Príncipe
dos poetas portugueses.
Nasceu
em Lisboa em 1524, faleceu nesta mesma cidade a 10 de junho de 1580.
Era filho único de Simão Vaz de Camões, e de sua mulher D. Ana de
Sá e Macedo, filha de Jorge de Macedo e aparentada com a casa de
Vimioso.
Em
1527, declarando-se grande epidemia de peste, D. João III e a Corte
fugiram para Coimbra, e Simão Vaz de Camões acompanhou o rei, com
sua mulher e seu filho, que apenas contava três anos. Quando D. João
voltou para Lisboa, conseguiu ficar em Coimbra em companhia de seu
irmão, D. Bento de Camões, cónego de Santa Cruz, e mais tarde,
atendendo ao estado precário da sua casa, partiu para a Índia em
busca de melhor fortuna. D. Ana ficou só com o filho, sendo muito
auxiliada pelo cunhado, que se tornou um desvelado protector de seu
sobrinho.
Aos
dez anos, em 1534, matriculou-se Luís de Camões num dos colégios
que tinha o convento de Santa Cruz, onde seguiu o curso de artes,
que constava do quatro anos, sendo por isso, mais tarde, chamado
bacharel latino por Falcão de Resende. Quando a Universidade voltou
novamente para Coimbra, em 1537, Luís Vaz, como o poeta era mais
conhecido entre os escolares, foi ali matricular-se em teologia. A
sua vida de estudante tornou-se irrequieta e desordeira. O tio D.
Bento de Camões andava muito desgostoso, porque desejava que o
sobrinho seguisse a vida eclesiástica, e via-o muito requestador de
damas, mostrando pouca vocação para a igreja. Chegando aos
dezassete anos, em 1541, conseguiu licença para deixar as aulas de
teologia, e seguir o curso de filosofia. Já então se revelava
poeta, e compôs uma elegia à paixão de Cristo, que ofereceu ao
tio, que muito lhe agradou a oferta, reconhecendo o seu grande estro
poético. Aos vinte anos, em 1544, encontrou-se pela primeira vez na
igreja de Santa Cruz de Coimbra, nas festas da Semana Santa, com D.
Catarina de Ataíde, dama da rainha D. Catarina, filha de D. António
de Lima, mordomo-mor do infante D. Duarte, e deste encontro nasceu a
ardente paixão, que lhe devia ser bem fatal. Nesse mesmo ano, num
sarau a que assistiu na segunda feira de Páscoa, em casa de D.
Diogo de Sampaio, e em que se combinara um torneio poético entre o
poeta da corte Pedro de Andrade Caminha e Luís Vaz de Camões, D.
Juan Ramon, sobrinho do lente da universidade Martim Azpileneta,
julgou-se ofendido por causa de uns versos de Camões, seguindo-se um
duelo em que o espanhol ficou ferido, sendo preso o poeta. Os
estudantes protestaram, o cónego D. Bento empregou toda a sua influência,
apresentando-se então em casa do referido lente com sua cunhada, D.
Ana de Sá, e só no fim de muitas discussões e instantes pedidos
é que se conseguiu o perdão de Camões, com a condição de ser
desterrado durante um ano para Lisboa.
Luís
Vaz partiu então para a capital, depois de se despedir de sua mãe
e de seu tio, que ficaram pesarosos com aquela separação. Sendo
apresentado na corte literária da infanta D. Maria, conviveu com os
poetas daquela época, ganhando a afeição de D. Manuel de
Portugal, ainda seu parente, João Lopes Leitão e Jorge da Silva,
também perseguidos por questões amorosas; outros poetas invejavam
o esplendor daquele génio privilegiado, rebaixando sempre os seus
versos, criticando-os traiçoeiramente; estes poetas eram Jerónimo
Corte Real e Pedro de Andrade Caminha, o mais implacável inimigo de
Camões. Os amores do poeta com D. Catarina de Ataíde
descobriram-se talvez por melindres de outras duas damas de igual
nome, uma filha de D. Álvaro de Sousa, e outra filha do segundo
almirante D. Francisco da Gama. Camões foi então vítima de muitas
intrigas, tanto em Lisboa, como em Sintra, onde se reunia a corte,
sendo os seus versos sempre escutados com verdadeiro interesse pelas
damas, que os preferiam aos dos outros poetas, o que mais
aumentava ainda a inveja de Pedro Caminha. A paixão que D. Catarina
de Ataíde lhe inspirara, e que não pudera totalmente dissimular, a
sua querida Natércia, como ele lhe chamava nos seus versos, em
anagrama do nome de Catarina, as torturas que sofria pelas intrigas
que lhe forjavam, para o desprestigiarem e afastá-lo da corte, tudo
o obrigou a desterrar-se, indo viver sem destino para o Alentejo.
Espalhada a notícia do cerco de Mazagão, Camões teve a ideia de
ir militar em África em 1547. Serviu dois anos em Ceuta, condição
então exigida para entrar no gozo duma comenda; aí começou a ver
os sintomas da decadência portuguesa, que lhe suscitaram o
pensamento de fixar para sempre o quadro da sua grandeza histórica.
