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Sá
(Salvador Correia de).
n. 1591.
f. 1
de janeiro de 1688.
Restaurador
de Angola, conhecido também pelo nome de Salvador Correia de Sá e
Benevides. Descendia da gloriosa família de Mem de Sá e de Estácio
de Sá, os fundadores do Rio de Janeiro.
Nasceu
nesta cidade em 1591; faleceu em Lisboa em 1 de janeiro de 1688. Era
filho de Martim de Sá e de sua mulher D. Maria de Mendoza y
Benavides.
Em
1612, contando dezoito anos, entrou no serviço militar,
distinguindo-se nas guerras contra os índios. Pouco tempo depois
começaram os holandeses a infestar as costas do Brasil,
assenhoreavam-se daquela grande região, e Salvador Correia, que já
então tinha perto de trinta anos, mostrou o que valia não só a
sua bravura, como a sua perícia militar, começando por levar a
salvamento de Pernambuco para Lisboa um comboio de trinta navios.
Ao voltar desta expedição, que era arriscada porque a marinha
holandesa dominava os mares, Salvador Correia alistou na capitania
de S. Vicente uns duzentos homens, meteu-os a bordo de duas
caravelas e de três canoas de guerra, a conduziu-os à empresa da
restauração da Baía, empresa importante para a qual no ano de
1624 saíra de Lisboa uma esquadra hispano-portuguesa, bastante
numerosa. De caminho para a Baía, desembarcou Salvador Correia na
capitania do Espírito Santo, e demorando-se ali algum tempo, teve
ensejo para surpreender um troço de holandeses, que também haviam
saltado em terra, e que foram pelo jovem herói completamente
derrotados. Seguindo para a Baía, distinguiu-se muito na conquista
dessa praça, em 1 de maio de 1625, tendo chegado poucos dias antes
ao campo dos sitiadores.
Em
1634, Salvador Correia, que granjeara grande reputação, foi
nomeado almirante dos mares do sul. Tratava-se para os espanhóis de
resolver uma questão vital para o seu domínios nas margens do rio
da Prata. Ardia ali há muitos anos a rebelião que devastava
principalmente a província de Tucuman, rebelião conhecida pelo
nome de revolta dos Caléquis e dirigida por um hábil chefe, D.
Pedro Chamay. Salvador Correia dirigiu a campanha com tanta
habilidade e energia, que, tendo ganho a batalha de Pelingarta,
havendo aprisionado D. Pedro Chamay, e tendo também recebido um
grande numero de frechadas, porque a luta foi áspera e rude e
Salvador Correia não se poupou, conseguiu restabelecer
completamente a ordem nas margens dos rios da Prata a do Paraguai.
Foi então nomeado capitão-general do Rio de Janeiro, dando a carta
régia, que o nomeava, testemunho dos altos serviços prestados pelo
agraciado à coroa de Espanha. Foi por essa ocasião também que
Salvador Correia, filho de espanhola, foi procurar esposa à
fidalguia dessa nação, casando com D. Catarina de Velasco. filha
de D. Pedro Ramirez de Velasco, governador do Chile.
Apesar
destas relações tão íntimas de parentesco que o ligavam à
Espanha, apesar de ter militado e comandado em terreno
exclusivamente espanhol, e de não ter razão de queixa pessoal do
governo de Espanha, nem por isso Salvador Correia deixava de ser
essencialmente patriota e de sentir pulsar no peito um coração
português. Apenas chegou ao Rio de Janeiro a notícia da revolução
de 1 de dezembro de 1640, logo sem a mínima hesitação se
proclamou nessa cidade a realeza de D. João IV. Salvador Correia
lutava com dificuldades muito graves, porque os jesuítas queriam
executar as leis a as bulas que lhes concediam a liberdade dos índios,
e os paulistas, que tinham índios como escravos, recusavam-se a
libertá-los, chegando a revoltar-se abertamente contra os jesuítas,
que Salvador Correia defendia e sustentava com toda a energia,
porque na verdade eles defendiam nesse momento a causa da civilização
e da humanidade. Salvador Correia esperava que o grande sucesso da
restauração de Portugal abrandasse os ânimos dos paulistas, ou
pelo menos os decidissem a mandar representantes ao Rio de Janeiro
com poderes bastantes para resolverem as questões que promoviam
conflito, mas os paulistas entenderam, pelo contrario, que a
fidelidade de que tinham dado provas e o modo como tinham acolhido a
aclamação de D. João IV, os tornava credores da gratidão do rei
de Portugal, e portanto as suas pretensões deviam ser atendidas
pelo capitão-mor do Rio de Janeiro. Negaram-se então a consentir
em quaisquer medidas que tivessem por fim a libertação dos índios.
