Martinho Lutero em frente da igreja do
castelo
de Vitembergue, após ter afixado as 95 teses
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Apresentação
Entre os factores que contribuíram para a
explosão de 1517, as indulgências foram a centelha que a acendeu. A prática
das indulgências era tradicional e significava a remissão dos castigos
temporais impostos pela Igreja como sinal exterior da verdadeira contrição.
Tais remissões de castigos, por vezes muito severos, eram praticadas desde o
séc. VII. A comutação do castigo em penas pecuniárias era conforme às
regras de remissão do Direito Romano. Ademais, costumava-se justificar o
costume mediante a doutrina desenvolvida por Alexandre de Halles no séc. XIII,
o Thesaurus Meritorum, ou seja, a acumulação num tesouro da Igreja
das expiações supérfluas dos Santos. Numa palavra, a prática das
indulgências era uma legítima concessão da Igreja ao ambiente cultural da
sociedade, em ordem ao progresso da Cristianização. O abuso inicia-se com a
incompreensão popular das indulgências como remissão da culpa e não
exclusivamente como remissão do castigo temporal, em particular com a
compreensão das indulgências plenárias como remissão da culpa futura. Em
termos populares, as indulgências eram um bilhete para o céu sendo certo
que, para recolher benefícios, a Igreja não contrariava convenientemente
esta explicação. No início do séc XVI, o sistema envolvia vastas somas de
dinheiro e de interesses financeiros internacionais, agravados pelas
circunstâncias de 1517. Para Roma, a venda tornara-se uma fonte de
rendimentos regulares e extraordinários. Em 1510, Júlio II lançara a
Indulgência do Jubileu, sobretudo para custear a nova basílica de São
Pedro. A venda fora iniciada em Magdeburgo em 1515.O responsável
eclesiástico local era Alberto de Branderburgo, arcebispo de Magdeburgo,
Maiença e Halberstadt. 50% do produto da venda eram para os cofres dos
Fuegger que tinham adiantado a Alberto a soma necessária para a compra quer
dos bispados quer da dispensa pontifícia que lhe permitia a acumulação de
cargos. Aliás, os agentes dos Függer acompanhavam in loco o
comissário das vendas, o dominicano Tetzel. E é nesta rede de alta finança
que rebenta a afixação das 95 teses Acerca do Poder e Eficácia das
Indulgências. As teses são um debate académico em latim, semelhante a
tantas outras disputationes universitárias da época. Mas insistiam
que as indulgências não compram o castigo divino; não abarcam os mortos do
Purgatório; e não são justificadas pelo thesaurus meritorum pois só
o Espírito divino pode perdoar. A explosão espalha-se a ritmo veloz. Em duas
semanas surge a tradução alemã das teses na Imprensa da Universidade de
Wittenberg Um mês depois Lutero é, para surpresa sua, uma figura europeia. A
venda de indulgências decai. O arcebispo de Magdeburgo queixa-se a Roma. A
Cúria ordena ao importuno monge agostinho que se cale. Tetzel, o comissário
das indulgências, publica contra-teses. Eck ataca Lutero; este dá a
réplica. O Inquisidor Mazzolini escreve Acerca do Poder Pontifício.
No capítulo de 1518 em Heidelberg, os Agostinhos discutem a questão e o
monge de Wittenbegr responde-lhes por escrito: é instado a ir a Roma. Desce
à liça o Eleitor da Saxónia que considera haver uma afronta a um professor
da sua Universidade, além de que a Casa de Brandenburgo ocupara bispados
tradicionalmente atribuídos a membros da Casa da Saxónia e que ele nem
sequer autorizara a venda de indulgências nos seus domínios. O Papa Leão X
revoga a convocação de Lutero a Roma pois não convinha ter o Eleitor da
Saxónia por inimigo na eleição, já muito próxima, do Imperador da
Alemanha; determina que o monge compareça perante o Cardeal Cajetanus na
Dieta de Augsburgo. A entrevista com o legado do papa corre mal e Lutero
escreve que o tentaram silenciar. Pouco depois, o camerlengo papal Von Miltitz
obtém de Lutero a promessa de silêncio desde que o não atacassem. Mas Eck
volta de novo à carga, agora com a questão da Igreja Grega, provocando a
disputa de Leipzig em 1519. A guerra de panfletos e sermões continua com
escritos de ambas as partes. Surge a bula papal Exurge Domine queimada
por Lutero em Dezembro de 1520. Em três anos, o episódio desenvolvera-se
numa revolução nacional-cristã da Alemanha contra Roma tornando quase
impossível qualquer compromisso. O ritmo vertiginoso dos acontecimentos
impediu a ponderação necessária para resolver questões doutrinárias,
feriu todos os sentimentos possíveis e imagináveis e preparou o cisma.