Numa surpresa das tribos cabilas, de que pôde salvar-se pela sua
valentia, perdeu o olho direito, acidente a que ele chama o fruto
acerbo de Marte. Ao receber-se na corte esta notícia, houve
quem aproveitasse aquela honrosa cicatriz para motejos e sátiras,
chamando-lhe cara sem olhos e poeta dum olho só.
Com
o regresso de D. Afonso de Noronha em 1549, que estava despachado
vice-rei da Índia, saiu Camões de Ceuta, acompanhando-o para
Lisboa, e inscreveu-se então na Casa da Índia em 1550, para sair
como homem de guerra na armada que partia nesse ano. O tio D. Bento
já havia falecido, seu pai regressara a Portugal, e vivia em Lisboa
com sua mulher,
mas faleceu nesse ano de 1550, ficando unicamente D. Ana de Sá, que
estava gravemente doente. A pobre senhora dispunha somente dr uns
pequenos recursos que seu marido havia trazido da viagem. D. Manuel
de Portugal, sabendo desta dolorosa situação, foi ao paço com D.
Afonso de Noronha, impetrar a clemência real, para que Luís de Camões
ficasse em Lisboa, mas só puderam conseguir, que fosse perdoado com
a proibição formal de aparecer nos paços, quer de el-rei quer da
sua real família, sob pena de ser mandado em ferros para o Brasil,
ficando-lhe até fora dos paços proibido de se incorporar com os
fidalgos da corte em qualquer acto público. Camões não queria
aceitar semelhante perdão, mas D. Manuel pediu-lhe que o não
rejeitasse, em nome de sua mãe viúva e sem ânimo. Camões
resignou-se, e começou a trabalhar na sua imortal obra, os Lusíadas,
poema que lhe resgataria talvez as culpas de que o acusavam, e lhe
abriria novamente as portas do paço, porque sendo o príncipe D. João,
filho de D. João III, muito amante da poesia, contava com a sua
protecção, se pudesse conseguir ler-lhe o poema. Assim se passaram
dois anos com muitos sacrifícios. D. Ana de Sá restabeleceu-se, e
Camões tinha já muito adiantados os Lusíadas.
Deu-se,
porém, um novo incidente, e bem funesto. Era o dia do Corpo de Deus
de 1559; quando Gonçalo Borges, moço dos arreios de D. João III,
passava no Rossio para a rua de Santo Antão, dois embuçados
riram-se do seu garbo, e acharam-se dali de repente as espadas
desembainhadas. Por fatalidade apareceu Camões, e conhecendo os
embuçados como seus amigos, atirou uma espadeirada a Gonçalo
Borges, que o fez cair do cavalo, já moribundo. Então é que ficou
irremediavelmente perdido; foi preso e encerrado na cadeia do Tronco
da Cidade, onde jazeu perto dum ano, saindo a 7 de março de 1553,
livre por perdão do próprio Gonçalo Borges, que conseguira
restabelecer-se. Tinha, porém, de partir para a Índia na armada, a
24 desse mês, capitaneada por Fernão Álvares Cabral, embarcando
na nau Bento. Uma terrível tempestade destroçou a armada, a
apenas a nau S. Bento pôde chegar em princípio de Setembro
desse ano à Índia, sem ter aportado a Moçambique. Entrando em Goa
partiu logo para uma expedição perigosa contra a Chembé; em 1551
esteve no largo e doentio cruzeiro do Mar Roxo junto ao Monte Félix,
regressando a Goa na época dos festejos pela nomeação do
governador Francisco Barreto, em 1555, em que cooperou com o seu
auto de Filodemo, e em que contraiu os ódios que o fizeram
ser mandado para Macau. Segundo os cronistas, a vida em Goa era então
muito dissoluta, e Francisco Barreto, bastante severo, quis
assinalar o seu governo pela reorganização dos serviços públicos.
Foi nesta crise que escolheu Camões para provedor-mor dos defuntos
e ausentes de Macau, lugar judicial administrativo, que longe da
metrópole das colónias só poderia ser exercido por um homem
conhecedor de direito, valente e honrado. Camões partiu para Macau
em 1556, regressando a Goa no fim de dois anos em 1558, debaixo de
prisão, por ser vítima de novas intrigas. Durante o tempo que
esteve em Macau continuou escrevendo o seu imortal poema, vivendo na
célebre e memorável gruta, que fica colocada dentro duma quinta, a
pouca distância daquela cidade. No centro vê-se hoje o busto de
Camões, sobre um pedestal; o busto foi modelado por Bordalo
Pinheiro, e fundido no arsenal do exército de Lisboa (V. Macau).
