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O
general português António Figueira de Almeida,
Texto de um folheto do coronel Henrique Ferreira Lima, director do Arquivo Histórico Militar, de 1927 a 1949, sobre um oficial português que combateu e se distinguiu na Guerra da Independência grega de 1821 a 1832.
Na
Guerra da Independência da Grécia distinguiram-se alemães, ingleses
(entre eles Lord Byron, notável
poeta, que morreu em Missolonghi), italianos, polacos, finlandeses e...
até um português. Este
português, que tão longe da sua Pátria foi honrar nos campos da
batalha o nome de Portugal, chamava-se António Figueira de Almeida. Graças
aos documentos conservados no Arquivo Histórico Militar, podemos reunir
aqui alguns dados biográficos a respeito deste personagem. Nasceu
em Elvas em 17811,
sendo filho de Manuel Figueira de Almeida, furriel e sargento do
Regimento de Artilharia n.º 3, então aquartelado naquela cidade e neto
de Francisco Xavier de Almeida, soldado do mesmo regimento. Em
1781, a 6 de Novembro, contando apenas três anos de idade, sentou praça
no regimento em que servia seu pai, depois de ter sido, relativamente à
idade, dispensado por Sua Majestade, segundo aviso de Aires de Sá e
Melo, visconde da Anadia, ministro e secretário de Estado dos Negócios
Estrangeiros e da Guerra, datado de 10 de Outubro daquele ano. Prestou
juramento de bandeira em 3 de Novembro de 1796 e principiou a fazer
serviço quatro dias depois. Seguidamente
foi promovido, a cabo em 23 de Abril de 1806; a furriel em 6 de Dezembro
de 1808; a primeiro-sargento, no 1.º de Dezembro de 1809 e a sargento
de brigada a 1 de Setembro de 1810. Conservou‑se
no Regimento de Artilharia n.º 3 até 29 de Novembro de 1808, data em
que passou ao Regimento de Cavalaria n.º 8. Pertencendo
a este regimento fez as campanhas de 1810, 1811 e 1812, durante a Guerra
Peninsular, tendo entrado na acção de Fuentes de Canto, em que se
distinguiu. Pela
sua participação nestas campanhas foi incluído numa lista de
agraciados com a cruz de campanha da Guerra Peninsular e, mais farde,
foi considerado como tendo direito à cruz de condecoração com o n.º
3. Achamos
interessante transcrever os juízos, a seu respeito, formulados por
alguns dos seus chefes. Em
15 de Fevereiro de 1815 informava dele o tenente-coronel José Pereira
de Lacerda: “Tenho por muito bom este sargento de brigada, é bem
comportado, serve muito bem, tem bastante desembaraço, e respeita
sempre muito os seus superiores, por cujas razões até ajuízo dele
poderá ser muito bom oficial”. Em
4 de Março de 1816 o major Hugh Owen, pai da infortunada Fanny Owen, de
quem se ocupou o grande romancista Camilo Castelo Branco, escrevia,
acerca dele numa informação semestre: “Parece-me muito desembaraçado
e bem capaz de desempenhar as obrigações de ajudante”. O
mesmo oficial, em 30 de Junho daquele ano, afirmou que, se ele não
estivesse quase dois anos doente, teria sido despachado para aquele
posto. Por
um requerimento que fez, em 19 de Junho de 1815, se conclui que fora
proposto pelo seu comandante para, no posto de alferes, fazer parte da
Divisão de Voluntários Reais do Príncipe, que se destinava a
expedicionar para Montevideu, sob o comando do tenente-general Carlos
Frederico Lecor, depois barão da Laguna. Neste
documento pediu para não ir nesta expedição, visto que, pelas
determinações do Príncipe Regente, só deveriam fazer parte dela os
indivíduos que, voluntariamente, se oferecessem, o que não acontecia
com ele. Esta
promoção não se manteve, regressando António Figueira de Almeida ao
seu regimento (Regimento de Cavalaria n.º 8). Porém,
ainda, em 20 de Fevereiro de 1817, o conde da Barra escrevia a Lecor,
nestes termos: “S. M. se admira também que não fosse ainda demitido
o Alferes António Figueira de Almeida, o qual havendo sido despachado
pela organização do Corpo, ainda se não apresentou até agora, e
