A Coroa nos instrumentos de Física da Universidade de Coimbra |
De
Da
génese da Monarquia Portuguesa ao início da República
4.
A César
Manuel, como era chamado, sucedeu D. João III que reinou de Por um lado, o rei mostrava-se tolerante, aberto às correntes internacionais do pensamento, acolhedor de novos intelectuais, louvado por humanistas… dando um inesperado lugar a um governo baseado num fanatismo incomum, curto de vistas, completamente nas mãos dos Jesuítas e de quantos eram ferrenhos adeptos de uma extemporânea contra-reforma, mais de uma Reforma, pois que nunca a tinham visto antes, ordenando a prisão e condenação daqueles mesmos que antes havia convidado para trabalhar na Corte, reduzindo-lhes os vencimentos prometidos e isolando-se a si e ao Reino de influências externas.
Provavelmente,
motivos de ordem pessoal estiveram na origem da súbita mudança de
atitudes do rei. Dos nove filhos que lhe deu a rainha, D. Catarina de
Áustria, não sobreviveu um único aos pais. A religião fora o único
consolo de ambos. Conseguiu que o papa estabelecesse o Santo Ofício
em Portugal, em 22 de Outubro de 1536, pela bula de Paulo III
[1534-1549] Cum ad nihil magis, a
mesma versão de uma anterior expedida por Clemente VII.
Toda a população foi convidada a denunciar os casos de
heresia de que tivesse conhecimento. Em 1537, o monarca que estava em
Évora quando recepcionou a bula papal, regressou a Lisboa e com ele o
novo Tribunal. O primeiro livro de denúncias tomadas na Inquisição,
iniciado em Évora, foi continuado em Lisboa, a partir de Janeiro
deste ano. Em 1539, o cardeal D. Henrique, irmão de D. João III de
Portugal e depois ele próprio rei, tornou-se inquisidor geral do
Reino. Até 1541, data em que foram criados os tribunais de Coimbra, Porto, Lamego, Tomar e Évora, existia apenas a Inquisição portuguesa que funcionava junto à Corte. Em 1543-1545, o Santo Ofício em Évora, de onde dominava todo o Sul do País, efectuou diversas visitações à sua área jurisdicional. Mas em 1544, Paulo III mandou suspender a execução de sentenças da Inquisição portuguesa e os autos-de-fé sofreram uma interrupção.
Foram, então, redigidas as primeiras instruções para o seu funcionamento, assinadas pelo cardeal D. Henrique, e datadas de Évora, a 5 de Setembro. O primeiro regimento só seria dado em 1552. Em 1613, 1640 e 1774, seriam ordenados novos regimentos por D. Pedro de Castilho, D. Francisco de Castro e pelo Cardeal da Cunha, respectivamente.
Segundo o regimento de 1552, deviam ser logo registadas em livro as nomeações, as denúncias, as confissões, as reconciliações, a receita e despesa, as visitas e as provisões enviadas para o exterior.
Diz Paulo Drumond Braga, no seu livro D. João III, a p. 136, que o pontífice emanou sucessivos perdões gerais aos cristãos novos em 1546 e 1547. Neste último ano, Paulo III autorizou que o Tribunal português passasse a ter características idênticas aos tribunais de Castela: sigilo no processo e inquisidores gerais designados pelo monarca. No mesmo ano, saiu o primeiro rol de livros proibidos, o primeiro Índex, e deixaram de funcionar os Tribunais de Coimbra (restaurado, no entanto, em 1565), Porto, Lamego e Tomar.
Em
1552, o Santo Ofício recebeu seu primeiro Regimento, que só seria
substituído em 1613. Em 1545, Damião de Góis tinha sido denunciado
como luterano. Em 1548, Fernão de Pina, guarda-mor da Torre do Tombo
e cronista geral do Reino, sofreu idêntica acusação.
No Arquivo da Torre do Tombo, encontra-se abundante documentação: D. Diogo da Silva, primeiro inquisidor-mor, nomeou um conselho para o assessorar, composto por quatro membros. O Conselho do Santo Ofício de 1536 foi a pré-figuração do Conselho Geral do Santo Ofício criado pelo cardeal D. Henrique em 1569 e teve o seu regimento em 1570. Entre as suas competências, salientem-se: a visita aos tribunais dos distritos inquisitoriais para verificar a actuação dos inquisidores, promotores e funcionários subalternos; o cumprimento das ordens e a situação dos cárceres. Competia-lhe julgar a apelação das sentenças proferidas pelos tribunais de distrito, a concessão de perdão e a comutação de penas, a censura literária para impedir que entrassem no País livros heréticos; a publicação de índices expurgatórios; as licenças para impressão1.
