Batalha de Aljubarrota |
De
Da
génese da Monarquia Portuguesa ao início da República
2. À morte de D. Fernando I,
abriu-se nova crise, não menos grave, causada pela instabilidade do
monarca e da falta de capacidade demonstrada no fim da vida, quando,
meses antes de vir a falecer, assinou com João I de Castela o
Tratado de Salvaterra (1383). D. Fernando colocava Portugal nas mãos
do rei vizinho, provocando uma forte reacção dos partidários do
Mestre de Avis “ca filho he d’el-rei dom Pedro”1.
Bastardo, suportado pelo povo que fora empurrado para a Revolução,
esta transformou-se de crise dinástica, numa verdadeira mudança do
aparelho de “estado” e dos que antes aconselhavam e detinham títulos
de nobreza, por uma nova e diferente em que nobres e gente comum
subiam a linhas de nobreza altíssimas com dois ou mais títulos, em
alguns casos. Sucessivas guerras com
Castela e batalhas sangrentas restituíram o Reino aos Portugueses,
dado que a herdeira legítima, D. Beatriz, era casada com o monarca
castelhano. Uma outra barreira também fortemente alicerçada teria
de ser derrubada. Tinha a ver com os mais altos cargos do Conselho e
da Administração em geral e ainda com os mais importantes títulos
de nobreza terem sido entregues por D. Fernando, mas, sobretudo,
pela sua mulher, a rainha Leonor Teles de Menezes que os havia
nomeado tendo-os praticamente todos do seu lado. Só rolando cabeças
e o exílio restituíram a D. João I o trono, mantendo-o na governação
exclusivamente portuguesa por mais dois séculos. Deu-se, então início, após
Aljubarrota, Trancoso e Valverde, no seu conjunto, um grande teste
à independência de Portugal, trazendo consigo uma mudança digna
de nota na estrutura social do País. As camadas baixas da nobreza e
os filhos-segundos, ansiando a obtenção de terras e cargos que
pertenciam aos poderosos senhores feudais, alinharam com o Regedor e
Defensor do Reino. Por motivos diversos, a média burguesia e os
artesãos que aspiravam a uma maior participação na administração
local e nos assuntos económicos em geral, preferiram ficar ao lado
do Mestre e tê-lo por seu chefe contra os que defendiam a velha
ordem. As gentes menores aspiravam também a melhores condições de
vida e apoiaram todos estes. D. Nuno Álvares Pereira (1360-1431) fora condestável do Reino, mordomo-mor da Corte, 2.º
Conde de Arraiolos, 7.º Conde de Barcelos e 3ºConde de Ourém. O
Dr. João das Regras (1340/1345-1404), jurisconsulto, professor do
Estudo-Geral de Lisboa, Protector do mesmo, cavaleiro da Casa do
rei, Senhor de Castelo Rodrigo, Tarouca e Valdigem, senhor de
Cascais e do reguengo de Oeiras… E assim foram recompensados os
que mais de perto auxiliaram o Mestre durante a Crise2.
Quadro 2 Linhagem real portuguesa da 1.ª
Dinastia até D. Afonso IV - 1179- 1325
D. Afonso I
c.c. D. Mafalda
|
D. Sancho I c.c. D. Dulce
de Berenguer (Barcelona)
|
(1160-1198)
|
D. Afonso II
c.c. D.
Urraca de Castela
(1185-1223) | (1186-1220)
__________________|________________
|
| D.
Sancho II c.c.
D. Mécia de Haro
D. Afonso III c.c. D. Beatriz
de Castela (1207-1248)
(1215-1270)
(1210-1279) |
(1242-1303)
|
D. Dinis cc. D. Isabel (1261-1325)
| (1271-1336)
|
D.
Afonso IV
Quadro 3 Linhagem real portuguesa da 1.ª
Dinastia desde D. Afonso IV - 1325-1383
D. Afonso IV
c.c. D. Beatriz de Castela (1291-1357)
|
(1293-1359)
|
D. Pedro I c.c. D. Constança
Manuel de Castela
(1320-1367)
|
(1320-1349)
|
|
| D. Fernando I
c.c. D. Leonor Teles de Meneses
| (1345-1383)
|
(1350-1386)
|
|
D. João I
D. Beatriz c.c.
João I rei de
Castela
(1373-1410)
(1358-1390)
Casado, em 1387, com D.
