D. Miguel
Eu não sou um Rebelde.
de António
Ribeiro Saraiva
Este texto de António Ribeiro Saraiva, escrito na época em que os «Legitimistas» tentavam explicar as suas posições aos governos da Europa, mostra que a fonte para a sustentação das razões «legitimistas» era a mesma que sustentava Borges Carneiro na defesa das Cortes de 1821 e do constitucionalismo (v. Portugal Regenerado em 1820); fonte que também será invocada pelo regime cartista restaurado em Portugal em Julho de 1833, as célebres, e inexistentes, «Cortes de Lamego». Interessante é notar que um documento, que quem o divulgou já afirmava poder ser falso, levasse à instauração de um regime que de 1828 a 1834 se tornou o regime político mais violento de sempre em Portugal, ultrapassando em muito o que era aceitável pela sociedade europeia ocidental, mesmo naquela época ainda tão violenta. Mas, de facto, este texto não explica completamente os princípios de actuação do partido «realista» - absolutista -, que existia desde 1822 e que só se tornou «legitimista» a partir de 1826, já que ele sempre existiu em torno das posições políticas da Rainha D. Carlota Joaquina, e não em torno da legitimidade de D. Miguel. É que a rainha não tinha jurado a Constituição portuguesa de 1821, dando cobertura à posição do seu irmão, o rei de Espanha Fernando VII, que tinha abjurado a Constituição espanhola de 1812 e reintroduzido o poder absoluto em Espanha. A rainha recusava-se a seguir a política do rei D. João VI, seu marido, exactamente como o tinha vindo a fazer desde 1805. Nesse ano, com o apoio de uma parte da grande aristocracia portuguesa, que a historiografia tem conotado como liberal, parece ter tentado destituir o marido da regência, sem resultado. Em 1823, e depois novamente em 1824, tentará realizar, por intermédio do filho mais novo, o mesmo, com a mesma grande aristocracia agora conotada de absolutista. A questão da separação do Brasil de Portugal, aceite pelo rei de Portugal, já o não podia ser, de novo, para D. Carlota Joaquina e para a Dinastia Bourbon de Espanha, já que isso era legitimar a separação das colónias americanas da coroa espanhola; assim como a outorga de uma Carta Constitucional em Portugal iria criar pressão sobre Fernando VII para o fazer em Espanha. Por isso, a «legitimidade» era o último aspecto desta luta política, e de facto o menos importante, que se jogava em Portugal desde o princípio do século XIX. Mas era essencial para a aceitação dos «legitimistas» e porque apelava aos princípios da «Santa Aliança», e ao apoio da Rússia e do Império Austríaco contra o liberalismo, que estes países tentavam destruir desde 1823. EU
NÃO SOU UM REBELDE; OU A QUESTÃO DE PORTUGAL EM TODA A SUA
SIMPLICIDADE OFERECIDA AOS POLÍTICOS IMPARCIAIS, E AOS HOMENS DE BOA FÉ
PREFÁCIO
Todo o Escritor que defende a justiça por amor dela mesma, e
quando esta justiça é de toda a evidência, pouco trabalho, e nenhuma
dificuldade tem para dispor os Leitores em seu favor; por isso o que
unicamente exijo e peço é, que se pesem bem, e imparcialmente minhas
razões. Nós, os Realistas Portugueses, havemos sido incomodados,
constrangidos, desprezados, e exulados pelos Governos Legítimos. Eu
mesmo, pessoalmente, fui obrigado a sair de Paris para uma residência
forçada na distância de sessenta léguas da Capital de França, e isto
num momento que me achava de cama grave e perigosamente enfermo; e assim
mesmo obedeci. Ah! apesar disto, como somente me dirijo por princípios,
e não por interesses particulares, jamais
EU
NÃO SOU UM REBELDE: Direi ainda alguma coisa. antes da Questão.
Toda a Europa sabe o que nós temos feito, nós os Realistas
Portugueses, que mais exactamente deveriam chamar-se Patriotas
Portugueses, de que o mundo virá a convencer-se, como espero. Havemos
recusado obedecer a um Soberano, que não reconhecemos. como nosso, por
ser excluído do Trono Português pelas nossas Leis, assim. como por
suas próprias convenções. Nós nos temos julgado, e nos reputamos
ainda, os defensores da Legitimidade, e ao mesmo tempo dos privilégios
e direitos do Povo Português. Todos os Governos da Europa nos têm
tratado de Rebeldes. Sem discutirmos agora os motivos da justiça, ou
da injustiça, que se nos tem feito, procuraremos, em boa fé, ver quem
se engana, quem é injusto, nós, ou. a política? Mas apresentaremos à reflexão de nossos Leitores doze questões
simples, antes de entrarmos no exame da principal. 1.ª Espero que não será chamado Rebelde aquele que defende o
Governo Legítimo da sua Pátria 2.ª O Governo Legitimo não é aquele que tem as qualidades
requeridas pelas Leis? 3.ª As Leis que regulam e determinam estas qualidades, não são,
as Leis Fundamentais das. Nações, onde existem? 4.ª Não tem a Nação Portuguesa Leis Fundamentais, que regulam
e determinam a natureza de seu Governo, assim corno da ordem de sucessão
á Coroa deste Reino? 5.ª As Leis Fundamentais, que regulam e determinam a ordem de
sucessão á Coroa Portuguesa, não consistem nas disposições das
Cortes de Lamego, e nas disposições das Cortes posteriores, que