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95 Teses acerca do Poder e Eficácia das Indulgências |
Movido
pelo amor e pelo empenho em prol do esclarecimento da verdade discutir-se-á
em Wittemberg, sob a presidência do Ver. Padre Martinho Lutero, o que segue.
Aqueles que não puderem estar presentes para tratarem do assunto verbalmente connosco,
poderão fazê-lo por escrito. Em nome de nosso Senhor Jesus Cristo. Amém !. 1.
Dizendo nosso Senhor e Mestre Jesus Cristo: "Arrependei-vos" etc.,
certamente quer que toda a vida dos seus crentes na terra seja contínuo
arrependimento. 2.
E esta expressão não pode e não deve ser interpretada como referindo-se ao
sacramento da penitência,
isto é, à confissão e satisfação, a cargo do ofício dos sacerdotes. 3.
Todavia não quer que apenas se entenda o arrependimento interno; o
arrependimento interno nem mesmo é arrependimento quando não produz toda
sorte de mortificações da carne. 4.
Assim sendo, o arrependimento e o pesar, isto é, a verdadeira penitência,
perdura enquanto o homem se desagradar de si mesmo, a saber, até a entrada
desta para a vida eterna. 5.
O papa não quer e não pode dispensar outras penas, além das que impôs ao
seu alvitre ou em acordo com os cânones, que são estatutos papais. 6.
O papa não pode perdoar dívida senão declarar e confirmar aquilo que já
foi perdoado por Deus; ou então faz nos casos que lhe foram reservados.
Nestes casos, se desprezados, a dívida deixaria de ser em absoluto anulada ou
perdoada. 7.
Deus a ninguém perdoa a dívida sem ao mesmo tempo o subordine, em sincera
humildade, ao sacerdote, seu vigário. 8.
Canones poenitendiales, que são as ordenanças de prescrição da
maneira em que se deve confessar e expiar, apenas são impostas aos vivos, e,
de acordo com as mesmas ordenanças, não dizem respeito aos moribundos. 9.
Eis porque o Espírito Santo nos faz bem mediante o papa, excluindo este de
todos os seus decretos ou direitos o artigo da morte e da necessidade suprema. 10.
Procedem desajuizadamente e mal os sacerdotes que reservam e impõem os
moribundos poenitentias
canonicas ou penitências para o purgatório afim de ali serem cumpridas. 11.
Este joio, que é o de se transformar a penitência e satisfação, previstas
pelas cânones ou estatutos, em penitência ou apenas do purgatório, foi
semeado quando os bispos se achavam dormindo. 12.
Outrora canonicae poenae, ou sejam penitência e satisfação por
pecados cometidos eram impostos, não depois, mas antes da absolvição, com a
finalidades de provar a sinceridade do arrependimento e do pesar. 13.
Os moribundos tudo satisfazem com a sua morte e estão mortos para o direito canónico,
sendo, portanto, dispensados, com justiça de sua imposição. 14.
Piedade ou amor imperfeitos da parte daquele que se acha às portas da morte
necessariamente resultam em grande temor; logo, quanto menor o amor, tanto
maior o temor. 15.
Este temor e espanto em si tão só, sem falar de outras cousas, bastam para
causar o tormento e horror do purgatório, pois que se avizinham da angústia
do desespero. 16.
Inferno, purgatório e céu parecem ser tão diferentes quanto o são um do
outro o desespero completo,
incompleto ou quase desespero e certeza. 17.
Parece que assim como no purgatório diminuem a angústia e o espanto das
almas, nelas também deve crescer e aumentar o amor. 18.
Bem assim parece não ter sido provado, nem por boas razões e nem pela
Escritura, que as almas no purgatório se encontram for a da possibilidade do
mérito ou do crescimento no amor. 19.
Ainda não parece ter sido provado que todas as almas do purgatório tenham
certeza de sua salvação e não receiem por ela, não obstante nós teremos
absoluta certeza disto. 20.
Por isso o papa não quer dizer e nem compreende com as palavras "perdão
plenário de todas as penas" que todo o tormento é perdoado, mas apenas
as penas por ele impostas. 21.
Eis porque erram os apregoadores de indulgências ao afirmarem ser o homem
perdoado de todas as penas e salvo mediante a indulgência do papa. 22.