Filipa de Lencastre (1359-1415), filha de John of Gaunt (1340-1399),
Duque de Lencastre e Duque da Aquitânia, e neta de Eduardo III (1312-1377)
de Inglaterra, o rei de Portugal assinou o tratado de Windsor com
aquele País, em 1386, que nos daria boas garantias de sucesso e
tremendas restrições muito mais tarde na política portuguesa.
Tendo como filhos os designados Infantes da Ínclita ou Ilustre Geração,
foram pais de D. Duarte, sucessor do trono, D. Pedro, o chamado
Infante das Sete Partidas que veio a ser regente do Reino durante a
menoridade de D. Afonso V, sucessor de D. Duarte, que falecera muito
novo, 1.º Duque de Coimbra e senhor de Montemor; do Infante D.
Henrique, o Navegador, assim chamado pelo impulso dado às
descobertas e à Expansão Portuguesa, 1.º Duque de Viseu senhor de
Covilhã e 1.º administrador laico da Ordem de Cristo; D. Isabel
que veio a casar-se com Filipe, o Bom, Duque da Borgonha, em 1430;
de D. Fernando, Mestre de Avis, o Infante mártir em Fez, aquando do
desastre de Tânger, em 1437; e de D. João, Mestre da Ordem de
Santiago. Teve ainda um filho bastardo, nascido antes do seu matrimónio,
D. Afonso que veio a ser o 8.º Conde de Barcelos e 1.º Duque de
Bragança (1442), rival sanguinário do Infante D. Pedro, seu
meio-irmão. A moeda raramente era
cunhada em metal puro: inclusive,
por motivos técnicos, como a dureza e menos desgaste, ao ouro e à
prata devia ser misturado outro metal, obtendo-se uma liga, onde os
metais entram em certa proporção. Por exemplo, um quilo de metal a
amoedar, para A situação monetária
por época da Crise de 1383-1385 não era famosa. Famosa seria…
mas pela negativa. Porque foi a partir desta data que se deteriorou
em termos difíceis de imaginar e que só não foram catastróficos
por virtude do relativamente reduzido papel-moeda na economia do
Reino e das defesas que os interessados certamente adoptaram à
margem das leis. Efectivamente, refere Fernão
Lopes que, após “tais mudanças de liga e talha que serão longas
de contar”, uma dobra de D. Fernando chegou a valer, no final do
governo de D. João I, 1.173 dobras joaninas3.
O cálculo não é, no entanto, exagerado: “o marco de prata de 11
dinheiros elevava-se, entre 1422 e o fim do reinado, a A Ordenação de 1473
deixa de fazer o cálculo Em 1411, D. João I associou o primogénito e herdeiro da Coroa, D. Duarte, ao governo do País, com quem reinou durante 22 anos. Organizaram ambos um plano de expansão militar no Norte de África. Politicamente considerada, teve a vantagem de manter a nobreza ocupada fora das fronteiras portuguesas, ajudando, igualmente, a aliviar a pressão da crise económica, desviando as atenções da situação interna muito debilitada após a Crise, a qual estava longe de satisfatória. Financeiramente, foi um dos maiores erros em que podíamos ter caído. A fama não correspondia à realidade dos factos, mas, mesmo assim, prosseguimos: Ceuta, o desastre de Tânger, Alcácer Ceguer, Arzila e Tânger de novo, Azamor… Anafé e o grande desastre de Alcácer Quibir que nos fez parar de vez, em 4 de Agosto de 1578. Cavalarias e cavalgadas tardo-medievais a par de viagens que traduziam a fase de transição para a modernidade, um contra-senso que nos proporcionariam, a par dos desastres de uma banda, conhecimentos acrescidos, de nova gente, seus hábitos… troca de culturas, organização de colónias, domínio de novos caminhos para transacções comerciais e a descoberta do ouro de Arguim (1446-1460), e a da Mina (1474), ainda a exploração do açúcar na Ilha da Madeira. Iniciaram-se com o Infante D. Henrique e, após a passagem do Bojador, não pararam mais. Até 1460, foram levadas a efeito sob a égide henriquina, interrompidas pelos novos sonhos do Africano e prosseguidas em 1474, pelo Príncipe D. João, futuro D. João II que manteve a política expansionista de seu tio-avô, o Infante D. Henrique.