A
D. João III só podia suceder o neto – D. Sebastião, com três anos
de idade. Falecido o monarca em 1557 e nascido D. Sebastião
[1554-1578], filho do Infante D. João, em 1554, o rei de tenra idade
necessitou de um tutor e curador. O primeiro foi sua avó, D. Catarina
da Casa de Áustria, irmã de Carlos V, casado com D. Isabel de
Portugal. Filho de Filipe I de Espanha e pais de Filipe II [1527-1598],
imprimiu uma forte influência na Regente. De 1562-1568 sucedeu na criação
do rei, o Cardeal D. Henrique, inquisidor-mor, a primeira vez que um
padre governava directamente o País. Findos os períodos de regência, D. Sebastião, com os seus catorze anos, governou o País numa estabilidade pouco usual. O que poderia pôr em causa o sossego do seu governo residia, essencialmente, na correspondência entre Filipe II e D. Catarina, o que se conservava no segredo dos deuses. D. Sebastião era doente, pelo menos sofria de um mal que lhe não permitia estabilidade sexual e, na época, nada se sabia sobre o facto. Mulheres não as tinha com a intenção de vir a casar e dar filhos, sucessores no trono. A par, a educação religiosa era muito forte e convinha a D. Catarina que o fosse. Caindo nas mãos de favoritos inexperientes, voltou-se, porventura aconselhado, para o Norte de África, na intenção de construir um império. Impostos extraordinários laçados sobre o Povo, verbas pedidas à Igreja, e empréstimos de comerciantes estrangeiros, dotaram o tesouro com centenas de milhar de cruzados para levar a cabo a empresa, contando com a oposição dos ex-regentes e da parte de seu tio, Filipe II de Espanha recebeu correspondência pela qual tentava dissuadi-lo da empresa. Era um objectivo mascarado, este de não aconselhar o sobrinho a abandonar o Reino e avançar para o perigo, onde efectivamente, em batalha campal, em Alcácer-Quibir, desapareceu para sempre. Fora a derrota mais desastrosa sofrida pelo País, no dizer de Oliveira Marques que apontou para a morte da nata da aristocracia e de elementos do exército (uns 7.000). Os demais foram feitos prisioneiros2.
Após a sucessão pelo Cardeal D. Henrique, um eclesiástico, só D. António, Prior do Crato [1531-1590] poderia candidatar-se ao governo. O único filho varão dos filhos de D. Manuel I, sendo aclamado em 1580 e gozando de grande popularidade entre o Povo, e tendo provado que seu pai o legitimara. Iniciou-se uma espécie de interregno, dada a indecisão que não assaltava a população em geral, pois aceitaria tudo, excepto a ideia de ser governada por um rei espanhol.
Fortemente apoiado, Filipe II, filho de uma rainha de nacionalidade portuguesa e, portando, ligada também a D. Manuel I, deu origem à União ibérica, que, como dissemos, funcionou ao contrário, dos planos gizados por D. João II de Portugal. Neste caso, seria Filipe II a governar Espanha e Portugal, um rei com dois Países distintos, mas ambos subordinados ao governo de regências espanholas e Portugal, um País pequeno, que vinha recentemente de uma sociedade revoltada e instável. Ainda a piorar a situação, foram os conflitos de Filipe II com nações estrangeiras e a perda paulatina da força portuguesa nas suas colónias. Para a época esta imagem era muito negativa. A autonomia portuguesa prometida, se, a princípio, fora respeitada, depressa seria esquecida. Em 1583, Filipe II deixava Portugal e não voltou mais, deixando por cá como governador o arquiduque Alberto de Áustria, um sobrinho favorito, que vivia em Espanha desde 1570, fora cardeal aos dezoito anos, legado papal em 1583 e ss. e, finalmente, inquisidor-mor de Portugal, desde 1586. Foi um descalabro governativo no Reino de Portugal. Cansado de impostos, o Povo, em vez de continuar a aceitar D. António, cruzou os braços, e mostrou-se indiferente e o cardeal-arquiduque não permaneceria em Portugal por muito tempo.
Ante
o amontoado de problemas, mesmo à distância, Filipe II deu certa
prosperidade ao nosso País, houve importantes reformas administrativas,
judiciais e financeiras, inspiradas nos modelos do Reino vizinho.
