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Frei Manuel do Cenáculo
Frei Manuel do Cenáculo

 

Vilas Boas (D. frei Manuel do Cenáculo).

 

n.      1 de março de 1724.
f.       26 de janeiro de 1814.

 

Célebre bispo de Beja e arcebispo de Évora; um dos prelados mais respeitáveis, venerandos e ilustrados, que tem havido em Portugal. 

Nasceu em Lisboa no dia 1 de março de 1724, faleceu em Évora a 26 de janeiro de 1814 na avançada idade de noventa anos incompletos. Era filho dum serralheiro chamado José Martins, natural de Constantim, termo de Vila Real, e de Antónia Maria, natural de Lisboa. Quando contava dezasseis anos de idade professou na ordem Terceira de S. Francisco, a 25 de março de 1740, no convento de Nossa Senhora do Jesus. Cursou os estudos de humanidades, e depois teologia na Universidade de Coimbra, em que se doutorou a 26 do maio do 1749, tendo já exercido o magistério por três anos no Colégio das Artes, e logo em 1750 foi a Roma assistir ao capitulo geral da sua ordem. Voltando a Portugal, seguiu para Coimbra, a fim de reger uma cadeira de teologia, regência que exerceu desde 1751 até 1755. Não se descuidava, porém, de estudar sempre, o ao passo que ensinava teologia aos seus discípulos aplicava-se dedicadamente ao estudo das línguas orientais, tornando se tão perito no sírio o no árabe, como já o era no grego. 

Em 1768 foi eleito provincial da Ordem Terceira em Portugal, e deputado da Mesa Censória em 21 de abril. Governava então o país o marquês de Pombal, o notável ministro do rei D. José, o qual, como todos os grandes homens, sabia que precisava de auxiliares inteligentes, o que logo percebeu que frei Manuel do Cenáculo era uma das inteligências mais valiosas que então brilhavam nos conventos. Conquistou-o para a sua política, fê-lo nomear em 16 do março de 1769 confessor do príncipe D. José, neto do rei, príncipe inteligentíssimo que o marquês de Pombal muito prosava. Querendo exactamente aproveitar essa inteligência que florescia com brilhantismo raro, dando-lhe bons mestres, escolheu também para seu preceptor o ilustre Cenáculo, que, sendo nomeado para esse cargo em 1770, foi em Março desse mesmo ano nomeado bispo do Beja, sendo o primeiro bispo dessa diocese criada também em 1770, desmembrada do arcebispado do Évora. Além disso, foi nomeado sucessivamente presidente da Junta da Providencia Literária, criada para tratar da reforma dos estudos, e finalmente presidente da Junta do Subsídio Literário em 10 de novembro de 1772. 

Todas estas nomeações, que indicavam o alto conceito que dele formava o marquês de Pombal, e a muita confiança que lhe merecia, deviam-lhe ser fatais, logo que o marquês caísse do poder e triunfassem os inimigos do grande ministro. Foi o que sucedeu, quando em 1777, o rei D. José faleceu; o marquês de Pombal demitido imediatamente, e D. frei Manuel do Cenáculo não tardou a receber ordem para se recolher ao seu bispado, onde entrou solenemente no dia 18 de maio do mesmo ano. Ali residiu vinte e cinco anos, tratando com amor do desenvolvimento da instrução, entregando se ardentemente aos seus estudos predilectos, fundando bibliotecas, sendo enfim o modelo dos prelados. No seu próprio paço episcopal de Beja instituiu um curso de humanidades e de teologia. É de notar que de todas as instituições literárias de Beja, conferências, academia e curso de humanidades, era a alma o grande Cenáculo, animando tudo com a sua presença, com o seu ensino, com a sua direcção zelosa, ilustrada e previdente. Instituiu mestras de meninas, para as doutrinar nas primeiras letras e nos demais misteres próprios do seu sexo. Pela provisão de 6 janeiro do 1779 mandou escolher, das famílias pobres da serra, que divide o Campo de Ourique do Algarve, alguns rapazes para serem sustentados e educados em Beja debaixo da sua inspecção, para depois irem levar a instrução àquela localidade da sua diocese. Em duas povoações da mesma serra também estabeleceu professor do latim, e mestre de primeiras letras. Fundou a Academia Eclesiástica de Beja, que se inaugurou no ano de 1793, no dia em que foi celebrado naquela cidade o nascimento da princesa da Beira. 

No ano de 1802, esmorecidos já os ódios o os rancores dos inimigos do marquês de Pombal, o governo do príncipe regente D. João lembrou-se enfim do venerando prelado, e estando vago o arcebispado, de Évora pela morte do arcebispo D. Joaquim Xavier Botelho de Lima, nomeou-o para esse elevado cargo. A D. frei Manuel do Cenáculo foi comunicada a sua nomeação por aviso de 3 de março do citado ano de 1802, em que se dizia que o príncipe regente, tendo em consideração as virtudes, letras e mais circunstâncias que concorriam na sua pessoa, o nomeava para arcebispo da santa igreja metropolitana de Évora. Deixando, pois, o bispado do Beja, passou o ilustre prelado para Évora, e ali tratou também, com a sua reconhecida zelosa diligência, de promover a instrução do clero, e em geral a do povo. Estabeleceu no seu próprio paço uma cadeira de eloquência, e junto a este edificou duas salas, onde colocou uma biblioteca e um museu, de que depois fez doação à sua igreja. Criou cadeiras das línguas sábias, de história eclesiástica, de teologia bíblica, polémica e moral; cadeiras que deviam começar a ter exercício no ano de 1807, tão tristemente célebre na história de Portugal, com a invasão francesa. Quando Cenáculo partiu de Beja para Évora, levou consigo uma parte das antiguidades que tinha coligido, e eram de mais fácil transporte, São esses objectos os que constituem na biblioteca de Évora uma colecção muito valiosa, apesar dos extravios resultantes da invasão dos franceses. Cenáculo havia reunido no paço episcopal de Beja uma colecção de perto de cento e sessenta lápides de toda a sorte, incluindo alguns fragmentos de escultura e de arquitectura, assim como uma série de inscrições da idade média e modernas. 

Na biblioteca pública de Évora, fundação do mesmo venerando arcebispo, existem sob o n.º CXXIX, 1,13 e com o título de Museu Sisenando Cenaculano Pacense, desenhos exactos de todas as ditas inscrições, feitos, ao que parece, por Félix Caetano da Silva. Sob o n.º 14 há também ali uma pasta com relatórios e correspondências originais que ampliam grandemente a primeira colecção. Com o título de Museu de Beja, publicou o dr. A. Filipe Simões, uma série de artigos no vol. XI do Arquivo Pitoresco, ano de 1868. Conforme dissemos, o venerando prelado D. frei Manuel do Cenáculo era arcebispo de Évora, quando os franceses invadiram Portugal. Rebentando no reino o movimento insurreccional em 1808, Évora pronunciou-se, e foi castigada severamente por Loison, que praticou ali atrocidades. Não escapou à fúria francesa o respeitável prelado, que tinha então oitenta e cinco anos de idade, e que apesar disso foi levado preso para Beja entre apupos e ameaças, por ordem da junta suprema daquela cidade. Quando os franceses saíram de Portugal, foi logo restituído ao seu arcebispado, mas pouco tempo sobreviveu àqueles maus tratos. Nos últimos três anos de vida começou a experimentar os incómodos da velhice, sentindo o esmorecimento das faculdades intelectuais, juntamente com a quebra das forças físicas e a perda da vista, sintomas precursores da morte, até que faleceu. 

Cenáculo era sócio honorário da Academia Real das Ciências; e na sessão pública desta douta academia de 24 de junho do ano de 1814, pronunciou o sábio académico Francisco Manuel Trigoso de Aragão Morato o magnifico Elogio Histórico de fr. Manuel do Cenáculo. Poucos escritores tem havido em Portugal tão fecundos como Frei Manuel do Cenáculo Vilas Boas, que em quase todos os assuntos experimentou a sua fácil e erudita pena. Escreveu uma obra em defesa das doutrinas de Verney, o grande reformador dos estudos, o grande inimigo do método jesuítico, uma dissertação sobre a definibilidade do dogma da Conceição da Virgem Maria, que depois Pio IX efectivamente definiu, escreveu as Memórias históricas do ministério do púlpito, um dos seus livros mais célebres, os Cuidados literários do prelado de Beja, a Vida Cristã. Publicou vinte e oito pastorais sobre diversos assuntos e seis conclusões para actos públicos, três orações, as Disposições do superior provincial para observância regular e literária da congregação da Ordem Terceira de S. Francisco destes reinos e as Memórias históricas e apêndice segundo a disposição quarta da colecção das disposições do superior provincial para a observância e estudos da congregação da Ordem Terceira de S. Francisco. Cenáculo deixou muitas obras e muitos manuscritos, que vêm mencionados no Dicionário Bibliográfico, vol. V, pág. 389 a 395, e vol. XVI, pág. 151 a 153. 

