A GUERRA EM ANGOLA

 

1. AS PRIMEIRAS OPERAÇÕES MILITARES EM 1914 (CONT.)

 
No Cunene

Data de água no Cunene

 

II. Incidentes de fronteira: Maziúa, Naulila e Cuangar

Foram os alemães os primeiros a praticar contra nós, portugueses, actos de manifesta hostilidade.

Assim, na madrugada do dia 25 de Agosto de 1914, pouco depois de definida a nossa atitude perante o conflito europeu, forças da vizinha colónia alemã do Leste Africano, dirigidas por dois europeus, atacam por surpresa o pasto de Maziúa, na província de Moçambique, saqueando-o e incendiando-o 1.

Em 15 de Outubro, o Dr. Schultze Jena, administrador de Outjô, distrito fronteiriço da Damaralandia, acompanhado de 2 oficiais, 1 intérprete, 1 sargento, 8 soldados europeus e uns 10 soldados indígenas, todos armados e montados e com uma viatura a quatro parelhas de muares, atravessa a fronteira, entra, no território da Hinga sem ter tido para com as nossas autoridades a menor atenção e acampa, a 17, próximo do vau de Calueque.  

Mapa do Sul de Angola - Região do Baixo Cunene

 

O capitão-mor do Cuamato, ao ter conhecimento da entrada dos alemães no nosso território, ordena ao alferes de cavalaria Sereno; comandante de um destacamento de dragões no Otoquero, que siga para o acampamento alemão.

O alferes Sereno, tendo recebido do capitão-mor instruções fixando o seu modo de proceder, mas sem que essas instruções fossem de molde a tolher-lhe a iniciativa própria, parte às 8 horas do dia 18, chegando ao meio-dia a Naulila; recomeça a marcha às 15 horas em direcção ao acampamento alemão, levando uma força de 15 dragões e 15 praças indígenas.

Inquirido do que faziam os alemães no nosso território, o Dr. Schultze responde que vinham em perseguição de um seu desertor e que aguardavam licença do administrador do Humbe para poderem ir a Lubango 2.

Como estivessem na área da jurisdição da capitania-mor do Cuamato, o alferes Sereno, pondo em relevo tal circunstância, convida o Dr. Schultze a ir falar ao capitão-mor, ao que este acede, mas para o dia seguinte, visto ser já tarde.

Sereno e a força portuguesa, menos as praças indígenas que foram mandadas retirar, pernoitam no acampamento alemão, não havendo a menor ocorrência ou indício de hostilidade da parte dos alemães, e mostrando-lhe estes o exemplar de O Século que se referia ao envio do corpo expedicionário português para a província de Angola, estranhando que, na época das chuvas, se pretendesse fazer a ocupação do Cuanhama, dando a entender que não acreditavam que fosse este o objectivo da expedição.

Sereno fez-lhes ver que eram injustificadas as suas desconfianças e que a ocupação do Cuanhama, naquela época do ano, evitava as dificuldades resultantes da falta de água.

No dia 19, pelas 8 horas, o alferes Sereno com os dragões e acompanhado apenas pelo Dr. Schultze, pelos tenentes, do Estado Maior, Curt Kardem, de infantaria Losch, o intérprete Johnston e 3 soldados indígenas, dirigem-se para o posto de Naulila, a fim de seguirem para o Cuamato. No caminho, Sereno destaca uma praça, ordenando ao chefe, do posto que mande preparar o almoço para todos.

Chegados a Naulila, às 9 horas e meia, desaparelham as montadas, encaminhando-se os oficiais para a casa onde deviam almoçar. No trajecto, porém, para a referida casa, o Schultze dá uma ordem a um dos oficiais que se afasta em direcção às montadas, e, pouco depois, o cabo de dragões previne o alferes Sereno de que os alemães já estão aparelhando. Sereno, que também notara que o Dr. SchuItze dera qualquer ordem a um     dos seus oficiais, mostra-lhe a sua estranheza por tal procedimento, pois, como se havia combinado, deviam  seguir para o Cuamato depois do almoço, e este ainda demorava.

O Dr. Schultze não fez caso, e, apesar de nova insistência de Sereno, dirige-se para as montadas seguido dos seus companheiros e montam rapidamente.

Sereno lança a mão ao cavalo do Dr. Schultze, intimando-o a apear-se, visto ter de responder perante o seu governo se os não apresentar à autoridade competente, o capitão-mor do Cuamato. Schultze aponta a carabina que trazia ao peito de Sereno, que se encontrava desarmado. Os outros alemães apontam as pistolas, e o cabo de dragões, à ordem de Sereno, faz fogo e mata o Dr. Schultze. Os companheiros deste põem-se em fuga, mas, perseguidos pelos soldados que acorrem ao posto, são mortos os tenentes Curt Kardem e Losch, Ficando o intérprete Johnston prisioneiro.