determina que V. Ex.ª na primeira ocasião o proponha para demissão”. Ignoramos,
portanto, quando feria sido demitido deste posto. Como
não se publicaram almanaques do exército, durante o período que
decorre de 1818 a 1825, não nos foi possível concluir se este indivíduo
teria chegado a oficial no Exército Português. No
primeiro volume das interessantíssimas Memórias,
do Marquês de Fronteira, encontra-se a seguinte referência a António
Figueira de Almeida: “Além dos oficiais, houve um só indivíduo
comprometido (numa revolta que, em 1823, se deu em Elvas), que foi um
antigo porta-estandarte de cavalaria, que tinha sido ajudante da Guarda
Nacional a cavalo, em Lisboa, homem pouco importante e que se chamava
Figueira de Almeida, o qual se escapou para Badajoz. Este indivíduo,
concorri eu, mais tarde, estando em Paris, para que ele fizesse parte da
expedição do coronel Fabvier e que entrasse ao serviço da Grécia, na
guerra da independência. Morreu tenente-general e governador de Atenas,
conhecido pelo general Almeida”. Por
estas transcrições se verifica que foi o Marquês de Fronteira quem
contribuiu para que António Figueira de Almeida fosse servir, na Grécia,
a causa da independência deste país. Antes,
porém, parece ter combatido, em Espanha, incorporado no exército
liberal, contra as tropas do Duque de Angoulême2. O
corpo de exército, comandado por Fabvier, combatia, então, em Caristia. Pouco
depois foi nomeado coronel de cavalaria em substituição do conde
Regnaud de Saint-Jean-d'Angély, comandante dum regimento regular
daquela arma. Em
1 de Agosto de 1826 distinguiu-se durante um brilhante ataque,
executado, por ordem de Teodoro Colocotronis, contra uma forte coluna
inimiga, que destroçou. À
frente dum pequeno corpo de cavalaria dispersou, ainda, um quadrado de
infantaria árabe. Na
expedição a Chios serviu debaixo das ordens de Fabvier, desembarcando,
ali, em 18 de Novembro de 1827, com uma força de duzentos homens,
sessenta cavalos e três canhões. Não
podendo manter a disciplina das suas tropas, afastou-se do exército e
retirou-se para Chio. Daqui
seguiu para Egina, onde ficou junto ao governador da Grécia, que o
nomeou, em 29 de Agosto de 1829, inspector da cavalaria regular e, em 22
de Janeiro de 1830, governador militar de Náuplia da Romania3
e dos seus fortes, entre eles o de Palamedes. Foi
pela Assembleia eleito cidadão honorário de Náuplia em Fevereiro de
1832 e, em 2 de Março seguinte, o governo de Agostinho Capodistria, em
recompensa dos seus serviços, promoveu-o a general. Seguindo
o partido governamental chefiado por Capodistria contra o
constitucional, foi, pela vitória deste, obrigado a abandonar o comando
dos fortes e entrincheiramentos de Náuplia, que, em 20 de Maio de 1832,
foram ocupados pelo exército francês. Depois
da chegada do rei Otão, a regência que desconfiava do general Almeida,
por causa da sua fidelidade e dedicação ao partido de Capodistria,
nomeou-o comandante da praça de Egina, em 10 de Maio de 1833, com o
posto de coronel, sem atender à sua promoção anterior. Em
3 de Junho foi nomeado governador militar de Missolonghi. No
desempenho deste cargo reprimiu, em 8 de Junho de 1837, a revolta
chefiada pelo coronel N. Zervas. O
governo, em reconhecimento destes serviços, reintegrou-o no cardo de
governador militar de Náuplia e elevou-o ao posto de general de
brigada. Na
Grécia recebeu ainda outras recompensas, como as cruzes de ouro do
Salvador e da Independência e a grã-cruz da Ordem Helénica. Em
Portugal, por decreto de 15 de Março de 1839, foi agraciado com o grau
de cavaleiro da Ordem de Cristo. Teve,
pelo menos, dois irmãos: José Figueira de Almeida, que atingiu o posto
de brigadeiro e Francisco Figueira de Almeida, que chegou ao de tenente
de artilharia. O
general António Figueira de Almeida consorciou-se, em 1839, com uma
senhora Zoé Mavrokordatos, filha de Alexandre Mavrokordatos e de
