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DISCURSO DE DE D. JOÃO DE ALMEIDA, 2.º MARQUÊS DE ALORNA
Oração, enquanto membro da Academia Real da História, Portuguesa realizada em Queluz a 5 de Julho 1778, no aniversário de D. Pedro III.
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D. João de Almeida, tendo saído à pouco da prisão de dezoito anos, provocada pela sua ligação familiar com os marqueses de Távora, de quem era genro, acusados de atentar contra a vida do rei D. José em 1758, realizou no segundo aniversário do rei consorte D. Pedro III após a sua subida ao trono com a sua mulher a rainha D. Maria I um discurso enquanto membro da Academia da História. A sua oração académica, muito crítica em relação ao reinado anterior, sem nunca mencionar o rei D. José, nem tão-pouco o seu principal ministro, Sebastião de Carvalho, marquês de Pombal, propõe, com base nas virtudes mostradas pelo rei D. João V, o caminho a seguir pelos novos monarcas. Para o marquês de Alorna, a oposição dos monarcas ao marquês - “era natural, que a sua conduta santa, tão acompanhada de luzes, fosse para o ímpio a repreensão mais áspera, e mais intolerável; e que vendo de longe em Vossa Majestade o destrutor do seu Império, e a ruína dos seus cavilosos artifícios; e o descobridor das suas fraudes o precipitasse a força dessa ideia nos mais atrozes desatinos" - sendo que "haverá pontos, sobre os quais, a bondade de Vossa Majestade queira, que um véu negro seja lançado, para os deixar em perpétua escuridão” - e por isso: "sabemos, que na nossa idade se há-de considerar o poder Real, como demandado do Divino; não para o fazer absoluto, e arbitrário, mas para ser inteiramente sujeito às regras da razão da Divina Justiça. (...) E sabemos, que no seu Real conselho presidirá sempre a equidade. Falará sempre a judiciosa Liberdade, e o amor do bem público confirmarão as suas Régias decisões". Uma das acções que se esperava conseguir, sobretudo por intermédio do rei, era o restabelecimento da Academia da História, considerada paradigma da relação entre monarquia e aristocracia. . |
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«Na infância de Vossa Majestade lhe foram administrados os conselhos Paternos daquele ínclito Monarca, de quem na vasta extensão dos domínios desta Coroa subsistem tantos Monumentos da mais esclarecida piedade; de um Monarca benfeitor por inclinação; e só por necessidade se verá debaixo de cujo governo viveu em paz a inocência: achou seguro asilo a bondade oprimida: não gozou o vício das recompensas da virtude; e a Religião bem longe de padecer abatimentos, e desprezos, foi mais que nunca respeitada: de um Monarca, que juntando à mesma elevação do espírito a maior extensão de luzes conheceu nos seus vassalos os diferentes graus de merecimento»
Muito Alto, e
Poderoso Rei, e Senhor. Se nas minhas
penas perdidas me não tivesse dado a Providência o mais eficaz
preservativo das seduções de vaidade poderia cegar-me a eleição que
fez de mim a Academia para o honroso trabalho deste dia; e ser-me de todo
impossível discernir, o motivo dessa desordem aparente1.
