D. Luís da Cunha

D. Luís da Cunha

(Busto em mármore de
Jan Baptist Xavery)


Testamento Político,
de D. Luís da Cunha

 

«Deus não pôs os ceptros nas mãos dos príncipes
para que descansem, senão para trabalharem
no bom governo dos seus reinos.»

 

O testamento Político de D. Luís da Cunha foi uma das obras políticas mais lidas e conhecidas no Portugal da segunda metade do século XVIII, mesmo que só tenha circulado por meio de cópias manuscritas. Apresentado pela primeira vez em 1815 no Observador Português,  jornal português publicado em Londres, foi impresso em livro em 1820, e só reeditado em 1943 pela «Seara Nova», havendo uma edição brasileira de 1960. 

O texto, considerado por um breve momento uma possível invenção do Liberalismo, é hoje em dia aceite como completamente genuíno, terá começado a ser redigido em 1747. Esta obra, sempre citada por propor ao futuro rei D. José a nomeação de Sebastião José de Carvalho e Melo, o futuro marquês de Pombal,  para secretário de estado do reino, é muito mais importante do que esse mero fait-divers, já que apresenta um programa político de governo ao naquele momento ainda príncipe do Brasil.

O programa, longe de ser o de um estrangeirado empedernido como uma certa historiografia ainda hoje o mostra, não sai quase nunca dos limites do pensamento político tradicional português do século XVIII, mostrando o rei como chefe das famílias - um senhor de Casa - que o é também Príncipe, senhor do Reino, remetendo assim para o pensamento aristotélico, que via a função do monarca como conciliador dos poderes e das jurisdições preexistentes, tendo por obrigação garantir paternalistamente os vários interesses presentes na sociedade.

O conceito historiográfico de estrangeirado é  algo absurdo, porque renega qualquer tipo de realidade histórica na classificação de quem pertence ou não ao grupo. O conceito que António Sérgio primeiro, em princípios do século XX e Armando Cortesão, depois em meados do século, desenvolveram contra as tendências da historiografia do seu tempo, nunca definiu os critérios da denominação, sendo que a escolha das personagens não explica nada - sobretudo o porque é que se é estrangeirado -, nem tão pouco serve para explicar o que quer que seja - porque não se vislumbra nunca um factor de unidade nas personagens consideradas estrangeiradas. De facto estrangeirados, não sendo só personagens com ideias reformadoras, já que do lado dos rejeitados - dos castiços, desde logo um termo injurioso, os há também, não são mais dos que António Sérgio e Jaime Cortesão, e todos os historiadores que os seguiram, querem que sejam - sem mais explicações que a própria afirmação de serem estrangeirados.

O programa de D. Luís da Cunha, não sendo portanto possível de o definir como estrangeirado, é relativamente simples. Continuando a política de D. João V, que morreria em 1750, D. José, quando subisse ao trono, deveria concentrar o poder nos secretários de estado, dando-lhes um estatuto claro que eles ainda não tinham,  e manter a governação o mais independente possível das influências que dominavam a sociedade portuguesa de meados da centúria de setecentos, e que tinham objectivos considerados relativamente independentes da coroa - a aristocracia da corte, demasiado poderosa, a igreja, a secular mas também a regular, e sobretudo a Companhia de Jesus, devido à sua influência nos domínios ultramarinos.

Por junto, o programa propõe uma clara afirmação do poder real, vista como necessária para manter o equilíbrio na sociedade portuguesa da segunda metade do século XVIII.


Parte 1/3

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Texto completo

 

Senhor,

A tristíssima e sumamente dolorosa ideia, que naturalmente se pode fazer, de que o rei nosso senhor, glorioso pai de Vossa alteza, nos venha a faltar, o que praza a Deus que não vejamos senão depois de passados muitos anos 1; e na doce esperança de que V. A. subirá ao trono de seus ínclitos avós, para dele gozar por séculos inteiros, tomo a liberdade de me pôr com a mais humilde e reverente submissão aos seus reais pés, para que lembrando-lhe que sou o mais antigo ministro que o senhor rei D. Pedro, heróico avô de V. A. no ano de 1600 2 tirou da Casa da Suplicação para o servir no Ministério Estrangeiro, e que nele me conservou o rei nosso senhor até agora; e que, fundado nesta antiguidade, e no zelo e cuidado com que sempre procurei cumprir com a minha obrigação, pego na pena para ter a honra, não de lhe pedir algum prémio pelos meus serviços, mas somente para pôr na sua real presença quais são os meus sentimentos com a liberdade que o dito senhor muitas vezes não só me permitiu, mas expressamente me ordenou; e assim me aproveito dela para quando V. A. tomar, com a felicidade que lhe desejo, as rédeas do governo dos seus reinos e dilatadas conquistas, para o bem dos seus fiéis vassalos.

Se me servir de alguns exemplos, não são tirados da história, que faria larga e fastidiosa a sua leitura, que procurarei abreviar quanto me for possível, mas das máximas que vi praticar em Inglaterra, em Holanda, e França, ainda que nem todas se possam seguir pela diferença dos climas, dos governos, dos interesses, dos tempos, e pelas diversos génios das Nações. 3

Em primeiro lugar, senhor, naquele temido, infausto e natural acidente, que não espero ver, estou bem certo que V. A. não mostrará logo que em certas coisas quer tomar o contra-pé do governo do rei seu pai, e que, quando se vir obrigado a fazê-lo, será mostrando que são as diferentes ocorrências que o forçam a tomar diversas resoluções; para que não pareça que V. A. as emenda, antes as venera. Que V. A. conservará para uma mãe tão santa, como é a rainha nossa senhora, o mesmo respeito, e fiel veneração, com que até agora a tratou; efeito da admirável e cristã educação, que ele lhe deu. Que V. A. viverá com a sereníssima princesa do Brasil, sua amabilíssima e real consorte, na mais cordial e sincera confiança que se possa desejar.

Que mostrará a suas altezas irmãos e tios que a sua elevação ao trono não lhe diminuiu em coisa alguma o amor e carinho devido ao sangue que corre pelas mesmas veias. Estas obrigações são pessoais e um dever de homem; mas as de rei, sem ofender as que insinuo, são mostrar que V. A. é o único senhor, e que todos, sem excepção de pessoa, são seus vassalos e dependentes unicamente das suas reais resoluções.

