Regimento dos Auxiliares

 

 

1650, abril, 1

Regimento dos Governadores das Comarcas

 

 

Eu El-Rei faço saber aos que este meu Regimento virem, que por convir muito a meu serviço que as pessoas a quem tenho nomeado por Governadores das Comarcas deste Reino, no tocante às coisas da milícia, e as que lhe sucederem nestes cargos saibam a jurisdição que hão de ter, e a forma em que os hão-de exercitar, para que com isso se evitem os embaraços e competências que pode haver com os Ministros e Oficiais da Justiça ordinária, e cada um possa cumprir melhor com sua obrigação – houve por bem de lhes mandar dar este Regimento, para usarem dele, na forma seguinte:

1.

Logo que cada um dos ditos Governadores chegar à cabeça da sua Comarca, avisará ao Governador das Armas, e apresentará na Câmara dela (em que terá o primeiro lugar) as ordens e Patente que leva para que seja obedecido como Governador de tal Comarca e se lancem nos Livros da dita Comarca as Patentes e Regimento que se lhe deram.

2.

Fará logo lista geral da gente que há em todos os lugares de sua Comarca, e seus distritos por sua própria pessoa, dividindo toda a que for capaz de tomar armas em três partes.

3.

A primeira dos que podem servir de soldados pagos, que hão-de ser os que totalmente forem desobrigados, e cuja falta não for notável à conservação das fazendas, e serviço da república. Esta lista terá em si, para quando se fizerem levas de gente paga, a ter escolhida e separada, de maneira que se escusem os danos e queixas que até agora houve, procedendo nesta escolha com toda a inteireza que convém a meu serviço.

4.

A segunda lista será para os Companhias dos Auxiliares, as quais hão-de constar da gente mais nobre e rica, e que com menos incómodo de suas famílias possam ir assistir nas Fronteiras, quando a ocasião o pedir; porque, como a sua assistência não há-de ser mui dilatada, não há tanto inconveniente em que tenham familiar e obrigações a que acudir: e não convém que nestas companhias se admitiam homens forasteiros, e que não sejam moradores nos mesmos lugares, pelo risco de poderem faltar quando a ocasião, o pedir: e no mais se guardará a forma do Regimento que se mandou aos Corregedores para a criação das Companhias.

5.

Estas companhias se formarão de oitenta soldados cada uma, escolhendo para Capitães delas as pessoas mais nobres, de melhor nome, e mais ricas que se acharem nos lugares e termos em que se formarem as ditas Companhias, avisando o Governador daquela Comarca ao Governador das Armas dos sujeitos que lhe parecerem a propósito para ocuparem o tal posto, para que eles mandem pelo Conselho de Guerra pedir as Patentes que se lhes houverem de passar.

6.

E por quanto em quase todas as Comarcas estão nomeados os Capitães, e formadas estas Companhias, examinará o Governador que agora for se os tais Capitães são os que devem ser, e se as Companhias constam de qualidade e numero de gente que neste Regimento se manda; e não o sendo, as emendará na forma do capítulo 4 e 5.

7.

A terceira lista será da gente que sobejar das duas antecedentes, e que, conforme ao Regimento do Senhor Rei Dom Sebastião, que Deus haja, são obrigadas a servir nas Companhias das Ordenanças, nas quais hão-de servir também os postos em lembrança para soldados pagos, até que se necessite deles para os Terços, para não se desfazerem as Companhias dos Auxiliares, sempre que se fizerem levas de gente paga.

8.

As Companhias Auxiliares se exercitarão uma vez cada mês, e todas as da Ordenanças quatro cada ano, assistindo o Governador de Comarca aos mais alardos destes que lhe for possível, e aos que não poder assistir pessoalmente mandará o seu Sargento-mor.

9.