Contudo, a nossa participação na “Invencível Armada” deitara por
terra as boas mudanças que tinham vindo na altura mais apropriada. Já
as questões com a Inglaterra, por todas as razões, vinham pôr em
perigo o governo pacífico e próspero de Portugal. Para mais, a armada
partia de Lisboa em 1588 e Francis Drake em nada evitou a perda por
parte da Espanha de grande parte dos barcos que eram portugueses. A
marinha nacional “afundou-se”. Alternaram-se, então, governos individuais com outros colectivos, ao sabor das necessidades dos reis de Espanha.
Falecido
em 1598, sucedeu-lhe Filipe III, seu filho que viria a falecer em 1621.
Um rei fraco de espírito, totalmente desinteressado dos negócios do Estado,
entregou o poder real nas mãos de terceiros, a antítese do pai,
confinando-se ao Palácio, no meio de uma pompa e circunstância que lhe
deram um significado meramente simbólico. Filipe IV que herdou o trono em 1621, reinaria até 1640. Começou o seu papel de governante com dezasseis anos de idade, confiou a Administração a Gaspar Felipe de Guzmán, conde e depois duque de Olivares que visou uma centralização interna e só tardiamente se deu conta dos Países Baixos desenvolverem uma política expansionista à custa da Península. Se os nossos exércitos em terra foram tidos sempre como vencedores, já o mesmo não sucedera no mar, onde os Holandeses eram senhores. Os desastres políticos sucederam-se. A Guerra dos Trinta Anos opuseram Franceses a Espanhóis e o reinado de Filipe IV foi marcadamente negativo.
Iniciaram-se
os ataques ao Portugal ultramarino e neste aos seus centros vitais:
E
os ataques continuaram, embora os Portugueses lhes tivessem feito
frente. Foi o caso de Macau, Cabo Verde, Malaca e Goa. No Império
português nada podia ser considerado seguro. As dívidas ao erário público
amontoavam-se… A multiplicação dos ataques e a escassez ou mesmo a
falta total de reforços vindos da Europa explicam os grandes desastres
sofridos por Portugal, a partir de
Quadro
6 Genealogia
dos Filipes de Espanha e reis de Portugal: dinastia de Habsburgo/Avis:
1580-1640
Filipe, o
Belo
c.c. Joana, a
Louca (Filipe I de Espanha) |
|
Carlos I de Espanha
c.c.
Isabel de Portugal
(Carlos V da Alemanha)
|
|
Filipe II de Espanha
(Filipe I, rei de Portugal)
c.c. Ana de Áustria
(1527-1598)
| (1549-1580)
|
Filipe III de Espanha c.c.
Margarida de Áustria
(Filipe II, rei de Portugal)
|
(1584-1611)
(1578-1621)
|
|
Filipe
IV de Espanha c.c. Mariana de
(Filipe III de Portugal)
(1634-1696)
Depois da Restauração da monarquia portuguesa, continuava em precárias condições a economia luso-brasileira, pela continuidade da ocupação de longa faixa litoral do Nordeste brasileiro, por parte dos Holandeses, da sua Companhia Privilegiada das Índias Ocidentais (1621). Sendo a região pernambucana grande produtora de açúcar, passou a sê-lo em benefício dos intrusos, se bem que tenha sido com grande dificuldade que tivessem conseguido o rendimento antes registados pelos seus engenhos. Os Holandeses transformaram o seu País num potentado comercial ao nível de distribuição de bens. Tirando partido da sua irresistível competitividade em termos de fretamentos e seguros navais e de terem ao seu dispor uma quantidade de fundos muito abundante (a Bolsa de Valores e o Banco de Amesterdão foram criados em 1608 e 1609 respectivamente) criaram empresas por acções, como a Companhia das Índias Orientais Holandesas e a Companhia das Índias Ocidentais Holandesas. Estas companhias constituíram verdadeiras inovações para a época. A colonização da Índia inicia-se através da Companhia Inglesa das Índias Orientais que tenta pagar as aquisições de mercadorias indianas quase exclusivamente através dos impostos colectados na própria Índia.
Quadro
7 Genealogia
dos reis de Portugal, da dinastia Brigantina: 1640-1750
D. João
c.c. D. Catarina (duque
de Bragança)
|
(1540-1614) (1543-1582) |
|
D. Teodósio
c.c. D. Ana de
Velasco
(duque
de Bragança)
|
(1568-1630)
|
D. João IV
c.c. D. Luísa de Guzmán
(1604-1656)
|
(1613-1666) ______________________________|__________ | | D.
Afonso VI c.c. D. Maria Francisca
c.c. D. Pedro
II c.c.