Debaixo destes supostos já se vê que não serei de opinião que V. A., a título de descanso, se sirva de um primeiro-ministro por duas, entre outras, muito fortes razões.

A primeira porque Deus não pôs os ceptros nas mãos dos príncipes para que descansem, senão para trabalharem no bom governo dos seus reinos; trabalho que lhe será muito suave, se repartir bem e alternativamente as suas horas, porque estou certo que lhe sobejarão as que bastem para as empregar nos divertimentos que convém ao seu carácter, entre os quais conto o da caça, não porque seja, como alguns dizem, a imagem da guerra, porque não há armas que menos se lhe pareçam, pois nela se não vê mais que muitos cavaleiros, e uma infinidade de cães, que correm atrás dos pobres animais que fogem, e não se defendem; mas porque este divertimento serve a dissipar os grandes cuidados de que o príncipe está sempre ocupado.

A segunda, e ainda mais forte razão, vem a ser, que o dito ministro ordinariamente tira ao soberano o crédito que ele se arroga a si mesmo, desconsola os naturais, e perde muito com os estrangeiros. O duque de Malborough 4 se levantou com o poder, que se devia à rainha Ana de Inglaterra. O duque de Orléans 5 se arrependeu de haver dado a Luís XV por 1.º ministro o cardeal Dubois 6 que, servindo-se daquele eminente carácter, concebeu mandá-lo prender, havendo-o levantado do pó da terra; e por isso, logo que aquele indigno ministro e prelado faleceu, o substituiu no seu lugar, e se nele não lhe sucedesse o duque de Bourbon 7, jamais a princesa de Polónia seria rainha de França, porque madame de Priè 8, que o governava, se deixou comprar e, enfim, ninguém ousou. explicar-se em direitura a Luís XV, enquanto viveu o cardeal de Fleury 9, sob pena de perder a sua pretensão.

Contudo o cardeal, depois de reconhecer que o governo de uma tão grande monarquia excedia suas forças, achou que Mr. Chavelin tinha todas as qualidades necessárias para o poder aliviar e o associou ao primeiro-ministro; mas, vendo que os dois galos não cantavam bem em um só poleiro, viu-se precisado a desfazer-se de Chavelin, antes que Chavelin se desfizesse dele, pois que para isso começava a tomar suas medidas.

Isto que digo do primeiro-ministro milita também com o valido, que são sinónimos e peste do estado, para que V. A. se não sirva do primeiro, nem se deixe seduzir de quem procura ser o segundo, porque ordinariamente ambos cuidam mais em estabelecer o seu poder do que em conservar a representação do príncipe, de que só deviam ser zelosos, e que em Portugal é mais perigoso, pois que por um intolerável e ímpio abuso, temos feito hábito de nos esquecermos de Deus para nos aplicarmos aos seus santos, ou tidos por tais, costumando dizer que são os seus validos. Mas, senhor, os validos do céu são muito diferentes dos validos da terra, porque os primeiros, conforme o nosso provérbio, não rogam senão quando Deus quer; e os segundos rogam as mais das vezes pelo que nem Deus, nem o príncipe querem. Deus me preserve de dizer que a aplicação que se faz aos santos, como validos da majestade divina, é supersticiosa, porque a igreja definiu que ela era útil mas não necessária; porém digo somente que a que se faz aos validos da majestade humana é, ainda mal, necessária para ser útil em grande prejuízo da independência do príncipe, e da mesma monarquia. Numa palavra, senhor, todo o poder que o primeiro-ministro, ou valido, se atribui, não é outra coisa senão uma pura usurpação, por não dizer escandaloso furto que se faz à sagrada autoridade do príncipe. Porém, sem recorrer a exemplos estrangeiros, V. A. tem em casa um tão terrível, se quiser reflectir sobre o perigo a que nos expôs o ministério e valimento do conde de Castelo Melhor 10, e na sua vizinhança o de Felipe III e Felipe IV que, sem embargo de serem tão grandes monarcas, como não viam as coisas dos seus domínios senão pelos olhos dos seus primeiros-ministros e validos, não só perderam no mundo a sua reputação, mas também a da mesma monarquia. V. A. se pode também lembrar do pouco caso que pessoalmente se faz de Filipe V, porque se deixava governar pela rainha sua mulher 11, e esta pelo cardeal Alberoni 12, até que concorreram muitas razões para que aquela princesa se cansasse da sua petulância e o mandasse sair de Espanha.

Depois de ser o meu pensamento que V. A. fuja de ter um primeiro-ministro, ou um valido, não sei se lhe ajuntara que também se dispensasse de ter um confessor, quero dizer, com este título, por que com ele o autoriza para querer ingerir-se nas coisas do governo, e fazer-se respeitar, servindo-se do confessionário para tirar, ou encher o príncipe de escrúpulos, conforme convém aos interesses da sua ordem, dos seus parentes e amigos, de que pudera alegar muitos exemplos se não temesse a difusão deste papel; mas como seja preciso que o príncipe faça ver aos seus vassalos que regularmente pratica os preceitos da igreja, dissera que V. A. escolhesse para cura da sua freguesia um homem desinteressado, prudente, de boa vida e costumes, sem ser hipócrita e com ciência que baste para tranquilizar a sua consciência nos casos que lhe propuser e que com ele se confessasse; porque tenho observado que a teologia de frades é muito arriscada, principalmente a dos jesuítas, que são os que mais a estudam e por isso mais aptos para adoptarem as opiniões, que possam agradar ao confessado se for príncipe e não um pobre lavrador.

