Secretário
particular do rei D. Pedro V e major do exército.
Nasceu
em Lamego a 5 de fevereiro de 1809, faleceu em Lisboa a 3 de dezembro
de 1859. Era filho de Manuel Pinheiro, médico, e de sua mulher, D.
Maria Teresa.
Aos
dezasseis anos de idade, depois de concluídos os preparatórios,
foi para Coimbra na intenção de se formar em medicina, o que não
pôde conseguir por se ter em 1829 alistado no Batalhão Académico
que se formara para defender a causa liberal, a que tão brilhantes
e desinteressados serviços prestou durante a guerra civil e que pôs
termo a Convenção de Évora Monte.
Como
soldado do batalhão tomou Pinheiro Chagas parte em todos os
combates em que este corpo se distinguiu, e de que rezam com
merecido louvor as crónicas contemporâneas. Depois de conhecido o
lamentável caso do Belfast, que ia contribuindo para
aniquilar de vez as aspirações e as esperanças dos defensores da
causa, liberal, Pinheiro das Chagas entrou em Espanha com os restos
do exército constitucional, seguindo mais tarde para Inglaterra,
couto da foragida liberdade, como lhe chamou Almeida Garrett, mas
que por vezes desmentiu com os emigrados portugueses a fama do seu
hospitaleiro agasalho, encerrando-os no barracão de Plymouth, uma
das mais dolorosas recordações do exílio daquele heróico punhado
de bravos que arriscou a vida e fazenda em nome da redenção moral
da pátria oprimida e vilipendiada. Os tormentos que passaram ali, o
desprezo e desumanidade, com que o governo inglês os tratou,
inspiraram a Pinheiro das Chagas uns artigos que ele intitulou Noites
do Barracão, e tiveram então imensa voga, como eco que eram do
sentir geral de todos os seus companheiros do infortúnio. O
verdadeiro título deste curioso, e hoje raríssimo, livro é As
noites do barracão passadas pelos emigrados portugueses em
Inglaterra; em verso alexandrino, Paris, 1834. Pinheiro das
Chagas fez parte da expedição dos Açores comandada pelo conde de
Vila Flor, mais tarde duque da Terceira, contribuindo para a defesa
da ilha Terceira, e também com os seus camaradas do Batalhão Académico,
para submeter ao domínio do governo constitucional as demais ilhas
do arquipélago. Entretanto, se a causa da emigração não ganhava
terreno, conquistava lentamente para si os espíritos tímidos e
animava o duque de Bragança à aventurosa expedição para
Portugal, confiado na dedicação dos seus partidários e no apoio
moral que os seus esforços iam encontrando na imprensa e nos
parlamentos estrangeiros. Pinheiro das Chagas foi um dos bravos da
expedição do exército libertador que veio desembarcar nas praias
do Mindelo em julho de 1832, e tomou parte muito activa na defesa do
Porto. Organizada depois a expedição para o Algarve, de que tomou
o comando o general duque da Terceira, foi Pinheiro das Chagas
nomeado para fazer parte do destacamento do batalhão académico que
exclusivamente constituía a artilharia do corpo expedicionário,
podendo por este simples facto ajuizar-se ainda hoje de que
prestante auxílio não foi à consolidação do governo
constitucional na nossa terra a desinteressada corporação da
mocidade académica. No combate da Cova da Piedade, um dos últimos
feridos naquela sangrenta luta de irmãos, ficou Pinheiro das Chagas
estendido no campo como morto em resultado de uma violenta contusão
na cabeça, tributo que raros dos seus camaradas deixaram de pagar
à fixidade das suas crenças a ao amor pela sua terra natal. Quase,
ao terminar a guerra civil já em Lisboa, e depois de haver sido
dissolvido o corpo académico, permitindo-se aos estudantes optarem
pela continuação dos seus respectivos cursos ou pela entrada no exército
com o posto de alferes, a que todos tinham mais que justificado
direito, Pinheiro das Chagas optou pelo serviço militar, a que se
habituara nas rudes provações do exílio, sendo colocado em
infantaria n.º 18, fazendo o resto da campanha da liberdade até à
memorável batalha da Asseiceira, em que tomou parte.
