Eu
El-Rei faço saber aos que este meu Regimento virem, que por
convir muito a meu serviço que as pessoas a quem tenho
nomeado por Governadores das Comarcas deste Reino, no tocante
às coisas da milícia, e as que lhe sucederem nestes cargos
saibam a jurisdição que hão de ter, e a forma em que os hão-de
exercitar, para que com isso se evitem os embaraços e competências
que pode haver com os Ministros e Oficiais da Justiça ordinária,
e cada um possa cumprir melhor com sua obrigação – houve
por bem de lhes mandar dar este Regimento, para usarem dele,
na forma seguinte:
1.
Logo
que cada um dos ditos Governadores chegar à cabeça da sua
Comarca, avisará ao Governador das Armas, e apresentará na Câmara
dela (em que terá o primeiro lugar) as ordens e Patente que
leva para que seja obedecido como Governador de tal Comarca e
se lancem nos Livros da dita Comarca as Patentes e Regimento
que se lhe deram.
2.
Fará
logo lista geral da gente que há em todos os lugares de sua
Comarca, e seus distritos por sua própria pessoa, dividindo
toda a que for capaz de tomar armas em três partes.
3.
A
primeira dos que podem servir de soldados pagos, que hão-de
ser os que totalmente forem desobrigados, e cuja falta não
for notável à conservação das fazendas, e serviço da república.
Esta lista terá em si, para quando se fizerem levas de gente
paga, a ter escolhida e separada, de maneira que se escusem os
danos e queixas que até agora houve, procedendo nesta escolha
com toda a inteireza que convém a meu serviço.
4.
A
segunda lista será para os Companhias dos Auxiliares, as
quais hão-de constar da gente mais nobre e rica, e que com
menos incómodo de suas famílias possam ir assistir nas
Fronteiras, quando a ocasião o pedir; porque, como a sua
assistência não há-de ser mui dilatada, não há tanto
inconveniente em que tenham familiar e obrigações a que
acudir: e não convém que nestas companhias se admitiam
homens forasteiros, e que não sejam moradores nos mesmos
lugares, pelo risco de poderem faltar quando a ocasião, o
pedir: e no mais se guardará a forma do Regimento que se
mandou aos Corregedores para a criação das Companhias.
5.
Estas
companhias se formarão de oitenta soldados cada uma,
escolhendo para Capitães delas as pessoas mais nobres, de
melhor nome, e mais ricas que se acharem nos lugares e termos
em que se formarem as ditas Companhias, avisando o Governador
daquela Comarca ao Governador das Armas dos sujeitos que lhe
parecerem a propósito para ocuparem o tal posto, para que
eles mandem pelo Conselho de Guerra pedir as Patentes que se
lhes houverem de passar.
6.
E
por quanto em quase todas as Comarcas estão nomeados os Capitães,
e formadas estas Companhias, examinará o Governador que agora
for se os tais Capitães são os que devem ser, e se as
Companhias constam de qualidade e numero de gente que neste
Regimento se manda; e não o sendo, as emendará na forma do
capítulo 4 e 5.
7.
A
terceira lista será da gente que sobejar das duas
antecedentes, e que, conforme ao Regimento do Senhor Rei Dom
Sebastião, que Deus haja, são obrigadas a servir nas
Companhias das Ordenanças, nas quais hão-de servir também
os postos em lembrança para soldados pagos, até que se
necessite deles para os Terços, para não se desfazerem as
Companhias dos Auxiliares, sempre que se fizerem levas de
gente paga.
8.
As
Companhias Auxiliares se exercitarão uma vez cada mês, e
todas as da Ordenanças quatro cada ano, assistindo o
Governador de Comarca aos mais alardos destes que lhe for possível,
e aos que não poder assistir pessoalmente mandará o seu
Sargento-mor.
9.