D. Maria de Neuburg (1643-1683) de Sabóia (1648-1706) | (1666-1699)
(1646-1683)
|
D. João V
(1689-1750)
Aos impostos cobrados juntavam-se outras formas de rendimento ou riqueza, tais como a extorsão, os lucros das empresas que fluíam para as mãos da companhia. Nas exportações, através das quais a tributação maciça da Índia se realizou, ocupavam o primeiro lugar os têxteis de algodão, seguido do anil e da seda pura. A maximização da produtividade era a preocupação central da sua política. Mas a vantagem da Companhia resultou essencialmente da esfera militar, que incapacitava os indianos de enfrentar as tropas inglesas.3 Portugal, em guerra com a Espanha, foi com grande dificuldade que conseguiu entender-se com outros países a fim de minorar os prejuízos. Foi, então, organizada a primeira Companhia Geral do Comércio do Brasil (1649), em que os Judeus puderam colaborar sem correrem qualquer perigo por parte do Santo Ofício. O padre António Vieira conseguiu do Rei que os inquisidores fechassem os olhos, se não nada poderia ser feito. As Casas dos Carvalho, Silveira, Botelho e Serrão foram as que mais contribuíram. Fundada no contexto da segunda das invasões holandesas do Brasil (1630-1654), destinava-se a coadjuvar a resistência ao invasor, fomentando a recuperação da agromanufatura açucareira na região. A sua principal função era a de fornecer, em carácter de exclusivo comercial, escravos africanos para a região nordeste do Brasil, e a de garantir o transporte do açúcar em segurança para a Europa. A segunda a ser fundada veio a ser a Companhia do Comércio do Estado (ou do Estanco) do Maranhão (1682), Instituída em carácter de exclusivo comercial, destinava-se a fomentar a agromanufatura de açúcar e o cultivo de algodão, através do fornecimento de crédito e de escravos africanos aos produtores da região, assegurando, igualmente, o transporte em segurança daqueles géneros para a Europa. Tendo dado origem a revoltas dos Maranhenses contra qualquer tipo de monopólio, pretenderam com ela a democratização dos Estatutos da mesma, para aliviar, tanto quanto possível, os habitantes da alargada região. Entre os privilégios de que beneficiava, além do monopólio do comércio com o Estado do Maranhão por 20 anos, destacavam-se a isenção de impostos, um juízo privado, a via executiva para a cobrança de suas dívidas e a liberdade de descer do sertão maranhense os indígenas que desejasse para tê-los ao seu serviço. A Companhia foi acusada de desvalorizar os géneros que deveria adquirir, cobrando em excesso pelas mercadorias da metrópole, além de não disponibilizar os escravos africanos conforme acordado. As reclamações levaram à eclosão da Revolta dos irmãos Beckman (1684) e à posterior extinção da própria Companhia, logo um ano depois.
Seguiu-se a Companhia Geral do Comércio do Grão-Pará e Maranhão (1755). Diante da proibição da escravatura indígena no Estado do Grão-Pará e Maranhão, a Companhia teve a sua origem numa petição, encaminhada em 1752 pela Câmara Municipal de São Luís do Maranhão ao Governador e Capitão-general, Francisco Xavier de Mendonça Furtado, que a mandou aí sedear com o objectivo de que fosse criada uma sociedade autorizada a explorar o comércio de importação de escravos africanos. Este acolheu-a de bom grado e, após ter conseguido o apoio dos cidadãos mais influentes de Belém do Pará, encaminhou-a com sua aprovação ao seu meio-irmão, o Marquês de Pombal. A última companhia do Brasil Colonial foi a Geral do Comércio de Pernambuco e Paraíba, também da iniciativa do Marquês, em 1759, destinada a fomentar o desenvolvimento económico das Capitanias que figuravam em seu título. D. Maria I de Portugal extinguiu-lhe o monopólio, no início da década de 1780, no contexto da chamada “Viradeira”4.
A D. João IV sucedeu D. Afonso VI (1656-1683) que não estava destinado a reinar nem fora preparado para tal. Tinha 10 anos. O herdeiro da coroa devia ser o seu irmão mais velho, o brilhante Príncipe D. Teodósio (1634-1653).5 A formação de D. Afonso foi pouco cuidada, à semelhança dos restantes irmãos, o que se confirma quando D. Catarina parte para a Inglaterra, em virtude do seu casamento com Carlos II, quase sem saber falar inglês.6
Ao contrário dos seus irmãos, Afonso passou a sua infância e juventude em Lisboa, num ambiente tenso e mergulhado em preocupações políticas, governativas e militares7. Com 3 ou 4 anos de idade, atinge-o uma «febre maligna» que lhe afecta o lado direito do corpo e que se repercutirá na sua vida em variados aspectos, desde políticos a familiares e sexuais8. Uma doença do sistema nervoso central, pensa-se hoje, talvez uma meningite, uma doença de foro nervoso, como propõe Montalvão Machado.9 A D. João IV ficara por sucessor o infante D. Afonso, com os defeitos que o incompatibilizavam com o exercício da realeza e as consequências políticas da sua doentia inferioridade, a principal das quais foi o golpe de estado que elevou à situação de primeiro-ministro, aparentemente na modesta designação de escrivão da puridade do monarca, mas na função efectiva de verdadeiro soberano, o conde de Castelo Melhor, D. Luís de Vasconcelos e Sousa.