Já, ao soco de uma dura escravidão, para a mais deliciosa obediência,
me tinha sido dado este encargo, sem se atender a quanto o contraste da
proximidade de estados, tão diversos, me constituísse incapaz, até de
agradecer os próprios benefícios Recebidos e estão em mim uma cega
estupidez; e se agora acabo de ceder a novas circunstancias, restaurei as
forças, necessárias, e sempre movido para glória futura de V. Majestade,
e pelo importante interesse dos meus sócios, e sua intenção, dando-me
por escolha determinada o que o nosso Estatuto manda regular pela sorte do
Escrutínio, inclui a sábia astúcia de dar a V. Majestade
a conhecer melhor os Faustos destes Reinos dependentes das nossas diligências
necessitam da sua Régia e poderosa protecção. Neste débil
orador enfraquecido tantos anos na mais tenebrosa escuridão tem V. Majestade
o mais certo sinal do abatimento da Academia, [porém atendendo à decência
deste acto2]
e da nossa parte a mais veemente petição para implorar os seus Reais
socorros. A mesma Academia poderá atendendo à decadência deste acto com
razão se confiou na alta qualidade do assunto, onde os ornatos não têm
lugar algum; e que seria de mim se não fosse a sua sublimidade, e a sua
imensa vastidão. Em V. Majestade tudo concorre para ser dignamente celebrado, até por
aqueles, como eu, aquém falta toda a arte. Uma simples
narração das suas brilhantíssimas virtudes excede quando em outro
objecto em cabimento os maiores esforços da Eloquência; e deste conceito
universal, além das provas as mais incontrastáveis, são de grande
solidez as razões da congruência. Desgraçados serão, os homens, se
devendo ser governados pelos Reis sujeitos igualmente à debilidade, e
corrupção da nossa natureza, os não especializasse o Céu com dotes não
vulgares, adequados ao Majestoso, e difícil encargo de reinar. Pelas
obras que lhe destina a Providência se devem neles avaliar as graças
recebidas; e se lhe oferece um caos para o reduzir a boa ordem, é de uma
indispensável necessidade, participarem dos Talentos mais semelhantes aos
Divinos atributos. Nenhum dos mais privilegiados chegou; em pouco tempo a
este ponto, elevado da virtude. A Divindade, em
tal caso, não costuma empregar de repente a sua omnipotência, e dá
sempre lugar ao Livre arbítrio para constituir nos seus escolhidos um próprio,
e verdadeiro conhecimento. Na infância de
Vossa Majestade lhe foram administrados os conselhos Paternos3
daquele ínclito Monarca, de quem na vasta extensão dos domínios desta
Coroa subsistem tantos Monumentos da mais esclarecida piedade; de um
Monarca benfeitor por inclinação; e só por necessidade se verá debaixo
de cujo governo viveu em paz a inocência: achou seguro asilo a bondade
oprimida: não gozou o vício das recompensas da virtude; e a Religião
bem longe de padecer abatimentos, e desprezos, foi mais que nunca
respeitada: de um Monarca, que juntando à mesma elevação do espírito a
maior extensão de luzes conheceu nos seus vassalos os diferentes graus de
merecimento; e ninguém lhe pode nunca malquistar aqueles onde residiam
qualidades favoráveis ao bem público: de um Monarca, que convencido da
obrigação de dar a Deus estrita conta dos erros evitáveis daqueles, aquém
delegava o seu poder, se conservou sempre vigilante até sobre os de maior
integridade, para dar pronto remédio aos efeitos da sua inconstância, ou
do seu entendimento limitado: de um Monarca enfim cujas predilecções
sempre restritas a certos traços regulados pela benignidade, e prudência,
não podiam nunca dar de si usurpações, nem deixar tristes vestígios de
dureza, e de ambição desordenada. Ao mesmo tempo os ditames de uma Mãe
Santa, modelo perfeito e respeitável do seu estado, e do seu sexo. Os
seus veneráveis exemplos de que entre nós, por muitos séculos se
conservará a memória mais edificante fizeram uma tão forte, e saudável
impressão no entendimento, e no ânimo de Vossa Majestade já disposto
pela Providência para a recepção das máximas mais conducentes ao
verdadeiro Heroísmo, que conservando sem a menor mácula a pureza dos