Vendo que era indispensável ir tratar directamente com os
revoltosos, Salvador Correia partiu para Santos, onde depois de
largas negociações conseguiu que os paulistas elegessem quarenta e
oito procuradores para tratarem do assunto, chegando enfim a
um resultado, que se não resolveu inteiramente a questão, pelo
menos apaziguou a capitania. O novo governo de Lisboa depositava
nele plena confiança, e nomeou-o sucessivamente em 1644 general da
frota que devia escoltar os navios do comércio brasileiro ameaçados
nos mares da América pelos holandeses, nos da Europa pelos espanhóis,
delegado do Conselho Ultramarino, e dando-lhe finalmente amplos
poderes para explorar as minas, cuja existência e riqueza no vasto
território que estava sob a jurisdição de Salvador Correia já
então se
pressentiam. Bem convinha o seu descobrimento ao governo de D. João
IV, que fez a Salvador Correia as mais brilhantes promessas, no caso
de conseguir explorá-las com felicidade; porém este, com todo o
desinteresse, delegou em outros a viagem das minas e o exercício do
lugar para que fora escolhido, e aceitou a comissão mais gloriosa,
menos rendosa, e mais perigosa, a de comboiar os navios mercantes
que iam do Rio de Janeiro para a Europa. Fez três viagens:
escoltando na primeira trinta e sete velas. Nessa primeira viagem
prestou um alto serviço à insurreição pernambucana, porque
escoltou até ao porto de Tamadaré oito navios da Baía que levavam
a João Fernandes Vieira, que acabava de ganhar a batalha de
Tabocas, um reforço de oitocentos homens ainda mais precioso por
serem os chefes dos terços André Vidal de Negreiros e Martim
Soares Moreno, cujas heróicas espadas não haviam de contribuir
pouco para a expulsão definitiva dos holandeses de Pernambuco. Mais
duas viagens fez ainda Salvador Correia até que em 1648 D. João IV
o encarregou dum emprego de alta importância, porque se tratava de
arrancar Angola ao poder dos holandeses.
A
importância de Angola era extrema, porque era dali que se fornecia
o Brasil de escravos pretos indispensáveis para a cultura das suas
terras. A empresa de a reconquistar era tanto mais difícil, quanto
pela situação extravagante em que nos achávamos com os
holandeses, nossos aliados na Europa, era indispensável que
Salvador Correia encontrasse meio de tomar Angola, sem que parecesse
que fora ele que tomara a ofensiva, para se não considerarem rotas
as pazes com a Holanda. Salvador Correia chegou ao Rio de Janeiro, e
apelando para o patriotismo e até para os interesses próprios dos
homens abastados, interesse que a perda desse reino prejudicava
altamente, despendendo também com liberalidade os seus próprios
dinheiros, conseguiu juntar quinze navios, quatro dos quais foram
comprados à sua custa, e levando neles novecentos homens de
desembarque, partiu no dia 12 de maio para Angola. Nunca empresa tão
importante fora intentada com tão pequenas forças. O fim aparente
da expedição era edificar um forte na enseada de Quicombo, afim de
estabelecer comunicações com os portugueses, que desde a perda de
Angola se tinham refugiado em Massangano. Chegou a Quicombo, mas,
tomando pretexto de hostilidades que os holandeses faziam aos restos
da antiga guarnição portuguesa declarou que era isto uma quebra
flagrante da paz, que o autorizava a pedir-lhes uma satisfação.
Dirigiu-se para Luanda, tendo já perdido um navio por causa dum
rombo no porão, e apenas chegou à capital da província,
participou aos holandeses os motivos da sua vinda, as suas razões
de queixa, declarando-lhes que, logo que eles não respeitavam a paz
estabelecida, também ele se não julgava obrigado a deixar de a
infringir, e portanto que exigia que eles se entregassem.