O que granjeou também o respeito e a estima da posterioridade ao ilustre e venerando arcebispo de Évora, foi o auxílio que deu ao marquês de Pombal na sua intentada reforma dos estudos, e o muito que trabalhou no desenvolvimento da instrução publica. Foi sobretudo um grande fundador de bibliotecas. A do convento de Jesus em Lisboa, hoje da Academia Real das Ciências, foi por ele fundada; à Biblioteca Pública de Lisboa deu valiosos presentes, no palácio episcopal de Beja fundou uma excelente biblioteca de nove mil volumes, que deixou, quando partiu para Évora. Nesta cidade fundou duas, uma pública, que é a actual biblioteca eborense, outra rica em raridades históricas e bibliográficas, e em medalhas e outras preciosidades. Cenáculo mantinha relações e correspondência com todos os homens de letras que em Portugal viviam no seu tempo. Excedem talvez o número de cinco mil as cartas a ele dirigidas, existentes na Biblioteca de Évora, onde também existem, se não todos, quando menos grandíssima parte, dos rascunhos ou borrões das respostas do prelado. Os borrões e minutas formam três maços in folio. Na colecção erudita de Estudos Eborenses, de Gabriel Pereira, no fascículo que trata da biblioteca de Évora, encontram se noticias de Cenáculo, da sua vida, dos seus serviços ás letras, do seu patriotismo o das suas liberalidades. A pág. 29 lê se: «A correspondência de Cenáculo enche um armário; nesses maços de cartas há autógrafos preciosos; o grande arcebispo correspondia se com eruditos, artistas, livreiros, com príncipes, com humildes frades e missionários, com centos de protegidos seus que estavam em toda a escala social na Espanha, na Itália, na Índia, no Brasil.Existe também o diário do inolvidável prelado.» 

Para a sua biografia, pode ver-se o folhetim do bispo de Viseu, no Liberal de Viseu, de 12 de setembro de 1837; o Relatório da Biblioteca de Évora na Folha do Sul, em diversos números do ano de 1865; o artigo O Museu do bispo de Beja, pelo dr. Augusto Filipe Simões no Arquivo Pitoresco, tomo XI, 1868; a Relação breve e verdadeira da entrada do exercito francês chamado da Gironda em Portugal, pág. 112 e seguintes; o folhetim Os franceses em Évora (1808) no Conimbricense, de 24 de dezembro de 1870; Esboços cronológicos biográficos dos arcebispos da igreja de Évora, por António Francisco Barata, pág. 61 a 64; Elogio histórico, recitado na Academia Real das Ciências por Francisco Manuel Trigoso na sessão de 24 de junho de 1814; Elogio fúnebre, pregado nas exéquias solenes que se lhe fizeram na catedral de Évora em 10 de março do mesmo ano pelo P. António da Costa Velez, e os Estudos biográficos, de Canaes, a pág. 112. O folhetim Os franceses em Évora, acima citado, é o resumo duma relação entusiástica, inédita, escrita pelo próprio Cenáculo, impressionado profundamente com o que lhe sucedera na invasão dos franceses em Évora. Em 1877 a câmara municipal de Évora deliberou mandá-la imprimir, a qual saiu com o título seguinte: Memória descritiva do assalto, entrada e saque da cidade de Évora pelos franceses, em 1808, impressa a expensas do município em gratidão e lembrança do arcebispo D. frei Manuel do Cenáculo Vilas Boas; Évora, 1887. Com o retrato do arcebispo, gravado em madeira, e uma introdução e notas finais por António Francisco Barata.

   

 

 

 

Do diário de frei Manuel do Cenáculo: o saque de Évora pelo exército francês em 1808
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Instruções para a educação do príncipe D. José
O Portal da História

CENÁCULO, Frei Manuel do (Lisboa, 1724-Évora, 1814)
Enciclopédia virtual da expansão portuguesa

 

 

 

 

 

 

 

Portugal - Dicionário Histórico, Corográfico, Heráldico, Biográfico, Bibliográfico, Numismático e Artístico,
Volume VII, págs. 618-620.

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