Entretanto,
em
Entre
1654 e 1655, poucos anos antes de falecer, D. João IV dispensou, em
benefício do infante D. Pedro, futuro rei, um vasto património de
senhorios, grande parte deles usurpados aos nobres contrários à
Restauração que se haviam exilado Garantia-se,
desta feita, não só «o mantimento dos filhos segundos da coroa»,
medida que conseguia colocar nas mãos da família real um vasto património,
que garantia igualmente a sua importância senhorial. A Casa de Bragança,
a Casa do Infantado e a Casa do Cadaval, com quem a monarquia, mais
tarde, contraiu alianças, constituíam a tríade nobiliárquica
portuguesa e, embora tivessem todas elas ligações à coroa, as suas
possessões estavam segregadas do património do Estado. A regência
foi entregue a D. Luísa de Guzmán e prolongou-se indefinidamente dada
a falta de saúde do monarca. Os Holandeses aproveitaram a fragilidade
do País, saído de guerras e com um representante. O Conde de Castelo
Melhor construiu uma política de amparo e barreira aos malefícios das
forças do exterior. O casamento é que não resultara, como convinha,
ou o Primeiro-ministro devia ter sido mais prudente e conseguir afastar
o inábil soberano e trocá-lo pelo irmão como regente. Assim não
sucedeu. Educada na dissoluta corte de
Versalhes, a nova e formosa rainha D. Maria Francisca, vexada por tal
consórcio, apaixonou-se pelo brilhante cunhado D. Pedro, de 18 anos.
Nos seus delituosos amores, ambos conluiaram novo golpe político. Em dada manhã
de Novembro de Mal ou bem, preenchem-se, pois, todas as condições para ser firmada a Paz. Contentou-se o rei de França. Em Espanha, Filipe IV vem a morrer em 1665 e seu herdeiro, Carlos II, ascendera ao trono com quatro anos de idade. A passagem do governo de mãos e a intervenção diplomática da Inglaterra tinham como objectivo o estabelecimento da normalidade por que todos ansiavam. O Concerto de pazes pôde, deste modo, ser assinado em 1668, reconhecendo a plena independência de Portugal em relação à Espanha e mantendo inalteráveis as suas fronteiras e possessões ultramarinas. O que restou ficou para nós. Apenas Ceuta quis permanecer ligada à Espanha11, como ainda hoje figura. Filho de Pedro II e de Maria Sofia, condessa palatina de Neuburgo (1666-1699), subiu ao trono, em 1706, D. João V (1689-1750). Recebeu os cognomes de O Magnânimo ou O Rei-Sol Português, em virtude do luxo de que se revestiu o seu reinado; alguns historiadores recordam-no também como O Frenético, devido à sua conhecida apetência sexual por freiras (de algumas das quais chegou inclusivamente a gerar diversos filhos - como a Madre Paula, mãe de Gaspar de Bragança, um dos meninos de Palhavã.
Nascido em Lisboa, no Palácio da Ribeira e foi jurado príncipe herdeiro em 1 de Dezembro de 1697. Foi armado cavaleiro, em 1696, pelo seu pai, o Rei, cavaleiro da Ordem de Cristo. Foi “ senhor de uma vasta cultura, bebida na infância com os padres Francisco da Cruz, João Seco e Luís Gonzaga, todos da Companhia de Jesus. Falava línguas, conhecia os autores clássicos e modernos, tinha boa cultura literária e científica e amava a música. Para a sua educação teria contribuído a própria mãe, que o educou e aos irmãos nas práticas religiosas e no pendor literário.»12 Logo na cerimónia da aclamação “se viu o pendor régio para a magnificência. Era novo o cerimonial e de molde a envolver a figura de Dom João V no halo de veneração com que o absolutismo cobria as realezas.»13 No dia da aclamação, em 1 de Janeiro de 1707, foi nomeado D. Tomás de Almeida, Bispo de Lamego, Escrivão da Puridade ou seu Primeiro-Ministro.