Surpreendidos os holandeses com esta audácia, avaliaram em maior do
que era o poder dos assaltantes, e pediram oito dias para tomarem
uma decisão. O fim evidente era reunirem as tropas que andavam pelo
campo, e Salvador Correia, percebendo-o, apenas lhes concedeu dois
dias. No fim do prazo marcado. desembarcou em chalupas seiscentos e
cinquenta soldados e duzentos e cinquenta marinheiros, deixando
cento e oitenta nos navios com muitas figuras pelas enxárcias e
pelas amuradas, para que de longe se julgasse muito mais numerosa a
tripulação dos navios. Os holandeses, repelidos de todos os pontos
exteriores, refugiaram-se na fortaleza do Morro de S. Miguel e no
forte de Nossa Senhora da Guia, tendo abandonado tanto à pressa o
fortim de Santo António, que nem tiveram tempo de encravar mais do
que duas peças das oito que o fortim possuía. Aproveitou-as
Salvador Correia, e juntando-as, a quatro meios canhões que mandou
desembarcar, formou uma bateria que principiou a bombardear a
fortaleza, causando pouco dano, mas produzindo grande terror aos
holandeses, assombrados da rapidez com que a bateria se assentara.
Viu, porém, Salvador Correia que seria demorado o êxito da
bateria, a apertado pela necessidade de impedir que os holandeses
fossem reforçados, mandou no dia seguinte, 15 de agosto de 1648,
dar assalto às duas fortalezas ocupadas pelo inimigo. A temeridade
era incrível e seria indesculpável, se não fosse a situação
perigosa em que Salvador Correia se via. Tinha apenas novecentos
homens e ia assaltar duas fortalezas, onde a artilharia quase nem
tinha aberto brecha e guarnecidas por mil e duzentos soldados
europeus e outros tantos negros. Por isso o assalto deu resultados
terríveis. Depois duma escalada audaciosa em que os assaltantes
foram repelidos, Salvador Correia mandou recolher as forças, e viu
que perdera cento e sessenta e três soldados mortos e cento e
sessenta feridos. Tinha por conseguinte fora do combate mais da terça
parte do seu exército. Salvador Correia, sombrio mas resoluto, ia
fazer uma segunda tentativa, quando com grande surpresa, viu
aparecer um parlamentário, que vinha propor uma capitulação, o
que Salvador Correia resolveu aceitar, receando o resultado de um
novo assalto, em vista das perdas enormes que já sofrera. A
capitulação foi concedida com todas as honras, facilitando-lhes
logo a amnistia que eles pediram para os seus partidários, e
assinada a capitulação viu-se o caso estranho de saírem rendidos
de duas fortalezas, onde nem quase havia brecha, mil e cem homens e
passarem, diante de menos de seiscentos, que a essa força estava
reduzida, depois do primeiro assalto, o exército sitiador. Havia já
cinco dias que Salvador Correia tomara posse das fortalezas, quando
apareceu na cidade, vindo do sertão um corpo de duzentos e
cinquenta homens acompanhados por mais de dois mil negros, súbditos
da rainha Ginga (V. Portugal, vol. III,
pág. 737). Bem desejariam eles romper a capitulação, mas
Salvador Correia tomara as suas precauções, fazendo logo embarcar
em três navios a guarnição holandesa da cidade; de sorte que os
recém chegados, vendo-se sós, capitularam também. Os negros da
rainha Ginga é que não quiseram sujeitar-se, e arrojaram os
maiores impropérios aos holandeses, por eles os desampararem. A
guarnição de Benguela rendeu se a dois navios portugueses sem
disparar um tiro, e a da ilha do S. Tomé, apenas soube que Luanda
se rendera, partiu desamparando a ilha, deixando a artilharia e munições,
de forma que os navios que Salvador Correia enviara para procurarem
apoderar-se dessa nossa antiga e importante colónia, encontraram já
a bandeira portuguesa arvorada nos fortes. Assim desampararam os
holandeses também as suas feitorias de Benguela-a-Velha, de Leango
e
da Pinda, de forma que em dois meses tinham voltado ao domínio
português. Angola e S. Tomé. A vitória quase miraculosa de
Salvador Correia deixou de si lembrança tão viva na memória dos
povos, que ainda em 1812 se celebrava em Luanda uma festa em acção
de graças no dia 15 de agosto pela vitória alcançada nesse dia
por Salvador Correia. Expulsos os holandeses, tinha ainda de
subjugar e punir os negros que haviam seguido o seu partido. Os
principais eram os súbditos da rainha Ginga, e Salvador Correia,
dispondo de poucas forças, alistou ao seu exército muitos
franceses, que faziam parte da guarnição holandesa e que tinham
ficado em Angola. O comando foi confiado a Bartolomeu de
Vasconcelos, que facilmente subjugou os negros dissidentes, vendo-se
a rainha Ginga forçada a pedir a paz, por se convencer que nada
podia contra os portugueses. No entretanto Salvador Correia dava
grande impulso às suas medidas administrativas, favorecendo o
desenvolvimento de Luanda, onde se demorou até 1651, ano em que
tornou a partir para o Rio de Janeiro, deixando por seu sucessor
Rodrigo de Miranda Henriques.
