1. Noções gerais
CONCEITO.
O objecto das ciências auxiliares da História é todo e qualquer indício dos actos e condições de vida
dos homens no passado. Em comparação com a ciência histórica em geral, as ciências auxiliares da História
ocupam, de acordo com o seu objecto, posição secundária. Há quem tenha tentado substituir este conceito de
ciências auxiliares pelo de ciências básicas, pois que o conhecimento histórico só é possível a partir dos
vestígios que nos ficam dos tempos antigos ou seja a partir das fontes. este
conceito de ciências básicas da História acentua a sua importância como
parte essencial da História e não como "auxiliares" que a
História poderia eventualmente dispensar.
Às ciências básicas da História cabe, não o ocuparem-se do material
histórico por ele próprio, mas sim ordenar esse material - em si mesmo sem
vida -, descobrir novas fontes com base nas quais se possam deduzir novas
certezas históricas.
ESTRUTURA.
Como
ciências das fontes do conhecimento histórico, todas as ciências
auxiliares, e portanto também as fontes, podem distribuir-se por três
grupos, conforme dizem respeito a textos, a objectos ou a factos.
TEXTOS (Fontes escritas).
A decifração e ordenação
dos escritos antigos compete em geral à paleografia. De acordo com a
distribuição dos textos segundo a sua forma externa surgem a papirologia,
a epigrafia, a codicologia. Igualmente se podem distribuir as
várias fontes de acordo com a sua forma interna. Assim, a diplomática
ocupa-se há já longo tempo dos documentos; de constituição recentíssima
é a chamada "publicística histórica", que não se
apresenta ainda sistematicamente organizada.
OBJECTOS.
A moedas, os selos e os brasões são há séculos objecto da numismática,
da esfragísitica e da heráldica. Por outro lado, os monumentos
jurídicos, entre eles muito particularmente os símbolos de soberania, só
recentemente foram considerados fontes históricas; correspondem-lhe
respectivamente a arqueologia do direito e a insignologia.
Poderão
igualmente ser consideradas ciências auxiliares o estudo do vestuário, da
alimentação, da casa, dos divertimentos, etc., que constituem capítulos da
chamada "vida quotidiana.
Por seu lado, a
iconografia começa a debruçar-se sobre as obras de arte, encarando-as como
fontes históricas. O ambiente físico e humano, na sua interacção,
constitui, por seu vez, objecto de estudo da geografia histórica.
FACTOS OU CIRCUNSTÂNCIAS (->
Fontes, generalidades).
Em primeiro lugar, não são objecto das ciências históricas, mas
sim das ciências sistemáticas: a jurisprudência e a teologia
ocupam-se das instituições, a sociologia e a etnologia
dos costumes e do comportamento dos povos, a economia política dos
vários aspectos económicos, a filologia dos idiomas, e assim por
diante. É evidente que o conhecimento abrangido por todos estes campos do
saber não só é útil como muitas vezes
indispensável à boa compreensão dos fenómenos do passado. Deste modo as ciências
sistemáticas, principalmente as suas disciplinas históricas (História do
Direito, História da Igreja, História das Línguas, História
Social, História Económica, etc.), são também ciências auxiliares da História. Os que
a elas se dedicam debruçam-se sobre as mesmas fontes que os historiadores,
encarando-as embora de perspectiva diferente – perspectiva que deriva da
sistemática da sua ciência própria.
De maior
amplitude dentro das ciências auxiliares da História são a cronologia e
a metrologia. Correspondendo embora a determinados grupos de fontes
(aos calendários e padrões antigos), o certo é que a sua verdadeira tarefa
não consiste apenas na exploração desses elementos, mas sim em reconstituir
a estrutura métrica por meio da qual no passado os homens dividiam o tempo e
o espaço. Indirectamente a cronologia e a metrologia esclarecem
muitos problemas de outras fontes.
Cabe mencionar também a genealogia, cujo objecto não é determinado grupo
de fontes (as velhas árvores genealógicas), mas o próprio homem. Não se
esgota na comprovação de descendências, sendo actualmente praticada, ao
mesmo tempo, como estudo de pessoas e de populações, e em
certos casos até como antropologia. Por isso se torna tão
evidente na genealogia a ligação entre as ciências auxiliares da História e a própria
História no seu sentido geral.
HISTÓRIA.
Entre
as ciências auxiliares da História, algumas há
de longa tradição, que remonta até à Antiguidade (genealogia) ou à Idade
Média (heráldica) A paleografia, a diplomática, com a esfragística e a
cronologia, foram fundadas pelo beneditino francês Jean Mabillon (1642-1707),
«não sendo certamente por acaso» que a sua actividade «coincide com o
desabrochar das ciências exactas» (Largiader). Essas ciências
propunham-se todavia, de início, finalidade imediata, nomeadamente jurídica,
como fosse a prova de certos direitos em relação a determinado objecto ou a
determinada qualidade permanente. Com precursores no século XVIII,
estas disciplinas jurídicas foram
pela primeira vez denominadas «ciências auxiliares da História» em 1802
por J. G. Fessmaier, ao mesmo tempo que - e não se trata novamente de
acaso - se perdiam muitas das reivindicações jurídicas que com a sua ajuda
se tinham fundamentado (Constituição da Confederação do Reno).
Assim, estas disciplinas ganharam novo sentido; em vez de servirem a provas jurídicas,
enriquecem agora o conhecimento histórico.
Ao
seu dispor encontra-se, como é natural, número imenso de fontes.
Verificou-se no século XIX – graças a figuras como Theodor v. Sickel (1826-1908),
Julius Ficker (1828-1902) e L. v. Traube (1861-1907) –
extraordinário desenvolvimento das ciências auxiliares da História, a que
logo após a primeira guerra mundial se seguiu certo desinteresse, ainda que não
total,
visto ter-se assistido à formação de algumas novas ciências auxiliares. E.
Bernheim definiu as ciências auxiliares como disciplinas «necessárias
ao uso diário de quem trabalha em especialização histórica». Assim, por
exemplo, a papirologia e a geografia histórica, como a recentíssima
publicistica histórica, que se acha apenas esboçada, têm hoje para a
investigação valor prático superior ao da heráldica ou da esfragística.
Apesar disso, como muito bem salientou Brandt, o velho cânone das ciências
auxiliares pouco se modificou em relação ao que era no século XVIII. Este
desencontro entre a teoria e a prática – a par da já mencionada passagem
de finalidade a meio – esclarece por que motivo as ciências auxiliares da
História, longe de. despertarem interesse, têm sido consideradas como
expoente máximo de erudição num sentido pejorativo.
A prova irrefutável de que são no entanto a verdadeira
base da História está no extraordinário alargamento dos seus métodos e no
número cada vez maior de fontes que abrangem.
História
Enciclopédia Meridiano // Fischer, vol. 3
págs. 52 a 56