seus primeiros anos, acompanharam a esta estimável, e sublime virtude
todas as mais Régias qualidades, que constituíam a delícia dos seus
Povos. Desta escolha de maior sabedoria saiu Vossa Majestade, digno das
maiores felicidades. Nenhuma no Mundo seria imaginável de que o não
julgassem todos merecedor, mas pelos efeitos conhecemos que para os que
lhe estavam destinados de outro modo o considerava a Divindade o nosso
alcance é curto para divisar até onde chegavam a subir as Reais, e Cristãs
virtudes Princesa, digna consorte de Vossa Majestade. As luzes, com que
algum tanto atingimos a este ponto elevado, consistem em que apesar do que
nos causava em Vossa Majestade grande assombro, e sem embaraço dos votos
universais indicativos do acerto, corroborados em uma certa estreiteza,
determinada pela Providência para fazer uma tão feliz união indispensável,
não quis Deus dar a Vossa Majestade a posse do que por tantos títulos
lhe era competente, sem primeiro o sujeitar à forte prova. Contra as amáveis
virtudes de Vossa Majestade conspirou quanto há de mais contrário à razão,
e aos interesses destes Reinos dos motivos para o nosso maior respeito, e
para a nossa adoração nasceu uma guerra ainda connosco a mais cruel, do
que contra a pessoa de Vossa Majestade poderiam ter lugar ali grandes
artifícios de política: poderá Vossa Majestade autorizado por muitos
exemplos ceder de uma certa austeridade de virtudes; mas a exacta submissão
a Deus, em desamparo opressivo, pareceu a Vossa Majestade mais digna da
sua eleição, do que a posse da melhor sociedade, do governo do mundo
inteiro; desta forma preferiu Vossa Majestade os infortúnios de uma
felicidade imperfeita, e desconcertada. Quis ser antes vítima da injustiça
do que culpado da baixeza; assim correspondeu nas suas acções à
grandeza do seu destino; assim adquiriu as forças, que o fizeram
incontrastável: não cedeu um só passo do que competia à sua Real
dignidade; e com uma constância invicta, que tanto Deus auxiliou. O mesmo
infernal espelho da discórdia, que mais o combateu, se achou violentado a
concorrer para o seu Real Triunfo, e Vossa Majestade o viu, e todos nós
com grande gosto atado ao seu carro. De repente, e quando menos se
esperava teve o Decreto Divino execução, para Vossa Majestade gozar do
que lhe era devido, e todos nós lhe desejávamos. A toda a parte foi
levada a nova do seu feliz consórcio, sem nenhum indício antecedente
dessa fortuna nacional. Passaram das lágrimas os Vassalos para a mais sólida,
e consolável alegria, e ao Céu venturoso com Aura Celeste para romper os
obstáculos mais impenetráveis, até a nós outros tão separados do
resto dos viventes, nos fez participantes desse júbilo. Indicou esse
milagre termos sido considerados como homens de boa vontade, aquém
segundo a ordem da Divina Providência devia ser dada a nova da nossa
futura redenção. Com isso se suspenderam por largo tempo as nossas
penas, e se por efeito da minha felicidade não ficaram de todo extintas
nessa ocasião, tão própria dos maiores indultos, quanto mais para a
suspensão de crueldades; agora se conhece ter sido a intenção Divina
apurar o amor mútuo entre Vossa Majestade, e os seus fiéis Vassalos. No
nosso maior número teve Vossa Majestade largos motivos para o exercício
da sua Régia compaixão; todos tivemos infinitos na sua Real pessoa, para
o aumento da nossa respeitável, e filial inclinação; mas o nosso martírio
era preciso, para formar em nós algum merecimento, e alcançarmos, por
modo de prémio a glória de possuirmos a Vossa Majestade por
Soberano. Nisso mesmo apresentou Deus a Vossa Majestade a ocasião de lhe
fazer mais sensíveis os danos de uma ordem transtornada, onde mandava o
que só devia obedecer: aí adquiriu conhecimento experimental de quanto
no governo de vasta Máquina de um Reino é nocivo o conselho de um só
homem; e deste modo lhe foi manifestado, que uma autoridade incompetente,
conservada a quem corre veloz pelo caminho da ambição, cada vez o faz
mais prevaricar, cada vez mais lhe acende o desejo de sacudir o freio da