Se alguém me acusar de que nesta parte abraço as máximas de Maquiavel, enquanto diz que o governo monárquico seria o mais perfeito de todos, se o príncipe não tivesse validos, nem confessor, confesso a minha culpa sem arrependimento, e ainda passo em silêncio a dama, de que aquele refinado político quer que o príncipe seja isento porque, graças a Deus, entre as muitas virtudes de que dotou a V. A., tem a de não querer romper a constância conjugal, e por não autorizar com o seu exemplo a dissolução entre os dois sexos, como fez Luís XIV em França e Carlos II em Inglaterra que, sem embargo de ser um príncipe muito distraído tinha muito entendimento e costumava dizer que o governo das mulheres era, o melhor, porque nele governavam os homens; e que o governo dos homens era o pior, porque nele governavam as mulheres, de que em si mesmo tinha a experiência, porque se deixou governar por madame de Portsmouth 13, assim como Luís XIV por madame de Maintenon 14.

É verdade que sua majestade teve uma espécie de primeiro-ministro, que foi o cardeal da Mota 15; espécie digo de primeiro-ministro, porque ainda que em certo modo fazia as suas funções, nunca o dito senhor o revestiu daquele carácter; o que todo o mundo lhe deu (porque eu nunca o achei) foi o de ser muito bom homem, muito modesto, muito bem intencionado e muito limpo de mãos, com muito pouco conhecimento dos negócios estrangeiros e ainda menos activo nos domésticos, dois defeitos irreparáveis em quem se encarrega da direcção das coisas públicas, porque deles resulta demorarem-se as resoluções que passam pelas suas mãos; e assim não vejo em tantos anos de ministério que fizesse alguma coisa em benefício do reino, tanto a respeito do seu comércio que da sua navegação, manufacturas e forças assim terrestres como marítimas, de que abaixo filarei, passando o tempo em outros projectos, sem resolver algum; de que veio não deixar à posteridade saudade da sua memória. O que na minha opinião se lhe deve louvar são duas coisas, a primeira de haver sempre aconselhado a sua majestade de conservar em paz os seus vassalos, quando toda a Europa ardia em guerra 16, e quando outros podiam inspirar que se aproveitasse da ocasião em que a Inglaterra a declarava à Espanha, a fim de forçar aquela coroa a que conviesse a. cumprir exactamente o que com ela estipulámos no Tratado de Utreque 17, pois uma diversão da parte de Portugal não lhe permitia acudir à guerra de Itália com as forças que França lhe opunha. A segunda foi concorrer com o seu arbítrio para que sua majestade, instruído da confusão em que Diogo de Mendonça Corte Real deixara os papéis das secretarias que servia. principalmente depois do incêndio das suas casas, em que muitos se desencaminharam e outros pereceram, lhe desse melhor providência, repartindo entre três secretários aquele trabalho, a, que um só, até àquele tempo, não sem queixa das partes, dava tanta expedição sem o poder evitar pela afluência e variedade dos negócios já estrangeiros, já domésticos e já ultramarinos 18. E nesta parte um animal, e tão grande animal, qual é o camelo, mostra mais juízo e menos presunção do que o homem, pois somente sofre a carga com que pode, por se não deitar com ela; de maneira que eu comparo a cabeça de cada indivíduo a um vaso que quando se lhe deita mais água do que pode conter transborda, derrama-se e se turva a que fica nele.

Enfim, V. A. sabe a divisão que sua majestade fez das secretarias e os ministros que para elas nomeou, todos muito dignos de servirem com grande satisfação aqueles empregos, e só se reparou que todos fossem criaturas do cardeal, principalmente o do reino, que foi seu irmão, para que cada qual obrasse conforme ele lhe inspirasse. Não digo que esta foi a intenção com que aquele prelado fez a sua majestade a inculca, mas que tais foram as aparências.

É verdade que sua Majestade nomeou aqueles três ministros para secretários de Estado, mas nunca lhes quis dar a prerrogativa de conselheiros ou ministros de Estado, como o cardeal de Fleury pretendeu para que os embaixadores de França lhe dessem o tratamento de excelência, como se quisesse reservar aquele eminente título como um non plus ultra para as pessoas de maior nobreza, e mais recomendáveis pelos seus merecimentos e reconhecidos serviços. V. A. acha as secretarias divididas, porém mais no nome que no efeito, conforme ouço, porque os seus papéis estão na mesma confusão, sabe Deus aonde, porque eu o não sei, sem se repartirem pelos oficiais das secretarias para que cada um se entregue dos que lhe pertencem, e com mais facilidade se achem quando se procurem, ao que V. A. deve dar providência, nomeando um ministro bem inteligente, para que com os mesmos oficiais faça aquela necessária diligência e repartição e se reformem os que faltarem.

Dos três secretários que sua majestade nomeou, vejo não ser grande perda o faltar-lhe o da Marinha, que foi António Guedes Pereira 19, e ouço também lhe podia vir a faltar o do Reino, Pedro da Mota e Silva 20, que muitas vezes teria pedido licença para se demitir daquele emprego, que o punha na sujeição de não poder gozar do seu descanso, de maneira que se V. A. se acomodar com o seu desejo, será preciso prover uma e outra secretaria, para as quais tomarei o atrevimento de lhe indicar dois ministros, pelo conhecimento que tenho deles e dos seus talentos; a saber: para a do Reino Sebastião José de Carvalho e Melo 21, cujo génio paciente, especulativo e ainda que sem vício, um pouco difuso, se acorda com o da nação; e para a da Marinha Gonçalo Manuel Galvão de Lacerda 22, porque tem um juízo prático e expedito, e serviu muitos anos no Conselho Ultramarino, aonde adquiriu um grande conhecimento do governo, comércio e forças das conquistas; e desta sorte gratificaria V. A. com muita vantagem os serviços destes ministros, os quais viveriam em boa inteligência com o secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros Marco António de Azevedo Coutinho 23, porque o primeiro é seu parente e o segundo sempre foi seu íntimo amigo; mas não decidirei se esta grande e esperada união destes três secretários de Estado é a que mais convém ao serviço do amo e do Estado, mais que enquanto neles suponho uma integérrima probidade e que se não amassarão para favorecerem os interesses dos seus parentes e amigos, porque costumamos dizer que uma mão lava a outra e ambas o rosto, que talvez fica mais sujo se a água não é tão pura e tão clara como deve ser, isto é, sem ter o vício da paixão ou da própria conveniência.

Não digo que o príncipe seja suspeitoso, mas precatado, e que nenhum mal lhe faria que os seus ministros assim o concebam, para que não abusem da autoridade que se lhes dá; pois da mesma sorte que a suma confiança do príncipe degenera em fraqueza, da nímia desconfiança procede a perplexidade que agita o ânimo do príncipe e o não deixa tomar a resolução que convém. O senhor rei D. João IV 24, heróico avô de V. A. e sempre memorável libertador, quisera que fosse o espelho em que V. A. se visse, para em tudo o retratar, fazia tanta estimação de Gaspar de Faria Severim 25, seu secretário das Mercês e Expediente, que, saindo do despacho, disse diante de meu pai e dos mais que lhe faziam corte, que se podia ser rei de Portugal só por se servir de um tal ministro: contudo quando tinha alguma noção de que ele queria favorecer alguma das partes, cujos papéis devia despachar os expedia por mãos do secretário de Estado; e ainda fazia mais, porque nas consultas dos provimentos que subiam dos tribunais nunca se usou a dar os empregos aos que vinham nomeados em primeiro lugar ou segundo, antes sucedia que, bem informado dos merecimentos dos sujeitos, voltava a consulta debaixo para cima e dava lugar ao que estava no último, costumando dizer que desta sorte se conformava com a consulta e outras muitas máximas dignas de se imitarem.

Bem pudera referir outras muitas precauções que este príncipe tomava para não ser enganado pelos seus ministros; e, contudo, conhecendo ele em certo modo a inocência de Francisco de Lucena 26, seu secretário de Estado, o deixou condenar à morte porque os fidalgos o fizeram passar por traidor, não podendo sofrer que ele aconselhasse ao rei, que não lhe devia alguma obrigação de lhe porem a coroa na cabeça, pois lhe era devida afim de que não se julgassem credores de grandes recompensas. Os descendentes deste ministro justificaram depois a sua inocência; e sua majestade lhe veio a restituir as honras e os bens, em que eu tive alguma parte estando em Madrid.

Mas a Providência dotou V. A. de uma tal clareza de entendimento que se servirá das suas virtuosas suspeitas para não cair em alguma das duas sobreditas extremidades; porém, não sendo fácil praticar este meio termo com todo o sucesso que fora necessário, creio que, se pode haver algum, é o da boa escolha dos homens que V. A. quererá empregar, bem informado das suas acções passadas e presentes para poder julgar das futuras, e achá-lo digno da sua confiança, que todavia não deve passar de um certo ponto para que o ministro favorecido não presuma que está senhor de todo o seu segredo e por consequência de todas as suas intenções, pondo-o desta sorte em uma espécie de sujeição. Felipe II de Espanha 27, nosso injusto conquistador, a quem os castelhanos indevidamente deram o nome de prudente quando só lhe convinha o de cruel, parricida, sanguinário, ambicioso e, sobretudo, hipócrita, consideradas as suas indignas acções, temeu que António Peres 28, célebre na história daquele tempo, as descobrisse e assim as quis cobrir com outra mais infame, querendo deixá-lo condenar à morte pela que ele lhe mandara fazer e, enfim, o mandava assassinar se ele se não salvara em França.

Já que me sirvo desta anedota para provar o meu assunto, referirei outra que não o confirme menos e vem a ser que o marquês de Fronteira 29 e o de Távora 30, que ambos aspiravam ao valimento do senhor rei D. Pedro, ínclito avô de V. A., estando conversando a uma das janelas que olhavam para o Terreiro do Paço, sobreveio por detrás o sobredito senhor e pondo-lhe as mãos sobre os ombros lhes perguntou: «Em que discorrem os marqueses?» E o de Távora, que era pronto e vivo, lhe respondeu: «Estamos, senhor, vendo como nos havemos de enganar um ao outro, e ambos a Vossa Majestade»: e o pior é que dizia a verdade.

O conde de Vilar Maior, depois marquês de Alegrete 31, veio, por morte de um e outro, a gozar daquela fortuna, ainda que sua majestade em certas coisas a repartia com Roque Monteiro 32 por ser juiz da Inconfidência. E é coisa notável que sendo o dito marquês quarenta anos vedor da Fazenda e da repartição do Reino, não deixou algum monumento que acreditasse nem o seu valimento nem o seu ministério, para que choremos a sua memória: chore-a embora a sua casa, que também a aparentou e enriqueceu, que é o que não fez o cardeal da Mota por não fazer nada de proveito nem para si nem para o reino. Deste, que é o grande património de V. A., deve dar a Deus infinitas graças, porque, podendo-o fazer nascer de uma baixa e pobre distracção, lhe deu por pai um tão poderoso e magnífico rei, cujas virtudes excedem a mesma grandeza, como todo o mundo confessa e louva com admiração; considerando, porém, que um rei não difere, senhor, de qualquer outro pai de famílias mais que em o ser de muitas e não de uma só, mas as obrigações são as mesmas, seja em geral ou em particular, e a demonstração delas foi o ponto de vista com que comecei este papel. A primeira, pois, que tem um pai de famílias é dar competente sucessão à sua casa para que não passe a outra estrangeira. É verdade que a providência favoreceu a V. A. com quatro princesas, mas negou-lhe até agora um príncipe sem escutar os nossos ardentes votos, que incessantemente lhe fazemos pelo que sua majestade, no justo temor de que nos possa continuar esta grande desgraça (porque Deus tem também as suas teimas, quando lhe não merecemos as suas misericórdias), projectou dar estado à senhora princesa da Beira 33 com tanto acerto como V. A. sabe. Não entro nas razões que o dito senhor teve para o não pôr até agora em execução porque as ignoramos e seria culpável atrevimento querer penetrar os seus sagrados mistérios. Digo porém que se Deus dispuser da vida de sua majestade, deve ser a sua primeira e louvável acção do seu felicíssimo governo cumprir aquela que quero chamar última vontade, para nos enxugar as lágrimas que nos deve causar a falta de um tão magnânimo e benévolo soberano.