Por
carta régia de 17 de setembro de 1658, muito honrosa para o
agraciado, fora-lhe conferido o governo das capitanias do sul do
Brasil com absoluta independência do governo da Baía. Quando
chegou ao Rio de Janeiro, achou a cidade em deplorável situação,
com o comércio paralisado, as tropas mal pagas, e os cofres públicos
exaustos. Foi preciso recorrer a novos tributos, o que descontentou
o povo, sendo necessário todo o prestígio de Salvador Correia para
o manter na obediência; mas quando o governador saiu da cidade para
visitar a província de S. Paulo, deixando como seu substituto Tomé
Correia de Alvarenga, a insurreição rebentou, reclamando os
insurgentes a deposição de Salvador Correia, depondo o seu
delegado Alvarenga, e elegendo para os governar Agostinho Barbalho
Bezerra. Quis a câmara do Rio de Janeiro obter o auxílio dos
paulistas, mas estes não só não aceitaram o convite, mas
ofereceram-se a Salvador Correia para o ajudarem a subjugar os
rebeldes. Preferiu este recorrer aos meios pacíficos, e chegou a
declarar a Bezerra que o consideraria como governador, se se
considerasse seu delegado, mas os revolucionários julgando ver
nisto uma prova de fraqueza, não quiseram aceitar estas propostas
pacíficas, e prepararam-se para resistir à força aberta. Pouco
Ihes durou, porém, esta resolução, porque, vendo-se isolados,
depuseram as armas, apenas lá lhes apareceu o desembargador
Pessanha, enviado da Baía para inquirir a respeito da revolta, e
Salvador Correia de Sá tomou de novo posse do governo, que exerceu
até ao ano de 1662, e entregando-o então ao seu sucessor, partiu
para Lisboa. Como sucedeu a todos os grandes homens que tantos serviços
prestaram à pátria, a intriga conseguiu feri-lo. Os seus inimigos,
que não eram poucos, desde que a rainha regente D. Luísa de Gusmão
criara de propósito para ele um governo independente no Rio de
Janeiro, trataram de o intrigar, e de o afastar do ânimo dos
ministros, apesar de ser muito favorito do conde de Castelo Melhor
seu filho mais velho, Martim Correia de Sá, que o grande ministro
fez em 1665 visconde de Asseca em recompensa dos muitos serviços de
seu pai. Ainda assim maiores amarguras teve Salvador Correia de Sá,
quando o conde de Castelo Melhor caiu do poder porque tendo-o D.
Afonso VI chamado para se aconselhar com ele, isso bastou,
juntamente com a privança que seu filho tivera, para o tornar
odiado do infante D. Pedro, e para o tornar alvo de tantas perseguições,
que chegou a ser condenado a degredo de dez anos para essa mesma África,
onde ressoava ainda o eco das suas vitórias. À custa de muito
dinheiro conseguiu que o deixassem ficar num convento, e depois que
o deixassem passar à sua casa em Santos, onde se conservou preso
sem menagem. Foi seu filho, que fora ferido em Badajoz e que ficara
gravemente enfermo, quem instou com ele para que requeresse esta última
concessão, porque o heróico restaurador de Angola, profundamente
ferido e desgostoso com todas estas perseguições, estava resolvido
a terminar a vida num convento. A morte do visconde de Asseca,
sucedida pouco depois, e a orfandade em que ficaram os netos de
Salvador Correia de Sá, fizeram com que o príncipe regente
pensasse que era vergonhoso, realmente, que o homem que tão altos
serviços prestara ao seu país, estivesse agora quase octogenário
preso como um criminoso, enquanto seus netos não tinham quem os
amparasse e guiasse na estrada da vida. Deu ordem para que fosse
solto, e logo em seguida voltou ao lugar que lhe pertencia de membro
do Conselho Ultramarino.
Consta
que Salvador Correia de Sá escrevera umas Memórias da sua vida,
que infelizmente se perderam. Faleceu contando noventa e um anos de
idade, conservando até aos últimos dias da sua vida e rijeza do
corpo e do espírito.
Nota:
Segundo estudos recentes, baseados em novas
fontes, terá nascido em Cádis (Espanha) em 1602.
Genealogia
de Salvador Correia de Sá
Geneall.pt
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