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Vasconcelos
(Joane
Mendes de).
n.
f.
Ilustre
general do tempo da Restauração.
Nasceu
em Évora, sendo filho do escritor Luís Mendes de Vasconcelos, que
também exerceu o cargo de capitão-mor das naus da Índia.
Seguindo
a carreira das armas, foi em 1625 na esquadra que tinha por fim
recuperar a Baía tornada pelos holandeses, e depois de se
distinguir numa facção militar, deixou-se ficar no Brasil, onde
militou por espaço de quinze anos, e onde estava comandando um dos
dois terços ou regimentos da guarnição da Baía, quando chegou no
começo de 1641 a notícia da restauração de Portugal no dia 1 de
dezembro do 1640. Dizem alguns escritores que Joane Mendes de
Vasconcelos obrigou de espada em punho o marquês de Montalvão,
vice-rei do Brasil, a reconhecer a nova ordem de cousas É este
ainda um eco das calunias urdidas principalmente pelos jesuítas
contra o infeliz vice-rei. O que é certo e incontestável é que a
aclamação de D. João IV foi feita na Baía pacificamente e sem
efusão de sangue, e com unanime entusiasmo, o que não sucederia
decerto se Joane Mendes de Vasconcelos tivesse sido obrigado a
empregar a força, e para o provar basta que lembremos que, se Joane
Mendes de Vasconcelos comandava um dos terços da guarnição da Baía,
o outro era comandado por D. Fernando de Mascarenhas, filho do próprio
vice-rei.
Vendo,
porém, Joane Mendes de Vasconcelos que se lhe abria na Europa um
campo mais vasto à sua actividade e aos seus talentos militares,
partiu para Lisboa, onde chegou precedido efectivamente de grande
reputação, tanto assim que, deliberando D. João IV, em 1643,
passar ao Alentejo, e formando para isso um luzido exército de que
foi nomeado comandante debaixo das ordens imediatas do rei o conde
de Óbidos, foi Joane Mendes de Vasconcelos escolhido para seu
mestre de campo general. Eram estes dois generais que tinham a
responsabilidade da campanha, cujas glórias ficariam decerto para o
rei, se ela fosse vitoriosa. O exército invadiu a Extremadura
espanhola, ficando D. João IV prudentemente em Évora, tomou
Valverde, e pôs cerco a Badajoz, mas logo, tanto o conde de Óbidos
como o seu chefe de estado-maior perceberam que não tinham forças
bastantes para facção de tanta importância, e depois de reunido o
conselho, levantaram o cerco. O rei indignou-se, cá de longe, com tão
frouxo procedimento, e sempre de Évora deu a demissão ao conde de
Óbidos e a Joane Mendes de Vasconcelos, e ordenou que se
recolhessem a Lisboa presos em suas casas. Mas não tardaram a ser
vingados os dois generais, porque o seu sucessor na direcção das
operações militares, Matias de Albuquerque, entendeu, como eles,
que não podia cercar Badajoz, e o rei não se atreveu a demiti-lo
nem a prendê-lo, e viu se portanto obrigado a soltar os seus
antecessores. Fez mais alguma cousa ainda, nomeou Joane Mendes de
Vasconcelos membro do conselho de guerra, e Joane Mendes, apesar dos
seus grandes talentos, contribuía tanto quanto possível para
perturbar as operações, e contrariar os generais que as dirigiam.
Ao conde de Castelo Melhor levantou ele toda a casta de
dificuldades, e finalmente, indo servir no Alentejo debaixo das
ordens deste general, tão impertinente se tornou que o conde
demitiu-se, e foi Joane Mendes de Vasconcelos que ficou à frente do
exército. Sempre descontente, sempre intrigando contra os seus
superiores, tornava difícil a qualquer general o comando do
Alentejo. Isto dava em resultado também que Joane Mendes de
Vasconcelos não podia facilmente comandar em chefe, porque, a sua
nomeação criava descontentamentos. Logo nesse ano começaram a
ferver as discórdias no exército de D. João IV, que não pode
conseguir que Martim Afonso de Melo assumisse o comando, e teve de
pedir a Matias de Albuquerque, feito por ele conde de Alegrete, que
voltasse a comandar aquele exército, ao que ele não acedeu senão
com a condição expressa de que seria Joane Mendes de Vasconcelos
demitido do posto que exercia de mestre de campo general. Contudo,
Joane Mendes de Vasconcelos conseguiu evitar essa demissão,
escrevendo ao conde de Alegrete uma carta extremamente melíflua. O
conde não tardou a arrepender-se da sua condescendência. Foi à
oposição que Joane Mendes de Vasconcelos fez aos planos do conde
de Alegrete, que se pode atribuir o ter ficado indecisa a batalha de
Telena, que podia ter sido uma vitória. O transtorno que o seu
conselho causou não compensou a bravura inexcedível que mostrou na
batalha. Este resultado desgostou profundamente o conde de Alegrete,
que bem viu que não podia continuar a exercer um comando, em que
era constantemente contrariado por Joane Mendes de Vasconcelos, a
quem se azedava a índole naturalmente oposicionista que tinha com o
desgosto motivado pela injustiça de lhe não terem dado nunca, senão
interinamente, o comando em chefe. Foi o que mais uma vez lhe
aconteceu.