Não estranhe V. A. a um espírito melancólico e envelhecido se lhe trago à memória que cada instante é o termo da vida quando Deus assim o tem destinado, para que não perca os que ele lhe der para nos segurar a sucessão de que tanto necessitamos, por nos não expor a que a senhora princesa da Beira, cuja tutoria de direito compete a sua mãe e, por consequência dela dependerá dar-lhe estado se possa lembrar de que essa é mais irmã do que cunhada e mais espanhola do que portuguesa para se esquecer das máximas que V. A. lhe haverá inspirado. Tenho por constante que este pouco que digo e muito que pudera dizer sobre um tão relevante assunto, não escapa à muito alta compreensão de V. A., mas o zelo de bom velho português junto a alguma experiência que tenho do mundo me faz romper o silêncio que em tão delicada matéria devia guardar que, como para tudo há homens, quem me assegura de que não haja alguns tão malévolos que por interessadas vistas queiram persuadir a V. A. que vá passando o tempo, lisonjeando-o de que Deus lhe dará a sucessão varonil, que tanto lhe desejamos? Assim o permita a sua divina majestade; mas neste felicíssimo acontecimento, que prejuízo se nos seguiria de termos em Portugal uma segunda e real linha? Eu não o considero, nem creio que haverá pessoa alguma que tenha o juízo em seu lugar, que o possa imaginar, principalmente se revolver na memória a posteridade que teve o senhor rei D. Manuel de gloriosa memória, pois lhe veio a faltar na segunda geração, quero dizer, no infelicíssimo senhor rei D. Sebastião, que se perdeu a si e a nós. Triste lembrança, senhor, para os portugueses que reflectem sobre as suas funestas consequências de que ainda hoje, depois de dois séculos, Portugal se ressente.

A segunda obrigação de pai de famílias é a de ter bem regrado o serviço da sua casa, para que cada qual dos seus domésticos faça as funções que lhe competem  conforme a graduação dos seus empregos, o que a V. A. será muito fácil, se quiser, como desejo que queira, observar o método que o senhor rei D. João o IV tinha dado para que nenhum dos oficiais da sua casa faltasse à sua obrigação, no que era tão rígido que, querendo servir-se de um, e não o achando, se lhe respondeu que fora chamado à Misericórdia; pelo que mandou logo dizer à Mesa daquela santa casa que não fizessem algum irmão dela que fosse criado da sua.

E quando saía do despacho costumava passar pela galeria, tomando conhecimento dos fidalgos que lhe faltavam em lhe fazerem corte; e se algum não tinha aparecido, um ou mais dias, lhe perguntava, quando o via se estivera incomodado. Isto tudo, senhor, concilia amor e, juntamente, respeito.

Também costumava comer em público ao nosso modo com toda a real família, como faziam os reis de Portugal, seus gloriosos predecessores, até que, por nossos pecados, os de Espanha vieram introduzir em Portugal as suas etiquetas, fazendo-se quase invisíveis, o que não concilia o amor dos vassalos que desejam ver o príncipe que os governa.

A rainha Isabel de Inglaterra 34, de cuja grande política está cheia a história, costumava passar pelas ruas de Londres para se deixar ver dos seus súbditos, e levando um dia no seu coche o duque de Mançon 35, por entre os clamores daquele grande povo, lhe disse: «Meu príncipe, este amor que me testemunha esta populaça, são as minhas verdadeiras e fiéis guardas.» E já o nosso sentencioso e admirável Francisco de Sá de Miranda disse alguma coisa a este mesmo propósito 36; a que ajuntarei que o senhor rei D. João IV tanto não seguiu esta máxima espanhola que ainda fazia mais, pois mandava entrar no estribo do seu coche a célebre Maranhoa, que dominava todas as regateiras da Ribeira, para se fazer popular, porque costumamos dizer que a voz do povo é a voz de Deus, o que nem sempre se verifica.

Não direi que V. A. deixe de ter duas companhias de guarda de corpo a cavalo 37, de que em outro lugar falarei, não por segurança, mas por autoridade, visto que todos os príncipes da Europa o praticam, uns com mais, outros com menos necessidade; e o pior é que até o mesmo papa, sem alguma, se faz acompanhar desta milícia como príncipe secular; triste distinção para responder aos protestantes que o increpam desta vaidade e não sem justa causa, porque a igreja de Deus não se deve defender more castrorum.

A terceira, obrigação do pai de famílias particular é a de ter cuidado de que entre ela não haja dissensões por não perturbarem a economia da sua casa; de que se segue que o príncipe, pai de todas as do seu reino, deve interpor a sua autoridade para compor as diferenças que acontecerem entre umas e outras, porque devem vir a ser prejudiciais aos seus Estados.

Deste salutar princípio se deriva ser necessário conhecer os domésticos que o servem, principalmente os que estão encarregados das despesas da sua real casa, escolhendo um fiel controleur [em francês no texto] ou revedor de suas contas, para escrupulosamente as examinar e a cada três meses as possa pôr diante do príncipe, e então as aprove. Bem sei que esta precaução em uma casa real não poderá evitar todos os descaminhos, pois são tantos a furtar e um só a prevenir os furtos disfarçados com outros nomes; porém sempre a boa ordem repara muito dano.

A quarta obrigação de pai de famílias é não ter a sua casa endividada; porque ninguém é rico senão enquanto não deve, o que não se pode evitar todas as vezes que a despesa exceda a receita; e assim toda a economia é justa e necessária. O senhor rei D. João IV não só a praticou com a sua real pessoa, mas queria que os seus criados a tivessem, de tal sorte que vendo um dia entrar meu pai, que tinha a honra de ser seu trinchante-mor, com pourpoint 38 guarnecido com uma rendinha de prata, lhe disse: «Vindes muito bizarro, D. António; mas nunca fui tão rico que pudesse ter outro semelhante»; e assim era, porque sempre se vestiu de estamenha; e, por dar um notável exemplo de economia, quando repartia entre os seus criados os coelhos que matava na tapada, queria que os lacaios lhos levassem para casa; porque se desse esta comissão ao amigão 39 ou a qualquer outro, lhe daria dois tostões, que era o mesmo que se os comprasse na Ribeira, de maneira que, para mostrar que a sua intenção era de que os seus vassalos o imitassem, mandou que nenhum viesse ao Paço com os seus cabelos, porque ele os não conservava, e todos se tosquiaram, menos o conde de Vila Flor 40. E porque alguns o acusavam desta espécie de desobediência, respondeu que era justo que ele os conservasse porque lhe haviam, crescido em Flandres e no Brasil entre a pólvora e a bala; e sabendo assim servir-se destes acidentes para meter entre os fidalgos uma nobre emulação, sem degenerar em viciosa inveja para tomar as armas em sua defesa e da Pátria, e sobretudo não faltava em ir todas as sextas-feiras à Relação para ver sentenciar algum processo cível ou criminal, costumando dizer que nunca se considerava tanto rei como quando estava vendo fazer justiça aos seus vassalos; e com razão, porque este é o maior acto de soberania do príncipe E às quartas-feiras, pelos princípios, fazia vir à sua presença o Senado da Câmara para saber como os vereadores despachavam e entretinham a polícia da cidade; de sorte que os ministros de um e outro tribunal procuravam mostrar que cumpriam as suas obrigações.

Não quero dizer que V. A, use dos mesmos meios e raros exemplos daquela estreita economia que o senhor rei D. João IV dava aos seus vassalos; porque os fins eram outros e outras as circunstâncias em que o dito senhor se achava, vendo-se obrigado a defender uma causa em que a sua parte adversária tinha dobradas testemunhas para provar o seu direito, sendo a campanha o sanguinolento tribunal onde se davam as sentenças, e contudo a justiça da causa superou por esta ver a desigualdade da força. Porém, não nos devemos reger pelos estupendos sucessos que tivemos nesta guerra da venturosa aclamação; porque Deus nem sempre está de humor a fazer milagres; nem eles o foram, mas antes muito naturais, porque achámos os castelhanos em diferentes guerras e não souberam fazer a de Portugal para o recuperarem, quando Castela de todas as partes o abraça, excepto pela do poente, que confina somente com o oceano, por onde os altos predecessores de V. A. foram descobrir novos mundos e novas terras, para estenderem os seus domínios, não o podendo fazer pelo continente.

Daqui nasce a grande questão sobre qual seja a melhor posição de um Estado, se a que é limítrofe com muitos vizinhos ou a que não tem mais que um só; sem embargo de ser mais poderoso. E quanto a mim; a segunda é mais feliz; porque o Príncipe que a possui achará menos dificuldade em se prevenir contra um inimigo conhecido que contra tantos ignorados, e a primeira o expor-se a entrar em todas as guerras que sobrevêm, como por exemplo, os Estados de Itália e de Holanda, que são obrigados a recorrerem a grandes potências, a fim de que alguns dos seus vizinhos os não venham a dominar, serviço que lhes custa bem caro, pois lhes ficam dando as leis.

A posição, pois, de Portugal é, como digo, a mais venturosa, pois que de perto pode ter os olhos abertos para observar os passos de uma potência; cuja inimizade está na massa do sangue, ainda quando nela não interviera o seu interesse e as suas injustas pretensões; isto é o que de passo direi, porque em outro lugar mostrarei qual é o nosso verdadeiro garante, para que nele ponhamos todo o cuidado.

Assim como o pai de famílias, segundo acima digo, deve ter a casa desendividada, convém que não a deixe decidida de demandas, que não dão menos inquietação que as dívidas, pela incerteza das decisões, principalmente quando se tem com partes mais poderosas. Preze a Deus que o importante litígio que controvertemos com Espanha sobre a execução do Tratado de  Utreque 41, esteja amigavelmente composto, para o que tenho concorrido todas as vezes que sobre a matéria tenho sido perguntado, lembrando-me do provérbio de que um medíocre ajuste vale mais que um bom processo, ainda quando se ganha; porque muitas vezes sucede que se despende mais que ele importa. Mas quando assim não suceda e que V. A. ache ainda em aberto esta embaraçadíssima causa, parece conveniente que todo se aplique a terminá-la enquanto vive a senhora rainha católica, sua augusta irmã, que possuindo o espírito de el-rei seu marido, poderá dispor o seu ministério que de boa fé convenha em uma racionável composição, para que nunca mais se possam promover nem estas nem outras quaisquer dúvidas.

A quinta obrigação do pai de famílias é de visitar as suas terras para ver se elas estão bem cultivadas ou se delas se tem usurpado alguma porção, a fim de que lhe não falte a renda que delas tirava para sustentar a sua casa; e esta parece também ser a obrigação do príncipe, pois não sabe as que possui, mais que pelo lho quererem dizer, e vai grande diferença de ver a ouvir. Se pois V. A. quiser dar um a volta aos seus reinos, observará em primeiro lugar a estreiteza dos seus limites, à proporção do seu vizinho. Achará, não sem espanto, muitas terras usurpadas ao comum, outras incultas, muitíssimos caminhos impraticáveis, de que resulta faltar o que elas podiam produzir, e não haver entre as províncias a comunicação necessária para o seu comércio: achará muitas e grandes povoações quase desertas, com as suas manufacturas arruinadas, perdidas, e extinto totalmente o seu comércio: achará que a terça parte de Portugal está, possuída pela Igreja, que não contribui para a despesa e segurança do Estado, quero dizer, pelos cabidos das dioceses, pelas colegiadas, pelos priorados, pelas abadias, pelas capelas, pelos conventos de frades e freiras: e, enfim, achará que o seu reino não é povoado como pudera ser, para prover de gente as suas largas e ricas conquistas, de que separadamente tratarei.

 

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Notas:

1. O rei D. João V, que morreria em 31 de Julho de 1750.

2. A data está evidentemente errada. D. Luís da Cunha foi nomeado embaixador em Londres em 1696;

3. É uma das conclusões a que Montesquieu chegará no seu Espírito das Leis, que tinha sido publicado em 1748, mas que vinha a afirmar desde as Cartas Persas, de 1721. Esta aceitação por D. Luís da Cunha das especificidades «nacionais» reforça a ideia do encontro de soluções específicas em cada país europeu. Esta conclusão foi aceite rapidamente por toda a intelectualidade europeia da época, o que põe claramente em causa a ideia de poder ter havido a ideia de uma solução estrangeirada - um tipo de solução que pudesse vir de fora.

