Frontespício

Frontispício da História Genealógica da Casa Real Portuguesa

 

D. ANTÓNIO CAETANO DE SOUSA

 

Apreciação do Professor Joaquim Veríssimo Serrão

 

(…) A sua vida de historiador, que teve início com o volume IV do Agiologio Lusitano, referente aos meses de Julho e Agosto. Fora o próprio Jorge Cardoso quem, pouco antes de fechar os olhos, lhe entregara um maço de papéis para a conclusão daquela obra. Desejoso de que a iniciativa prosseguisse, D. João V ordenou a José Machado de Freitas, tesoureiro das Confiscações Reais, que entregasse a D. António a quantia anual de 100.000 réis, correspondendo aos anos de 1715 a 1717. (…)

No que respeita ao volume IV do Agiologio Lusitano, verifica-se que o autor seguiu o método do antecessor para não tirar à obra a desejada unidade de plano e de narração. Apenas com a diferença, como bem assinalou Afonso de Dornelas, de que Sousa «foi mais completo na crítica e usou menos o artifício da lenda». O que os separa realmente é o critério histórico, que corresponde a duas épocas desse labor cultural: a formação religiosa de Cardoso permitia-lhe aceitar a intervenção do sobrenatural no complexo da História, ao passo que Sousa, ainda que não totalmente liberto das correntes mentais do século XVII, tem já uma vaga consciência «racionalista» para explicar os sucessos do passado.

A sua primeira obra de inspiração académica foram as Memorias Historicas, e Genealogicas dos Grandes de Portugal, em que procurou tratar da origem e antiguidade das famílias nobres, suas linhagens e escudos de armas. Terminado em 1726, o manuscrito vem já referido pelo autor em 1735, no aparato documental da Historia Genealogica, não permitindo a continuação desta obra que o autor o lançasse antes a público. Na obra patenteia-se a influência de Jacob Guilhelm lmhoff, que em 1707 publicara as Recherches Historiques, & Genealogiques des Grands d'Espagne (…)

O grande monumento do seu labor académico foi a Historia Genealógica da Casa Real Portuguesa, em treze volumes, com mais seis de Provas, que inspira a quem o compulsa um sentimento de assombro. Pelo testemunho das Gazetas de Lisboa podemos seguir o ritmo quase pendular da publicação entre 1735 e 1748, o que pressupõe um plano e um método amadurecidos de longa data. A massa de erudição posta ao serviço da cronologia, que o autor pôde reunir, faz-nos acompanhar a trajectória das grandes figuras do Reino, desde a Casa Real, passando pelas mais velhas linhagens, até aos mais obscuros membros da nobreza. São milhares de figuras que constituem o pano de fundo da história portuguesa ao longo de oito séculos. A obra permanece como o guia por excelência para conhecer os meandros do nosso passado senhorial; e os documentos das Provas, ainda que com erros de leitura e nem sempre obedecendo ao estrito critério paleográfico, permitem fundamentar os passos da obra. Esse corpus é de consulta indispensável, não apenas pelos documentos régios, mas também pelo valor dos documentos que o autor pôde colher em arquivos privados. (…)

Tendo surgido várias peças para erguer a história geral da Nação, não era menos certo que faltava o edifício histórico que permitisse conhecer os troncos genealógicos com raiz nas origens de Portugal. Numa época em que as monarquias europeias constituíam o fundamento e mantinham a permanência das mais velhas nações, o espírito da cultura não podia ignorar os soberanos e as famílias que tinham assegurado essa continuidade temporal. Não faltavam testemunhos de um passado heróico - como no caso português - para «com clareza fazer perceptível toda esta Historia». Tal foi o pensamento, refere Caetano de Sousa, que presidiu à concepção «desta majestosa fábrica» e com o desejo de que acções gloriosas se tornassem do conhecimento geral. (…)

A obra consta de três partes: a primeira, com a sucessão dos antigos reis; a segunda, descrevendo os troncos da família real derivados da Casa de Bragança; e a terceira, apresentando todas as casas nobres que por varonia descendem dos monarcas portugueses'. Tentando dar ordem a tamanho material informativo, o autor teve de estabelecer um plano por livros, capítulos e títulos, incluindo tábuas genealógicas para mostrar claramente as linhas familiares da ascendência e sucessão.

A biografia que lhe dedicou Afonso de Dornelas, ainda que de traçado rigoroso, não dispensa um grande estudo crítico da sua obra pela concepção de história política e social que nesta se denota e que, à luz do tempo, pode considerar-se modelar. O que explica, em grande parte, o sucesso da Historia Genealógica como ferramenta de consulta indispensável.

 

Fonte:

Joaquim Veríssimo Serrão, A Historiografia Portuguesa, Doutrina e Crítica, vol. III: Século XVIII, Lisboa, Verbo, 1974, págs. 91-86.

 

Historiografia
D. António Caetano de Sousa
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