E
para que a falta das armas não impossibilite o exercício dos
Soldados, armará toda a Comarca, pedindo a Rui Correia Lucas
as armas que pela lista geral que fizer achar que faltam,
dando três meses de tempo às pessoas que não poderem logo
pagar o preço delas, para que as paguem. E assim como for
cobrando o dinheiro, o irá entregando à ordem de Rui
Correia, de quem intenderá o preço porque as há de
repartir; advertindo que, não se cobrando o dinheiro das
ditas armas, se cobrará por conta de fazenda do dito
Governador; por quanto se lhe dá todo o poder necessário
para as repartir, e para as cobrar; a qual repartição e
cobrança se lançará em Livro, por um dos Escrivães que
servirem ante o Juiz de Fora, qual tiver por mais zeloso e
diligente, entregando-as a cada Capitão das Companhias
Auxiliares, e da Ordenança o número das armas que faltar
para as suas Companhias, obrigando-se aliás ao dito
Governador a entregar-lhe o dinheiro que nas tais armas se
montar, conforme ao aviso que Rui Correia Lucas lhes fizer.
10.
E
para que se não desfaçam os Soldados das armas, como tem
acontecido nestes anos, ordenará aos Capitães, assim de
Auxiliares como de Ordenança e Cavalaria, que procedam contra
os Soldados que se desfizerem das armas, até que com efeito
as tenham na forma em que se lhes repartiram.
11.
E
porque a falta que há dos cavalos, tão prejudicial à defesa
do Reino, procede de os não terem as pessoas que, conforme a
seus ofícios e possibilidades, os deviam ter, obrigará o
Governador a todas as pessoas, que, conforme ao Regimento, e
ordens dadas neste caso, os podem sustentar comodamente, a que
os comprem e sustentem, de maneira que sejam de serviço para
a guerra.
12.
E
aos que usarem de machos ou mulas de sela, ainda que não
tenham a fazenda e ofícios referidos, obrigará a que tenham
cavalos em lugar das tais mulas ou machos.
13.
E
porque de presente pode acontecer que não haja cavalos
bastantes para todos os que são obrigados a comprá-los,
conforme a este Regimento, fará que criem e comprem os potros
que houver, para que assim tenham saída os que os lavradores
criam, e venham a haver cavalos de serviço no Reino.
14.
De
cada cinquenta homens de cavalo se formará uma Companhia, e
para Capitão dela nomeará o Governador da Comarca, ao
Governador das Armas, as pessoas de mais qualidade, valor, e
fazenda, que se acharem no tal lugar, para que peça no meu
Conselho de Guerra as suas Patentes. Cada um destes Soldados,
terá duas pistolas com suas bolsas, e uma clavina.
15.
E
porque convém muito que haja particular cuidado na criação
dos cavalos, avisará o Governador à Junta, que para este
efeito tenho nomeado, e ao meu Conselho de Guerra, se os Coudéis-mores
satisfizerem inteiramente a ordem e Regimento que se lhes deu
para este efeito; por quanto sou informado que por descuido
dos Coudéis-mores há menos criação de cavalos, e a que há
não é a que convinha: e para poder examinar as faltas, que
neste particular se fazem, se remeterá a cada Governador uma
cópia do Regimento dos Coudéis.
16.
E
porque, para remontar a Cavalaria nas Fronteiras, é forçoso
fazerem-se levas; muita a miúdo, os Governadores darão toda
a ajuda e favor às pessoas que as forem fazer, por minha
ordem, ou dos Governadores das Armas, para que os cavalos se
vendam, contanto que os donos deles fiquem com ganância, para
os poderem criar com gosto e conveniência, não permitindo
que se faça violência a quem os tiver, nem que os donos
deles recusem vendê-los nesta forma, pois são para o serviço
e defesa do Reino.
17.
Quando
os Governadores tiverem ordens dos, seus Governadores das
Armas (a quem hão de obedecer em tudo) para marcharem com
toda ou parte da sua gente de pé e de cavalo, o farão com
suma brevidade e pontualidade; pondo grande cuidado em que se
não faça dano nos Lugares por onde passarem, e que a gente vá
em ordem, e bem armada. E aos que lhe faltarem, ou fugirem, do
caminho, ou dos Presídios aonde forem, castigarão, de
maneira, que sirva de exemplo e emenda para os outros,
considerando a ocasião e circunstâncias da fugida.