Smaragda Mourousi, de quem teve dois filhos, de que existem, ainda,
alguns descendentes na Grécia4. Estes
filhos chamavam-se Manuel e Demetrious. O primeiro fez os seus estudos
no liceu grego de Atenas e, depois, partiu para Heidelberg, a fim de
frequentar a faculdade de direito. Em
1866, tendo-se declarado a guerra entre a Áustria e a Itália,
alistou-se no exército daquele país e tomou parte em toda a campanha,
assistindo à batalha de Sadová e sendo ferido na batalha (Sadowa ou
Koniggratz em alemão). Não
sentindo em si inclinação para os estudos jurídicos matriculou-se na
Academia Militar, em que concluiu os seus estudos nas vésperas da
guerra de 1870. Como alferes do 13.º Regimento de Ulanos do Hanôver,
tomou parte em toda a guerra, perdendo o olho direito na batalha de
Mars-la-Tour (Gravellotte). Por este motivo foi, no campo de batalha,
promovido a tenente e condecorado com a cruz de ferro, pelo próprio rei
da Prússia Guilherme I. Finda
a guerra franco-prussiana, o, então imperador pretendeu conservá-lo no
seu exército, mas Manuel Figueira de Almeida preferiu voltar à sua pátria,
onde casou com Margarida, filha de Constantino Vassiliou, neta do príncipe
Gregório Chantzeri Guspadaro, da Moldávia. Deste
consórcio provieram quatro filhos (dos quais existe ainda um) e nove
filhas (das quais vivem ainda sete), de que sabemos os nomes de três:
Esmeralda Dim Tombasi-Mavrogordatou, Catarina Rich. L. Livathinopoulou e
I. Varthi. O
mais velho, António, nasceu, em Vevey (Suíça), em 1874. Fez os seus
estudos, em Potsdam e Lichsterfeld, no Corpo de Cadetes. Em 1896 tomou
parte na revolução de Creta e, em 1897, na guerra de Tessália,
assistindo, no mesmo dia, às batalhas de Domokos e Velestino. Em 1912,
como simples soldado, alistou-se no regimento independente de
Colocotronis, tornando parte em todas as batalhas contra os búlgaros.
Morreu na batalha de Lachana em Junho de 1913. O
segundo filho, Constantino, estudou, também, em Potsdam, em que muito
se distinguiu em todas as provas que teve de prestar. Em 1897
alistou-se, como alferes, no 2.º Regimento de Cavalaria, tomando parte
nas últimas operações da guerra greco-turca. Em 30 de Agosto do mesmo
ano faleceu na casa de Nouveau-Phalère, pertencente a sua família,
vitimado pela febre tifóide. O
terceiro filho, Guilherme ou Demetrious, faleceu em 15 de Agosto de
1898, com dezasseis anos de idade, quando, tendo concluído os seus
primeiros estudos, se preparava para entrar na Escola Naval. O
quarto filho, Miguel, apesar da sua incapacidade física, conseguiu
alistar-se, como voluntário, em Setembro de 1912, no 2.º Regimento de
Cavalaria. Com o 4.º Esquadrão do 3.º Regimento de Cavalaria tomou
parte na batalha de Komano (3 de Novembro). Durante esta batalha
conservou-se a cavalo durante vinte horas consecutivas. Tendo sido
ferido o cavalo foi obrigado a marchar a pé durante duas ou três
horas. Sobrevindo-lhe um ataque de disenteria aguda teve de baixar ao
hospital militar, onde se conservou durante algumas semanas. Por último,
no final do ano de 1912, foi reformado e considerado incapaz de serviço. Terminou
os seus estudos na Universidade de Atenas e, depois de feitos os exames
de licenciatura profissional, seguiu no Aréopago, na Alemanha, os
estudos superiores de ciências políticas e jurídicas, regressando à
sua pátria em Novembro de 1920. Tem
exercido o lugar de subprefeito em muitas províncias fronteiriças até
1931 e, depois, o de relator junto da prefeitura da Aquéia e, a partir
de Agosto de 1935, o de chefe de secção da direcção dos negócios
interiores do Governo-geral da Macedónia. Consorciou-se em 1926 e tem
duas filhas. O
segundo filho do general António Figueira de Almeida, Demetrious,
casou-se e, do seu consórcio, teve uma única filha que desposou André
Verikios, oficial de cavalaria, dos quais houve descendência. O
