo que as admitira e chamara. Seguiram,
porém, um caminho menos racional, posto que defendessem um princípio
sagrado, o da liberdade de consciência, que queriam, contudo,
aplicar erradamente alguns outros dos principais membros do partido
regenerador. Foi um erro, que além de outros inconvenientes, teve o
de pôr ao lado do ministério, e de inscrever por conseguinte no
partido progressista‑histórico, o grande orador José Estêvão.
Em 1861 começou o desmoronamento do ministério. A saída de Lobo
de Ávila, que assinalara com algumas medidas rasgadas, como a da
supressão do monopólio do tabaco, a sua passagem pelo ministério
da Fazenda, abalou profundamente o governo. Seguiu-se-lhe a remodelação
que levou ao poder por pouco tempo Aires de Gouveia, Matias de
Carvalho, etc. Procurou porém o partido histórico, ainda depois de
perder a presidência do marquês de Loulé, organizar governo, mas
o partido progressista que assim estrebuchava, era uma fracção mínima
do partido, agrupado em torno de Lobo de Ávila. Para o derrubarem,
contudo, entenderam os dois grandes partidos que deviam fundir-se.
Assim se fez, e em 1865 os dois partidos reunidos conseguiram
derrubar o ministério presidido pelo conde de Ávila. No ministério
fusionista que se lhe seguiu, predominava, contudo, o partido
regenerador. Tinha a presidência Joaquim António de Aguiar e
entrava no ministério do Reino Martens Ferrão, no da Fazenda
Fontes Pereira de Melo. As outras pastas pertenceram a diversos
ministros, até que a morte sucessiva dos dois ministros da Guerra,
conde de Torres Novas e Pinto da França, fez com que Fontes fosse
chamado interinamente ao ministério da Guerra. O gabinete que geriu
o país definitivamente durante dois anhos; foi assim composto:
presidência Joaquim António de Aguiar, reino Martens Ferrão,
fazenda e interino da guerra Fontes, estrangeiros Casal Ribeiro,
obras publicas João de Andrade Corvo, justiça Barjona de Freitas,
que representava o partido histórico nessa organização
ministerial. Havia já muito que Fontes Pereira de Melo, que ia
subindo postos no corpo de engenharia, apesar de andar afastado do
serviço militar por outras exigências do serviço público, estava
chamando a atenção e as simpatias do exército. O discurso que
pronunciara na câmara como deputado da oposição, em 1860, sobro a
questão militar, fora muito apreciado.
A sua nomeação para o cargo de
ministro da Guerra foi portanto saudada com verdadeiro entusiasmo,
justificado imediatamente por muitas medidas, que o tornaram o
ministro da Guerra mais notável do período constitucional. A 9 de
maio de 1866 tomava conta daquela pasta, a 9 de junho ordenava a
formação do campo de manobras em Tancos, em Outubro já ali fazia
os exercícios necessários uma divisão comandada pelo visconde de
Leiria. Com admirável actividade introduziu logo no nosso exército
as importantes modificações introduzidas lá fora no armamento.
Comprava as espingardas Enfield e Westley Richard, que eram as
melhores do seu tempo, o que o ficaram sendo por largo período,
comprava cartuchos, introduzia importantes melhoramentos no Arsenal
do Exército, ali mandava construir um grande numero de peças de
artilharia, multiplicava as instruções para o transporte das
tropas e para a organização do serviço sanitário em campanha. Em
Setembro desse ano apresentava o seu primeiro e admirável relatório
do Ministério da Guerra. Em 1867 criava o Montepio Militar, e
promulgava o regulamento geral para o serviço dos corpos do exército.
Em Setembro desse ano manobrava de novo no campo de Tancos uma divisão
comandada pelo general José Gerardo Ferreira Passos. E entretanto
entregava-se também com interesse ao serviço do Ministério da
Fazenda. As vastas despesas, que fora preciso fazer para se
transformar a situação económica, não podiam evitar que se
pedissem sacrifícios ao país. Fontes Pereira de Melo fez promulgar
a lei do imposto do consumo, que a oposição combateu energicamente
conseguindo agitar facilmente o país, como já o havia feito em
1856 e 1860. Foi isso que ocasionou o movimento chamado da Janeirinha,
de que resultou a queda do ministério, sendo substituído por
outro, organizado pelo conde de Ávila, e a lei do imposto de
consumo foi revogada. Fontes Pereira de Melo combateu fortemente
este ministério e depois o do bispo de Viseu, que pouco tempo
duraram. Ano e meio depois subiu ao poder o ministério
progressista-histórico, presidido pelo marquês de Loulé, e em que
entrava Lobo de Ávila, como prova de que se haviam reconciliado as
duas fracções do partido histórico, conhecidas pelos nomes de unha
branca e unha preta. Contudo, Fontes Pereira de Melo
entendeu que a fusão pactuada em 1865 continuava a existir, e
assegurou em nome do partido regenerador; a sua adesão completa.
