A GUERRA EM MOÇAMBIQUE.
5. Última fase da campanha
Bateria de metralhadoras a
caminho do Rovuma
Os alemães invadem a Rodésia 0s planos do comandante Von Lettow foram sempre derivados
das circunstâncias, mas confiando na sorte da guerra. E assim, ele diz
que se demorou em Nhamacurra para poder fazer uma demonstração na direcção
de Moçambique, onde havia grandes depósitos dos Aliados. Em Agosto, o
plano geral de Von Lettow era marchar para Oeste, em direcção a Blantyre
no Niassaland, mas os obstáculos de rios e pântanos ao Sul do Lago
Niassa fizeram-no preferir retirar para a antiga colónia alemã e
perturbar os ingleses, que suporiam que ele se dirigia sobre Tabora 1.
No mês de Agosto
3 continuam os alemães os seus
movimentos com várias surpresas e recontros, onde colhem alguns
reabastecimentos; e no mês de Setembro, seguindo francamente a direcção
Norte, atravessam o Rovuma, na confluência do Luchulingo, em 28, contando
ainda efectivos de 1 76 europeus, 1.487 soldados indígenas, com uma
pequena peça, 40 metralhadoras e 3.000 carregadores indígenas. Agora o cerco planeado pelos ingleses tem de se transferir
para o Norte do Rovuma. Pelo Lago Niassa os ingleses transportam as tropas de
Oeste, sob o comando do general Hawthorn, enquanto que por Leste as forças
do general Edwards desembarcam em Dar-es-Salam e seguem pelo
caminho-de-ferro para Tabora. A 4 de Outubro estabeleceu-se o contacto. A
18, os alemães abandonam por doente, com uma ambulância de feridos e
doentes, o velho general Wahle. As etapas alemãs eram de 3o a 35 quilómetros
e assim entraram na Rodésia atacando File em 2 de Novembro, pilhando os
depósitos ingleses e apossando-se de 4 00 bois. O armistício
Em 11 de Novembro de 1918 as forças de polícia da Rodésia
eram apressadamente mobilizadas e os belgas organizavam, por seu lado, uma
coluna de perseguição contra os alemães, mas estes, infatigáveis,
marchavam pela linha de comunicações inglesa, numa situação bizarra e
imprevista 5, servindo-se da própria linha telegráfica britânica. Em 12, quando o comandante von Lettow marchava em
bicicleta, foi-lhe transmitida a primeira notícia do armistício por um
motociclista vindo das forças inglesas com bandeira branca. A confirmação
foi-lhe entregue depois, à meia-noite, dizendo o telegrama do ministro da
guerra inglês que a cláusula 17.º do armistício, pedido pelo Governo
alemão, previa a rendição, sem condições, de todas as forças alemãs
que operavam na África Oriental.
Em 13, caso curioso, ao comunicar com as tropas Inglesas
que o perseguiam, ainda o comandante alemão lhes teve de ceder algumas
cabeças de gado apreendidas, com o fim de os ingleses se poderem
alimentar 7. Em 14 de Novembro, os alemães ficaram subordinados ao
comissário civil inglês em Kasama, H. C. Croad, e a cerimónia da rendição
das forças alemãs realizou-se em Abercorn, ao sul do Lago Tanganica, em
25 de Novembro, perante o general Edwards, lendo a declaração o
comandante von Lettow.
As forças alemãs compreendiam
O comandante, o governador da colónia e uni oficial
superior;
20 oficiais, 5 médicos civis e 1 militar, 1 veterinário,
1 farmacêutico e 1 oficial de telegrafia de campanha;
A pequena força alemã que, diz o seu comandante
8,
nunca contara maior efectivo que 300 europeus e 11.000 soldados indígenas,
dera que fazer a uma força inimiga que mobilizara 137 generais e cerca de
300.000 homens, segundo os oficiais ingleses lhe disseram. Poderá nestes
números haver exagero, mas dão uma ideia relativa das forças em presença.
As 30 companhias indígenas e as 6 baterias indígenas de
metralhadoras mobilizaram 303 oficiais, 682 graduados europeus e 10.278
soldados indígenas, havendo mais a contar duas baterias de montanha e uma
companhia montada da Guarda Republicana de Lourenço Marques. As forças
de marinha mobilizaram um batalhão de duas companhias. Mobilizaram-se
também 8.000 auxiliares indígenas das capitanias mores de Moçambique 9.
Assim as nossas forças mobilizadas atingiram nesta colónia
um total de 39.201 homens.
Os carregadores portugueses fornecidos ás tropas inglesas
elevaram-se a 30.000 10 e os empregados pelas nossas tropas atingiram
60.000; as perdas totais na nossa população indígena de Moçambique
deviam ter-se aproximado de 100.000 almas 11.