D. João I morreu em 1433
e D. Duarte reinou a sós cinco anos, pois veio a falecer em 1438.
Confirmou centenas de documentos passados pelo pai: legitimações,
privilégios, nomeações, doações… Mas não se ficou por aqui.
Havia o problema insolúvel da posse das ilhas Canárias e o rei
enviou seu sobrinho D. Afonso, 4.º Conde de Ourém, ao Concílio de
Basileia; mandou efectuar inquirições aos almoxarifados de Viseu e
Lamego que ficaram, aparentemente, concluídas; promulgou a Lei
Mental que fazia voltar à Coroa os bens dos falecidos que não
deixassem filhos varões; promulgou as chamadas Ordenações
de D. Duarte, tidas como uma primeira arrumação das leis
publicadas e extravagantes do que viriam a ser as futuras Ordenações
Afonsinas; assistiu à passagem do Cabo Bojador que daria início
a centenas de viagens de contorno da Costa da África. Morreu após
o desastre de Tânger onde seu irmão, o Infante D. Fernando, ficou
a apodrecer cativo dos Mouros… Doente, de humor
merencório que o levaria aos apontamentos do seu Leal
Conselheiro… deixou, num testamento que se perdeu, a rainha viúva
como tutora e curadora dos filhos menores. O seu sucessor, D. Afonso
V, tinha seis anos. Voltávamos a cenários semelhantes aos da crise dinástica de 1383-1385. Formaram-se dois partidos, à morte do rei: um apoiava a rainha e era chefiado por D. Afonso, 8.º Conde de Barcelos que reuniu à sua volta o que havia de melhor entre a alta nobreza e o alto clero. E D. Pedro, duque de Coimbra que, como filho legítimo de D. João I e irmão mais velho do falecido rei, se opôs, preteriu a vontade da rainha que para mais era estrangeira (D. Leonor de Aragão) e propôs-se para a regência do Reino. Ganhou D. Pedro e governou até 1448, ultrapassando o tempo oficial em dois anos, a pedido do próprio sobrinho-rei que lho pedira porque, em 1446, se achava ainda impreparado. Tomou lugar uma guerra civil que opôs o rei a seu tio o Regente, urdida pela facção oposta e que terminou em Alfarrobeira com a morte de D. Pedro, duque de Coimbra, sogro do rei. Digamos que, neste caso, metade dos principais do Reino exilaram-se em Castela ou noutros países da Europa, e só regressaram, os que assim o desejaram, cinco anos depois, aquando do perdão-geral. Digamos que, até aqui, não fora necessário alçar punhais e espetá-los nas costas dos opositores, nem espingardeiros ou besteiros eliminarem os opositores. O primeiro a fazê-lo foi D. João II e outros a mando deste. Até Empenhados nos inventos e na arte de navegar, na prática dos ensinamentos da nova ciência náutica, recentes e múltiplos conhecimentos geográficos, o conhecimento da Ásia e a busca do lendário Preste João das Índias, a mão-de-obra cada vez mais especializada, o ouro aportado ao Continente e a solução dos problemas, o espírito de cruzada convenientemente anunciado à Santa Sé, os novos locais de interesse… deixavam o rei, os senhores, os artesãos, a clerezia, os marinheiros… demasiado entretidos na resolução de novos actos de bravura e de diferentes cometimentos que, pela primeira vez, diziam respeito a todos, ou seja, a todo o Povo.
Notas
1.
Ver Fernão Lopes, Crónica
de D. João I, 1.ª parte relativa à vida de D. João até
à Crise Dinástica; 2.ª parte, como rei de Portugal. A Crónica
da tomada de Ceuta é, geralmente, tida como a 3.ª parte,
embora de autor diferente. 2.
Ver Maria Ângela Beirante, Estruturas
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