Fontes Pereira de Melo que em 7 de Maio de 1866 fora nomeado
conselheiro de Estado foi eleito par do reino a 18 de janeiro de
1870. Vindo a revolta de 19 de maio deste ano promovida pelo
marechal duque de Saldanha, o ministério Loulé caiu, sendo
substituído pelo dos cem dias, organizado e presidido pelo
marechal, ministério que um golpe de estado derrubou. Seguiu-se
outro, que pouco depois foi substituído pelo do conde de Ávila,
que já então havia sido elevado a marquês, ministério com
elementos reformistas, que perdeu no principio de 1871 com a saída
do bispo de Viseu. A 13 de setembro deste ano subiu novamente ao
poder o partido regenerador, soado o primeiro a que presidiu Fontes
Pereira de Melo, que se encarregou das pastas da Fazenda e da
Guerra, deixando a da Fazenda em 1872, em que foi substituído por
António de Serpa Pimentel. Este ministério desempenhou
admiravelmente a alta missão de reconstituir o país, que a Janeirinha
e os ministérios efémeros que dela saíram, desorganizara
completamente. O crédito e a riqueza publica elevaram-se
rapidamente, e o país com plena confiança no futuro, tão
audaciosamente se lançou no caminho das empresas audaciosas, que do
exagero que teve esse movimento resultou a crise bancária de 1876,
que podia ter tido serias consequências se não estivesse no poder
o ministério presidido por Fontes Pereira de Melo, que a tudo.
ocorreu e tudo remediou.
Entretanto na pasta de que mais
especialmente se encarregara, a pasta da Guerra, continuava Fontes a
mostrar a sua poderosa iniciativa. O exército, que em 1867 dele
recebera o seu excelente armamento de infantaria, recebeu em 1873 óptima
artilharia, sentindo um verdadeiro entusiasmo quando na revista de
21 de julho de 1871 desfilaram por diante de el-rei as brilhantes peças
Krupp, compradas por Fontes Pereira de Melo. Recebia ao mesmo tempo
um poderoso impulso a fortificação de Lisboa, obra querida do
marquês de Sá da Bandeira. O relatório de 1874, relativo ao
ministério da Guerra e assinado por Fontes, é um monumento digno
de figurar ao lado do outro de 1867, a que já, nos referimos.
Devemos também notar o acerto com que procedeu Fontes Pereira de
Melo na difícil situação que criara ao nosso país a revolução
republicana de Espanha, cabendo sempre manter-se numa correcta
neutralidade, sem favorecer um só dos partidos que se digladiavam
no país vizinho, e cujos campeadores tanta vez procuravam, nas suas
lutas civis, asilo na nossa fronteira. A 3 de março de 1877, o
ministério encontrando uma certa frieza na maioria fatigada, e uma
certa dificuldade nos debates parlamentares resultante de um incómodo
pertinaz do seu presidente e de uma doença de António de Serpa,
pediu a sua demissão, sendo chamado a organizar gabinete o marquês
de Ávila. A situação não mudara sensivelmente porque o marquês
de Ávila, com os seus amigos apoiava o gabinete Fontes, e só dele
se afastara nalguns pontos ligeiros. Mas a entrada, no ministério,
de Barros e Cunha, membro do partido progressista, e que se mostrou
radicalmente adverso à gerência regeneradora, fez com que na sessão
legislativa de 1878 a maioria que continuava a ser regeneradora,
infligisse um cheque ao governo. O soberano conformou-se com o voto
da câmara, e a 25 de janeiro de 1878 Fontes Pereira de Melo foi de
novo chamado a organizar governo. Conservando a presidência e a
pasta da Guerra, chamou Fontes ao ministério do Reino António
Rodrigues Sampaio, ao da Justiça Couto Monteiro, ao da Fazenda António
de Serpa Pimentel, ao da Marinha Tomás Ribeiro, ao dos Estrangeiros
Andrade Corvo, e ao das Obras Publicas Lourenço de Carvalho. No verão
de 1877, Fontes Pereira de Melo fizera pela Europa uma viagem de
recreio, e em toda a parte fora acolhido com as mais levantadas
honras que se podiam conceder a um ministro, e a um ministro de um
país pequeno como Portugal. Estando ele a assistir à sessão da câmara
dos deputados em Madrid, recebeu dessa câmara uma manifestação
extraordinariamente honrosa. Em França e na Alemanha teve dos
chefes desses estados as mais solenes provas de consideração e de
estima. Como os jornais espanhóis dissessem que ele andava viajando
enquanto não voltava ao poder, que lhe viria em breve parar ás mãos,
mientras vuelve, o ministério que formou recebeu da oposição
em Portugal a alcunha do ministério do mientras vuelve. Era
efectivamente uma restauração, com todos os inconvenientes que
sempre seguem as restaurações, e Fontes Pereira de Melo bem o
sentira, tanto que foi com dificuldade que os seus amigos o
arrastaram para esse caminho. Os progressistas, que em 1876 se
tinham fundido num partido, juntando-se os históricos e os
reformistas pelo pacto celebrado na Granja, e que esperavam assim
subir ao poder, logo depois da queda do marquês de Ávila,
irritaram-se com a solução que a coroa dera à crise ministerial,
e abriram a célebre campanha da agressão directa ao monarca,
iniciada pelo Diário Popular com o famoso artigo das crianças
loiras, e pelo Progresso com um artigo não menos violento.
