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D. Sancho Manuel, 1.º conde de Vila Flor
D. Sancho Manuel, 1.º conde de Vila Flor

 

Vila Flor (D. Sancho Manuel, 1.º conde de).

 

n.      [ c. 1610 ].
f.       3 de fevereiro de 1677.

 

Donatário de Vila Flor, do Conselho de Estado e de Guerra, comendador das comendas de S. Nicolau de Celorico de Basto, de Santo Adrião, de Penafiel, e de Santa Maria do Marmeleiro, governador da cidade do Porto, da Torre de Belém e da praça de Elvas, general em chefe do nosso exército, etc. 

fasceu em Lisboa, onde também faleceu com perto de setenta anos em 3 de Fevereiro de 1677. Era filho de D. Cristóvão Manuel de Vilhena, que foi em 1591 capitão-mor das Naus da Índia, e de D. Joana de Faria. 

Entrou na religião de S. João de Jerusalém, vestindo o hábito de noviço da Ordem de Malta, não chegando, porém, a ser cavaleiro da ordem por discórdias que teve no seio dela, e acerca das quais não são explícitos os seus biógrafos. Tendo nascido no princípio do século 17, correu-lhe toda a mocidade quando Portugal estava sujeito ao jugo espanhol, e D. Sancho Manuel, saindo da ordem de Malta, foi como fiel súbdito de sua majestade católica servir na Itália debaixo das ordens do duque de Feria. Serviu também em Flandres, e na Alemanha, sempre nos exércitos espanhóis, e sempre com muita distinção. Esteve no cerco de Brissac, e em outras acções notáveis, adquirindo em todas a fama de militar brioso, e ao mesmo tempo a prática de guerra. Em 1637 regressou a Portugal, partindo logo em seguida para o Brasil na armada do conde da Torre e, no Brasil, continuou a combater brilhantemente contra os holandeses. 

Regressou ao reino quando já D. João IV estava aclamado, e aderiu com entusiasmo à causa da independência portuguesa. Era D. Sancho Manuel então mestre de campo, e foi com o seu terço servir na Beira, onde esteve em 1641 debaixo das ordens de D. Álvaro de Abranches, e em 1642 debaixo das ordens de D. Fernão Teles de Meneses. Este último tinha nele plena confiança e encarregou-o de varias facções importantes de que D. Sancho Manuel se saiu sempre com o mais completo êxito. Tomou Elches, resistiu vitoriosamente ao duque de Alba, que tentava retomá-la, impediu os espanhóis de fortificarem Fuentes, destroçou-os em Guinaldo, levantou um forte em Val de la Mula, e bateu de novo as tropas do duque de Alba que tentaram opor-se lhe. Finalmente chamado por Fernão Teles de Meneses para o lugar importante de mestre de campo general, dirigiu superiormente as operações que deram em resultado a tomada do castelo de Guardian. Quando, porém, D. Sancho Manuel esperava decerto, quando todos supunham que as mais altas recompensas galardoariam os serviços relevantes do conquistador de Elches e de Guardian, do vencedor de Val de la Mula e de Guinaldo, do homem, cujo nome estava já sendo o terror dos espanhóis e a esperança dos portugueses, soube-se que D. Sancho Manuel fora efectivamente à corte, mas debaixo de prisão. As eternas desconfianças de D. João IV fizeram com que não hesitasse em prender o homem que acabava de prestar, e que estava prestando ainda os mais valiosos serviços à causa nacional. Vitima da mesma forma que Matias de Albuquerque (V. Alegrete, marquês de), dessa desconfiança cega, D. Sancho Manuel viu arrancarem-lhe a espada vitoriosa para o conduzirem preso. Este facto é incompreensível. Percebe-se ainda que Matias de Albuquerque fosse vitima das suspeitas da corte, a que esta não hesitasse em tomar com ele as suas precauções, porque enfim na época da sua prisão ainda Matias de Albuquerque não começara a fazer experimentar aos espanhóis os revezes que depois Ihes infligiu, mas não se percebe como é que se não hesitou em dar a voz de prisão a D. Sancho Manuel, exactamente depois duma campanha vitoriosa, em que ele mostrou asperamente ao duque de Alba que não bastava possuir-se este título para se conquistar Portugal. Vamos mais adiante ainda. Admitamos que nessa época de dúvidas e de incertezas, em que estava tão mal segura ainda a independência portuguesa, não se hesitasse em se prender D. Sancho Manuel, se contra ele havia realmente uma aparência de suspeita, mas o que é inexplicável é que, desde o momento que se reconheceu a inocência do acusado, se lhe não dessem todas as provas de confiança e de pesar pelo que sucedera, não se procurasse mitigar o mal que se lhe fizera, e, senão se queria dobrar a recompensa para o indemnizar ao injusto castigo, ao menos que se recompensassem enfim os relevantes serviços que ele prestara. Nem isso! Voltou simplesmente para o lugar que até aí desempenhara, e continuou também, sem um murmúrio nem uma queixa, a combater como soldado fiel nessa guerra inglória e obscura da fronteira da Beira, porque, para este exército estavam reservadas todas as fadigas, e os combates gloriosos esses tinha-os unicamente o exercito do Alentejo. Em 1643 a guerra da Beira foi insignificante, porque todas as forças portuguesas se encontraram no Alentejo, onde D. João IV tomou por algum tempo, nominalmente o comando do exército. Em 1644, a principal façanha na mesma província foi a entrada de D. Sancho Manuel em Espanha com oitocentos infantes e duzentos cavalos, entrada vitoriosa de que resultou a mais completa ruína para as pobres povoações espanholas da fronteira. Em escaramuças insignificantes se consumiram os dois anos de 1645 e 1646, sem que D. Sancho Manuel obtivesse um comando em chefe. Só em 1648 o recebeu, e foi ainda assim insignificante. Só o teve quando a governo se lembrou de dividir a Beira em dois comandos militares, cabendo um deles a D. Rodrigo de Castro, e o outro que abrangia as comarcas de Castelo Branco, Viseu e Coimbra a D. Sancho Manuel. Mas o exército, que este brilhante general comandava, não era superior a 1.100 soldados de infantaria e a duzentos de cavalaria. Com tão pequenas forças pouco poderia fazer, e na verdade, em 1648 tentou tomar Alcântara, e não o conseguiu. Durante os oito anos que se seguiram à morte do D. João IV, continuou D. Sancho Manuel no seu comando sem sucessos notáveis que o ilustrassem. 

