A GUERRA EM ANGOLA.

 

3. Situação político-militar depois do combate de Naulila

 

Marinheiros no Lubango
Marinheiros portugueses acampados no
Lubango com os seus serviços telegráficos

 

A neutralidade

O combate de Naulila não modificara a nossa situação política para com a Alemanha, porque não chegara ainda o momento de ser solicitado o nosso esforço a favor dos aliados.

Éramos, de facto, neutros no continente e tínhamos sido por alguns dias beligerantes em Angola 1.

O Governo português continuava a reforçar o corpo expedicionário ao Sul da província, satisfazendo as requisições do seu comandante e as do governador geral, mas não alterara a recomendação que fizera ao comandante Roçadas em telegrama de 25 de Novembro, no qual lembrava «ser necessário que todos, oficiais e praças, soubessem que não estávamos em guerra com a Alemanha e que deviam ser tomadas as medidas para que as nossas patrulhas não entrassem sequer na zona neutra» 2.

Já em 12 de Dezembro, quando se trocaram os primeiros tiros na margem esquerda do Cunene, junto ao vau do Calueque, entre uma patrulha do 1.º esquadrão de dragões e uma outra pertencente à coluna do capitão Water do destacamento alemão do major Franck, Roçadas protestou energicamente em telegrama para o Governo central, fazendo ver que, para de uma e outra parte ser mantida uma leal neutralidade, era preciso que os alemães não ultrapassassem pelo menos Dombondola e os portugueses Oncuáncua. Dá-se passados dias o combate de Naulila e, apesar disso, as relações diplomáticas entre Lisboa e Berlim não são interrompidas e os representantes dos dois países continuam nos seus postos.

Em 23, depois do insucesso de Naulila, Roçadas apresenta o pedido de exoneração de comandante das forças expedicionárias.

Em 25, envia ao Ministério das Colónias um relatório-projecto sobre a futura acção das forças que se estavam concentrando no planalto, chamando a atenção do ministério para o facto de os efectivos totais se elevarem acima de uns 10.000 a 12.000 homens, efectivos estes que, em face dos regulamentos e das vantagens para o serviço, exigiam para o seu comando um chefe idóneo pela sua patente.

Em 27, em telegrama transmitido ao governador geral, o Ministro das Colónias assegura ao Comandante Roçadas a inteira confiança do Governo em termos altamente honrosos, ao mesmo tempo que dizia ser firme resolução do mesmo Governo fazer todos os esforços para enviar pronta e completamente tudo quanto fosse necessário para repelir o inimigo e manter a integridade do território português.

Em 5 de Fevereiro de 1915, porém, sendo já outro o Governo central, o Ministro das Colónias comunica ao comandante Roçadas que «o Governo, tendo em atenção as suas qualidades militares e serviços, concordava ser necessário que a patente do comandante correspondesse ao efectivo das forças expedicionárias e resolvera nomear comandante das mesmas o general Pereira de Eça 3

Em 9 de Maio, Roçadas, com os oficiais do seu quartel-general que o quiseram acompanhar, embarcava em Moçamedes com destino à metrópole.

Operações projectadas para 1915 pelo tenente-coronel Roçadas

O relatório-projecto das operações a realizar em 1915, elaborado pelo comandante Roçadas e por este ainda enviado ao Ministro das Colónias em 25 de Janeiro, considerava as duas situações em que as nossas tropas poderiam encontrar-se: defensiva ou ofensiva.

Exercícios

Exercícios do batalhão voluntário de Benguela

Do exame da carta do Sul de Angola concluía Roçadas que há duas posições que, pela densidade da população e outros motivos, atraem a atenção dos europeus: - o planalto da Huíla e o planalto do Huambo.

As linhas naturais de penetração para atingir aquelas regiões são o Cunene e o Cubango, e, no teatro de operações em que estas venham a desenvolver-se, podemos considerar três zonas de operações: a de Benguela, a da Huíla e a do litoral.

A cada uma destas zonas de operações correspondia uma zona de concentração para as forças que lhes fossem destinadas: Cubango (posto) – Cassinga, para a de Benguela; Gambos – Pocolo, para a da Huíla; Porto Alexandre – Moçamedes, para a do litoral.

A escolha destas zonas de concentração obedecia a considerações militares dependentes da situação no momento. Assim, na hipótese de os alemães serem repelidos pelos ingleses para o Norte, em direcção a Angola, a sua linha de retirada podia ser por Outjô, em direcção ao Cuambi, Qualude e Hinga, ou por Otawi, em direcção aos territórios compreendidos entre os rios Cunene e Cubango. Nestas condições, a zona escolhida para concentração das nossas forças tinha de ser, tanto quanto possível, central em relação aos dois teatros de operações. Estava indicada, por todos os motivos e para tal efeito, a zona Gambos-Pocolo.