Joaquim
Pinheiro das Chagas foi um homem de inexcedível modéstia, e de
completo desapego das ostentações e vaidades sociais. Uma única
preocupação o dominava o cultivo da inteligência, já então
prometedora de seu filho único, o futuro estadista e distinto
escritor Manuel Pinheiro Chagas. Foi neste propósito que aceitou,
por convite do general Augusto Palmeirim, então director do Colégio
Militar, o lugar de oficial do mesmo colégio, isto no intuito de
vigiar e dirigir a educação de seu filho, que nele era aluno, e se
dispunha a seguir a carreira das armas. Foi por este tempo, e quando
exercia interinamente o lugar de director do Colégio Militar, que o
rei D. Pedro V teve ocasião de o conhecer, de avaliar o alcance da
sua inteligência e a solidez dos seus conhecimentos, afeiçoando-se-lhe
desde logo com a bonomia característica de todos os actos da vida
do jovem monarca, chamando-o meses depois para o lugar de seu secretário
particular. Cumpre denunciar como hereditária em D. Pedro V esta
honrosa afeição pelo seu secretário, antes confidente das mágoas
a dissabores de que a realeza não anda isenta. (V. D.
Pedro V, neste vol., pag. 504). O rei D. Fernando já distinguia
Pinheiro das Chagas com a sua amizade muito antes de 1857, ano em
que este fora chamado para desempenhar as melindrosas funções de
secretário dum rei moço e estudioso, e dedicado, como ele dizia,
ao seu ofício de reinar. Apesar da fortuna por vezes lhe haver
sorrido, Pinheiro das Chagas teimou sempre em viver na obscuridade,
negando-se quer às sedutoras exterioridades da corte, quer ao
arruido fascinador da publicidade. Dotado de grande inteligência, já
na emigração era conhecido como poeta de largos horizontes, como o
prova uma Ode a Catão, que se recitou em Plymouth numa récita
do Catão, de Almeida Garrett, e que teve um êxito enorme.
Esta Ode, além do seu mérito literário, exprimia os
sentimentos dos emigrados
que viam a sua energia e o seu vigor paralisados por falta de chefe,
a por discórdias dos que deviam dirigir o movimento liberal. Fiel
aos princípios da sua mocidade, poucos artigos firmou com o seu
nome, a esses mesmos só quando julgou que deles lhe poderia advir
responsabilidade perante a classe a que pertencia, e tais são os
que escreveu a assinou na Revista Militar, então nascente, a
que a boa camaradagem
lhe não permitia negar o auxílio da sua colaboração. Como poeta,
pertenceu à escola intermédia entre a clássica que chegava ao seu
termo, e a romântica que principiava a despontar acaudilhada em
Inglaterra por lorde Byron, em França por Victor Hugo a Lamartine,
em Espanha pelo duque de Ribas, em Portugal por Almeida Garrett.
Deixou belas traduções de Parny, Turquety, Lamartine, Thomaz Gray,
Goldsmith, lorde Byron e de Victor Hugo. Também traduziu a ampliou
por ordem do rei D. Pedro V a Chave da Ciência, do dr.
Brewer, para ser adaptada às escolas portuguesas. Esta tradução
ficou interrompida pela inesperada morte de Pinheiro das Chagas,
contando apenas cinquenta anos, e parecendo gozar de boa saúde.
Deixou inéditas umas Memórias, manifestando o desejo de que só
fossem publicadas vinte anos depois da sua morte. O seu funeral
realizou-se no dia 5 de dezembro de 1859, sendo os seus restos
mortais depositados no jazigo do conde da Ponte no cemitério dos
Prazeres; um ano depois foram trasladados para jazigo próprio, onde
se gravou a seguinte inscrição: