Alegoria ao saque de 100 milhões
de cruzados
Alocução da deputação portuguesa
Carta escrita pela chamada Deputação portuguesa enviada a Napoleão Bonaparte, falando da situação de Portugal no interior do Império francês, publicada tanto na Gazeta de Lisboa, como avulsamente, por ordem de Junot de 12 de Maio de 1808.
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Esta carta enviada pela «deputação portuguesa» a Baiona é um momento de afirmação dos interesses do Povo português, independentemente do tipo de governo, e que, em última instância, se resumiam na manutenção da independência e da unidade do território nacional. A «deputação» tinha sido criada em 23 de Fevereiro de 1808 com ordens para estar em Bayonne entre 1 e 10 de Abril, para cumprimentar Napoleão Bonaparte. Saiu de Lisboa em 12 de Março e chegou a 2 de Abril à cidade francesa. Napoleão chegou no dia 14 tendo recebido o grupo português no dia 16. A ideia por detrás desta acção do governo francês, era enviar para França, tanto com a deputação como com o envio do exército português que acompanhou o grupo até Bayonne, a elite aristocrática portuguesa, pensando que assim conseguiria anular a capacidade de resistência da população. A «deputação», para além do pedido de diminuição da contribuição de guerra, terá também pedido a manutenção da Casa de Bragança no trono de Portugal, destituída pelo governo francês de Junot em Janeiro de 1808, assim como a manutenção da unidade do país, cuja desagregação estava prevista no tratado franco-castelhano de 1807. O primeiro pedido não foi aceite, como se comprova pelo texto, sendo que o segundo já estava em vigor desde Janeiro de 1808. Esta carta foi muito mal recebida pela população portuguesa, e aumentou claramente a vontade de revolta que acabou por acontecer em princípios de Junho, no seguimento de tumultos acontecidos um pouco por toda a parte no dia do Corpo de Deus, despoletados pela revolta que se generalizava em Espanha, e a repor a Casa de Bragança no trono de Portugal, naquilo que foi de facto de 1808 a 1814 a Segunda Guerra da Restauração de Portugal. Após a reunião com o imperador dos franceses, os membros da «deputação» foram enviados para Bordéus, ficando reféns do governo francês. Alguns conseguiram regressar a Portugal em 1810/1811. A maior parte só foi libertada em Março de 1814, quando forças do exército português, comandadas pelo marechal Beresford entraram naquela cidade francesa. O pequeno número de soldados, sargentos e oficiais que restavam ao exército português enviado para França, incorporado no exército francês enquanto «Legião Portuguesa», corpo dizimado nas várias guerras de expansão da França napoleónica, regressaram também nesse ano. Esta carta foi muito divulgada pela historiografia portuguesa de feição liberal e republicana, para mostrar a «colaboração» e a «traição» da aristocracia portuguesa em face da ocupação francesa, assim como as célebres pastorais de alguns bispos portugueses, a aconselharem calma em face da ocupação francesa, mostravam a da igreja portuguesa. É mais um combate político ultrapassado, em princípio, o que devia já estar ultrapassado, quer na sociedade quer na historiografia portuguesa. |
A confiança que depositastes no grande príncipe, junto
ao qual temos a honra de ser interpretes dos vossos sentimentos e dos vossos
votos, foi inspirada menos pelo conhecimento dos interesses da pátria do
que pelo desejo de confiar a decisão da nossa sorte ao poderoso génio que,
tendo restaurado o seu país, deu uma nova constituição à Europa. 0 tempo que nos demorámos na fronteira do império francês,
e que precedeu a chegada de sua majestade imperial e real, cabalmente nos
mostrou o império que o grande monarca exerce nos corações de todos. As aclamações cada vez mais vivas de seus súbditos nos
anunciavam o momento em que se devia completar a felicidade deles e começar
a nossa. Sua majestade imperial e real concedeu o primeiro dia da
sua chegada a Bayonne aos seus súbditos (este é o tributo ordinário do
seu desvelo para com eles), e dignou-se conceder-nos o segundo. Sua
majestade imperial e real conhecia, ainda mesmo antes de lho expormos, a
vossa posição, as vossas necessidades e tudo quanto vos interessa. Se
alguma coisa pode igualar o seu génio é a elevação da sua alma e a
generosidade dos seus princípios. Ao mesmo passo que sua majestade imperial e real se
dignava falar-nos sobre as nossas circunstâncias politicas com afabilidade
verdadeiramente paternal, fazia as reflexões as mais interessantes para a
nossa felicidade, e manifestava os principies mais elevados a respeito do
uso dos direitos que as circunstâncias lhe deram. Não foi como
conquistador Sua majestade imperial e real, considerando a vossa situação,
houve por bem declarar-nos que a nossa sorte dependia de nós, isto é, do
espírito publico que mostrássemos, com o qual nos uníssemos ao sistema
geral do continente, e concorrêssemos para os acontecimentos já
preparados, assim como da nossa vigilância e da firmeza com que repelíssemos
as sugestões e intrigas que são de esperar, e que, sem proveito real para
os que forem autores ou objectos delas, só podem causar a nossa desgraça.