aquelas se referem, principalmente as de 1641? 6.ª Pode-se pois ser Rei Legítimo de Portugal contra as disposições
das sobreditas Cortes, sem que o Rei Legitimo tenha feito legalmente uma
mudança nas mesmas disposições? 7.ª Não há por ventura um modo único e leal, estabelecido para
fazer mudanças disposições fundamentais do Reino? 8.ª Acaso terão sido lealmente mudadas estas Leis depois da
morte do Senhor D. João VI? 9.ª Segundo as disposições das Leis Fundamentais de Portugal, o
Imperador do Brasil não está excluído da sucessão ao Trono Português,
e por conseguinte a Coroa não devolve ao Senhor Infante D. MIGUEL? 10.ª A Europa não tem acaso reconhecido legítima a ordem de
sucessão à Coroa Portuguesa, estabelecida em Portugal pelas Cortes
acima mencionadas? 11.ª Não tem pois a Europa sido injusta em nos chamar Rebeldes, a
mim, e a meus honrados compatriotas, que temos defendido os direitos, a
independência, e a liberdade de nossa Pátria, e de nosso Príncipe? 12.ª Os Governos da Europa são por ventura dispensados do serem
consequentes consigo mesmos? Eis aqui bastantes perguntas, ás quais os partidários do
Senhor D. Pedro seria difícil responder alguma coisa, que lhes sela
favorável! Eu também os desafio a entrar em discussão, e mostrar
ainda uma vez 1 a futilidade de suas razões. Quanto a mim, teria muito que responder a cada uma destas
questões; mas, além de que as respostas por si mesmas se apresentam a
quase todas as minhas doze perguntas, como não quero embrulhar ou
confundir uma coisa clara e simples de sua natureza, ocupar-me-ei
unicamente com algumas. proposições, que não serão muito agradáveis
aos amantes de Constituições ou Cartas importadas de país
estrangeiro: contudo é para os obrigar a ser razoáveis que eu passo o
meu tempo com estes meus Senhores. ENTRO NA QUESTÃO. Quando digo: Nós, os Portugueses Realistas, não somos
Rebeldes, é necessário que eu o prove. Pois bem: a prova de minha
asserção está toda implicitamente na minha epigrafe: «Se o Rei, que
temos proclamado, tinha hum direito legitimo para o ser; o dever dos Súbditos
era segui-Lo, e obedecer-Lhe.» Desenvolvamos isto. Proposições I. Nós temos Leis Fundamentais estabelecidas pela Nação, e
pelo Rei 2 , confirmadas e sancionadas por Leis e
Decretos de nossos Soberanos. II. Estas Leis não podiam ser mudadas, senão do mesmo modo,
e pela mesma forma, que se tinha praticado para as estabelecer. III. Na conformidade destas Leis, o Imperador do Brasil era
excluído da sucessão do Trono Português; ou, se assim o querem , o
seu caso não estava previsto nas Leis Fundamentais. - Admitida uma, ou
outra hipótese, o Imperador do Brasil não podia ser Rei Legítimo de
Portugal, sem uma declaração feita legalmente a seu respeito, no
segundo caso. Ele não podia mudar a seu bel prazer a Constituição do
Estado IV. Nossas Leis Fundamentais têm sido reconhecidas pela
Europa como fundamentais do direito Português; não podia pois a
Europa, sem uma inconsequência notável reconhecer, contra as mesmas
Leis, Rei de Portugal o Imperador do Brasil.
Demonstrações das proposições precedentes. I. Actos consagrados pela história civil e política, assim
como pela legislação de hum país, não são testemunhas mortas; e por
isso não é necessário mais, que atende-los, para se convencer da
verdade da minha primeira proposição. Os actos das Cortes de Lamego em 1143 assim como os das
Cortes de Lisboa em 1641, são bem patentes em todas as historias de
Portugal; as Leis de nossos Reis, que se referem nos mesmos actos,
existem no corpo da legislação Portuguesa: (é suficiente ver o
Decreto de 9 de Setembro de 1642 , Carta Patente de 11 do mesmo mês e
ano e a Lei de 4 de Junho de 1824 ). II. As Leis Fundamentais tendo sido estabelecidas pela Nação e
pelo Rei, como fundamentos ou modificações do Contracto Social,
conforme os bons princípios de justiça universal, seria absurdo dizer,
que elas podiam ser mudadas à vontade somente de uma das partes
contratantes; pois que isto seria admitir que uma das partes não tinha
senão direitos, entretanto que a outra não linha senão deveres, o que
tornaria o Contrato injusto, nulo, e ilusório. Mas nossos Reis, nem a Nação Portuguesa, nunca entenderam
isto tão absurdamente. Aos Estados de Lamego em 1143 (vulgo Cortes de
Lamego) , Lourenço Viegas, em qualidade de Procurador de Afonso I.,
pergunta ao povo em nome do mesmo Afonso pela maneira seguinte:
Continuam ainda os actos das mesmas Cortes.
O Decreto das Cortes de Lisboa de 161, começa assim: «Temos observado (nas disposições deste Decreto) a ordem e
a forma que se observou neste mesmo Reino a respeito de D. Afonso
Henriques, quando foi proclamado Rei de Portugal ... » .Apesar da Bula
de Inocêncio II, que lhe confirmava o título de Rei , no ano de 1142 ,
os Estados reunidos na Cidade de Lamego, pelos fins do ano de 1143,
julgaram dever não só confirmá-Lo Rei novamente, mas lavrar e assinar
um Auto desta proclamação, por que servisse de monumento para a
posteridade, em como eles haviam reconhecido. por seu Rei legítimo D.
Afonso Henriques. Os Decretos destes. Estados foram sancionados pela Lei de D.