As eleições de 1878, se bem que
tivessem dado ao ministério uma forte maioria, tinham levado também
ao parlamento bastantes deputados da oposição, a campanha
parlamentar estava sendo rude e fatigante. Fontes foi o primeiro a
entender que não devia teimarem se conservar no governo, onde se
sentia fraco, e em maio de 1879 pediu a demissão do gabinete, que
lhe foi concedida, sendo chamado Anselmo Braamcamp a organizar
gabinete. Geriu Anselmo Braamcamp, com a presidência, o ministério
dos Negócios Estrangeiros, teve a pasta do Reino o sr. José
Luciano de Castro, a da Fazenda Barros Gomes, a da Guerra João Crisóstomo
de Abreu e Sousa, a da Marinha marquês de Sabugosa, a das Obras
Publicas Augusto Saraiva de Carvalho. Pouco tempo durou este ministério,
posto que Fontes Pereira de Melo na Câmara dos Pares não fizesse
senão uma oposição moderada. Assim atravessou este ministério
sem grandes embaraços o ano de 1880, até que no principio de 1881
os embaraços se acumularam, e a questão de Lourenço Marques
provocou agitação e um debate parlamentar, que deu origem a uma moção
de desconfiança na câmara dos pares. O ministério caiu, e a 25 de
março de 1881 organizou-se um gabinete, em que Fontes Pereira de
Melo não quis entrar, posto que o constituísse o Partido Regenerador.
Achava que estivera pouco tempo fora do poder. O gabinete, posto que
efectivamente organizado por Fontes, teve como presidente o ministro
do Reino António Rodrigues Sampaio. Pouco tempo depois morria o
duque de Ávila e de Bolama, presidente da Câmara dos Pares, e essa
presidência, como era natural, foi dada a Fontes Pereira de Melo.
Digamos de passagem que Fontes, que tinha as mais altas distinções
honoríficas, tivera duas honrarias bem raramente concedidas em
Portugal a quem não fosse príncipe de sangue, a ordem da Anunciada
da Itália e a do Tosão de Ouro da Espanha. Como era natural, pouco
tempo se conservou fora do gabinete.
No dia 11 de novembro do mesmo ano de
1881 era Fontes encarregado de organizar novo governo. Tomava a
presidência, a pasta da Guerra interinamente, e a da Fazenda em
substituição de Sanches de Castro e Lobo Vaz que saíam; para a
pasta do Reino chamava Tomás Ribeiro, para a da Justiça passava Júlio
de Vilhena que deixava a pasta da marinha Melo e Gouveia, para a dos
Negócios Estrangeiros que fora exercida nos últimos meses
interinamente por Hintze Ribeiro, entrava António de Serpa
Pimentel, e ficava Hintze Ribeiro com a pasta das Obras Publicas. Na
gerência da Fazenda mostrava mais uma vez Fontes Pereira de Melo o
seu carácter pratico e resoluto, abandonando vãs teorias de
imposto, e recorrendo simplesmente ao imposto que mais rápidos e
valiosos recursos podia produzir, o adicional de 6%, que
efectivamente acrescentou logo 1.000 coutos às receitas do Estado.