Em 1657 ainda o papel de D. Sancho Manuel se limitou na Beira a mandar reforços para o exército do Alentejo, mas em 1658, finalmente, recebeu D. Sancho Manuel o governo da praça de Elvas. Não tinha o lugar a importância adequada ao mérito, aos serviços e aos anos de D. Sancho Manuel, mas as circunstancias de tal forma lhe facilitaram o distinguir-se e ilustrar-se que não houve meio de o continuarem a votar ao ostracismo, a que até aí como que estivera condenado Acabara Joane Mendes de Vasconcelos de levar ao termo a infeliz campanha de 1658, em que intentara tomar Badajoz, e em que depois de vitórias infrutíferas, regressara a Portugal, sem ter conseguido o seu fim, e tendo arruinado e desfeito o exército mais brilhante que Portugal pudera apresentar em linha desde o começo das hostilidades. O pior era que o país ficara completamente desarmado, e que a Espanha, pelo contrário, desembaraçada das suas guerras com a França e com o resto da Europa, estava pronta a esmagar-nos. Tomara isso muito a peito o primeiro-ministro de Espanha, D. Luiz de Haro, que parecia desejar restituir aquela nação o que o seu antecessor conde-duque de Olivares lhe fizera perder, e que nesse triunfo parecia querer fazer consistir principalmente a glória do seu governo. Sobre Elvas pois viria desabar a torrente dos inimigos, e Elvas tinha de ser a primeira barreira que poderia opor-se aos espanhóis, e que teria de lhes suster o ímpeto, enquanto em Portugal se reconstituía um exército, o que não era fácil, nem podia ser rápido. Tinha D. Sancho Manuel é certo, uma praça bem fortificada para esse tempo e uma guarnição numerosa, porque se elevava a 11.000 homens entre tropas de linha e auxiliares. O exército, porém, que sitiava a praça compunha-se de cerca de 20.000 homens e de numerosa artilharia, sendo tudo soldados experimentados nas prolongadas guerras em que a Espanha estivera envolvida. Não se temia D. Sancho Manuel dum assalto, o que o assustava era o bloqueio, porque exactamente o ser a sua guarnição numerosa mais o prejudicava. Felizmente, pouco antes de assentar D. Luiz de Haro os seus arraiais diante da praça, conseguira Jacome de Melo Pereira introduzir em Elvas um grande comboio de trigo e de cevada. Ainda assim os abastecimentos de Elvas ressentiam-se de não estar a praça preparada para o cerco. Principiou o assédio que logo mostrou que tinha de ser demorado, porque Portugal precisava de refazer o exército que fosse em socorro da praça, e esta estava resolvida a esperar com firmeza esse momento supremo. A cavalaria da guarnição, constando apenas de duzentos e cinquenta homens, fazia a cada instante sortidas vantajosas, e a artilharia das muralhas incomodava mais os sitiantes do que a dos sitiantes incomodava a praça. Com terríveis inimigos interiores tinha de lutar porém D. Sancho Manuel. Eram as enfermidades que lhe dizimavam a guarnição Por isso, mais que pela dificuldade da defesa, ele escrevia à rainha regente D. Luísa de Gusmão, pedindo-lhe que apressasse quanto antes a reorganização do exército. Com efeito a situação da praça não tardou por isso a ser horrorosa. Um numeroso exército castelhano cerrou completamente o bloqueio, e como se estava no pino do Inverno, os incómodos que resultavam dessas faltas mais acendiam a peste, que se desenvolveu de tal modo que já faltava espaço para as sepulturas. Se alguma coisa podia consolar os defensores de Elvas, era ser a situação do inimigo ainda mais penosa. Expostos a todas as inclemências da estação sem abrigos, introduzira-se nas fileiras um tal desânimo, que desertavam para as praças portuguesas em magotes, havendo dia que só em Juromenha entravam oitenta, avaliando-se em mais de três mil os trânsfugas do exército de D. Luiz de Haro, sem contar os simples desertores que se internavam em Espanha. Mas o poderoso ministro de Filipe IV reparava prontamente as perdas, os mantimentos não faltavam, ao passo que em Elvas escasseavam os remédios para os doentes e o sustento para os sãos, que já não eram muitos. Entretanto, refazia-se o exército português, compondo-se principalmente de milicianos, e a 11 de janeiro marchava, comandado pelo conde de Cantanhede em auxílio de Elvas, que se encontrava já nos últimos apuros. Combinou-se entre D. Sancho Manuel e o conde de Cantanhede o plano a adoptar, e daí resultou a brilhante vitória das Linhas de Elvas de 14 de janeiro de 1659, que salvou perfeitamente a pátria, que nunca se vira em tão apertadas circunstâncias desde a Restauração. (V. Elvas, Batalha das Linhas de). Então fez-se justiça aos dois intrépidos generais, recebendo o conde de Cantanhede o título de marquês de Marialva (V. este título), e D. Sancho Manuel o de conde de Vila Flor, despacho de 29 de setembro de 1659. 