João IV de 12 de Setembro de 1642. O Manifesto autentico da Nação Portuguesa à Europa,
publicado em 1141, em Português, e em Latim, a fim de poder ser mais
facilmente conhecido de todas as Nações, exprime-se da maneira
seguinte a respeito do direito de modificar a Constituição do Estado «Os Povos, e os Reis (de Portugal ) só eles juntos em
Cortes tinham autoridade para variar o antigo modo de sucessão » ( à Coroa.) Fol. 5. «Agora passamos a examinar .... um outro direito irrefragável
de reinar, aquele que se adquire pela aclamação unânime, e voluntária
do Reino. Com efeito é certo, que quando, depois da morte do Rei, há
dissidência entre os seus parentes a respeito daquele dentre si que
deve ser admitido à Coroa, é ao Povo unido em Cortes que pertence
decidir, e resolver as dúvidas que ocorrem.» «E declarando (o Povo) por este acto de Cortes o seu direito
manifesto, não há dúvida que D. João IV. houve o Reino pelo título
mais legítimo que se pode imaginar pois que, além do direito que
tinha, obteve também a declaração do Povo.» Fol. 14 e 14 verso. Em o discurso apresentado à Corte de Roma pelo Bispo de
Lamego, enviado como Embaixador de D. João IV, depois da restauração
de 1640 (discurso a cuja doutrinas o Rei deu um carácter de autoridade,
fazendo-o pela ordenança., de 21 de Março de 1642, imprimir
autenticamente pelo impressor de sua Casa com proibição de ser
impresso por outro qualquer) se lê a pág. 6 o seguinte: «A possessão .do Reino lhe foi consignada (a D. João IV)
pelo consentimento e decisão dos três Estados do Reino, certos de que
a ele só pertencia o mesmo Reino.» Poder-se-à pois duvidar ainda, que em Portugal há hum
Tribunal competente para julgar, e decidir as questões sobre a sucessão
à Coroa, e para fazer qualquer mudança na Constituição do Estado. III. Eu não quero agora copiar aqui uma multidão de artigos, que provam que o Rei de um Estado estrangeiro e independente de Portugal não pode pretender o Trono deste Reino 5; somente, citarei o artigo do Decreto dos Estados de Lisboa
em 1641 , porque é decisivamente o mais aplicável aos filhos do Senhor
D. Joio VI, e juntamente porque sendo estes Estados de uma época assaz
recente, seus resultados se ajuntam já ao sistema politico da Europa
moderna; e tendo a mesma Europa admitido suas decisões como legítimas,
estas decisões devem também agora ter uma força muito maior. Parte do Capítulo 1.º apresentado pelo
Estado da Nobreza nas Cortes de 1641, «Que
a sucessão do Reino não possa vir nunca a Príncipe Estrangeiro, nem a
Filhos seus, ainda que sejam os parentes mais chegados do Rei último
possuidor. E que acontecendo Suceder o Rei deste Reino em outro algum
Reino, ou Senhorio maior, seja obrigado a viver sempre neste. E tendo
dois, ou mais Filhos Varões, o maior Suceda no Reino estranho, e o
segundo neste de Portugal, e este seja jurado por Príncipe , e legitimo
Sucessor ...» Aqui
se vê, 1.º que o Rei, se vem a ter uma Coroa estrangeira e
independente da de Portugal, a pode conservar durante a sua vida debaixo
da condição de residir em Portugal, 2.º que depois da sua morte,
deixando muitos Filhos, não pode um só
ter as duas Coroas. Vejamos
se a primeira parte do artigo convêm ao Senhor D. João VI, e a segunda
a seus Filhos. Ninguém
poderá negar que a dita determinação da Lei seria aplicável ao
Senhor D. João VI, se ele tivesse adquirido a Coroa do Brasil
(estrangeira e independente) pelo direito de sucessão hereditária,
como adquiria o mesmo Brasil; que então poderia possui-ta enquanto
vivo, e que depois de sua morte. o Senhor D. Pedro sucederia no Brasil,
e o Senhor D. MIGUEI, em Portugal. Mas quem nos dirá, que a mesma
disposição deve ser observada, quando uma segunda Coroa vier ao Rei de
um modo, que não seja pelo direito hereditário? Quem? ... A mesma Lei. No
principio do artigo sancionado do Estado da Nobreza nas Cortes de 1641,
do qual faz parte a citada disposição, está expressamente explicado o
motivo da Lei: eis aqui o motivo: «A
razão de um bom Governo ensina, e a experiência tem mostrado, que
ajuntando-se muitos Reinos e Senhorios diversos na Pessoa de um só Rei,
não podem ser bem governados, assim como o foram, se estiveram
apartados cada um debaixo de seu Príncipe: e que este deve ser natural
do mesmo Reino, nascido e criado nele para conhecer seus Vassalos, e os
amar como naturais.» Isto
quer dizer, que se não quer geralmente a reunião de duas Coroas na
Pessoa do Rei de Portugal. É
pois uma concessão particular feita ao Rei adquirente, permitir-lhe o
conservar as duas Coroas durante a sua vida, com a condição somente de
residir em Portugal. Mas para seus Filhos, a determinação da Lei é
absoluta: é necessário que repartam as duas Coroas na conformidade da
Lei. Esta
razão da Lei não é a mesma, quando o Rei houver, ou adquirir a
segunda Coroa de outra maneira, que não seja pela sucessão hereditária?
Se o Rei, por exemplo, tiver adquirido outro Estado pela abdicação de
outro Soberano; as duas Coroas estariam menos reunidas em sua Pessoa, e
não Haveria então os mesmos inconvenientes, que a Lei quer prevenir? E
se o mesmo Rei fosse quem criasse esta Coroa estrangeira; a razão ,
para a separação depois da sua morte, não seria sempre a mesma ? Por
conseguinte, quando a Lei diz : que acontecendo suceder o Rei deste
Reino em outro algum Reino, isto é no caso que o Rei seja chamado à
sucessão de outra Coroa, deve considerar-se como um exemplo, e não
como uma restrição da disposição da Lei ao caso único de sucessão
hereditária. O
Senhor D. João VI, fazendo do Brasil um Estado separado, estrangeiro, e
independente de Portugal, pelo Tratado de 29 de Agosto de 1825, e
reconhecendo a D. Pedro corno Soberano deste Império, tem feito duas
coisas, dois actos que podiam ser independentes um do outro, e entre os
quais houve necessariamente um intervalo, durante o qual o Senhor D. João
VI teve as duas Coroas de Portugal, e do Brasil, ainda que não fosse
senão por um momento; e neste mesmo momento lhe foi aplicável a
primeira parte do artigo citado da Lei fundamental. ( Veja-se Scolio 1.º
no fim da Questão, pág. 17) Não
se considere isto como uma distinção vã, ou uma subtileza fútil; além
de que umas tais distinções de tempo, muitas vezes são em jurisprudência
de necessidade absoluta, não é preciso mais, que ler o 1.º artigo do
dito Tratado, para nos convencermos, de que a existência de dois actos
distintos, e não simultâneos, está ali real e verdadeiramente
marcada. Eis aqui pois o artigo: «Sua
Majestade Fidelíssima reconhece que o Brasil está elevado, ao lugar, e
dignidade de Império independente, e separado, do Reino de Portugal, e
Algarves. (Primeiro acto.) - Ele reconhece Seu Muito Amado e
Prezado Filho D. Pedro como Imperador, cedendo e transferindo, de
plena e livre vontade, a Soberania do dito Império a Seu Filho,
e Seus Sucessores legítimos. » (Segundo acto.) Claramente se vê que as duas épocas estão muito bem distintas e separadas neste artigo: mas quando pela construção do artigo se não pudesse ver num golpe de vista, a razão não o mostraria menos. Com efeito, como poderia o Senhor D. João VI transferir a Soberania de um Império, sem Ele a ter primeiramente? Como poderia Ele reservar-se uma parte, sem ter possuído o todo; pois, que o titulo não é mais que um acidente, um acessório, um nome, a respeito da Soberania imperial? O
Senhor D. João VI foi pois Imperador do Brasil, antes que o fosse Seu
Filho o Senhor D. Pedro; e isto lhe era permitido, pois que nesse tempo
se achava em Lisboa, e satisfazia assim à condição da Lei Fundamental
de estar em Portugal, para poder possuir. E quem dirá, que o Senhor D.
