Quando
seu pai morreu, andava Lucas Torres estudando para médico, tendo já
o curso muito adiantado, pois, que frequentava o 1.º ano de
hospital, porém essa morte não lhe permitiu continuar os estudos.
Todavia há indicações de que seu pai era riquíssimo, negociava
em larga escala em vinhos, tinha grandes armazéns na rua dos
Bacalhoeiros, junto da célebre Casa dos Bicos; tendo, porém, um sócio,
e por não haver escritura nem outras maiores provas que pudessem
valer nas épocas calamitosas das lutas civis que atravessava a
nossa pátria, Lucas Torres viu-se esbulhado da herança paterna:
Assim, muito novo, órfão e pobre, foi para a tipografia dum seu
parente, e ali aprendeu a arte, a qual fez progredir, e se
engrandeceu no honroso mister de editor inteligente e consciencioso,
adquirindo grande fama entre os da sua classe, e contando numerosos
amigos.
Lucas
Torres honrou muito a arte tipográfica, de que foi um prestimoso
propagandista. Era homem ilustrado, muito conhecedor da sua arte, e
dedicado à leitura de livros bons e instrutivos, enriquecendo assim
o espírito, tornando-se um repositório de literatura histórica e
amena. Principiando a exercer a sua indústria em épocas agitadas
de bem triste memória, bastantes vezes foi vítima das perseguições
civis que a ele, como liberal convicto que era, lhe moviam os
inimigos da liberdade. Quantas vezes a sua tipografia foi assaltada
por emissários do governo, e quantas vezes destruída. Na verdade,
os inimigos tinham razão, porque dali saíam os mais vibrantes
brados de liberdade, impressos em segredo nos prelos manuais por
Lucas Torres, saíam alguns jornais e panfletos que muito contribuíram
para a propaganda liberal. Todavia, escondido, ora aqui, ora acolá,
ia imprimindo os vibrantes originais de António Rodrigues Sampaio,
para o Espectro; os originais biliosos e chocarreiros do
padre João Cândido de Carvalho, esse célebre jornalista satírico
e verrinoso do Cortador, do Azorrague, do Democrata,
e redator do Rabecão de impagável memória.
Prosseguindo
nesta sua arte que tantas incertezas e desgostos lhe acarretava no
meio da falta de segurança que caracteriza as lutas civis, Lucas
Torres, que já estudara para medico, foi ilustrando se ainda mais
com o convívio dos principais homens de letras. Daí o tornar-se um
escritor a quem não faltavam primores de estilo nem erudição de
conhecimentos de variada natureza. Foi assim que nos últimos vinte
e cinco anos da sua existência, tendo-se já avantajado ás largas
empresas editoriais, editou a Educação Popular, colecção
de dezasseis volumes sob a direcção de Pinheiro Chagas; a Enciclopédia
das Famílias, que já contava mais de cem volumes quando
faleceu, e que ainda se publica na mesma tipografia, de que é
proprietário seu filho Manuel Lucas Torres; A Biblioteca
Universal, colecção de quarenta volumes, sob a protecção do
grande visconde de Castilho, na qual colaboraram os mais notáveis
escritores. Foi na Enciclopédia das Famílias que Lucas
escreveu com maior assiduidade, colaborando também superiormente
nos jornais Federação e Artista. Das suas aptidões
de escritor e de editor resultou o bom êxito de muitas empresas
desse género. Carácter exemplar, repartia sabiamente o tempo pelos
seus multíplices encargos e trabalhos de administração da sua
importante casa. Nela encaminhou na vida pratica do trabalho, num
certo meio literário artístico, seus filhos, os estimados editores
João Romano Torres e Manuel Lucas Torres e Fernando Augusto Torres,
actual director da oficina tipográfica da Imprensa Lucas. V.
Torres (João Romano), neste volume, e Lucas &
Filho, no volume IV.