Braga
(Joaquim Teófilo Fernandes).
n. 24 de fevereiro
de 1843.
f. [ 28 de janeiro de 1924
].
Doutor
em Direito pela Universidade de Coimbra; lente de Literatura no
Curso Superior de Letras; sócio efectivo da Academia Real das Ciências,
de Lisboa; da Academia Real de História, de Madrid, e de numerosas
corporações literárias e científicas de Portugal e do
estrangeiro, onde o seu nome é bastante conhecido, como escritor
infatigável, a quem as letras portuguesas devem os mais relevantes
serviços.
Nasceu
em Ponta Delgada a 24 de fevereiro de 1843; é filho de Joaquim
Manuel Fernandes Braga, natural da cidade de Braga, e de D. Maria
José da Câmara Albuquerque, natural da ilha de Santa Maria.
Depois
deter feito os primeiros estudos no liceu de Ponta Delgada, veio
para o continente do Reino em 1861, seguindo para Coimbra, em cuja universidade
fez com distinção o curso de Direito, que completou em 1867,
recebendo o grau de doutor em 26 de julho de 1868. É cheio de
verdade o seguinte trecho em que o sr. Ramalho Ortigão descreve o
notável escritor:
"Simples,
sóbrio, duro, com hábitos de uma austeridade de espartano, sabendo
reduzir as suas necessidades a toda a restrição a que lhe reduzam
os seus meios, vivendo no seu isolamento como Robinson na sua ilha,
Teófilo Braga tem uma única paixão, a paixão prosélita da ciência.
Não publica um volume por semana pela razão única de que não há
prelos em Portugal que acompanhem a velocidade vertiginosa da sua
pena. Escreve de graça, desinteressadamente, em satisfação do seu
prazer supremo, o prazer de espalhar ideias. Esta enorme força é
ao mesmo tempo a sua única fraqueza; nunca se lhe conheceu outra.
Tem no estado mais acerbo a paixão da sua ideia... no século XIX
com a sua actividade sistematizada e com a sua impaciência dirigida
pela filosofia profundamente pacificadora de Augusto Comte, Teófilo
Braga é o tipo mais perfeito do obreiro benemérito e do cidadão
útil. No meio da sociedade portuguesa... consola-nos o poder
contemplar, em uma figura como a de Teófilo Braga a curiosidade
rara que se chama – um homem."
Os
vários biógrafos do sr. dr. Teófilo Braga vêm nas obras de tão
fecundo escritor duas manifestações do seu espírito, como artista
e como sábio. Efectivamente, com essa dupla individualidade, se impõe
à, admiração dos seus contemporâneos, embora para o grande público,
que o respeita e aprecia, o segundo aspecto tenha ofuscado o
primeiro. Teixeira Bastos, numa das biografias que escreveu, afirma
que o "artista não é inferior ao sábio, antes lhe leva certa
vantagem em razão da espontaneidade do talento, fecundada a aperfeiçoada
pelo saber enciclopédico e rigorosamente disciplinado."
Foi,
como artista, que Teófilo Braga primeiramente se revelou,
publicando aos quinze anos em Ponta Delgada um volume de versos,
intitulado Folhas Verdes. Em Coimbra foi ainda como artista
que, lançando-se impetuoso na grande ebulição literária que
agitava então a academia, se destacou então com a publicação, em
1864, da Visão dos Tempos. Nesse poema mostrou logo a sua
poderosa superioridade, conquistando o público que o encheu de
aplausos. Em breve as Tempestades sonoras confirmaram a
reputação ganha com o poema anterior. Porém o triunfo
converteu-se em suplício para o artista. Mal tinham desaparecido,
diante do grande êxito do poeta, as dificuldades dos primeiros anos
de Coimbra, vencidas à custa de uma tenacidade inquebrantável,
quando renasceram com maior vigor a adquiriram mais forte
intensidade no meio das lutas literárias da célebre Questão
coimbrã. Foi então que, o artista, guerreado de todos os
lados, cedeu o lugar ao homem de ciência. No preliminar da segunda
edição dos Contos Fantásticos conta o sr. dr. Teófilo
Braga como se deu essa transição: «
"De
repente achei-me cercado de ódios; cortaram-me os viveres na
empresa do jornal, nas aulas de Direito tiraram-me a mesquinha
distinção académica, os críticos espalmaram-me rudemente, os
livreiros recusaram-se a dar publicidade ao que escrevia, e os
patriarcas das letras com o peso da sua autoridade sorriam com equívocos
sobre o meu valor intelectual, chegando a circularem lendas
depressivas do meu carácter e costumes, que só consegui
desfazer com uma vida às claras e cheia de ignorados sacrifícios.