Não comandou, porém, senão interinamente o exército do Alentejo, e voltou logo ao seu antigo comando da Beira. Dando-se o governo militar do Alentejo ao conde de Atouguia. Foi só nos fins da desastrosa campanha de 1662, quando D. João de Áustria, irrompendo vitorioso pelo Alentejo, tomando uma multidão de praças, chegou quase a bater às portas de Lisboa, que o conde de Vila Flor foi chamado para salvar a situação. O conde de Castelo Melhor era já então ministro de D. Afonso VI, e sabia bem apreciar os homens. Não nomeou o marquês de Marialva para o comando do exército do Alentejo, porque o marquês decerto não aceitaria, estando como estava, profundamente inimizado com o conde de Castelo Melhor, mas o conde de Vila Flor foi imediatamente nomeado. Deu-se-lhe por chefe do estado maior o conde do Schomberg, general francês que estava ao serviço de Portugal (V. este título), e o conde de Vila Flor não gostou da nomeação, porque parecia implicar desconfiança dos seus talentos militares, e o defensor de Elvas não estava resolvido a aceitar tutor. Daí resultaram repetidos conflitos entre o general em chefe e o chefe do estado maior, conflitos tais que por mais dum mês Schomberg esteve resolvido a pedir a demissão e a retirar-se para França; felizmente D. Luís de Meneses, que era o general da artilharia, conseguiu acomodá-los, e os dois fidalgos, cooperando lealmente, puderam ilustrar os fastos militares portugueses com mais uma vitória decisiva. O comandante em chefe da cavalaria era Diniz de Melo e Castro, um dos mais brilhantes oficiais de cavalaria do nosso exército; o comandante da artilharia era D. Luís de Meneses, depois conde da Ericeira, que escreveu o Portugal Restaurado. Estavam, portanto, reunidos neste exército todos os elementos de vitória. A campanha, contudo, começou desastrosamente. Defendida por uma guarnição numerosa, mas muito mal comandada, Évora caiu, logo no princípio das hostilidades, no poder de D. João de Áustria, ficando a guarnição toda prisioneira, mas para dar este golpe importante tanto se internara D. João de Áustria no Alentejo, que tinha quase as comunicações cortadas, a se apressou a voltar a Arronches, levando consigo toda a guarnição prisioneira. Os condes de Vila Flor e de Schomberg é que o não deixaram assim retirar em sossego. D. João de Áustria, que era general habilíssimo, procurou mascarar o seu movimento de retirada, fazendo grande estendal das suas tropas, que ocuparam as fortes eminências do Ameixial, enquanto os prisioneiros a as bagagens e depois a artilharia iam desfilando, e ocultas dos nossos, pela estrada do Canal, por onde as seguiriam também as suas tropas a pouco e pouco. Ia-se saindo bem deste plano traçado habilmente, mas o comandante da artilharia portuguesa, D. Luís de Meneses, que sustentava com a artilharia inimiga um canhoneio vivíssimo, reparou de súbito que o seu fogo afrouxara. Procurando ver a causa, reparou que numa eminência ocupada pelos espanhóis, e onde eles tinham em baterias oito peças já não havia senão quatro. Percebeu tudo então, comunicou-o aos condes de Vila Flor e de Schomherg, estes dois ilustres generais resolveram frustrar o plano de D. João de Áustria, atacando-o com todo o vigor. Daqui resultou a famosa batalha do Ameixial ou do Canal, ganha pelos portugueses no dia 8 de junho de 1663, e que teve a singularidade de ser perdida por D. João de Áustria, antes de se ter resolvido a aceitá-la. Efectivamente, o general espanhol não se podia resignar a ver tão completamente malogrado um plano tão bem concebido. As eminências em que a massa principal do seu exército estava postada para proteger a retirada do resto, eram fortes bastante para poderem suster por muito tempo o ímpeto dos nossos. Fiado nisso, D. João de Áustria continuou a fazer retirar ocultamente a sua artilharia. Pois entretanto a nossa protegia tão eficazmente o assalto dado pelos nossos soldados que as eminências ocupadas pelos inimigos foram tomadas rapidamente, e a retirada, transformando-se em fuga, atulhou esse estreito caminho do Canal, por onde se efectuava, de mortos e de feridos. As nossas perdas foram consideráveis, mas as do inimigo foram enormes. Caíram em nosso poder 3.500 prisioneiros, toda a artilharia, 1.400 cavalos, 2.000 carros, oito bandeiras, muitos estandartes de cavalaria, entre outros o do próprio D. João de Áustria, e dezoito carruagens de fidalgos. Além disso, os quatro mil prisioneiros de Évora escaparam-se, e lançando mão das armas que encontraram, vieram unir-se às tropas vitoriosas. (V. Ameixial, Batalha do). 