Com efeito, o papa nenhuma pena dispensa às almas no purgatório das que
segundo os cânones da Igreja deviam ter expiado e pago na presente vida. 23.
Verdade é que se houver qualquer perdão plenário das penas, este apenas será
dado aos mais perfeitos, que são muito poucos. 24.
Assim sendo, a minoria do povo é ludibriada com as pomposas promessas do
indistinto perdão, impressionando-se o homem singelo com as penas pagas. 25.
Exactamente o mesmo poder geral, que o papa tem sobre o purgatório, qualquer
bispo e cura de almas tem no seu bispado e na sua paróquia, quer de modo
especial e quer para com os seus em particular. 26.
O papa faz muito bem em não conceder o perdão em virtude do poder das chaves
( ao qual não possue ), mas pela ajuda ou em forma de intercessão. 27.
Pregam futilidades humanas quantos alegam que no momento em que a moeda soa ao
cair na caixa a alma se vai do purgatório. 28.
Certo é que no momento em que a moeda soa na caixa vêm o lucro e o amor ao
dinheiro, cresce e aumenta; a ajuda porém, ou a intercessão da Igreja tão só
correspondem à vontade e ao agrado de Deus. 29.
E quem sabe, se todas as almas do purgatório querem ser libertadas, quando há
quem diga o que suceder com Santo Severino e Pascoal. 30.
Ninguém tem certeza da suficiência do seu arrependimento e pesar
verdadeiros; muitos menos certeza pode ter de haver alcançado pleno perdão
dos seus pecados. 31.
Tão raro como existe alguém que possui arrependimento e pesar verdadeiros, tão
raro também é aquele que alcança indulgência, sendo bem poucos os que se
encontram. 32.
Irão para o diabo juntamente com os seus mestres aqueles que julgam obter
certeza de sua salvação mediante breves de indulgência. 33.
Há que acautelar-se muito e ter cuidado daqueles que dizem: A indulgência do
papa é a mais sublime e mais preciosa graça ou dádiva de Deus, pela qual o
homem é reconciliado com Deus. 34.
Tanto assim, que a graça da indulgência apenas se refere à pena satisfatória
estipulada por homens. 35.
Ensinam de maneira ímpia quantos alegam que aqueles que querem livrar almas
do purgatório ou adquirir breves de confissão não necessitam de
arrependimento e pesar. 36.
Todo e qualquer cristão que se arrepende verdadeiramente dos seus pecados,
sente pesar por ter pecado, tem pleno perdão da pena e da dívida, perdão
esse que lhe pertence mesmo sem breve de indulgência. 37.
Todo e qualquer cristão verdadeiro, vivo ou morto, é participante de todos
os bens de Cristo e da Igreja, dádiva de Deus, mesmo sem breve de indulgência. 38.
Entretanto se não deve desprezar o perdão e a distribuição por parte do
papa. Pois, conforme declarei, o seu perdão constitui uma declaração do
perdão divino. 39.
É extremamente difícil, mesmo para os mais doutos teólogos, exaltar diante
do povo ao mesmo tempo a grande riqueza da indulgência e ao contrário o
verdadeiro arrependimento e pezar. 40.
O verdadeiro arrependimento e pesar buscam e amam o castigo; mas a profusão
da indulgência livra das penas e faz com que se as aborreça, pelo menos
quando há oportunidade para isso. 41.
É necessário pregar cautelosamente sobre a indulgência papal para que o
homem singelo não julgue erroneamente ser a indulgência preferível às
demais obras de caridade ou melhor do que elas. 42.
Deve-se ensinar aos cristão, não ter pensamento e opinião do papa que a
aquisição de indulgência de alguma maneira possa ser comparada com qualquer
obra de caridade. 43.
Deve-se ensinar aos cristãos proceder melhor quem dá aos pobres ou empresta
aos necessitados do que os que compram indulgências. 44.
É que pela obra de caridade cresce o amor ao próximo e o homem torna-se mais
piedoso; pelas indulgências porém, não se torna melhor senão mais segura e
livre da pena. 45.
Deve-se ensinar aos cristãos que aquele que vê seu próximo padecer
necessidade e a despeito disto gasta dinheiro com indulgências, não adquire
indulgências do papa, mas provoca a ira de Deus. 46.
Deve-se ensinar aos cristão que, se não tiverem fartura, fiquem com o necessário
para a casa e de maneira nenhuma o esbanjem com indulgências. 47.