João VI não teria podido ficar lá, isto é reconhecer a independência
dó Brasil, e guardar o direito que Tinha à Soberania deste Estado, e
que então por Sua morte seria aplicável a Seus Filhos a segunda parte
do citado artigo da Lei Fundamental ? Mas se em Sua vida quis ceder a D.
Pedro o direito, que a mesma Lei Fundamental devia dar a Este depois da
morte de Seu Pai; este acto do Senhor D. João VI podia por ventura
mudar a disposição de uma parte da Constituição nacional? Por
consequência, o Imperator do Brasil, segundo as Leis, estava
excluído da sucessão ao Trono Português. Mas pretender-se-há antes admitir, que a disposição do citado antigo é
relativa à sucessão hereditária somente? Então o caso do Senhor D.
Pedro; e de Seu Irmão seria não previsto pela Lei Fundamental, e seria
necessário, que sobre isto se provesse legalmente: porém nós temos
demonstrado, que somente os Estados da Nação tinham o direito de
determinar e decidir sobre tais casos; e estes Estados não não o tem
feito, pois que não se reuniram depois da morte do Senhor D. João VI
por conseguinte o Imperador do Brasil não é o Rei legítimo de
Portugal, nem podia mudar a Seu bel prazer a Constituição do Estado. IV A
existência de Portugal, como Nação independente, é uma prova
constante de que a Europa reconheceu o direito, que o constituiu tal; e
este direito está nas Leis Fundamentais, que fazem a Constituição
deste Reino. A
Europa não reconheceu (em 1641) esta legitimidade Portuguesa sem
inteiro conhecimento de causa; pois que além de que os Enviados de
Portugal fizeram conhecer os direitos da Nação e do Rei em todas as
Cortes da Europa, e os expuseram e manifestaram por toda parte
(compreendida a Dieta de Ratisbona, na qual se pediu a liberdade do Príncipe
D. Duarte, irmão do Rei, retido em prisão pelo Imperador de Alemanha);
a Nação Portuguesa proclamou à Europa estes mesmos direitos por meio
de um Manifesto, que fez traduzir em Latim, para ser entendido em todo o
mundo. Este
Manifesto produziu o efeito de serem recebidos os Embaixadores
Portugueses quase por toda a parte; fez que o Rei de Inglaterra e o
Parlamento reconhecessem imediatamente a independência de Portugal (bem
se vê, que naquele tempo a política Inglesa olhava mais para a justiça,
do que hoje a de M. Canning) e que Luís XIII. de França escrevesse
a D. João IV de Portugal nos seguintes termos: «Estamos muito
contentes e satisfeitos de ter recebido a noticia do consentimento
universal, e aplauso geral com que Vossa Majestade foi recebido, e
reconhecido sucessor legítimo dos antigos Reis de Portugal ... &c.»; e finalmente fez que bem A
voz da justiça tem toda a segurança e certeza de se fazer respeitar,
quando é dignamente proclamada; e atendida por corações justos.