justiça, e da razão; e chegaria a certo abismo de iniquidades, e
cegueira tudo despreza, a tudo se atreve, não há nada sagrado, que possa
suspender o seu furor; e forma enfim de imensos corpos mortos um Altar
sanguinolento, onde consagra um troféu da falsidade, e da calúnia;
instrumento da sua elevação. Se para maior benefício, e remédio nosso
era preciso, que Vossa Majestade fosse testemunha ocular destas desordens;
também pareceu a Deus consciente para nossa glória e para excitar mais a
nossa estimação, que as virtudes de Vossa Majestade fossem postas em
espectáculo mais brilhante, e servissem por algum tempo de alvo das
maiores injustiças. Era preciso, que antes do Império absoluto sobre nós,
que lhe estava destinado, o exercitasse de um modo famoso sobre as suas próprias
paixões, e chegasse a tal ponto de inclinação, constante a virtude, que
como um rochedo inalterável quebrasse em Vossa Majestade toda a violência
do orgulho, e da maldade Era natural, que a sua conduta santa, tão
acompanhada de luzes, fosse para o ímpio a repreensão mais áspera, e
mais intolerável; e que vendo de longe em Vossa Majestade o destrutor do
seu Império, e a ruína dos seus cavilosos artifícios; e o descobridor
das suas fraudes o precipitasse a força dessa ideia nos mais atrozes
desatinos. Deste modo se formou em Vossa Majestade o carácter sublime de
um Príncipe em tudo, segundo o Coração de Deus e não somente lhe
sucederam casos raros, mas alguns inteiramente originais. Nesses tempos de
perturbação continuada bem viu Deus, que para a nossa conserva nos era
muito necessário a recepção de algum conforto. Produziu esses
efeitos o nascimento de uns Príncipes, que para herança Paterna traziam
já no coração as máximas de probidade que mais os pode preservar das
ilusões dos sentidos, e dos enganos da lisonja. Uns Príncipes de uma
especiosidade correspondente aos dotes interiores, onde uma sabedoria
permanente acende o desejo da instrução, e modera o ardor da mocidade.
De uns Príncipes dados a Vossa Majestade em prémio das suas Reais
virtudes; e concedidas a este Reino atribulado, para nele estabelecerem
uma felicidade a mais durável. Mas como tudo o que constituiu a Vossa
Majestade mais digno do nosso respeito, e da nossa veneração, devia ser
mais contrastado; quem sabe até onde chegarão as razões dos novos
sustos; e das nossas aflições. Todos os que
fundávamos a esperança na coroação [?], e no Triunfo de Vossa
Majestade, estávamos atentos sobre a sua Real Pessoa, nosso modelo,
recebendo do Céu, por efeitos da sua imitação os auxílios que nos eram
necessários. Por alta permissão Divina,
não houve lástima oculta, que não fosse a Vossa Majestade descoberta. A
toda a parte chegaram as suas Reais consolações; e eu que tanto conservo
gravadas no coração, e na memória, as de que fui participante; posso
dizer, que a esse precioso lenitivo sou mais do que a tudo devedor da
fortuna incomparável de chegar com vida à terra de Promissão, no século
onde vemos renovado a idade de ouro. Os meus compatriotas, que comigo
concorrem, na presente ocasião, para darem a Vossa Majestade sinais de
alegria, excitados pela memória do seu venturoso, e Augusto Nascimento,
sabem muito bem, que debaixo desta delineação tão simples, e tão
tosca, se compreendem imensas circunstâncias, que mereciam ser celebradas
de outro modo. Para a delicadeza de semelhantes assuntos não era o meu
engenho competente. Haverá pontos, sobre os quais, a bondade de Vossa
Majestade queira, que um véu negro seja lançado, para os deixar em perpétua
escuridão; e no que toca à de demora deste discurso, não devo também
abusar da Régia paciência de Vossa Majestade. Por estas razões, só me
foi lícito indicar o caminho, pelo qual, para a nossa admiração, e a
nossa maior felicidade conduziu a Vossa Majestade a Providência. Não me
era possível neste caso ocultar as contradições, e os milagres de que
se compõem a sua preciosa vida, por onde claramente vemos todos em Vossa
Majestade o dedo de Deus, e o carácter de condutor perfeito do seu Povo.