Em 1883 houve nova modificação ministerial. Tomás Ribeiro foi
substituído por Barjona de Freitas, Júlio de Vilhena por Lopo Vaz
de Sampaio e Melo, Barbosa du Bocage, que já, substituíra no
principio de 1883 Melo Gouveia na Marinha, ia agora substituir António
de Serpa Pimentel no ministério dos Negócios Estrangeiros, e
Pinheiro Chagas tomava conta da pasta da Marinha, Hintze Ribeiro
substituiu na pasta da Fazenda Fontes Pereira de Melo, que ficava só
com a presidência e a Guerra, e António Augusto de Aguiar entrava
para o ministério das Obras Públicas. Este novo ministério tinha
uma missão principal: modificar a constituição do Estado por um
novo Acto Adicional à Carta, que efectivamente se promulgou em
1885, que transformou a câmara dos pares de hereditária em vitalícia.
No ano de 1881 mostrava Fontes, como ministro da Guerra, mais uma
vez a sua rasgada iniciativa. A reforma da organização do exército
data desse tempo. Por ela se criaram seis novos regimentos de
infantaria, dois de cavalaria, um de artilharia, se transformaram os
batalhões de caçadores em regimentos, se deram dois majores a cada
regimento, comandando cada um deles um batalhão, se lançaram as
bases da organização da 1.ª e da 2.ª reserva. Antes de sair do
ministério, deu também Fontes Pereira de Melo um largo impulso à
organização dos torpedos, comprando novos torpedeiros, que só
depois da sua saída do governo chegaram a Portugal. Em fevereiro de
1885 saíram do governo António Augusto de Aguiar e Lopo Vaz de
Sampaio e Melo. Não foram, porém, substituídos; tomou Fontes
conta da pasta das Obras Publicas, e Barjona de Freitas juntou à
pasta do Reino a da Justiça. Ainda a Fontes Pereira de Melo, como
ministro das Obras Públicas, coube a glória de fazer votar a lei
das obras do porto de Lisboa, cuja iniciativa coubera a António
Augusto de Aguiar. Em novembro de 1885 preenchiam-se as duas vagas
que havia no ministério, entrando Tomás Ribeiro para a pasta das
Obras Públicas e Manuel de Assunção para a da Justiça; mas a
situação regeneradora contava já cinco anos de governo, e
aproximava-se por conseguinte o seu termo.
Tendo Fontes pedido a demissão do
gabinete a que presidia, foi o sr. conselheiro José Luciano de
Castro encarregado de organizar o ministério. Recolhendo-se então
à vida particular, fez de novo uma viagem ao estrangeiro. No
principio do ano de 1887 preparava-se para encetar uma campanha de
oposição contra e gabinete, e estava dirigindo activamente os
trabalhos eleitorais, quando faleceu, duma rápida doença. A sua
morte causou a maior sensação, tanto a amigos como a adversários,
e a sua falta foi geralmente sentida, porque se perdera um dos
maiores estadistas de Portugal. O seu funeral foi uma homenagem,
verdadeiramente imponentíssima e solene.
Fontes Pereira de Melo faleceu no
posto de general de divisão; foi governador da Companhia do Crédito
Predial Português e presidente do Supremo Tribunal Administrativo;
foi também presidente da comissão central do Primeiro de Dezembro
de 1640, que promoveu a inauguração do monumento aos
Restauradores, a qual se realizou em 28 de abril de 1886, com toda a
solenidade, assistindo o rei D. Luís e o príncipe D. Carlos, mais
tarde D. Carlos I. Fontes Pereira de Melo era condecorado com as
seguintes ordens: Tosão de Ouro e da Anunciada, já citadas; grã-cruz
da Torre e Espada e de S. Bento de Avis; Legião de Honra de França,
de Leopoldo da Bélgica, S. Maurício e S. Lázaro de Itália,
Cruzeiro do Brasil, Mérito Militar e Isabel a Católica de Espanha,
Leão da Holanda, da Coroa de Sião, do Sol Nascente do Japão, Leão
da Pérsia; outras diversas comendas e o colar de Carlos lll, de
Espanha.
Dos inúmeros discursos pronunciados
por ele nas câmaras legislativas, quer na qualidade de deputado,
quer na de ministro da Coroa, parece que foram publicados em
separado somente os seguintes: Discursos do sr. ministro da
Fazenda Fontes Pereira de Melo, pronunciados nas sessões de 6, 7 e
9 de dezembro de 1865 a respeito da novação do contrato do caminho
de ferro do sul e sueste, Lisboa, 1865; Discurso acerca dos
impostos de consumo, pronunciado na câmara electiva na sessão de
13 de março de 1867, Lisboa, 1861. Foi durante alguns anos
colaborador na Revista Militar, e por vezes teve parte na
redacção da Revolução de Setembro e de outros jornais políticos.