Veremos pois, por meio de citações do «Manifesto
do Reino; de Portugal, na qual se declara o direito, as causas, e a
maneira porque se conduziu para se subtrair à obediência do Rei de
Castela e obedecer à voz do Sereníssimo D. João IV do nome, e XVIII
entre os verdadeiros Reis deste Reino. (Lisboa, Paulo Craesbek,
1641. Com todas as Licenças necessárias.)» O
Manifesto. «Parece
que o Mundo com muita justiça perguntará a razão do que se praticou
em Lisboa no 1.° de Dezembro de 1640, negando a obediência a Filipe IV
... Será conveniente satisfazer a este comum desejo, manifestando as
razões que para isso houveram: pois que sendo os Reinos os membros
principais da República universal do mundo, que eles formam como partes
componentes, é justo, e até mes mo de obrigação, que ela seja instruída
do que se passa em cada uma
de suas partes ... Portugal aclamou subitamente um Rei, havendo
obedecido a outro antes deste momento. Poderão perguntar: « Que direito
tem ele para o fazer?» ... Se o Rei, que foi aclamado, tinha hum direito
legitimo para o ser; o dever dos Vassalos era o de segui-Lo, e
obedecer-Lhe ... &c.» Creio
que não se chamará isto linguagem de má fé. Se
a Europa quer pois ser justa e consequente, não tem ela sido bem
injusta em nos chamar rebeldes, a mim, e a meus honrados compatriotas! Nós
defendemos o Governo legitimo de nossa Pátria porque: Legitimo,
segundo o Dicionário da Academia , é «o que tem as condições
requeridas pela Lei». Um Governo não pode pois ser legitimo, se as
Leis lhe são opostas; e estas Leis são as Leis Fundamentais. Nós
defendemos nossas Leis Fundamentais, nossa Constituição, nosso Governo
legitimo. Rebelde,
segundo o mesmo Dicionário, é aquele que desobedece a seu Soberano; «seu
Soberano não é um Soberano Estrangeiro, mas aquele que o é e deve
ser, conforme a Constituição da Nação: aquele que defende a
Constituição legitima de sua Nação, e o Governo legitimo constituído
e estabelecido por ela, não desobedece a seu Soberano, nem jamais é,
nem pode ser hum Rebelde.» ( Veja-se Scolio 2.º, pág. 19.) E
por conseguinte também EU
NÃO SOU UM REBELDE; (Sicut
erat ia principio , et nunc et semper. )
Mais
alguma coisa ainda depois da Questão. SCOLIO
I. Não
se trata aqui agora de uma suposição (que o Senhor D. João VI foi o
Imperador do Brasil antes do Senhor D. Pedro), mas sim de uma realidade,
sobre a qual é essencialmente necessário que nos fixemos, pois que não
faltará quem, por não reflectir, acredite, que a primeira parte da
disposição era aplicável ao Senhor D. Pedro, e que a segunda, depois
de sua morte, seria aplicável a seus Filhos. O Ministro de uma grande
Potência Europeu, acreditado junto de outra Potência de primeira
ordem, exprimia esta opinião, dizendo: «que no momento indivisível,
em que o Senhor D. João VI tinha exalado o último suspiro, o direito
à sucessão do Trono Português recaiu na Pessoa do Senhor D. Pedro 6
; que assim podia o Senhor D. Pedro ter as duas Coroas, e por este mesmo
direito podia abdicar a de Portugal
em Sua Filha, para satisfazer à Lei Fundamental deste Reino, que proíbe
a reunião das duas Coroas.» Por pouca reflexão
que se faça sobre este discurso, ver-se-há que é contra
producentem (como tive
a honra de provar a S. Ex.ª ), e que confirma inteiramente a minha
opinião; pois que considera falsamente o Senhor D. Pedro nas mesmas
circunstancias, em que o Senhor D. João V. se deve considerar desde o
momento em que declarou independente a Coroa do Brasil, até aquele em
que a cedeu a Seu Filho, O Senhor D. João VI teve duas Coroas, e podia
possuí-Ias pela Lei Fundamental; o Senhor D. Pedro teve duas Coroas, e
podia possuí-las pela suposição do Ministro. Mas admitida esta suposição,
que razão pode haver para que a disposição da Lei Fundamental fosse
antes aplicável ao Filho, que ao Pai? Será por ventura porque faltava
ao Filho a essencial condição da mesma Lei - de residir em Portugal
para poder possuir? - ou é porque o Senhor D. João VI abdicou uma das
Coroas, tornando Seu Filho, por esta mesma abdicação recebida,
legalmente inábil para Suceder na outra? Todavia, se a suposição
do Ministro era verdadeira, não vejo porque o Senhor D. Pedro tivesse
precisão de abdicar a Coroa de Portugal para satisfazer à Lei
Fundamental deste Reino; pois que neste caso não era uma Coroa
Estrangeira, mas sim a de Portugal mesmo, a que Ele herdava; mas não é
este o caso do artigo. Porém, se Ele herdava a Coroa Portuguesa, não
era como Soberano Estrangeiro, pois que a Lei muito altamente se opõe a
isso - que a Coroa deste Reino não possa vir nunca a um Príncipe
Estrangeiro. - Seria pois necessário admitir que o Imperador do Brasil,
ao tempo da morte de Seu Pai, não era um Soberano Estrangeiro, ou não
era Soberano de um Estado Estrangeiro; isto seria dizer (o que eu
sentiria muito ) que o Brasil tinha sido tão nescio, que não havia
respondido à voz de M. Canning, quando este, tendo agasalhado em suas
entranhas o embrião ou feto informe do Liberalismo transatlântico,
chamava à existência e dava à luz a América (parturiunt montes!) no
meio do Parlamento Britânico, com grande admiração, de todos os néscios
dos dois mundos! ... O que eu muito mais sentiria, era, que Sir Carlos
Stuart teria, nesse caso, perdido todos os seus trabalhos e fadigas de
fazer, fazer, e fazer ele mesmo o Tratado de independência de 29 de
Agosto de 1825; pois que então este Tratado não teria servido, senão
de ter profundamente desgostado, afligido, e incomodado a Sua Majestade
Fidelíssima, o Senhor D. João VI. Seria mesmo uma
consequência assaz legitima da dita suposição, que o Brasil não
seria, ainda hoje estrangeiro a Portugal; seguir-se-ia enfim uma série
ou multidão de inconsequências, como sempre acontece, quando se
pretende, de boa ou má vontade, ir a torto e a direito contra a razão,
e a verdade. Talvez que a Corte, que este Ministro representava (uma
daquelas que mais influíram para os negócios e desgraças de minha Pátria!...)