Tendo
o conde de Alegrete pedido a demissão, ficou Joane Mendes de
Vasconcelos comandando interinamente
até ser nomeado general em chefe Martim Afonso de Melo, e Joane
Mendes de Vasconcelos voltou a ser mestre de campo general, e a ter
com Martim Afonso de Melo, que fora feito conde de S. Lourenço, as
mesmas contendas e os mesmos debates que tivera com os condes de
Alegrete e de Castelo Melhor. Desta vez, porém, chegou ao excesso
de partir de Elvas para Lisboa sem licença, e sem ter dado satisfação
alguma ao seu general. Contava com um certo valimento que tivera
outrora na corte, mas que a sua índole irrequieta lhe fizera
perder. O certo é que, apenas chegou a Lisboa, foi logo preso por
ordem do rei e metido na Torre Velha. Quando o soltaram, desligou-se
do serviço activo, e foi descansar para uma quinta que possuis em
Trás-os-Montes, mas tinha a nostalgia das batalhas, e quando soube
em 1649 que os espanhóis se estavam assenhoreando de Chaves, não
lhe permitiu o ânimo que ficasse impassível, e correu em socorro
da praça, que salvou. Foi o bastante para de novo se lembrarem dele
na corte, onde continuaram a ser muito considerados os seus talentos
militares, e Joane
Mendes de Vasconcelos foi nomeado, em substituição do conde de
Atouguia, general em chefe do exército de
Trás-os-Montes. Era como que uma reabilitação, mas esse
insignificante comando em chefe não resgatava de modo algum o
desgosto que Joane
Mendes de Vasconcelos sentia por não desempenhar o principal papel
no teatro importante da guerra, que era o Alentejo.
Depois
da morte de D. João IV recebeu enfim Joane Mendes de Vasconcelos
esse comando que tanto ambicionava. As lutas entre os condes de
Soure e de S. Lourenço e entre os partidos que os apoiavam, e que
eram quase de igual força, fizeram com que essas influências
opostas se neutralizassem e dali resultou escolher-se um general,
cujo talento era reconhecidíssimo, que não pertencia a partido
algum, porque a todos criticava, e que, se tinha muitas inimizades
no exército, não as tinha, porque não tinha também amizades, no
mundo político, Joane
Mendes de Vasconcelos foi pois nomeado comandante em chefe do exército
do Alentejo no outono de 1657. A situação era difícil, em
primeiro lugar porque as lutas políticas tinham paralisado e embaraçado
a acção militar, em segundo lugar, porque os espanhóis, vendo
Portugal a braços com as dificuldades duma regência, entenderam
que era ocasião propicia para tomarem a desforra, e redobraram de
esforços. De tudo isto resultara para nós um desastre sério, como
fora a perda de Olivença. Quando Joane
Mendes de Vasconcelos chegou a Elvas, nada se fizera para reparar a
vergonha das nossas armas. Tomando logo rapidamente as suas disposições,
e determinando aproveitar a repugnância que os espanhóis mostravam
por uma campanha no outono, que entrava já com aparências
invernosas, marchou sobre Mourão, que também perdêramos, e que
ele tornou de assalto. Recolheu-se depois a quartéis de inverno, e
a 12 de junho de 1658 entrava de novo em campanha com tiro luzido exército.
Como Joane
Mendes de Vasconcelos conseguira tão inesperadamente o comando que
ambicionava, não estava disposto a cede-lo por caso algum, e afim
de o conservar mais tempo, não recuara diante da ideia de lisonjear
a rainha, embora sacrificasse o exército. A opinião predominante
na corte cifrava-se em que era necessário que se restaurasse a
vergonha da passada campanha, o ao mesmo tempo que se não tinham
forças bastantes para se intentar empresa de importância. Mas Joane
Mendes de Vasconcelos declarou que, para tomar Badajoz, o que
prometia fazer, precisava apenas dum exército de 15.000 homens.