Outro qualquer se teria rendido. Vi-me forçado a inverter as bases
da minha existência, abandonando a Arte que me seduzia, porque me
abandonara a serenidade contemplativa, e lancei-me à crítica, à
erudição, à ciência, à filosofia."
Foi
já neste período de combate que apareceram os poemas que continuam
a epopeia da humanidade inaugurada com a Visão dos Tempos. São
eles, em 1866, a Ondina do Lago e em 1863 as Torrentes.
As Miragens seculares, ainda que só publicadas em 1884,
ligam-se a esta primeira fase da evolução do escritor. Nestes
poemas o autor tem em vista apresentar a história da humanidade,
resumida nas tendências mais profundas do sentimento humano através
das idades. As antigas civilizações são evocadas pela vara mágica
do poeta, com verdadeira originalidade e inspiração. Para uns biógrafos
o culto da poesia devia naturalmente conduzir o espírito
investigador do artista ao estudo das origens tradicionais, começando-se
uma nova fase da vida do escritor. Segundo outros biógrafos, e como
o próprio escritor diz na sua autobiografia, lança-se noutro rumo;
em 1867 elabora a Historia do Direito Português, colige e
estuda as tradições no Cancioneiro popular; em 1869
prossegue com o Romanceiro geral português com os Contos
populares do arquipélago açoriano, com a Floresta de vários
romances, estudo sobre as transformações do romance popular, e
termina com os Contos tradicionais e o Povo português nos
seus costumes, crenças e tradições. Do Cancioneiro Português
da Vaticana fez como que a tradução em vulgar,
reconstituindo-lhe o texto antiquado e difícil de compreender. Este
exame das tradições permite ao autor o passar facilmente para os
estudos históricos, aplicando-lhes a crítica moderna. Agrupa-os
sob o título geral de Historia da Literatura Portuguesa, que
compreende uma série de livros em que se apreciam igualmente a
grande documentação, muitas vezes absolutamente nova, e a segurança
da crítica. Segue-se uma nova fase na actividade do operoso
escritor; refaz a sua doutrina filosófica escrevendo os Traços gerais
de filosofia positiva; inicia a publicação de uma Historia
Universal; elabora o seu Sistema de Sociologia; intervêm
na política fazendo conferências democráticas, criticando a situação
em artigos de jornais, nas Soluções positivas da politica
portugueza e na Dissolução do sistema monárquico-constitucional;
investiga as Origens poéticas do Cristianismo e as Lendas
Cristãs; aborda a critica da instrução pública portuguesa na
sua Historia da Universidade de Coimbra, e finalmente assenta
os fundamentos da nossa história nacional na Pátria Portuguesa.
Na Alma Portuguesa recolhe alguns versos dispersos que não
entraram na Visão dos Tempos, a grande epopeia, que em 1896
se publicou com toda a sua unidade dogmática numa edição completa
e definitiva.
Nos
últimos anos tem-se dedicado o sr. dr. Teófilo Braga ao aperfeiçoamento
da sua obra, revendo e publicando novas edições dos livros que
constituem a Historia da Literatura Portuguesa. Começou,
refundindo-os, pelos que julgou mais precisados de correcções, graças
aos novos materiais pacientemente adquiridos. Pertencem a essa
remodelação os volumes Sá de Miranda, Bernardim Ribeiro,
Bocage, etc. Na colecção Alma Portuguesa ainda
ultimamente enfileirou o doutíssimo escritor o seu volume de epo-historia
intitulado Viriato.