entenda a coisa, como o seu Ministro; e por conseguinte ela tem (muito
eficazmente! ...) protegido os direitos supostos do Senhor D. Pedro. SCOLIO
II. Digamos mais: 1.º
que os Portugueses (mesmo quando o Senhor D. Pedro devesse ser o seu Rei
) não tinham obrigação alguma de lhe obedecer antes de haver prestado
o juramento exibido pelo Alvará de 9 de Setembro de 1642: - 2.º que
depois deste Allvará, e a Lei do Senhor D. João VI de 4 de Junho de
1824, tinham ainda menos obrigação de adoptar a Penso que isto
parecerá algum tanto singular e paradoxal : «Se o Senhor D. Pedro não
jurou, não devia ser obedecido ; se o Senhor D. Pedro jurou, ainda
menos devia ser obedecido.» - Espero não ter maior dificuldade em chegar
à demonstração do proposto; vamos descobrir o mote ou o segredo do
enigma. Eis aqui o conteúdo
no citado Alvará: Os Estados (de 1641)
pediram ao Rei, que o Sucessor à Coroa não pudesse subir ao Trono, sem
haver primeiramente prestado um juramento: - «que convinha muito ao bem
universal e particular destes Reinos, que os Reis, que neles vierem a
suceder, antes de serem proclamados, jurem todos os privilégios,
liberdades, as graças, e os costumes, que os Reis precedentes lhes tem
concedido e jurado ... Que todos os Reis, que para o futuro sucederem
nestes Reinos, antes de serem exaltados (ao Trono) façam pessoalmente o
mesmo ,juramento...» E que respondeu o
Rei a esta petição? Que isso era já dantes reconhecido como uma Lei
municipal, e de costume - «que o que lhe pediam estava introduzido como
costume neste Reino ...» Ele o prova com seu mesmo exemplo, dizendo,
que o tinha praticado, quando prestou às Cortes (de 1641), que o
reconheceram, esse mesmo juramento em seu nome, e de seu Filho; que Ele
queria «que todos os Reis seus sucessores façam outro tanto;» e que
para isso é que Ele o ordenava, determinava, e prescrevia, etc. Que
todo o Rei que o não fizer, seja amaldiçoado do Céu, da terra, e da
sua Corte; e que todos os seus Vassalos possam pedir aos Reis, seus
Sucessores, o juramento da confirmação de suas graças, e privilégios
antes de entrar na sucessão destes Reinos; que Ele ordenava e
revalidava isso como Lei feita em Cortes; que queria que fosse executada
inteiramente em todas as cláusulas, que na mesma são conteúdas.» De outra parte, o
Senhor D. João VI, pela Lei de 4 de Junho de 1824, declarou a importância
e força deste juramento nos seguintes termos: - «Julguei que não
convinha demolir-se o nobre e respeitável edifício de nossa antiga
Constituição política constante de Leis sábias, escritas, e
tradicionais, a que acrescia achar-se firmada com o ,juramento, que os
Senhores Reis destes Reinos prestam, e Eu mesmo o prestei, de manter os
Foros, e Privilégios da Nação.» Ele diz mais ainda: - «Convencido
que os deveres que contraí ... exigem que Eu respeite e conserve
intactos os direitos, antigos da Monarquia ... que a Constituição
Portuguesa ... está firmada no juramento ... que Eu, e todos os meus
Augustos Predecessores prestámos no acto da nossa elevação ao Trono
... Ei por bem declarar em seu pleno vigor a nossa antiga Constituição
política.» Conforme estas Leis,
nós (os Absolutistas) temos acreditado, e acreditamos ainda, que nenhum
Português devia obedecer, mesmo a um Sucessor legítimo (in
potentia),
sem que tenha prestado o juramento prescrito de guardar inviolavelmente
nossos direitos, e nossas prerrogativas nacionais; entretanto que nossos
Despotas-Liberais sustentam, há ano e meio, que um Soberano, ou natural
ou estrangeiro, pode, a seu pleno arbítrio e capricho, destruir, quando
e como quiser, todos estes direitos e prerrogativas nacionais. Creio ter
demonstrado, para todos aqueles que tiverem algum senso e boa fé, a
primeira parte da minha proposição: vejamos agora se a segunda é uma
justa consequência da primeira. Quando mesmo o
Senhor D. Pedro devesse ser o Sucessor legítimo ao Trono Português,
prestou por ventura o juramento prescrito pela Constituição da Nação,
e entrou legalmente no exercício da Soberania Portuguesa, obrigou-se
acaso a guardar invioláveis os direitos, as prerrogativas, e a
Constituição nacionais? É necessário, ou responder - Sim – ou
sustentar que podia ser perjuro. Escolham estes meus Senhores Liberais
(como se chamam a si mesmos); ou esforcem-se para escapar deste
argumento corrupto! ... Presumo pois ter descoberto a segunda parte do
enigma. Aproveito-me desta ocasião, para fazer aqui aos amigos da Carta Anglo-Brasileira meus cumprimentos sobre sua legalidade, e na conformidade do que acabo de dizer a respeito do juramento acima referido. 1.º
COROLÁRIO GERAL LEGITIMIDADE PRETÉRITA. Que se deveria ter
feito, para proceder legitimamente em Portugal, depois da morte do
Senhor D. João VI? A Regência nomeada por este Rei (ou em seu nome) por Decreto de 6 de Março de 1826, logo depois da sua morte, devia convocar os Estados da Nação, e propor-lhes, que declarassem a quem pertencia a Coroa: eis aqui o caminho único legal. Se esta Regência o não fez, é culpável assim como todos aqueles que a desviaram de cumprir o seu dever, por todos os males, por todas as calamidades, que a minha Pátria tem sofrido desde a morte do Senhor D. João VI: ela cometeu uma usurpação dos direitos da Nação, e dos daquela Pessoa, que devia ser o legitimo Sucessor à Coroa, (O PRINCÍPE SENHOR D. MIGUEL). E, se a mesma Regência acreditava (o que é muito duvidoso!) que o Senhor D. Pedro devia ser o Sucessor legitimo, segue-se, que ela mesmo não favoreceu muito os direitos deste, que, no caso que pudesse pretender razoavelmente a Corda Portuguesa, tinha o direito de querer, que sua pretensão fosse legalizada e segura pelos Estados da Nação.