Debalde alguns homens prudentes combateram o projecto, a rainha e
com ela o partido da acção, que era o predominante, apesar da
queda do conde de S. Lourenço insistiram que se dessem amplos
poderes a Joane
Mendes de Vasconcelos e a expedição empreendeu-se.
Não
só a expedição era imprudente, mas nos pormenores foi também
imprudentemente intentada. Joane Mendes de Vasconcelos não tivera
tempo de reconhecer a praça, de formar cautelosamente o seu plano,
e seguindo sem mais maduro exame a velha tradição dos generais
portugueses, entendeu que não podia tomar Badajoz sem tomar
primeiro o forte de S. Cristóvão. Supôs que o poderia tomar num
assalto, mas encontrou resistência áspera e teve de desistir.
Joanne Mendes de Vasconcelos, desanimado, pensou em retirar, mas a
detestável influência das intrigas da corte, veio actuar
miseravelmente no seu espirito, e obrigá-lo ainda a sacrificar
soldados, quando ele mesmo reconhecia a inutilidade do sacrifício.
Com efeito, Joane
Mendes de Vasconcelos entendeu que estava perdido senão tomasse
Badajoz. O não ser feliz era um crime de primeira ordem para um
general desses tempos, e principalmente para um general, que só se
podia sustentar à força de prestígio pessoal adquirido por vitórias,
num comando, que era cobiçado por dois partidos poderosos na corte,
enquanto a ele nenhum partido o apoiava. Decidiu por conseguinte
prosseguir na empresa que intentara, e abrir a circunvalação
diante de Badajoz.
Para
completar essa circunvalação, teve Joane Mendes de Vasconcelos de
dar uma batalha, e uma batalha renhida que foi a do forte de S.
Miguel, batalha que deu e ganhou no dia 22 de julho de 1658. Foi
esta uma das seis vitórias que ganhámos no tempo da guerra da
Restauração, a mais infrutífera de todas, mas não a menos
gloriosa; Matias de Albuquerque ligara o seu nome à vitória de
Montijo, o marquês de Marialva à das linhas de Elvas e á de
Montes Claros, o conde de Vila Flor à do Ameixial, Pedro Jacques de
Magalhães à de Castelo Rodrigo, Joane
Mendes de Vasconcelos ligou o seu à do forte de S. Miguel, batalha
sangrenta em que foi completamente derrotado o duque de S. Germain.
Não houve, porém, batalha mais infrutífera. Tomou o forte de S.
Miguel, mas não se tomou Badajoz, desbaratou-se o exército, que o
guarnecia, mas a guarnição escapa bastava e bastou para defender a
praça, e o exército que fugiu foi núcleo do que daí a pouco era
organizado por D. Luiz de Haro. Completou-se a circunvalação, mas
ficou tão fraca e tão extensa que, depois de quatro meses de
cerco, em que uma epidemia dispersou o exército sitiador, e em que
Badajoz continuou a ser abastecida livremente, constando a Joane
Mendes da Vasconcelos que D. Luís de Haro, o próprio primeiro
ministro de Filipe IV, marchava em socorro da praça com um poderosíssimo
exército, levantou o cerco, e voltou tristemente a Portugal,
levando consigo os louros estéreis do forte de S. Miguel, e tendo
deixado estendida nos campos do Xévora e do Guadiana, metade do seu
exército, o mais formoso, o mais luzido, o mais brilhante que se
organizara em Portugal desde o começo das hostilidades. O resultado
foi o que se podia esperar.
Pouco
depois de chegar a Elvas, recebeu ordem da rainha, que ele procurava
tanto lisonjear, para entregar o comando do exército a André de
Albuquerque, e este recebeu ordem para prender. o seu antigo
general, e para o mandar preso para Lisboa. Reuniu-se o conselho de
guerra para o julgar, e absolveu-o unanimemente. Não se podia
considerar crime nem a infelicidade, nem sequer o erro dos cálculos
estratégicos, mas esta campanha acabou com o velho prestígio
militar de Joane Mendes de Vasconcelos. Nunca mais comandou, nem em
chefe, nem como subalterno, e morreu pouco depois. Joane
Mendes de Vasconcelos fora agraciado com a comenda da Ordem de
Cristo, e foi também escritor, sendo muito considerado no seu tempo
como um verdadeiro oráculo em assumptos militares.
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