A GUERRA EM ANGOLA

 

1. AS PRIMEIRAS OPERAÇÕES MILITARES EM 1914 (Cont.)

 
Forte Roçadas

 Vista parcial do Forte Roçadas

 

III. O novo plano de operações

Como vimos, eram dois os objectivos principais das operações projectadas: - ocupação do Cuanhama e distribuição posterior das forças na eventualidade de incursão ou invasão do nosso território por forças alemãs do sudoeste africano.

Para esse efeito estavam em andamento as medidas convenientes para assegurar o regular funcionamento da extensa linha de etapas por forma a, em tempo útil, que Roçadas calculava ser por todo o mês de Dezembro, ter na testa de etapas do Forte do Cuamato os abastecimentos de toda a ordem necessários para as operações contra a N'giva.

O pessoal dos serviços da retaguarda trabalhava com afã. Os comandantes das unidades expedicionárias da metrópole, sem desprezarem a instrução dos homens, dedicavam-se à preparação do material respectivo. A 15.ª e 16.ª companhias indígenas de Moçambique já estavam em marcha para a zona de operações. A 1.ª e 2.ª companhias europeias, a bateria Erahrdt e o 1.º esquadrão de dragões cuidavam da sua reorganização, mobilização e instrução. No quartel-general trabalhava-se sem descanso na previsão, preparação e execução do que se julgava necessário.

O incidente de Naulila fizera, porém, transformar por completo o plano de operações a executar, previstas pelo comandante Roçadas ao entregar, ainda em Lisboa, o respectivo projecto ao ministro das Colónias. Três soluções se apresentaram então ao seu espírito: prosseguir na execução do plano primitivo da ocupação imediata do Cuanhama; limitar a defesa ao planalto; ir ao encontro do adversário.

A primeira era absurda porque, surpreendidos em plena luta com os cuanhamas, permitiria ao adversário, encontrando o caminho livre, cortar-nos as comunicações, o que conduziria a um desastre. A segunda era a mais cómoda, mas repugnava ao nosso brio aceitá-la. A terceira era o caminho da honra e, ao mesmo tempo, das conveniências militares e políticas. Foi esta, pois, a solução adoptada.

Suspenderam-se os preparativos das secções da linha de etapas, especialmente da secção da Cahama para o sul.

O sistema de transportes de abastecimentos foi modificado, não só pela urgência das marchas de concentração das unidades, mas também porque não convinha acumular víveres e materiais em lugares expostos ao ataque do invasor. As unidades seguiriam acompanhadas por verdadeiros depósitos ambulantes, que lhes garantiriam viver durante as marchas e estacionamentos, visto a insuficiência da linha de etapas, que só poderia dispor no posto da Huíla de 3 dias de víveres, na Chibia 7 dias, na Quihita de nenhum dia, nos Gambos de 4 dias, na testa de etapas do Cuamato apenas de forragens (massango) para 29 dias.

 

Em 31 de Outubro, pela ordem de serviço n.º 40, determinava Roçadas que, a partir de 1 de Novembro, e sob a designação de «Forças em operações no Sul de Angola»:

«a) Fosse considerado em operações o núcleo de forças constituído por: Quartel-general; Engenharia: Secção mista de telegrafistas e sapadores; Artilharia: 2.ª bateria de montanha; Bateria de montanha Erahrdt; Cavalaria: 3.º esquadrão de cav. n.º 9; 1.º esquadrão de dragões; Infantaria: 3.° batalhão de inf. n.º 14; 1.ª companhia de inf. europeia; 15.ª' e 16.ª comp. indígenas de Moçambique; 16.ª e 17.ª comp. indígenas de Angola; Metralhadoras: 2.ª bateria; do 1.º grupo de metralhadoras; Serviço de etapas.

b) Que um destacamento das mesmas forças, num efectivo aproximado a 900 homens, sob o comando do major Salgado, e constituído por 3 companhias de infantaria n.º 14, a bateria de metralhadoras, a bateria Erahrdt e o 1.º esquadrão de dragões, marchasse para o Forte Roçadas.»

Foi este último, apenas, o núcleo de forças que, devido à insuficiência dos serviços da retaguarda, foi possível fazer partir em 1 de Novembro. 

 

O destacamento atingiu o Forte Roçadas em 17 - com excepção da bateria de metralhadoras - sendo acompanhado por um comboio de víveres, dividido em quatro escalões, três com 11 dias cada um e o quarto com 17 (número de dias de marcha até ao Humbe), tendo percorrido até ao Forte Roçadas - passando pela Huíla, Pituáco, Chibia, Ióba, Chaungo, Quihita, Biriambundo, Catchana, Gambos, Binguiro, Cavaláua, Cahama, Cascata, Mabéra, Mutúcua, Tuándiva, Catequero, Humbe - 300 quilómetros. 1

Dispunha apenas de uma carta da região e de instruções para a marcha (anexo VI, apenso ao relatório de Roçadas) 2, que não puderam ser inteiramente cumpridas devido especialmente à falta de água.