2.º
COROLÁRIO GERAL LEGITIMIDADE
PRESENTE E que deveria agora
fazer o Senhor D. MIGUEL, para restabelecer, além do direito, tantas
ilegalidades e curar o golpe feito na legitimidade Portuguesa, na
Constituição do Estado? A resposta é muito
simples: fazer aquilo que se não fez; isto é, mandar passear as duas Câmaras
ilegítimas, com a Carta exótica; convocar legalmente os Estados da Nação;
fazer-se ali declarar «único reconhecido herdeiro e legítimo Sucessor» (veja-se o artigo citado (a pág. 8)
das Cortes de 1641); e como bom
Pai da grande família com seus Vassalos e seus filhos fazerem os
melhoramentos, que todos julgarem convenientes. E eis aqui tudo. Petição
justa. Que se não esqueça
também (para confusão de almas perversas!...) de me fazer ali
declarar, a mim, e a meus bons compatriotas, Realistas-nacionais, não
Rebeldes, mas Leais Portugueses, e Vassalos fiéis. A Legitimidade está
dizendo a cada um de nós: Euge, serve bane et fidelis! e nós estamos
contentes; não iremos (eu pelo menos) pedir: Quod super multa me
constituant, quia super pauta f fui fidelis. MAIS
QUATRO QUESTÕES, OU COROLÁRIOS
INTERROGATÓRIOS. 1.ª Quem defende as
Leis, os direitos, as liberdades, e a Constituição de sua pátria,
defende acaso ó poder despótico? 2.ª Quais são pois os
Absolutistas, nós, ou os partidistas do Senhor D. Pedro? 3.ª Quais são pois os Rebeldes! 4.ª Deveríamos nós
renunciar a nossos direitos, a nossas prerrogativas nacionais, a nossas
liberdades, assim como à nossa dignidade, à nossa honra, à nossa
independência, e aos interesses da nossa Pátria, porque M. Canning o
queria, e porque os Gabinetes da Europa se não tem dado ao trabalho de
examinar nossas Leis, e de reflectir sobre nossa verdadeira Constituição,
antes de reconhecer, como legítima, uma usurpação? REFLEXÕES. Quanto são néscios
e estúpidos nossos bons Liberais! (falo dos Liberais Portugueses.)
Entretanto que eles falam a torto e a através de direitos do Povo e da
Nação, de liberdades públicas, de limites do poder, etc. etc.;
pretendem privar, e vão despojando a Nação Portuguesa de seus
direitos, de suas prerrogativas, únicos Foros, que podem dar uma
verdadeira eficácia à Constituição do Estado, .e dela serem os
garantes. Dizei-me, Senhores Liberais, ou antes Despóticos Liberais,
se, conforme vossa opinião (do dia de hoje), o Senhor D. Pedro, mesmo
sem haver sido proclamado Rei, nem reconhecido pela Nação, pode
alterar e mudar à Sua vontade a Constituição do Estado, fundada em
actos solenes e respeitáveis, em convenções tão antigas, como a
mesma Monarquia; com que direito pretendereis vós negar a mesma
faculdade a qualquer Sucessor do Senhor D. Pedro (concedendo por um
momento que Ele fosse Rei de Portugal), a Sua Filha, por exemplo? Outro
Rei de Portugal será menos Rei, que o Senhor D. Pedro? E se imaginasse,
ou lhe visse à cabeça, despedaçar vossa Carta, despedir vossas duas Câmaras
e dizer: Hei por bem decretar, outorgar, e mandar jurar à Nação
Portuguesa a Constituição de?... ( como o Senhor D. Pedro disse: Hei
por bem decretar, dar, e mandar jurar a Carta Brasiliense); que teríeis
vós a opor-lhe? Oh! Meu Deus! quanto tremo dessa Carta, dessas Câmaras
e desses quatro poderes, 8 que o Sr. Carlos Stuard vos
trouxe do Brasil !... POST SCRIPTUM. Visto que a impressão
desta brochura não tem continuado com tanta pressa, como eu a
escrevi, ajuntamos-lhe ainda um post-scriptum. Anteontem (22 de Fevereiro) soubemos que alguns Srs. Portugueses; que não pensam politicamente, como nós, enraiveceram um pouco contra esta linguagem realista-nacional, que não falou com castanhas quentes na boca, mas diz muito distinta e muito claramente a verdade e suas provas, encarregando-se, também de respostas a objecções em forma. O Governo de Lisboa, dizem eles, tem descoberto um exorcismo contra. este flagelo da verdade palradora, proibindo por todos os meios possíveis toda a introdução de verdades no Reino. Acrescentam ainda ainda mais: - «Que se os Rebeldes Portugueses, que estão em Paris (isto é, eu e mais quatro compreendido um velho doméstico) fizessem imprimir aqui mesmo alguma coisa que lhes não agradasse mais (a estes Senhores não-Rebeldes) do que lhes há de agradar este meu post-scriptum, fariam todo o esforço pára não deixar correr estes borrões importunos.» Quanto a mim,
estou bem certo, que seria obrigado a responder perante as Autoridades
de S. M. Cristianíssima, pelo abuso de minha pena, se por desgraça com
ela ofendesse as Leis da França; mas, quanto a estes meus Senhores, que
se molestam e afligem por ouvir a defesa dos direitos da minha Pátria,
do meu Príncipe, e de meus Concidadãos, não me julgo obrigado a
dar-lhes satisfações: contudo podem estar certos, que, se ousarem
apresentar-se em combate, terei a generosidade de responder também
perante eles pela minha lógica e força de minhas razões, assim como
pela justiça da minha causa. Se a nossa causa
(dos Realistas Portugueses), é má, pois que razão se receiam eles (os
Liberais) de nos ouvir? Se nós não podemos dizer coisa alguma, que
seja boa; ou conveniente e se nossos adversários, estão tão seguros
de suas armas, e de sua justiça, como parecem, quando todos os dias a
torto e a direito chamam legitimo a tudo quanto, diz respeito à Carta
Brasileira, seu ídolo 9 : Rei legítimo, ao Imperador
do Brasil; direitos legítimos, aos que eles lhe dão; governo legítimo
aquele que Ele determinou; instituições legitimas à Carta Brasileira;
usurpação legítima, a que ele comete sobre os direitos de Seu Irmão,
etc., etc.; sem que nos apresentem a Lei , que faça ou autorize tantas
legitimidades, por que razão nos hão de fechar, a boca, em Portugal e
hão de querer, que a fechem também em França? Se estes meus Senhores
têm razão muito bem! de que se receiam? devem desejar adversários e
contraditores; seu triunfo
seria tanto mais brilhante a quanto maior fosse a nossa confusão ...