18.
E
a todas as mais coisas que tocarem a meu serviço darão toda
a ajuda e favor, particularmente às Justiças, respeitando e
fazendo respeitar a seus Ministros, não se intrometendo na
administração dela; porquanto a jurisdição que se lhes
concede é só para todo o tocante à Milícia e segurança de
suas Comarcas; e não o fazendo assim lho mandarei estranhar
com todo o rigor.
19.
E
quando virem que se desencaminha o meu serviço, em matérias
que não pertencerem à sua jurisdição, particularmente na
cobrança e repartição das décimas, avisarão aos
Tribunais, a quem toca, o remédio das tais desordens.
20.
E
para executar o acima referido poderão proceder à prisão, e
até quarenta mil réis de pena, e dos crimes que a pedirem
maior darão apelação, e agravo, para o Governador das Armas
da sua Província, e aonde os não houver para o meu Conselho
de Guerra.
21.
Para
sentenciares os ditos crimes lhes servirá o Juiz de Fora da
cabeça da Comarca de Assessor, com um dos Escrivães que ante
ele servirem, qual para isso escolher.
22.
As
condenações se depositarão em meu do Tesoureiro ou
Almoxarife mais assistente na dita Vila ou Cidade, que for
cabeça da Comarca, e se despenderão nos gastos dos Livros e
Correios, e em prémio dos Soldados que mais curiosamente se
exercitarem, e em outros gastos semelhantes por mandados do
dito Governador, e por recibos das pessoas a quem se derem, os
levará em conta o Provedor da Comarca que as há-de tomar
todos os anos ao dito Tesoureiro ou Almoxarife; com declaração,
que das despesas miúdas que não chegarem cada uma a um
cruzado, bastará fazer-se um rol, o qual, sendo assinado,
pelo Governador, Tesoureiro, e Escrivão, se lhes dará crédito
para se lhe levarem em conta,
23.
E
quando eu houver por meu serviço mudar os ditos Governadores
destes postos trarão relação dos Provedores de que constar
das ditas contas, a qual entregarão ao meu Secretario no
Conselho de Guerra, ficando os Livros originais delas nas
ditas Comarcas.
24.
As
listas gerais que se fizerem deixará o Governador na Câmara
de cabeça da Comarca, assim de Cavalaria, como da Infantaria
quando por ordem minha, passar a maiores ocupações, de que
terei particular cuidado, se servir come espero dele na forma
que se dispõe neste Regimento, o qual se registará nos
Livros das Câmaras, cabeças das Comarcas, para nelas haver
notícia do que contém. E no que não for disposto neste
Regimento se governará cada um dos ditos Governadores pelo
que deixou o Senhor Rei D. Sebastião, que Deus haja, na forma
que até agora se guardou. E este Regimento, na parte que nele
se contém, hei por bem, e mando, se cumpra e guarde; tão
inteiramente como nela é declarado, sem se lhe por dúvida,
nem contradição alguma, porque para isso, de minha certa ciência,
poder Real e absoluto, derrego quaisquer outros Regimentos que
em contrário haja, e todos os estilos, usos e Leis; que em
algum modo encontrarem o disposto neste, ainda que de cada uma
delas seja necessário fazer aqui especial menção; e valha e
tenha força e vigor, como se fosse Carta feita em meu nome,
por mim assinada, e passada por minha Chancelaria, sem embargo
da Ordenação do livro 2.°, títulos 39, 40, e 44, que diz
que as coisas cujo efeito houver de durar mais de um ano,
passem por Cartas, e passando por Alvará não valham; e valerá
outrossim, posto que não seja passado pela minha Chancelaria,
sem embargo de mesma Ordenação.
Domingos
Luís a fez, em Lisboa, ao 1.º dia do mês de abril de 1650
anos.
E
eu António Pereira o fiz escrever.
=
REI.
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