Logo em seguida o conde de Vila Flor reuniu-se com o marquês de Marialva, que vinha também de Lisboa à frente dum exército rapidamente organizado. Os dois generais reunidos foram cercar Évora, que não tardaram a reconquistar. Em recompensa de tão insigne façanha, o conde de Vila Flor recebeu mais comendas que reuniu às que já possuía na ordem de Cristo, teve o lugar de governador da Torre de Belém, a alcaidaria-mor de Alegrete, foi nomeado conselheiro de guerra, governador da Relação e Casa do Porto, mas o que não teve, foi novamente o comando dum exército. Durante o resto da guerra, o conde de Vila Flor permaneceu na corte, desempenhando as suas funções de conselheiro de guerra, ou no Porto exercendo o seu cargo de chefe supremo da Relação. Não parece, que se manifestasse de qualquer forma na luta entre D. Afonso VI e seu irmão D. Pedro. Em 1678, aproximadamente, o príncipe regente quis nomeá-lo vice-rei do Brasil. O conde de Vila Flor, apesar da sua idade já muito avançada, aceitou, o ia partir a tomar posse desse elevado lugar, quando faleceu. 

Era casado com D. Ana de Noronha, filha de seu primo D. Gaspar de Faria Severim, do conselho de el-rei e secretário das Mercês e expediente dos reis D. João IV e D. Afonso VI.

 

 

 

 

Sancho Manoel de Vilhena, 1.º conde de Villa Flor
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Portugal - Dicionário Histórico, Corográfico, Heráldico, Biográfico, Bibliográfico, Numismático e Artístico,
Volume VII, págs. 497-500
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