Deve-se ensinar aos cristãos, ser a compra de indulgências livre e não
ordenada. 48.
Deve-se ensinar aos cristãos que, se o papa precisa conceder mais indulgências,
mais necessita de uma oração fervorosa de que de dinheiro. 49.
Deve-se ensinar aos cristãos, serem muito boas indulgências do papa enquanto
o homem não confiar nelas; mas muito prejudiciais quando, em consequências
delas, se perde o temor de Deus. 50.
Deve-se ensinar aos cristãos que, se o papa tivesse conhecimento da traficância
dos apregoadores de indulgências, preferiria ver a catedral de São Pedro ser
reduzida a cinzas a ser edificada com a pele, a carne e os ossos de suas
ovelhas. 51.
Deve-se ensinar aos cristãos que o papa, por dever seus, preferiria
distribuir o seu dinheiro aos que em geral são despojados do dinheiro pelos
apregoadores de indulgência, vendendo, se necessário fosse, a própria
catedral de São Pedro..4 52.
Comete-se injustiça contra a Palavra de Deus quando, no mesmo sermão, se
consagra tanto ou mais tempo à indulgência do que à pregação da Palavra
do Senhor. 53.
São inimigos de Cristo e do papa quantos por causa da prédica de indulgências
proíbem a Palavra de Deus nas demais igrejas. 54.
Esperar ser salvo mediante breves de indulgências é vaidade e mentira, mesmo
se o comissário de indulgências, mesmo se o próprio papa oferecesse sua
alma como garantia. 55.
A intenção do papa não pode ser outra do que celebrar a indulgência, que
é a causa menor, com um sino, uma pompa e uma cerimónia, enquanto o
Evangelho, que é essencial, importa ser anunciado mediante cem sinos,
centenas de pompas e solenidades. 56.
Os tesouros da Igreja, dos quais o papa tira e distribui as indulgências, não
são bastante mencionadas
e nem suficientemente conhecidos na Igreja de Cristo. 57.
Que não são bens temporais, é evidente, porquanto muitos pregadores a este
não distribuem com facilidade, antes os ajuntam. 58.
Tão pouco são os merecimentos de Cristo e dos santos, porquanto estes sempre
são eficientes e, independentemente do papa, operam salvação do homem
interior e a cruz, a morte e o inferno para o homem exterior. 59.
São Lourenço aos pobres chamava tesouros da Igreja, mas no sentido em que a
palavra era usada na sua época. 60.
Afirmamos com boa razão, sem temeridade ou leviandade, que este tesouros são
as chaves da Igreja, a ela dado pelo merecimento de Cristo. 61.
Evidente é que para o perdão de penas e para a absolvição em determinados
casos o poder do papa por si só basta. 62.
O verdadeiro tesouro da Igreja é o santíssimo Evangelho da glória e da graça
de Deus. 63.
Este tesouro, porém, é muito desprezado e odiado, porquanto faz com que os
últimos sejam os primeiros 64.
Enquanto isso o tesouro das indulgências é sabidamente o mais apreciado,
porquanto faz com que os últimos sejam os primeiros. 65.
Por essa razão os tesouros evangélicos outrora foram as redes com que se
apanhavam os ricos e abastados. 66.
Os tesouros das indulgências, porém, são as redes com que hoje se apanham
as riquezas dos homens. 67.
As indulgências apregoadas pelos seus vendedores com ao mais sublimes graça
decerto assim são considerados porque lhes trazem grandes proventos. 68.
Nem por isso semelhante indulgência não deixa de ser a mais íntima graça
comparada com a graça de Deus e a piedade da cruz. 69.
Os bispos e sacerdotes são obrigados a receber os comissários das indulgências
apostólicas com toda a reverência. 70.
Entretanto têm muito maior dever de conservar abertos olhos e ouvidos, para
que estes comissários, em vez de cumprirem as ordens recebidas do papa, não
preguem os seus próprios sonhos. 71.
Aquele, porém, que se insurgir contra as palavras insolentes e arrogantes dos
apregoadores de indulgências,
seja abençoado. 72.
Quem se levanta a sua voz contra a verdade das indulgências papais é
excomungado e maldito. 73.
Da mesma maneira em que o papa usa de justiça ao fulminar com a excomunhão
aos que em prejuízo do comércio de indulgências procedem astuciosamente. 74.
Muito mais deseja atingir com o desfavor e a excomunhão àqueles que, sob o
pretexto de indulgência,
prejudiquem a santa caridade e a verdade pela sua maneira de agir. 75.