Mandou
construir o Convento de Mafra, inaugurado em 1744 pelo Papa Bento XIV;
quatro anos mais tarde, receberia desse mesmo papa o título de Sua
Majestade Fidelíssima, extensíva aos seus sucessores (tal como os
títulos de Sua Majestade Católica em Espanha e Sua Majestade
Cristianíssima em França). Foi também no seu reinado que a Santa
Sé atribuiu a Lisboa que o rei dividiu em Ocidental e Oriental – a
primeira metropolitana e a outra patriarcal -, a dignidade de
Patriarcado, a par de Roma e de Veneza, tornando-se assim o arcebispo D.
Tomás de Almeida um dos três patriarcas do Ocidente. O nome do rei está
ligado ao do Aqueduto das Águas Livres, para o regular abastecimento de
água a Lisboa, que trazia água de Belas, apenas concluído no governo
de seu filho, D. José I. O ouro do
Brasil deu ao rei e à maioria dos nobres a possibilidade de ostentarem
opulência, como até então, nunca tinha sido vista. As prodigalidades
deste monarca assumiram custos elevadíssimos: enriqueceu os conventos,
deu dinheiro ilimitado aos fidalgos; nos últimos anos da sua vida,
mandou rezar para cima de 700.000 missas; por urna imagem que o papa
benzeu, de prata dourada, deu 120.000 cruzados; para Jerusalém mandou
1.377 cruzados; fundou o convento do Louriçal, dotando-o com 6.000
cruzados, e dotou-o de muitas alfaias e pratas; criou dois bispados no
Brasil; mandou para diferentes igrejas do estrangeiro alfaias e adornos
de incalculável valor; em indulgências e canonizações enviou para
Roma perto de 1,38 milhões de cruzados; na missão que foi a Roma
assistir a um conclave gastou-se para cima de dois milhões de cruzados;
ao núncio Bichi, quando se retirou de Lisboa, mandou dar-lhe 1.000
moedas para ajuda da viagem; ao cardeal Oddi deu-lhe uma caixa de
brilhantes no valor de 20.000 cruzados14. O que ainda
bastante ilustra este reinado foi a fundação da Academia Real da História,
pelo decreto de 8 de Dezembro de 1720. Esta Instituição teve por fim
escrever a história eclesiástica destes reinos, e depois tudo o que
pertencesse à história deles e de suas conquistas. Também neste
reinado se deu muita atenção aos estudos de cirurgia; em 1715 foi
impressa a tradução da Cirurgia de Le Clerc; em Abril de 1731,
estabeleceu-se no hospital real de Todos os Santos uma escola cirúrgica,
dando as lições Isaac Eliot com cirurgiões de partido, aos quais o
rei pagava o vencimento de um tostão por dia. No Porto, estabeleceu-se,
em
Quadro 8 Genealogia dos reis de Portugal da dinastia brigantina: 1706-1910
D.
João V c.c. D. Maria Ana de Habsburgo | (1683-1754)
|
D. José I
c.c. D. Mariana Vitória
(1714-1777)
|
(1718-1781)
|
D. Maria I c.c.
D. Pedro III
(1734-1816)
| (1717-1781)
|
D. João VI c.c.
D. Carlota Joaquina
(1767-1826)
|
(1775-1830) | D. Pedro IV c.c. D. Maria Leopoldina (1798-1834) | (1797-1826)
______________|_________________________________
|
|
D. Maria II c.c.
D. Fernando II
D.
Pedro II, imperador do Brasil
(1819-1853)
|
(1819-1885)
(1825-1891)
________|________________________
|
|
D.
Pedro V c.c.
D. Estefânia
D. Luís I c.c.
D. Maria Pia de Sabóia
(1837-1861)
(1837-1859) (1838-1889)
|
(1847-1911)
|
D. Carlos I c.c.
D. Amélia de Orléans
(1863-1908)
|
(1865-1951)
|
D. Manuel II
(1889-1932)
Foram, pois,
cinquenta anos de paz, apenas interrompidos por uma curta intervenção
portuguesa no Mediterrâneo, a fim de auxiliar o Papa e a República de
Veneza a combater os Turcos (1716-1717). Começou com
D. José I, sobretudo a partir de 1755, o despotismo esclarecido. O seu
grande criador foi o Marquês de Pombal que, em parte, adoptou princípios
teóricos expostos por filólogos e pedagogos portugueses que tinham
vivido fora, como Luís António Verney e António Ribeiro Sanches). Ao falecer o rei, em 1750, seu filho D. José I (1714-1777), concedeu plenos poderes a um ex-diplomata, Sebastião José de Carvalho e Melo, um representante da baixa nobreza, a quem o rei elevou ao título de Conde de Oeiras (1759) e depois o fez Marquês de Pombal (1770). Não tendo nada de novo, ser-se assessorado por um Primeiro-Ministro, como vimos desde cedo com a figura do Escrivão da Puridade e continuaremos a verificar ao longo da República, neste caso, foi a primeira vez que um ministro controlou não só a governação, mas a totalidade do Reino, dando conta de toda e qualquer veleidade de oposição, inclusive a do próprio rei que deu sempre mostras de desinteresse pela governação.