No regresso a Goa naufragou na foz do rio Mekong, nas costas do Camboja,
onde se salvou a nado, salvando também a odisseia das glórias
portuguesas. Ao chegar a Goa, foi logo recolhido à cadeia, a ali
recebeu então a notícia da morte prematura de D. Catarina de Ataíde,
sucedida em 1556. A 3 de setembro de 1558 sucedeu no governo da Índia
o vice-rei D. Constantino de Bragança, e o poeta foi logo posto em
liberdade. Em 1561 houve novo vice-rei, o conde de Redondo, que
soube aproveitar-se do talento de Camões para trabalhos da sua
secretaria. A situação económica do poeta não melhorara, e no
ano de 1562 encontramo-lo preso por dívidas a requerimento de
Miguel Rodrigues, de alcunha o Fios Secos. Um gracioso
memorial dirigido ao conde de Redondo lhe fez recuperar a liberdade.
Este vice-rei faleceu em fevereiro de 1564, e Camões gozando vida
mais sossegada, continuou a empregar-se no serviço das armas.
No
entretanto, as saudades da pátria amarguravam-lhe o coração, e
resolveu voltar a Portugal, acompanhado por um escravo chamado António,
natural de Java, que muito se lhe afeiçoara, e que sempre o
acompanhou no resto da vida. Pedro Barreto partiu de Goa para Moçambique,
de cuja capitania ia tomar posse, e ofereceu a Camões levá-lo
consigo, porque seria mais fácil encontrar ali embarcação que
levantasse ferro para Portugal. Camões aceitou, mas em Moçambique,
por causa duma questão que tivera com Pedro Barreto, ficou reduzido
a grande miséria, de que seria vítima, se não arribasse em 1569 a
nau Santa Fé, que trazia para Portugal o vice-rei D. Antão
de Noronha, onde alguns amigos do poeta o auxiliaram, dando-lhe
roupa. A nau Santa Fé chegou a Cascais a 7 de abril de 1570.
Camões veio achar Lisboa, depois de dezasseis anos de ausência,
devastada pela terrível peste grande, nome porque ficou sendo
conhecida na história. Encontrou sua mãe muito velha e muito
pobre, e neste desalento, para maior desgraça, roubaram-lhe ainda o
seu livro de versos, e foi furto notório, como escreve Diogo do
Couto. Nunca se descobriu o roubador, e Camões não chegou a ver
impressa a sua poesia lírica. O seu grande poema, é que conseguiu,
depois das maiores dificuldades, um alvará em 23 de setembro de
1571, para o imprimir, mas só se publicou em principio de Julho de
1572, sendo-lhe dada em 28 desse mês a tença de quinze mil réis
pela sua habilidade e suficiência durante três anos, sendo
renovada a 2 de agosto de 1575. Camões continuava a ser guerreado,
porque D. Sebastião, projectando a sua viagem a África em 1578,
escolheu para cantor da sua futura vitória o poeta Diogo Bernardes.
O resto da vida de Camões foi uma completa amargura, e os seus
sofrimentos ainda mais se lhe agravaram, quando se recebeu em Lisboa
a notícia do desastre de Alcácer Quibir. Na sua grande miséria, o
jau, que o acompanhara do oriente a Lisboa, prestou-lhe o mais
dedicado e afectuoso auxílio, chegando a pedir esmola, às ocultas
do poeta, para lhe acudir ás instantes necessidades da vida.
Assim
faleceu o grande poeta, numa pobre
casa
da calçada de Santana, ao abandono, tendo por companhia unicamente
sua mãe, e o fiel escravo, o jau António. Em alvará de 31 de maio
de 1582, o rei Filipe II, já então de posse de Portugal, mandou
transferir para D. Ana de Sá a tença de quinze mil réis, por ser
muito velha e muito pobre.
As
edições dos Lusíadas são numerosas; o imortal poema está
traduzido em todas as línguas (V. Lusíadas).
Camões escreveu três comédias: El-rei Seleuco, o Anfitrião
e O Filodemo, que se representaram em Lisboa. Além dos Lusíadas,
compôs formosos versos elegíacos, bucólicos, satíricos, e uma
colecção de sonetos muito apreciáveis; Rimas,
publicadas em Lisboa em 1595, tendo depois muitas edições. Têm-se
escrito muito acerca do grande poeta; mencionaremos o Plutarco português;
Camões, poema do visconde de Almeida Garrett; Camões,
drama do visconde de Castilho, representado no Brasil, e impresso em
1849; Camões, drama de Cipriano Jardim, representado no
teatro de D. Maria, por ocasião das festas do centenário, em 1880;
História de Camões, pelo Dr. Teófilo Braga; Dicionário
bibliográfico, tomos 5, 14 e 15; Luís de Camões,
romance histórico por António de Campos Júnior, etc.
Em
1867 inaugurou-se em Lisboa a estátua de Camões, na praça que
tomou o nome do grande poeta (V. Lisboa). Em Coimbra também
se erigiu um monumento em 1881 (V. Coimbra). Em 10 de Junho
de 1880 festejou-se solenemente o terceiro centenário da morte do
grande poeta, havendo um pomposo cortejo cívico e brilhantes
iluminações. Em Coimbra também se comemorou o terceiro centenário
com solenes festejos.