Estes são os sinais por onde sua majestade imperial e real quer julgar se
somos ainda dignos de formar uma nação capaz de sustentar no trono o príncipe
que nos governar, e de ocupar entre as nações o lugar que nos compete, ou
se devemos ser confundidos com aquela, cuja posição mais se aproxima de nós,
mas de quem tão grandes motivos nos afastam. Vereis com reconhecimento e
admiração nestas sábias disposições os profundos conhecimentos de sua
majestade imperial e real, que não quer decidir a sorte de um estado senão
conforme os seus desejos, manifestados por factos. Cumpre aos magistrados e
às pessoas mais autorizadas que existem entre vós, cumpre a vós todos dar
a maior publicidade às benéficas intenções de sua majestade imperial e
real. Esperámos, pois, que confirmareis os protestos que lhe fizemos em
vosso nome. Quando um grito unânime, arrancado do fundo dos nossos
corações, mostrou o desejo que tínhamos de ser uma nação, então mais
que nunca nos julgámos dignos interpretes dos vossos sentimentos. 0
imperador, que, depois de tantas tempestades, soube fazer da sua pátria o
primeiro país do mundo, deverá conhecer que a nossa não merece ser o
ultimo. Sua majestade imperial e real conhece as privações que a
interrupção momentânea do comércio vos faz suportar o vosso estado a
este respeito é o mesmo que o do resto da Europa e que o da América; é
consequência de uma luta, cujo futuro resultado vos pôde compensar os
trabalhos do tempo actual; também não esqueceu a sua majestade imperial e
real a coacção em que vos pôs a entrada de um exército estrangeiro. 0
imperador deseja ardentemente prevenir que esta desgraça se renove. Afligiu assaz seu coração o peso da contribuição que
oprime Portugal; a sua bondade lhe ditou a promessa de a reduzir conforme
fosse compatível com os nossos haveres. Os portugueses que estavam
prisioneiros em França, graças à clemência do imperador, gozam já da
sua liberdade. Sua majestade imperial e real nos autoriza para que vos
participemos as suas intenções, certos que elas excitarão em vós a maior
gratidão e o mais sincero desejo de lhe corresponderdes. Continuaremos a preencher junto de sua majestade imperial
e real, e conforme as suas ordens, uma missão que não tem dificuldades,
pois que a bondade do imperador se une à sua sabedoria para simplificar os
nossos maiores interesses. Bayonne, 27 de Abril de 1808. As ligações enviam para entradas no «Portugal» - Dicionário histórico = Marquês de Penalva
Notas: 1. O marquês de Marialva só fez parte formalmente da Deputação, já que nomeado embaixador em França em finais de 1807, estava no momento da reunião em Paris. 2. Irmão mais novo do 6.º duque de Cadaval, que tinha acompanhado a família real na ida para o Brasil. 3. D. José de Almeida. 4. Os dois últimos assinantes eram desembargadores e membros do Senado da Câmara de Lisboa |
Fonte:
Carta
da Deputação Portuguesa aos seus compatriotas, datada de Bayona de 27 de
Abril de 1808, dando conta da sua conferência com Napoleão,
Lisboa, na Impressão Imperial e Real, 1808
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