Casou,
em 1729, com Mariana Vitória de Espanha. A 1 de Novembro de 1755, José
I e a sua família sobrevivem à destruição do Paço Real no Terramoto
de Lisboa por se encontrarem na altura a passear Uma
segunda fase, de Uma terceira fase, até 1772, é marcada por uma grande crise económica e, até final do reinado, assiste-se à política de fomento industrial e ultramarino e à queda económica das companhias monopolistas brasileiras.
Todo
o reinado é caracterizado pela criação de instituições,
especialmente no campo económico e educativo, no sentido de adaptar o
País às grandes transformações que se tinham operado. Funda-se a
Real Junta do Comércio, o Erário Régio, a Real Mesa Censória;
reforma-se o ensino superior, cria-se o ensino secundário (Colégio dos
Nobres, Aula do Comércio) e o primário (mestres régios);
reorganiza-se o exército. Em matéria de política externa, D. José
conservou a política de neutralidade adoptada por seu pai. De notar
ainda, o corte de relações com a Santa Sé, que durou 10 anos. Pode dizer-se que foi desde então que principiou o grande poder de Sebastião José de Carvalho e Melo. A extraordinária actividade com que procedeu a prontas e acertadas providências em tão dolorosa situação, atendendo às mais pequenas circunstâncias, resolvendo as inúmeras dificuldades que a cada momento surgiam, castigando severamente os malfeitores que se aproveitavam de tão grande desgraça para violações e roubos, ainda mais redobrou a confiança no monarca. Na verdade o Marquês de Pombal muito conseguiu com a sua administração enérgica, a despeito dos seus inimigos, a nobreza e a poderosa Companhia de Jesus que, por meio das maiores intrigas, procuravam por todas as maneiras perdê-lo no conceito de el-rei, desejando que ele o demitisse a desterrasse do Reino. Mas Sebastião José saía sempre vitorioso de todas essas intrigas, prosseguindo na honrosa missão a que se propusera de levantar o País do abatimento em que estava, entregue à preponderante influência dos jesuítas, tornando-o consideravelmente próspero, animando as indústrias e as artes, e impondo-o ao respeito das outras nações, que o olhavam desdenhosamente, considerando-o uma nação pequena e de nenhuma importância.
O
reinado de el-rei D. José foi um governo glorioso, graças aos esforços,
à iniciativa enérgica, e à notável persistência de Sebastião José
de Carvalho e Melo na administração de que se encarregara. A
disciplina militar que tanto decaíra nos precedentes reinados, foi
restabelecida. Foi o general inglês conde de Lippe, quem o ministro
mandou chamar para reorganizar o exército a regulamentar a disciplina. A cidade de Lisboa, saindo do caos em que o terramoto a tinha deixado, foi em pouco tempo reedificada, formando uma cidade soberba. Criaram-se as companhias das Vinhas do Alto Douro e outras no Brasil; protegeu-se a agricultura, a fábrica das sedas em Lisboa, as de lanifícios da Covilhã, Fundão e Portalegre; a fábrica de vidros da Marinha Grande. Regulou-se a polícia interna e aumentaram-se os rendimentos do Estado. Reformou-se a Universidade de Coimbra que reabriu com a máxima solenidade depois da reforma, em 28 de Outubro de 1772, cujo ensino estava entregue aos jesuítas desde o tempo do fanático D João III. Animaram-se as artes, restabeleceram-se novas manufacturas. Os produtos do Brasil também foram aumentados. Deu-se liberdade aos índios, regulou-se e reformou-se a administração desperdiçadora daquela nossa colónia riquíssima e acabou-se com a diferença entre cristãos novos e cristãos velhos. E quanto à instrução popular, também o poderoso Ministro atendeu, com o máximo cuidado, criando escolas em todas as vilas do Reino. Instituiu-se também o Real Colégio dos Nobres. Foram restituídos os bens da Coroa usurpados; fundou a Aula do Comércio, formulou novos regulamentos de comércio, estabelecendo feiras que se tornaram