E para que a falta das armas não impossibilite o exercício dos Soldados, armará toda a Comarca, pedindo a Rui Correia Lucas as armas que pela lista geral que fizer achar que faltam, dando três meses de tempo às pessoas que não poderem logo pagar o preço delas, para que as paguem. E assim como for cobrando o dinheiro, o irá entregando à ordem de Rui Correia, de quem intenderá o preço porque as há de repartir; advertindo que, não se cobrando o dinheiro das ditas armas, se cobrará por conta de fazenda do dito Governador; por quanto se lhe dá todo o poder necessário para as repartir, e para as cobrar; a qual repartição e cobrança se lançará em Livro, por um dos Escrivães que servirem ante o Juiz de Fora, qual tiver por mais zeloso e diligente, entregando-as a cada Capitão das Companhias Auxiliares, e da Ordenança o número das armas que faltar para as suas Companhias, obrigando-se aliás ao dito Governador a entregar-lhe o dinheiro que nas tais armas se montar, conforme ao aviso que Rui Correia Lucas lhes fizer.

10.

E para que se não desfaçam os Soldados das armas, como tem acontecido nestes anos, ordenará aos Capitães, assim de Auxiliares como de Ordenança e Cavalaria, que procedam contra os Soldados que se desfizerem das armas, até que com efeito as tenham na forma em que se lhes repartiram.

11.

E porque a falta que há dos cavalos, tão prejudicial à defesa do Reino, procede de os não terem as pessoas que, conforme a seus ofícios e possibilidades, os deviam ter, obrigará o Governador a todas as pessoas, que, conforme ao Regimento, e ordens dadas neste caso, os podem sustentar comodamente, a que os comprem e sustentem, de maneira que sejam de serviço para a guerra.

12.

E aos que usarem de machos ou mulas de sela, ainda que não tenham a fazenda e ofícios referidos, obrigará a que tenham cavalos em lugar das tais mulas ou machos.

13.

E porque de presente pode acontecer que não haja cavalos bastantes para todos os que são obrigados a comprá-los, conforme a este Regimento, fará que criem e comprem os potros que houver, para que assim tenham saída os que os lavradores criam, e venham a haver cavalos de serviço no Reino.

14.

De cada cinquenta homens de cavalo se formará uma Companhia, e para Capitão dela nomeará o Governador da Comarca, ao Governador das Armas, as pessoas de mais qualidade, valor, e fazenda, que se acharem no tal lugar, para que peça no meu Conselho de Guerra as suas Patentes. Cada um destes Soldados, terá duas pistolas com suas bolsas, e uma clavina.

15.

E porque convém muito que haja particular cuidado na criação dos cavalos, avisará o Governador à Junta, que para este efeito tenho nomeado, e ao meu Conselho de Guerra, se os Coudéis-mores satisfizerem inteiramente a ordem e Regimento que se lhes deu para este efeito; por quanto sou informado que por descuido dos Coudéis-mores há menos criação de cavalos, e a que há não é a que convinha: e para poder examinar as faltas, que neste particular se fazem, se remeterá a cada Governador uma cópia do Regimento dos Coudéis.

16.

E porque, para remontar a Cavalaria nas Fronteiras, é forçoso fazerem-se levas; muita a miúdo, os Governadores darão toda a ajuda e favor às pessoas que as forem fazer, por minha ordem, ou dos Governadores das Armas, para que os cavalos se vendam, contanto que os donos deles fiquem com ganância, para os poderem criar com gosto e conveniência, não permitindo que se faça violência a quem os tiver, nem que os donos deles recusem vendê-los nesta forma, pois são para o serviço e defesa do Reino.

17.

Quando os Governadores tiverem ordens dos, seus Governadores das Armas (a quem hão de obedecer em tudo) para marcharem com toda ou parte da sua gente de pé e de cavalo, o farão com suma brevidade e pontualidade; pondo grande cuidado em que se não faça dano nos Lugares por onde passarem, e que a gente vá em ordem, e bem armada. E aos que lhe faltarem, ou fugirem, do caminho, ou dos Presídios aonde forem, castigarão, de maneira, que sirva de exemplo e emenda para os outros, considerando a ocasião e circunstâncias da fugida.