Por vários motivos, entre eles a insuficiência de abastecimentos, seguiram mais tarde para o sul a 10.ª companhia de infantaria n.º 14, o 3.º esquadrão de cavalaria n.º 9 e a 2.ª bateria de montanha, acompanhadas também de comboios especiais, ficando no Lubango o batalhão de Marinha chegado da metrópole. 3

 

À meia noite de 19, o capitão-mor do Cuamato informa o maior Salgado de que um destacamento alemão tinha entrado em território português e pede um reforço para o pequeno posto de Naulila, que supõe seja o objectivo do invasor, sendo-lhe enviados na manhã de 20 dois pelotões da 9.ª companhia de infantaria n.º 14, unia divisão Erahrdt e dez dragões.

Em 21, novas informações confirmam a presença dos alemães em território português, em marcha sobre Naulila ou Dongoena.

Em 22 e 23, seguem, respectivamente, para Naulila e Dongoena, toda a força disponível dos dragões e um pelotão de infantaria, apesar de o capitão-mor do Cuamato ter comunicado em 22 o nenhum fundamento das informações anteriores.

Em 26 e em 2 9, em Naulila, uma embaixada do soba do Cuambi garante que alemães estão acampados entre o Gangela e o Cuambi com tropas montadas e metralhadoras.

Em 3 de Dezembro é dissolvido o destacamento cio comando do major Salgado.

O quartel-general instala-se a seguir no Forte do Cuamato.

Como todas as informações levavam a supor que a linha da nossa fronteira sobre que incidiria mais directamente a marcha dos alemães era a compreendida entre o Cuamato Grande e o Cunene, foi escolhida para o grosso das nossas forças a linha de concentração Naulila-Dongoena.

Em 4, são organizados dois destacamentos – «Dongoena-Caluéque» e «Naulila»,respectivamente, sob o comando do major Salgado e capitão Mendes dos Reis. Faltam, porém, ainda viaturas e atrelagens e aguarda-se a chegada de algumas unidades que devem fazer parte dos destacamentos. Estas reúnem-se aos destacamentos em 7.

Na manhã de 12, Roçadas reconhece o Calueque, onde um pelotão de dragões se encontra vigiando, sendo a protecção da margem esquerda do Cunene feita por auxiliares cuamatos. Regressa a Naulila, e uma patrulha de dragões, que passa à margem esquerda, avista às 13 ` e 3o ` os primeiros alemães. É a guarda avançada sob o comando de Water. Trocam-se os primeiros tiros. Em 13, novo recontro de patrulhas, tendo um alemão caído prisioneiro.

Os cuamatos, que protegiam a margem esquerda, tinham desaparecido. A vigilância ficava exclusivamente entregue aos dragões. Water acampa a 2 ou 3 quilómetros dos morros do Calueque, em frente dos observatórios da posição do destacamento do major Salgado, que não ataca por não ter ordem do comandante Roçadas para o fazer, e «com grande alegria dos alemães por os portugueses os deixarem em completo sossego.» (Dr. Walter Suchiez). Water continua acampado e tranquilo na margem esquerda do Cunene até à meia-noite de 17. Às 6 h. de 16, Franck chega com o grosso das forças alemãs, estacionando também junto do rio. Das 13 h. às 17 h. de 17 o grosso das forças alemãs desloca-se para leste, indo estacionar no emaranhado do mato, ficando apenas nas margens do Cunene as do comando de Water.

Todas as informações colhidas pelos reconhecimentos e obtidas de um dos prisioneiros alemães levam o Comando português a crer iminente o choque com as forças inimigas.

A 17, a distribuição das forças portuguesas em operações era a seguinte: em Sçhwartboi-Dritft, os auxiliares boers; o 3.º esquadrão de cavalaria 9 em marcha, descendo o Cunene, a poucos quilómetros ao norte do Mulondo; o batalhão de marinha em marcha, seguindo o itinerário Chibia-Pocolo-Otchinjou; o destacamento do baixo Cubango com a 15.ª companhia indígena de Angola em Cassinga; as restantes unidades, europeias e indígenas, distribuídas por Calueque, Vau Naholo (dragões), Naulila, Otchinjou, Gambos, Cahama, Pocolo e Lubango.

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Notas:

1. As instruções constantes do Anexo VI devem estar evidentemente erradas nas distâncias, pois entre o Lubango e o Chaúngo e entre o Catequéro e o Humbe são, respectivamente, 61 e 18 quilómetros.

2. No livro Naulila, pág. 100, A. Casimiro diz que estas instruções não eram escritas, o que está em contradição com o relatório de Roçadas, pág. 157.

3. Mais tarde, em 14 de Dezembro, já depois de trocados os primeiros tiros entre portugueses e alemães, o batalhão de Marinha recebeu ordem de marchar para o sul, seguindo o itinerário Chibia-Pocólo-Otchinjou.

Fonte:  

Coronel António Maria Freitas Soares, «A campanha de Angola»
in General Ferreira Martins (dir.), Portugal na Grande Guerra, Vol. 2, Lisboa, Ática, 1934,
págs. 193-205

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