4. John Churchill, 1.º duque de Marlborough (1650-1722), foi a personagem que dominou a vida política inglesa de 1701 a 1711, época em que dirigiu os exércitos aliados que combateram a França de Luís XIV, a Espanha e os seus aliados alemães, durante a Guerra da Sucessão de Espanha, no período do governo pessoal da rainha Ana Stuart, mulher de Guilherme III, de Orange.

5. Filipe II, duque de Orleans (1674-1723), regente de França de 1715 a 1723, durante a minoria de Luís XV. Tentou acabar com o governo centrado nos secretários de estado, impondo um governo administrado por meio dos conselhos e tribunais dirigidos pelos grandes aristocratas.

6. Guilhaume Dubois (1656-1723), cardeal, foi o principal ministro da regência do duque de Orleans, e arquitecto da aliança franco-britânica que durou de 1716 a 1733, com o nome de Quádrupla Aliança.

7. Louis-Henry de Condé, duque de Bourbon (1692-1740), 7.º príncipe de Condé, presidente do conselho de regência durante a regência de Filipe de Orléans, foi nomeado primeiro-ministro após a morte deste, e do cardeal Dubois, em 1723. Acabou com o acordo de casamento da infanta Mariana de Espanha com Luís XV e casou o rei com Maria Leszczynska, filha de um rei da Polónia deposto. Foi demitido em 1726, e exilado em Chantilly, quando tentou que o tutor de Luís XV, Fleury, fosse substituído.

8. Jeanne-Agnes Berthelof de Pleneuf, marquesa de Prie (1698-1727), era amante de Louis-Henry, duque de Bourbon, sendo em muitos aspectos a verdadeira dirigente da França durante o seu governo. Exilada em Courbépine, devido à demissão do amante, suicidou-se no ano seguinte.

9. André-Hercule de Fleury (1653-1743), foi nomeado tutor do futuro Luís XV, em 1715. Cardeal em 1726, foi primeiro-ministro de França de 1726 a 1743, no princípio do governo pessoal de Luís XV. 

10. Luís de Vasconcelos e Sousa, 3.º conde de Castelo Melhor (1636-1720), foi principal ministro do rei D. Afonso VI, de 1662 a 1667, durante o curto governo pessoal deste monarca. 

11. Isabel Farnésio (1692-1766), duquesa de Parma, segunda mulher de Filipe V, influenciou decisivamente a política externa espanhola, centrando-a na reconquista de possessões em Itália, perdidas com o fim da Guerra de Sucessão de Espanha. 

12. Giulio Alberoni (1664-1752). Representante do ducado de Parma em Espanha, negociou o casamento de Isabel Farnésio com Filipe V, que se concretizou em 1714. Tendo ganho cada vez mais influência acabou por governar a Espanha de 1716 a 1719, tendo sido feito cardeal em 1717. Devido os reveses espanhóis durante a Guerra da Quádrupla Aliança (1718-1720) foi obrigado a fugir para Itália em 1719.

13. Louise-Renée de Kéroualle, duquesa de Portsmouth (1649-1734), francesa de nascimento foi amante de Carlos II a partir de 1671, tendo sido feita duquesa em 1674. Teve grande influência junto do rei até 1678, data do «Popish Plot»,  Golpe Papista fictício que se pensava tinha a intenção de matar Carlos II e colocar no trono o seu irmão Jaime, que se tinha convertido ao catolicismo.

14. Françoise d'Aubigné, Madame de Maintenon (1635-1719), amante de Luís XIV a partir de 1680, acabou por casar com o rei em 1683, logo após a morte da rainha, ou segundo outros em 1697. Teve muito pouca influência política, e a que teve só a partir de 1700, mas criou à volta do rei um clima de decência, dignidade e religiosidade que nunca tinha existido.

15. D. João da Mota e Silva, (1691-1747). Nomeado cardeal em 1727 a pedido de D. João V, tornou-se uma espécie de primeiro-ministro em 1736, após a morte de Diogo Mendonça de Corte Real.

16. D. Luís da Cunha refere-se à Guerra da Sucessão da Polónia (1733-1738) para a qual Portugal esteve prestes a ser atraído em 1735.

17. Os Tratados de Utreque, que terminaram a Guerra de Sucessão de Espanha, tiveram D. Luís da Cunha como um dos membros da delegação portuguesa. O tratado de Utreque de 11 de Abril de 1713, concluiu a paz entre a França e vários países europeus, incluindo Portugal. O tratado de paz entre a Espanha e Portugal, o último a ser concluído, só foi assinado em 6 de Fevereiro de 1715.

18. O cardeal da Mota propôs que o trabalho do despacho real fosse dividido por três secretarias de estado: a primeira encarregue dos negócios interiores do Reino, a segunda dos domínios ultramarinos e marinha, e a terceira dos negócios estrangeiros e guerra, solução que foi instituída por meio de um alvará de 28 de Julho de 1736. 

19. António Guedes Pereira. Embaixador em Madrid até 1727, foi nomeado em 1736 secretário de estado dos Domínios Ultramarinos e Marinha.

20. O padre Pedro da Mota e Silva (?-1756), secretário de estado do Reino a partir de 1736, era irmão do cardeal da Mota. Tinha sido agente da Santa Sé de 1721 a 1728.

21. Sebastião José de Carvalho e Melo (1699-1782), embaixador de Portugal em Londres e Viena de Áustria, de 1739 a 1748, substituiu Marco António de Azevedo Coutinho na secretaria de estado dos negócios estrangeiros e guerra em 3 de Agosto de 1750. Só em Maio de 1756 Carvalho e Melo ocupará a pasta do Reino, devido à morte de Pedro da Mota e Silva.

22. Gonçalo Manuel Galvão de Lacerda, cavaleiro professo da ordem de Cristo, membro do Conselho Ultramarino e da Casa de Bragança, assim como da Academia da História Portuguesa, tinha sido embaixador de Portugal em Paris. 

