A Recepção da Obra | |||||||
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Hoje em dia, é, possivelmente, difícil apreciar condignamente a obra de Júlio Dantas. A influência do Manifesto Anti-Dantas de Almada Negreiros está ainda demasiado presente para permitir que não se pense em ceroulas encarnadas e outras coisas cada vez que se ouve o nome de Dantas. Mas como escreveu David Mourão Ferreira, no Dicionário de Literatura dirigido por Jacinto do Prado Coelho, "da obra de Júlio Dantas, que constituiu, por vezes injustamente, um símbolo de todos os defeitos 'académicos' e o alvo predilecto de certos ataques demasiado superficiais, haverá que distinguir, no futuro, o que foi irremediavelmente efémero (produto de uma concepção da literatura como 'sorriso da sociedade') daquilo que, apesar de tudo, merece permanecer, pelo que representou de probidade documental na reconstituição de épocas passadas." Ou como diz o autor da entrada sobre Júlio Dantas do Dicionário Cronológico de Autores Portugueses coordenado por Eugénio Lisboa, se Júlio Dantas "constituiu, com alguma razão e com alguma injustiça, o alvo preferido dos argonautas do primeiro modernismo," o facto é que "numa época [1985] em que, entre nós, tão mal se escreve, uma passagem, de vez em quando, pelas páginas de Pátria Portuguesa (contos), de Os Galos de Apolo (crónicas, 1921) ou de Tribuna (discursos, 1960) constituiria terapêutica aconselhável." A mais completa análise da obra de Júlio Dantas foi feita por Vitorino Nemésio, no seu discurso de recepção na Academia das Ciências, de Lisboa, ao ocupar o lugar de sócio efectivo em que sucedeu a Dantas, fazendo-lhe como é tradição académica o Elogio histórico... , afirmando, especificamente sobre o Amor em Portugal no Século XVIII, o seguinte:
"A erudição de Júlio
Dantas foi certamente amplíssima, nas artes como na história. É raro
encontrar homem de letras com tantos talentos, tamanho tacto, tão larga
informação. Pode mesmo dizer-se que lhe devemos do mais e do melhor que se
sabe em Portugal da petite histoire dos séculos XVIII e XIX: indumentária, diversões, artes decorativas, todas as
espécies dos costumes e do estilo de vida de uma época. Mas esse saber, que
era finíssimo, é raro trazer consigo as provas apodícticas e não se
organiza metodicamente em estudos. Meticuloso e seguro nos dados e pormenores,
que em técnica de artefactos revelam uma perícia prodigiosa, o seu
aproveitamento não é rigorosamente histórico, senão evocativo, artístico.
Um livro como O Amor em Portugal no Século XVIII é certamente
precioso para o conhecimento da época. Os tipos sociais, as danças, o trajo,
os jogos, toda a vida mundana se desdobra ao leitor com impressividade fantástica.
Mas estamos diante de um fresco e não de um ensaio objectivo. São fortes
manchas guiadas pelo critério estético do pitoresco, quadros traçados com
vista aos efeitos de contraste entre o grotesco e o solene.
Sente-se na mão destríssima
que os tinge uma complacência e uma impiedade. O faceira, o bandarra, o freirático,
o casquilho são títeres que amolgam as suas testas de pau umas nas outras,
subtilmente movidos pelos cordelinhos de um mago. 'E historicamente impossível
que uma sociedade, embora profundamente decadente como a dos reinados de D.
Afonso VI a D. Maria I, se oferecesse tão maciçamente caricata como nas
cintilantes pochades que são As Cheganças, Visitas de Parida,
Maridos Cucos, as Ruas Sujas, e tantas outras páginas de
virtuosidade verbal e de maliciosa intenção. É que o passado, para Júlio Dantas, era sobretudo matéria de intensidade e de ludo, de metamorfose plástica, não de exacção ou de representação coerente. E o que ele chama os seus «estudos» sobre o século XVIII tem de ser visto como no atelier de um pintor vigoroso e implacável: Hoggard ou Gavarni, Goya e, às vezes, Sequeira."
© Manuel Amaral 2009 -2010 |
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Bibliografia: Vitorino Nemésio, Elogio Histórico de Júlio Dantas, Lisboa, Academia da Ciências de Lisboa, 1966 David Mourão Ferreira, "Dantas, Júlio" in Jacinto do Prado Coelho (dir.), Dicionário de Literatura, 3.ª ed., Porto, Figueirinhas, 1984 Eugénio Lisboa, Dicionário Cronológico de Autores Portugueses, vol. III, 2.ª ed., Mem Martins, Europa-América, 1994 (1.ª ed., 1985) |