Foram os nossos batalhões de infantaria 21 e 31, das
guarnições de Penamacor, Covilhã e Porto, as unidades que maior
desfalque sofreram por doenças. Da expedição que ocupou Quionga e à
qual pertencia infantaria 21, regressaram em 1916, somente 300 praças das
1.500 que tinham embarcado, no mesmo vapor Moçambique, um ano antes 12.
As nossas baixas são representadas pelos seguintes números
13
O Armistício encontrou as nossas tropas fatigadas e inertes, mas com dez milhões de, cartuchos nos depósitos, mostrando bem que se pode comprar material, mas não se compram nem se improvisam a robustez e instrução militar, que exigem principalmente metódica preparação.
A
campanha dos portugueses em Moçambique fora entretanto uma parcela apreciável
no esforço dos Aliados para a conquista da África Oriental Alemã, embora
circunstâncias desfavoráveis tivessem diminuído o brilho das primeiras operações
levada a efeito em território alemão por tropas improvisadas, e tivessem
prejudicado a eficiência das tropas indígenas, precipitadamente recrutadas e
instruídas, com graduados, em grande número, sem experiência colonial.
Do
outro lado há muito que aprender, aplicável em campanhas coloniais, porque o
valor militar dos adversários foi comprovado por uma tenacidade, a que só se
pode encontrar termo de comparação na clássica retirada dos dez mil gregos
através do império persa, quatro séculos antes de Cristo. Foi essa defesa da
colónia alemã um manancial de ensinamentos na arte da guerra, mostrando quanto
se poderá conseguir de boas tropas indígenas. Todavia, como síntese devemos
notar que, quando após a guerra, o comandante alemão Von Lettow publicou as
suas memórias, nelas se limitava a salientar que o notável esforço das suas
tropas fora devido aos sentimentos de mútua e firme cooperação, sem os quais
a vitória não é possível.
O
Armistício encontrou as tropas alemãs numa situação curiosa, apossando-se
dos abastecimentos duma linha de comunicações inglesa e assim colhendo o fruto
da grande capacidade militar do seu comandante e da perfeita preparação dos
graduados que enquadravam os seus soldados indígenas, sendo hoje opinião
formada que essas tropas marchavam sobre Angola, confirmando a afirmação de
António Enes, na «Guerra de África de 1895», que em África ou se fazem
milagres ou não se faz nada.
Portugal queria conservar as suas colónias, e para esse fim nós portugueses participámos na guerra e improvisámos precipitadamente tudo que estava ao nosso alcance. Mas em Moçambique debatíamo-nos, sobretudo, num clima difícil e na falta de preparação militar para uma campanha tão tenaz. Para as nossas forças, as operações decorridas em três anos de guerra e os sacrifícios impostos pelo clima, deverão contudo merecer o respeito das gerações nacionais vindouras. Bastantes figuras da nossa campanha de Moçambique serão dignas de estudos biográficos e bastantes episódios serão dignos de monografias, cone o fim de mais concretamente se apontarem as faltas a remediar no futuro.
Notas: 1. General von Lettow, Memórias, Tradução. págs. 326, 338 e 348. 2. José Torres, «A Campanha da África Oriental, 1919», Revista Militar, 1924, pág. 631. 3. Foi a 4 de Agosto que se suicidou o tenente Humberto de Ataíde, comandante dum posto em Moçambique. Oficial de brio, ferido cinco vezes em Angola, sentia-se humilhado por ter de lançar fogo ao posto e retirar. Oficiais com este carácter havia muitos entre nós, mas a falta de organização impedia que brilhassem levantando o prestígio das nossas forças. 4. Owen Letcher, Cohort of The Tropics, 2.ª edição, 1931. 5. José Torres, A Campanha da África Oriental, 1919, pág. 80. 6. Commandant J. Buhrer, L'Afrique Orientale, 1914-1918, pág. 333. 7. General von Lettow, Memórias, pág. 374 da tradução. 8. Idem, pág. 381. 9. Livro de Ouro da Infantaria, pág. 100. Artigo de Álvaro de Castro. 10. É digna de menção a nota do Governo português ao ministro da Inglaterra em Lisboa, em 3 de Dezembro de 191 7, relativa aos queixumes do Governo de S. M. B. contra as dificuldades encontradas pelo Comando britânico na Africa Oriental para o recrutamento de carregadores na nossa colónia de Moçambique. Assina este notável documento o Sr. Ernesto de Vilhena, ao tempo Ministro das Colónias. 11. Dr. Egas Moniz, Um ano de política, 1919. (Apontamentos da Delegação à conferência da paz). 12. Revista Militar, 1920, pág. 304. 13. Recentemente colhidos no Ministério das Colónias.
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Fonte:
Coronel Eduardo Azambuja Martins, «A campanha
de Moçambique»,
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