neto do general Almeida, Miguel Figueira de Almeida, nos seus citados
apontamentos, dá-nos estas curiosas informações acerca do seu
glorioso avô: possuía um grande palácio e mantinha belos cavalos,
quarenta e quatro cães e dois lobos domesticados. O
general António Figueira de Almeida faleceu em Betaglia (Veneza) a 21
de Janeiro de 1847. O
seu retrato, pintado a óleo, em uniforme de general5,
guarda-se no Museu de História e Etnologia, de Atenas, numa sala do rés-do-chão,
onde há retratos doutros amigos da Grécia. Neste
país projecta-se, agora, construir, no Jardim dos Heróis da cidade de
Missolonghi, um monumento dedicado à sua memória, entre os túmulos
dos oitenta generais do Exército grego, que se distinguiram na Guerra
da Independência e os monumentos erigidos, pelos governos alemão, inglês,
italiano, polaco e finlandês, em honra dos seus compatriotas, que
combateram e morreram pela libertação da Grécia. Justo
é, pois, que a Comissão Executiva dos Centenários da Fundação da
Nacionalidade e da Restauração da independência de Portugal tome a
seu cargo a patriótica erecção de um monumento, ainda que singelo,
executado por algum dos nossos ilustres artistas, que perpetue, na terra
helénica, os feitos heróicos deste português em prol da liberdade da
Grécia, mostrando assim que Portugal não se esquece de um dos seus
filhos que, longe da Pátria, honrou, em país estrangeiro, o nome
português. NOTAS
FINAIS Esta
biografia foi, primitivamente, publicada no tomo III da Revista de Arqueologia, da culta direcção do nosso amigo o Sr. José
Maria Cordeiro de Sousa, da Academia Portuguesa da História. Sai agora
de novo corrigida e ampliada com novos elementos, obtidos posteriormente
à sua primeira publicação. Pareceu-me
curioso consignar aqui que, no inacabado romance de Garrett Helena
(1853), figura um general francês, o visconde de Bréssac, que, em
1823, ofereceu os seus serviços em prol da independência da Grécia,
levando como ajudante de ordens um jovem português Fernando de Almeida.
Haveria qualquer sugestão, pelo seu conhecimento do general Almeida, no
ilustre escritor ao fazer esta alusão? Em
1897 também tomou parte na guerra Greco-turca o português José Maria
Furtado de Mendonça e Matos, que escreveu o livro Na
Grécia. Notas dum estudante voluntário na guerra Greco-Turca. Henrique
de Campos Ferreira Lima 1.
Na Grande Enciclopédia Helénica,
vol. IV, vem indicada a data de 4 de Julho de 1784. A que damos no
texto é a que consta dos documentos do Arquivo Histórico Militar.
A cópia do artigo respectivo foi‑nos fornecida pelo Sr.
Eduardo de Carvalho, ilustre cônsul de Portugal na Grécia. 2.
Informação colhida na Grande
Enciclopédia Helénica. 3.
Nesta cidade há uma rua com o seu nome [o nome como é referido é
adaptado do italiano, já que nesta língua a cidade era conhecida
como Napoli di Romania – sendo Romania
o nome medieval dos territórios que integravam o antigo Império
Bizantino]. 4.
Para a enumeração e individuação destes descendentes servimo-nos
dos apontamentos fornecidos ao presidente da Câmara de Missolonghi,
pela Sr.ª I. Varthi, e pelo Sr. Miguel Figueira de Almeida, netos
do general. Estes apontamentos foram-nos amavelmente facultados pelo
Sr. Eduardo de Carvalho, cônsul geral de Portugal na Grécia, a
quem nos confessamos muito gratos por este obséquio. 5.
[No topo desta página] se reproduz o retrato do general Almeida,
bem como o seu fantástico brasão, cujos originais nos foram
enviados pelo Sr. Eduardo de Carvalho, cônsul geral de Portugal na
Grécia, que publicou o primeiro no seu interessante artigo Portugueses
na Grécia inserto a págs. 85 a 89, do n.º 7 da excelente
revista Ocidente, de 1938.
Fonte: Henrique de Campos Ferreira Lima, O General Português António Figueira de Almeida, Herói da Guerra da Independência da Grécia, 2.ª ed., Vila Nova de Famacalicão, s. n., 1939.
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