Outras melhores penas, com estes fundamentos poderão descrever com vivas
cores, como Vossa Majestade subiu ao Trono, triunfante da falsidade, e do
atrevimento, e de uma odiosa oposição. Dirão melhor como chegou com
inteiro domínio nas paixões, e cheio de luzes, e de virtudes, e como por
Direito de conquista, não verificado com as armas sanguinolentas, mas com
as da Religião, e as da pureza, e as da sabedoria verdadeira, com efeito
Vossa Majestade superior a todas as vantagens humanas, fundado na mais
sublime piedade, livre de afectos terrenos, ambicioso dos bens eternos,
sem que a desgraça o abatesse, nem a prosperidade o elevasse, já
desprezados da pompa, que costuma acompanhá-las. Não quis ser
participante da autoridade suprema; e estabelecendo a sua grandeza nas
suas acções heróicas, achou digno só da sua escolha, constituir-se
medianeiro entre a Rainha, sua Consorte, e o seu Povo. Este Estado lhe
pareceu mais vantajoso, para dar uso à sua Régia Caridade; e as vastas
notícias antecedentes, dadas por Deus a Vossa Majestade, para chegar mais
facilmente aos fins da justiça, e conseguir a verdade uma completa vitória
contra a mentira. Considerou, que
para esse efeito, o fez a Providencia depositário de tantos documentos
dos nossos males, e das razões das nossas queixas; e por uma bondade que
tanto excita a nossa gratidão, quis, para nos ser feita uma justiça a
mais exacta, até fossem nossos valedores os seus próprios merecimentos Não
era preciso certamente tanto excesso de bondade. Todos sabemos, que a razão
de Vossa Majestade, imagem fiel da razão suprema, lhe fará achar, que
todo o acerto se reduz a descobrir a vontade Divina; e os meios de vencer
os obstáculos opostos á sua execução. Sabemos, que na nossa idade se há-de
considerar o poder Real, como demandado do Divino; não para o fazer
absoluto, e arbitrário, mas para ser inteiramente sujeito às regras da
razão da Divina Justiça Sabemos, que ninguém mais que Vossa Majestade
está persuadido que a sua Real Elevação só pode ter aumento
proporcionadamente na sua submissão a Deus, autor do seu poder. E
sabemos, que no seu Real conselho presidirá sempre a equidade. Falará
sempre a judiciosa Liberdade, e o amor do bem público confirmarão as
suas Régias decisões. Também nos é constante, que se a Real modéstia
de Vossa Majestade permite aos seus Vassalos a exposição de alguma leve
prova do seu Régio merecimento, alcançado pelo modo que mais glorifica.