O administrador da circunscrição do Humbe, que no dia 17 tivera conhecimento da estada dos alemães junto ao vau do Caluéque, segue na manhã ele 18 a encontrar-se com eles, depois de ter informado desta sua resolução o governo do distrito.

Às 9 horas do dia 19 chega ao Calueque, onde só encontra o sargento alemão com as outras praças, que o informa da ida para Naulila dos seus superiores.

Como a ausência destes se fosse prolongando, o sargento alemão envia ao seu encontro uma praça europeia, dando conta da presença do administrador do Humbe. Ao ter, porém, conhecimento do que se passara em Naulila, o sargento alemão pretende desforçar-se na pessoa do administrador do Humbe e no posto da Dongoêna, que quis atacar, decidindo-se por fim a voltar para a Damaralandia, acompanhado do engenheiro agrónomo Dr. Vageler.

 

Na madrugada de 31 de Outubro, doze dias apenas depois do incidente de Naulila, o capitão de cavalaria de reserva Lehmann, comandante militar de Grootfontein, e 20 dos seus homens, um grupo de 10 alemães do posto de Kuring-Kuro, fronteiro do nosso do Cuangar, com metralhadoras e acompanhados de homens da sua polícia indígena e de numeroso gentio do ex-soba Ananga, atacam por surpresa o posto militar português, onde estava a sede da capitania 3.

São mortos 2 oficiais – um deles o tenente Durão, capitão-mor do Baixo Cubango – 1 sargento, 5 praças brancas e algumas indígenas, e o negociante Nogueira Machado. O resto da guarnição debanda pelo mato, alcançando no fim de alguns dias o posto de Caiundo.

Saqueado e incendiado o posto do Cuangar, são igualmente atacadas e perseguidas, pelo cabo de polícia Ostremann, acompanhado de alguns empregados e polícias, as fracas guarnições dos postos que, pela Bunja e Sambio, se estendiam até o Dióico.

Seria o incidente de Naulila o pretexto para o massacre do Cuangar? Tudo leva a supor que assim tivesse sido, pois os dias que decorrem entre 19 e 31 de Outubro eram mais que suficientes para que a Outjô chegasse a notícia e fosse dada ordem de ataque 1 guarnição de Kuring-Kuro 4.

Até então eram boas as relações entre as guarnições dos dois postos, muito embora os alemães se mostrassem receosos de que os frisemos atacar por causa da nossa aliança com a Inglaterra. Essas boas relações explicam a falta de medidas especiais de segurança da parte do Comando do posto de Cuangar, que permitiu a surpresa do ataque.

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Notas:

1. V. cap. XXVIII – B) – 2.º vol., pág. 136.

2. Eram bem diferentes os seus objectivos, como se provou, em 1926, no Tribunal arbitral de. Lausana, onde se discutiram as reparações que exigimos da Alemanha pelos prejuízos causados pela guerra. São do maior interesse os trabalhos publicados pelo M.N.E. sobre o assunto, intitulados: Mémoire justificatif des réclamations portugaises (1923), Réplique du Gouvernernent Portugais au Mémoire du Gouvernement Allemand (1924) e Plaidoiries du Délégué du Gouvernernent de la République Portugaise (1928) em que se põe em evidência o inteligente e patriótico esforço dos nossos Representantes, Dr. José Maria Barbosa de Magalhães e major Manuel da Costa Dias, como também é notável a sentença do professor Dr. José Caeiro da Mata, publicada por este numa interessante brochura Le Différend Luso-Allemand, em 1934.

3. Sobre este ataque foi feito, em 1916, no próprio local, um inquérito, pelo médico de Marinha Dr. Vasconcelos e Sá, chefe do Serviço de Saúde das forças que operaram no Sul de Angola em 1914-15. O seu relatório encontra-se, em grande parte, reproduzido na publicação oficial atrás citada: Mémoire justicalif des réclamalions portugaises.

4. De facto, assim foi. V. Naulila de A. Casimiro, pág. 84, onde se transcreve a parte correspondente ao sucesso, do livro de Rittmeister Hennig, Deustche-Sudwest im Welt-Kriege.

Fonte:  

Coronel António Maria Freitas Soares, «A campanha de Angola»
in General Ferreira Martins (dir.), Portugal na Grande Guerra, Vol. 2, Lisboa, Ática, 1934,
págs. 193-205

A ver também:

Portugal na Grande Guerra

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