florescentes, protegendo muito o comércio, obrigando as casas inglesas do País a terem só empregados portugueses. Limitou o poder, restringiu o da Inquisição. Atendeu, cuidadosamente, aos negócios da Índia, suprimiu, por inúteis, os tribunais de Goa. Tratou-se da paz com o rei de Marrocos para tornar livre a navegação da África. Fundou-se a Impressão Régia, hoje Imprensa Nacional. A nobreza que possuía ainda um grande número de privilégios, cada vez se mostrava mais hostil ao Ministro omnipotente, que não poupava a ocasião de lhos restringir. D. José de Mascarenhas, que herdara a casa e o título dos duques de Aveiro, pretendia que para ele passassem as comendas administradas pelos antigos duques. D. José não lho consentira, por instigação do seu ministro o que despertou no orgulhoso fidalgo um ódio implacável contra o monarca. Os jesuítas aproveitaram este ensejo para se vingarem do ministro, instigando o duque, era ideia de que, se o rei morresse, o Ministro perderia necessariamente o grande prestígio que o acompanhava, porque a confiança ilimitada de D. José era a base do seu grande poder. Neste
sentido, podemos dizer que o governo de Pombal foi tão-só o clímax
de uma tendência que durava havia já mais de um século,
exactamente como o despotismo não foi mais do que o acto final do
absolutismo régio. Morto o rei, se o Ministro lhe sobrevivesse, ficaria completamente
inutilizado, pois a herdeira não lhe perdoaria nunca a política
absolutista e desenfreadamente malévola e intriguista do Marquês. E
assim aconteceu. Mas – digamos – antes de o enterrarmos, que o
regime pombalino teve um grande mérito: se bem que, involuntariamente,
preparou o País para a revolução liberal do século XIX. Notas
1.
Fr. Pedro Monteiro, "Catálogo dos deputados do Conselho Geral
da Santa Inquisiçam", in Colleçam
de documentos, estatutos e memórias da Academia Real da História
Portugueza, vol. I, Lisboa, Pascoal da Sylva, 1721 e Maria do
Carmo Jasmins Dias Farinha, "Ministros do Conselho Geral do
Santo Ofício", Memória
1, Lisboa, ANTT, 1989, pp. 101-163;
2.
A. H. de Oliveira Marques, História
de Portugal, Vol.I. Das
Origens às Revoluções Liberais, Lisboa, edições ágora,
1973, pp. 415 e ss.
3.
Ver Carlos Gomes, Antecedentes
do Capitalismo, in Biblioteca
Virtual de Derecho, Economia y Ciências Sociales.
4.
António Carreira, As Companhias pombalinas de navegação, comércio
e tráfico de escravos entre a costa africana e o nordeste
brasileiro, Bissau, Centro de Estudos da Guiné Portuguesa, 1969.
Rui de Figueiredo Marcos, As Companhias Pombalinas: Contributo para
a História das Sociedades por Acções
5.
Paula Lourenço, Ana Cristina Pereira, Joana Troni, Amantes dos
Reis de Portugal, 2.ª ed., Lisboa, A Esfera dos Livros,
Dezembro de 2008, p. 163.
6.
Joaquim Veríssimo Serrão, História de Portugal, Vol. V, 2.ª
ed., Lisboa, Editorial Verbo, p. 46.
7.Joaquim
Veríssimo, ibidem, Vol. V, pp. 128-129.
8.
Paula Lourenço, Ana Cristina Pereira, Joana Troni, Amantes dos
Reis de Portugal, cit., p. 164,
9.
Joaquim Veríssimo Serrão, História de Portugal, cit., Vol.
V, pp. 42-43. 10.
Ver Carlos Selvagem e Hernâni Cidade, Cultura
Portuguesa, 10, Lisboa, Editorial Notícias, 1973 e Joaquim Veríssimo
Serrão História de Portugal, Volume V: A Restauração e
a Monarquia Absoluta (1640-1750), Lisboa, Verbo, 1980. 11.
A. H. de Oliveira Marques, História
de Portugal, cit., Vol. I, pp. 448 e ss, Vide
bibliografia aduzida pelo autor que bem retrata as convulsões
nacionais. 12.
Joaquim Veríssimo Serrão, História
de Portugal, Vol. V, p. 234
13.
Id., ibidem, p. 234.
14.
Ver Hélio Vianna, História
do Brasil. Período Colonial. Monarquia e República, 12.ª ed.,
São Paulo, Universidade de São Paulo, 1975.
15.
Ver José Silvestre Ribeiro, Historia dos Estabelecimentos científicos,
literários e artísticos, Vol.
I. pp. 174 e ss..
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