Escolhida ela, ordenou Roçadas uma série de medidas e estudos relativos a 4:

Escolha de locais de estacionamento, preparação de caminhos, montagem de linhas telegráficas, estudo e preparação de posições militares, concentração de um stock de víveres e forragens (30 toneladas de víveres e 212 de forragens), em cada um dos centros Gambos, Capelongo, Pocolo, organização e montagem de linhas de etapas diferentes.

A distribuição das tropas pelas três zonas de operações consideradas deveria ser a seguinte

Zona de Benguela – 0 destacamento do mesmo nome, composto de 1 bat. inf., 1 batr. de metr., 1 batr. art., 1 esq. cav. e o destacamento misto que já estava em Cassinga – num efectivo total de 1.000 espingardas, 150 sabres, 4 peças, 4 metralhadoras e 200 homens de tropas coloniais.

Zona da Huíla – Um destacamento constituído por 1 bat. de marinha, 4 bat. inf., 1 comp. europeia, 4 esq. cav., 5 batr. metr., 6 batr. art., ou sejam 4.500 baionetas, 500 sabres, 20 metralhadoras e 23 peças.

Zona do litoral – Não chegou a determinar-se a organização do destacamento destinado a esta zona e cujo efectivo seria duplo ou, pelo menos, igual ao de Benguela.

As concentrações nas zonas de Benguela e Huíla tiveram começo de execução, mas não chegaram a completar-se durante o período de tempo em que Roçadas conservou o comando das forças expedicionárias, por a isso se terem oposto vários motivos, especialmente a insuficiência dos serviços de transportes e de etapas. No caso, porém, de às concentrações se terem completado durante o seu comando, as operações a executar no ano de 1915 variavam conforme as situações em que nos mantivéssemos: de defensiva ou de ofensiva.

Na defensiva, que era a hipótese que cabia dentro das instruções recebidas do Governo central, as, operações consistiam em marchar, oportunamente, para o Humbe com o destacamento dos Gambos, reforçado, podendo ser, com 1 ou 2 baterias de metralhadoras que estavam ainda em Moçamedes.

As operações imediatas seriam infligir um severo castigo aos povos que se tinham revoltado e estabelecer guarnições no Humbe e além Cunene.

As operações subsequentes, cujo início dependeria do conhecimento da verdadeira situação do Sudoeste alemão invadido pelos ingleses e da reconstituição da coluna com unidades frescas das chegadas da metrópole, consistiriam na ocupação do Cuanhama

Para as operações imediatas que contava levar a efeito com 1.908 espingardas, 271 cavalos, 8 peças de montanha e 8 metralhadoras, eram-lhe necessários 130 carros boers, por isso que os camiões ainda não estavam adquiridos.

E como não chovera e não havia pastos nem água para os 2600 bois, já a caírem de fraqueza, Roçadas ficou imobilizado por falta de transportes necessários aos abastecimentos não teve a sorte de ir, pelo menos, restabelecer a normalidade no Cunene.

Encarando a hipótese da ofensiva, era sua opinião de que, com os 5.000 homens de que poderíamos dispor, era impossível executar um vigoroso movimento ofensivo sabre a Damaralandia, até Outjô ou Grooffonteiti-Otawi, podendo nós, quando muito, lançar uma ponte sobre a fronteira alemã, partindo de Cafima e da Hinga.

Mais viável lhe parecia, porém, dada a circunstância de se prolongar a luta entre ingleses e alemães, irmos com o grosso das nossas forças atacar o Cuanhama, em seguida a Donga, ocupar estas regiões e depois tentarmos apoderar-nos do posto militar de Namutoni, junto ao pântano Etocha. .

Era esta a operação ofensiva mais interessante e mais em harmonia com os nossos efectivos, exigindo todavia, como afirmava Roçadas, um trabalho sério de organização de comunicações e de abastecimentos.

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de 1915: o novo comando»


Notas:

1. V. Notas e Documentos.

2. Relatório do tenente-coronel Alves Roçadas, pág. 213.

3. Foi nomeado por decreto de 27 de Fevereiro de 1915. (O. E. n.º 5, 2.ª série).

4. A execução destas medidas e estudos estava em andamento à data do embarque de Roçadas para a metrópole, em 9 de Maio.

Fonte:  

Coronel António Maria Freitas Soares, «A campanha de Angola»
in General Ferreira Martins (dir.), Portugal na Grande Guerra, Vol. 2, Lisboa, Ática, 1934,
págs. 215-218

A ver também:

Portugal na Grande Guerra

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