18.

E a todas as mais coisas que tocarem a meu serviço darão toda a ajuda e favor, particularmente às Justiças, respeitando e fazendo respeitar a seus Ministros, não se intrometendo na administração dela; porquanto a jurisdição que se lhes concede é só para todo o tocante à Milícia e segurança de suas Comarcas; e não o fazendo assim lho mandarei estranhar com todo o rigor.

19.

E quando virem que se desencaminha o meu serviço, em matérias que não pertencerem à sua jurisdição, particularmente na cobrança e repartição das décimas, avisarão aos Tribunais, a quem toca, o remédio das tais desordens.

20.

E para executar o acima referido poderão proceder à prisão, e até quarenta mil réis de pena, e dos crimes que a pedirem maior darão apelação, e agravo, para o Governador das Armas da sua Província, e aonde os não houver para o meu Conselho de Guerra.

21.

Para sentenciares os ditos crimes lhes servirá o Juiz de Fora da cabeça da Comarca de Assessor, com um dos Escrivães que ante ele servirem, qual para isso escolher.

22.

As condenações se depositarão em meu do Tesoureiro ou Almoxarife mais assistente na dita Vila ou Cidade, que for cabeça da Comarca, e se despenderão nos gastos dos Livros e Correios, e em prémio dos Soldados que mais curiosamente se exercitarem, e em outros gastos semelhantes por mandados do dito Governador, e por recibos das pessoas a quem se derem, os levará em conta o Provedor da Comarca que as há-de tomar todos os anos ao dito Tesoureiro ou Almoxarife; com declaração, que das despesas miúdas que não chegarem cada uma a um cruzado, bastará fazer-se um rol, o qual, sendo assinado, pelo Governador, Tesoureiro, e Escrivão, se lhes dará crédito para se lhe levarem em conta,

23.

E quando eu houver por meu serviço mudar os ditos Governadores destes postos trarão relação dos Provedores de que constar das ditas contas, a qual entregarão ao meu Secretario no Conselho de Guerra, ficando os Livros originais delas nas ditas Comarcas.

24.

As listas gerais que se fizerem deixará o Governador na Câmara de cabeça da Comarca, assim de Cavalaria, como da Infantaria quando por ordem minha, passar a maiores ocupações, de que terei particular cuidado, se servir come espero dele na forma que se dispõe neste Regimento, o qual se registará nos Livros das Câmaras, cabeças das Comarcas, para nelas haver notícia do que contém. E no que não for disposto neste Regimento se governará cada um dos ditos Governadores pelo que deixou o Senhor Rei D. Sebastião, que Deus haja, na forma que até agora se guardou. E este Regimento, na parte que nele se contém, hei por bem, e mando, se cumpra e guarde; tão inteiramente como nela é declarado, sem se lhe por dúvida, nem contradição alguma, porque para isso, de minha certa ciência, poder Real e absoluto, derrego quaisquer outros Regimentos que em contrário haja, e todos os estilos, usos e Leis; que em algum modo encontrarem o disposto neste, ainda que de cada uma delas seja necessário fazer aqui especial menção; e valha e tenha força e vigor, como se fosse Carta feita em meu nome, por mim assinada, e passada por minha Chancelaria, sem embargo da Ordenação do livro 2.°, títulos 39, 40, e 44, que diz que as coisas cujo efeito houver de durar mais de um ano, passem por Cartas, e passando por Alvará não valham; e valerá outrossim, posto que não seja passado pela minha Chancelaria, sem embargo de mesma Ordenação.

Domingos Luís a fez, em Lisboa, ao 1.º dia do mês de abril de 1650 anos.

E eu António Pereira o fiz escrever.

= REI.

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