Considerar as indulgências do papa tão poderosa, a ponto de poderem absolver
alguém dos pecados, mesmo que ( cousa impossível ) tivesse desonrado a mãe
de Deus, significa ser demente. 76.
Bem ao contrário, afirmamos que a indulgência do papa nem mesmo o menor
pecado venial pode anular no que diz respeito à culpa que constitui. 77.
Dizer que mesmo São Pedro, se agora fosse papa, não poderia dispensar maior
indulgência, significa blasfemar São Pedro e o papa. 78.
Em contrário, dizemos que o atual papa, e todos os que o sucederem, é
detentor de muito maior indulgência, isto é, o Evangelho, as virtudes, o dom
de curar, etc. , de acordo com o que diz
I Coríntios 12. 79.
Afirmar ter a cruz de indulgências adornada com as armas do papa e colocada
na igreja tanto valor como a própria cruz de Cristo, é blasfémia. 80.
Os bispos, padres e teólogos que consentem em semelhante linguagem diante do
povo, terão de prestar contas deste procedimento. 81.
Semelhante pregação, a enaltecer atrevida e insolentemente a indulgência,
faz com que mesmo a homens doutos é difícil proteger a devida reverência ao
papa contra a maledicência e as fortes objeções dos leigos. 82.
Eis um exemplo: Por que o papa não tira duma vez todas as almas do purgatório,
movido por santíssima caridade e em face da mais premente necessidade das
almas, que seria justíssimo motivo para tanto, quando em troca de vil
dinheiro para construção da catedral de São Pedro, livra um sem número de
almas, logo por motivo bastante insignificante? 83.
Outrossim: Por que continuam as exéquias e missas de ano em sufrágio das
almas dos defuntos e não se devolve o dinheiro recebido para o mesmo fim ou não
se permite os doadores busquem de novo os benefícios ou prebendas oferecidos
em favor dos mortos, visto ser injusto continuar a rezar pelos já resgatados? 84.
Ainda: Que nova piedade de Deus e do papa é esta, que permite a um ímpio e
inimigo resgatar uma alma piedosa e agradável a Deus por amor ao dinheiro e não
resgatar esta mesma alma piedosa e querida de sua grande necessidade por livre
amor e sem paga ? 85.
Ainda: Por que os cânones de penitência, que de fato, faz muito caducaram e
morreram pelo desuso, tornam a ser resgatados mediante dinheiro em forma de
indulgências como se continuassem bem vivos e em vigor ? 86.
Ainda: Por que o papa, cuja fortuna hoje é a mais principesca do que a de
qualquer Credo, não prefere edificar a catedral de São Pedro de seu próprio
bolso em vez de o fazer com o dinheiro de fiéis pobres ? 87.
Ainda: Que ou que parte concede o papa do dinheiro proveniente de indulgências
aos que pela penitência
completa assiste direito à indulgência plenária ? 88.
Afinal: que maior bem poderia receber a Igreja, se o papa, como já o fez cem
vezes ao dia, concedesse
a cada fiel semelhante dispensa e participação da indulgência a título
gratuito. 89.
Visto o papa visar mais a salvação das almas do que o dinheiro, por que
revoga os breves de indulgência outrora por ele concedidos, aos quais atribuía
as mesmas virtudes ? 90.
Refutar estes argumentos sagazes dos leigos pelo uso da força e não mediante
argumentos da lógica, significa entregar a Igreja e o papa à zombaria dos
inimigos e desgraçar os cristãos. 91.
Se a indulgência fosse apregoada segundo o espírito e sentido do papa,
aqueles receios seriam facilmente desfeitos, nem mesmo teriam surgido. 92.
Fora, pois, com todos estes profetas que dizem ao povo de Cristo: Paz! Paz! e
não há paz. 93.
Abençoados seja, porém, todos os profetas que dizem à grei de Cristo: Cruz!
Cruz! e não há cruz. 94.
Admoestem-se os cristãos a que se empenham em seguir sua Cabeça Cristo através
do padecimento,
morte e inferno. 95.
E assim esperem mais entrar no reino dos céus através de muitas tribulações
do que facilitados diante de consolações infundadas. A visitar: e Mendo de Castro Henriques na InternetDescrevendo as suas muitas actividades académicas, tem áreas sobre ciência política e filosofia, disponibilizando também este e outros textos de Eric Voegelin, para além de muitos artigos de sua autoria. Espaço de Bill McClain sobre este filósofo, muito completo e com ligações a outros espaços na Internet |
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