Divindade, que a todos nos alegra, e engradece; Vossa Majestade antes, que
estes devidos louvores, quer da nossa parte mais depressa ocasiões de
executar connosco a sua bondade e a sua Régia Providencia. Nesta casta de
obséquios, meu Soberano, e meu Senhor, não cedo eu a nenhum dos meus
compatriotas. Nos meus constituintes tenho posto na Real presença de
Vossa Majestade aqueles que por mera inconstância da fortuna, passaram da
boa aceitação para a ignorância, e o desprezo que caíram de um estado
ditoso, do que não tinham abusado. Que em virtude
de uma justiça informe perderam quanto tinham granjeado no Serviço desta
Coroa. A quem atribuíram crimes horrorosos, sem prova, para lhe serem
justamente imputados, e contra os quais os maiores esforços, para
destruir a sua honra, a autoridade, com que na sua causa se abreviaram as
formas da justiça, a falta de defesa, os tormentos a precipitação, o
segredo excessivo, e os sinais, de ódio manifesto, e interesse sórdido
do Autor desta obra monstruosa por tantas outras suspeitoso, serviram mais
depressa para fazer ouvido ao mundo o modo e o nada de que lhe saísse ao
encontro a verdade para ser a todos revelada, e descobrisse desse modo a
sua suma iniquidade. No que se seguiu a esta Catástrofe para compensação
dos que padeceram martírio, bem mostrou Deus ter querido ser a primeira
testemunha a seu favor, para logo se divulgarem as notícias da inocência,
fazendo-se cada vez mais universal, e mais constante. Cresceu a estimação
dos desgraçados, quanto foi profundo o seu abatimento, e no conceito das
gentes lastimadas, supondo as penas instrumento só da Salvação; até as
suas cinzas se fizeram preciosas. Depois disto continuou a gritar sempre
seu sangue entre nós com grande estrondo: Nada foi bastante poderoso para
não serem sensíveis estas vozes; e eu com todos os mais, a quem não
fizeram padecer a morte, para nos deixarem por muitos tempos agonizantes,
clamamos a Vossa Majestade humildemente, que a dilação do termo desta
coisa no século dá justiça, e a indiferença de um Príncipe, onde o
mundo vê um agregado das mais sublimes qualidades, pode causar prejuízo
muito maior às pessoas que defendo, do que a ferocidade, que em outro
tempo procurou denegrir, e arruinar a sua fama. Pondero somente a Vossa
Majestade que aquela onde não foram atendidos os privilégios, do seu
sexo, a cujas induções se atribuíram tantos danos, e de quem quiseram
dar um novo, e triste espectáculo, mal lhe foi concedida a ocasião para
articular a seu favor uma palavra. Não digo mais nada desta espécie; e
julgo desnecessário pretender de Vossa Majestade, na sua queixa confundir
com o culpado o inocente, nem permita que este se conserva em desprezos,
depois de tantas, e tão injustas agonias. Só para os nossos adversários
movidos pelas graças adquiridas no martírio pretendo piedosamente
piedade. O exemplo de Vossa Majestade nos grava mais no coração as Leis
do Evangelho; e em troca dos nossos trabalhos, e de tantas injúrias
recebi das mil vezes pedimos a Vossa Majestade o perdão dos nossos
inimigos. Pedimos que dos auxílios Divinos queira Vossa Majestade esperar
a sua emenda, e a sua contrição; e rogamos, que assim como no
descobrimento da verdade, pela qual com tanta ânsia suspiramos, somente a
força do Ceptro se empregue, e sirva à suavidade, que a deve acompanhar,
para ficarem neste mundo impávidos os crimes, que produziram a nossa
desventura. Graças ao Altíssimo,
por nos dar em Vossa Majestade um Príncipe perfeito, que merecedor das
nossas adorações, quanto as suas virtudes fossem só recompensadas,
muito mais atraem os nossos corações, tenho tendo sido as suas virtudes
perseguidas. Um semelhante efeito não deixaram de experimentar da parte
de Vossa Majestade os que gemem ainda nos infortúnios: são esses, a quem
o exemplo de Vossa Majestade ensinou a levar bem as suas cruzes: são os
que na tribulação pertenceram ao seu séquito; e se o Triunfo da Real
pessoa de Vossa Majestade imediato à Divindade dependem só do braço
omnipotente; a ordem [?] pede no seu estado independente, que destes
atribulados seja Vossa Majestade o maior consolador. Pede do seu Real
zelo, queira concluir o que Deus principiou. Exige, que se não inutilizem
tão vastos documentos; e todos esperamos da frequência com que Vossa
Majestade consulta a Divindade que as suas obras atestam a sua justiça
exacta, e a mais imparcial, e publiquem a bondade do seu Régio coração,
e da sua Real magnificência |
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Fonte: “Oração Académica realizada em 1778 no aniversário de D. Pedro III”, BNP, Códices, n.º 6.938, fols 81-84, A ler: Filipe
do Carmo Francisco, O
Primeiro Marquês de Alorna, Lisboa, Tribuna, 2010. Ligações:
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