Quanto a mim, estimaria muito ouvi-los produzir suas razões, ainda que
elas combatessem as minhas: que prazer não teria eu, por exemplo, em
ouvir uma demonstração que me disseram ter sido feita um destes por um
certo de nossos antagonistas, na qual provou, tão claro como o Creio que estes meus
Senhores com toda à sua geringonça de liberdade de pensar, de
liberdade de publicar suas ideias, de direitos da razão, de desprezo da
autoridade, etc. etc. pendem algum tanto do lado da convincente lógica
de Maomet: - ou crê, ou morre! - Paris,
25 de Fevereiro de 1828. NOTA. No mesmo dia (21 de
Fevereiro) em que levei à Impressão o manuscrito da desta brochura,
soube que acabava de imprimir-se novo
Opúsculo do Autor, de quem já falei na nota a pág. 11. É uma
brochura de 40 páginas, intitulada D. MIGUEL e seus direitos, Paris,
1828, Delaforest. Eu a li com zelo. Em sua curta extensão (mais uma
prova da simplicidade de um objecto comum ao Autor e a mim) ela é a
mesma solidez em suas provas, a razão mesmo em seus argumentos. Esta
pequena obra só é já uma demonstração superabundante de nosso
propósito; mas pode também ser considerada como um complemento de meu
pequeno trabalho; porque nela se aprofunda até ás raízes dos
princípios, que eu não fiz mais, que indicar. Se alguém se admira de
nos encontrarmos quase em tudo, e gritar ao plagiato, eu somente lhe
pediria (ainda que me não julgasse desonrado de tomar as armas de um
tão bom Soldado da razão, que não tenho o gosto de conhecer) que
reflectisse, que nas controvérsias é ordinariamente só o privilégio
da. boa fé o de haver encontro no ponto da verdade, pois que ela a
procura às simplicitate cordis por isso mesmo que na boa fé, e não na
prevenção é que se encontra e descobre a verdade, FIM
Notas: 1. Na Gazeta official de Lisboa pouco depois da
chegada da Carta Brasileira, se publicou uma refutação das razões,
que os defensores da verdadeira Constituição da Nação Portuguesa
alegavam contra os pretendidos direitos do Senhor D. Pedro. A mais forte
razão dada nesta apologia oficial da Gazeta, era «Que D. Pedro
não podia ter perdido os direitos à Coroa de Portugal por ser
Imperador do Brasil, do mesmo modo que Afonso V os não havia perdido
por fazer a Guerra em África, e tomar o título de Africano
por memória de suas vitorias ali alcançadas.» Todo o mundo, conhecendo
bem a estupidez de uma tal comparação, nos dispensará de responder a
este argumento. Aquele que se aproveita de tais defesas, não tinha o
escudo de Aquiles para cobrir os direitos do Senhor D. Pedro. 2. A palavra Rei aqui significa todos os Reis de
Portugal, ou antes sua realeza sucessiva, que não morre, e é sem pre a
mesma; que se obriga ao pacto fundamental, e recebe ou aceita as obrigações
do povo, segundo o .mesmo pacto; que sempre existe para cumprir seus
deveres estipulados no mesmo pacto, e exigir do povo eficazmente o
cumprimento rios seus, Para, de concerto com a outra parte contratante (o povo) , em caso de necessidade, ou de utilidade, fazer legalmente,
e por burra consentimento recíproco, algumas correcções , declarações
, ou mudanças em o contracto. Esta realeza pode mesmo, em certas
circunstancias, não ser representada pelo Rei , corno depois da morte
do Senhor D. João VI, que foi representada pela Regência. Pelo
contrario, aqui entendemos por nossos Soberanos individualmente aqueles,
que por Leis e Decretos leão todavia ajuntado sua sanção ás disposições
consignadas em o pacto. 3. Ainda que o texto latino não fale aqui senão de
Bispos (Episcopos), esta expressão deve entender-se pelos
representantes de todo o Clero; pois que no princípio do acto das
Cortes, na enumeração dos assistentes, são designados não somente os
Bispos, mas o resto do Clero: «Et multitudo ibi erat ... de clericis».
(regressar ao texto) 4. Procuratores em latim (ainda. hoje se diz em
Português Procuradores das Cortes e Vilas.) São também designados no
princípio do acto, primeiramente em geral «Viros ... procurantes
bonam partem per suas civitates; e depois especificados.» Per Coimbram,
per Vimaranes, per Lamecum ... &c. 5. Esta questão tem sido vitoriosamente discutida por
outra pena, que pela sua erudição profunda, por siga lógica nervosa,
e pelo seu estilo correcto e enérgico bem se vê não ser como a pena,
que escreve esta brochura , pena de um mancebo que fala um pouco a língua
Francesa, e que, apressado por circunstancias, publica este Opúsculo de
três dias (de carnaval): falo do Livro Exame da Constituição de D.
Pedro, e dos direitos de D. MIGUEL, dedicado aos fiéis Portugueses,
Paris, Delaforest, 1827. A Legitimidade Portuguesa deve ainda ao Autor
da dita Obra uma brochura
não menos importante A Inglaterra e D. MIGUE, Paris, mesmo
Livreiro e ano. 7. Sabemos
quem conserva uma Carta do Senhor D. João VI, escrita de seu próprio. punho quando acabava de reconhecer a
independência do Brasil, na qual declara com quanto pesar e repugnância,
havia reconhecido esta independência, impelido pelas importunações
Inglesas. Quando o Senhor D. João VI escrevia esta Carta, o Sr. Carlos
Stuard partia de Lisboa para a América, levando o fruto de sua quase
extorsão.
9. Ídolo,
ao qual sacrificam a honra, a dignidade, a independência, a glória
nacional, e os interesses de sua Pátria.
Fonte: António Ribeiro Saraiva, Eu
não sou um Rebelde; ou a questão de Portugal em toda a sua
simplicidade, Offerecida aos Políticos Imparciais, e aos homens de boa
fé, Lisboa, Na Nova Impressão Silviana, 1828. |
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