23. Marco António de Azevedo Coutinho (1688-1750). Secretário de estado e mais tarde secretário de estado dos negócios estrangeiros e guerra de D. João V, foi embaixador de Portugal em Londres e em Paris, tendo morrido três meses antes do rei.

24. D. João IV (1604-1656). 8.º duque de Bragança desde 1630, subiu ao trono em 1640 devido à restauração do 1.º de Dezembro.

25. Gaspar de Faria Severim foi secretário das mercês de D. João IV e conselheiro de estado de D. Afonso VI. Era sobrinho de Manuel Severim de Faria, o autor das Notícias de Portugal e da Vida de Camões, e sogro de D. Sancho Manuel, 1.º conde de Vila Flor.

26. Francisco de Lucena (c.1578-1643). Secretário do Conselho de Portugal de 1614 a 1631, foi nomeado secretário das mercês por D. João IV e mais tarde secretário de estado. Atacado nas cortes de 1642, foi preso, julgado e condenado à morte em 1643.

27. Filipe II de Espanha, I em Portugal (1527-1598), subiu ao trono de Castela em 1556, tendo conquistado Portugal em 1581, foi aclamado rei nas cortes de Tomar em Março desse mesmo ano.

28. Antonio Pérez (1540-1611). Filho legitimado de Gonzalo Pérez, secretário do Conselho de Estado do imperador Carlos V e de Filipe II, foi educado por Rui Gomes da Silva, príncipe de Eboli. Secretário de Estado em 1566, com a morte do seu pai, e chefe, após a morte de Rui Gomes da Silva em 1569, do partido ebolista, amante da princesa viúva de Eboli, tendo uma vida dissoluta, foi acusado de corrupção e do assassinato do secretário particular de D. João de Áustria, governador dos Países Baixos. Condenado em 1590, após um longo processo de mais de dez anos, pela Inquisição, fugiu para França e depois para Inglaterra, tendo dado origem à lenda negra de Filipe II com as suas obras Relaciones, publicadas em Londres em 1594, e e Cartas, publicadas em Paris em 1598. 

29. D. João de Mascarenhas (1633-1681), 2.º conde da Torre, 1.º marquês de Fronteira  em 1670, tendo servido na Guerra da Restauração foi nomeado mestre de campo general do governo militar da Corte e Estremadura, vedor da fazenda, conselheiro de estado e da guerra e gentil-homem da câmara de D. Pedro II.

30. Luís Álvares de Távora (1634-?), 3.º conde de São João da Pesqueira, 1.º marquês de Távora em 1669, general na Guerra da Restauração, foi nomeado gentil-homem da câmara de D. Pedro II e vereador da câmara municipal de Lisboa.

31. Manuel Teles da Silva (1641-1709), 2.º conde de Vilar Maior, 1.º marquês de Alegrete em 1687, general da Guerra da Restauração, foi nomeado conselheiro de estado, regedor da Casa da Suplicação e vedor da fazenda.

32. Roque Monteiro Paim (1643-1706), doutor em direito civil, serviu de secretário de estado, assim como do expediente e das mercês, tendo sido conselheiro da fazenda, desembargador extravagante da Casa da Suplicação e juiz da Inconfidência.

33. A futura D. Maria I (1734-1816). O título de princesa da Beira era-lhe devido por ser a primogénita do herdeiro do trono, que tinha o título de Príncipe do Brasil. Por isso, D. Maria tornar-se-à princesa do Brasil quando D. José subiu ao trono.

34. Isabel I de Inglaterra (1533-1603) tendo restabelecido a Igreja Anglicana quando subiu ao trono em 1558, foi excomungada pelo papa Pio V em 1570, tendo passado a viver com o espectro de um atentado quando, em 1580, o papa Gregório XIII considerou que o assassinato da rainha herética não seria considerado pecado.

35. Há erro, possivelmente na transcrição, ou tipográfico. D. Luís da Cunha refere-se a Francisco (1554-1584), quarto filho de Henrique II de França e de Catarina de Médicis, que usou o título de duque de Alençon até 1576 e a partir desta data de Anjou. Chefe do partido católico moderado, Les Politiques, negociou um contrato de casamento com Isabel I, que nunca foi cumprido, tendo visitado a rainha em 1579 e depois em 1581 tendo a estadia prolongado-se até 1582.

36. Francisco Sá de Miranda (1481-1558). Doutor em direito, viajou por Itália entre 1521 e 1526, tendo trazido para Portugal uma nova estética, introduzindo o soneto, a canção, a sextina, as composições em tercetos e em oitavas e os versos de dez sílabas. De acordo com Manuel Mendes, anotador da edição de 1943 do Testamento, D. Luís da Cunha deve querer referir-se a um trecho da Carta a el-rei D. João, que começa:

«Não assoberbam soldados
aqui, nem soa atambor;
os outros reis seus estados
guardam, de armas rodeados,
vós rodeados de amor.»

37. Desde D. João IV que os reis de Portugal tinham duas companhias de guardas de Archeiros, a portuguesa e a alemã (a dos Tedescos). 

38. Gibão apertado de cabedal, com gola, acolchoado e decorado, que se usava debaixo da armadura.

39. Possivelmente «o Amigão» a que D. Luís da Cunha se refere nas Instruções inéditas ... a Marco António de Azevedo Coutinho - «... assim se chamava um doméstico de que el-rei se servia com agrado ...» - a pág. 119, da edição da Imprensa da Universidade, Coimbra, 1930.

40. D. Sancho Manuel (c.1607-1677), 1.º conde de Vila Flor em 1659, foi o comandante do exército português vencedor da Batalha das Linhas de Elvas, de 14 de Janeiro de 1659, tendo combatido no Brasil, em 1637, na armada do conde da Torre, que retomou a Baía. Era tio, por ser irmão da mãe e cunhado, por ter casado em segundas núpcias com uma irmã de D. Luís da Cunha.

41. vide nota 17.

modificada em 2 de Janeiro de 2005

Fonte:

Testamento Politico ou Carta Escrita pelo grande D. Luiz da Cunha ao Senhor Rei D. José I. antes do seu Governo, ..., Lisboa, Na Impressão Régia, 1820

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