OS
MAROTINHOS | ||||||||||||
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Como
se namoravam o peralta e a peralta – ele e ela – no último quartel do século
XVIII? São ainda as Cartas sobre as Modas que no-lo dizem, em 1789: “Namorava o peralta com o chapéu, ridículo traste de papelão e de tafetá que a moda inventou, e a peralta com o leque, que ainda mesmo em tempo frio e húmido usava sempre”. O
lenço, “animado cambrai”, “peste de neve que matava pelo ar”, eloquência
suprema do faceira amoroso de 1730, tinha passado de moda como as velhas
cabeleiras e como os velhos donaires. O quitó, pequena joia que no tempo de
D. João V servia mais para namorar do que para matar, começava a ser
substituído na, rua pela bengala burguesa de castão enorme de prata ou de
faiança, - a bengala que, trinta anos antes, fora bastão nas mãos finas
dos cardeais da Cunha e da Alota, e que, trinta anos depois, havia de tornar-se
cacete no sovaco felpudo do “Tarrabuzo” ou do “Cambaças”!. De toda
a liturgia do namoro lisboeta do século XVIII restavam o chapéu e o leque.
O chapéu, herdeiro da “bacia das almas” do faceira, do “chapéu de três
cantos”, do “ chapéu à malbruca” de 1720, do “chapéu à Anastácia”
de 1750, da “almotolia” pombalina de 1770, - era já o enorme “timão
à holandesa” de Bocage, o “paspalhão” apresilhado, cortado de
cantos, armado pelo admirável chapeleiro de Lisboa, Constanti Albertini,
espécie de mitra de tafetá preto que os peraltas - diz Twiss - tinham
infalivelmente de tirar da cabeça para caberem nos coches, e com os quais
se podiam fazer de longe, no namoro de estafermo, vinte e quatro sinais
diferentes correspondentes a cada uma das vinte e quatro letras do alfabeto.
A esses sinais, que obrigavam o peralta a uma série vertiginosa e danada de
atitudes, respondiam «as da sécia», elegantes namoradoras de 1780, em
outros tantos, manejos e posturas de leque expressivos de todos os
sentimentos e de todas as comoções. O namoro a distância, na Lisboa beata
e apostólica de Pina Manique, reduziu-se, afinal, a uma sucessão rítmica
de movimentos de leque e de chapéu, executados com tanta gravidade e tanta
solenidade, como se obedecessem, na Sala das Talhas de Queluz, às batutas
de Jomelli ou de David Perez. Os
leques, na mão das mulheres portuguesas, são velhos como os anéis. Os próprios
homens usaram abanicos e regalos no século XVII, o que determinou Pedro II
pela consulta de 19 de outubro de 1672, a proibir que meneassem leques as mãos
nascidas para brandir espadas. A frança de D. João V, a casquilha de D.
José, criadas nas «leis da turina» e nas “leis da sécia”, tiveram
como a peralta de D. Maria i o seu leque, a “borboleta de enfeites”, o
“favónio de melindres” dos Gôngoras do Anatómico Jocoso, cintilando e
arfando sob os focinhitos trigueiros e ansiosos. O leque foi a grande arma
de volúpia e de sedução. Era por detrás dos abanicos de seda comprados
nas lojas do João Espiter, a Cata-que-farás, ou do António Maltês, aos
Remolares, que as franças-damas, eriçadas de peles e de contas de oiro,
mariscavam aos homens debaixo dos arcos do Rocio. Nas noites de luar, quando
as casquilhas pombalinas davam os seus passeios de coche pelo Terreiro do
Paro, empenachadas de plumas e de diamantes, “vestidas à francesa”, diz
o duque do Châtelet, “mirando com os olhos mais negros e mais ardentes do
mundo”, diz o alemão Link, - os leques serviam-lhes para esconder a cara
da “luz húmida e fria da lua”, que a medicina do tempo, pela boca de
frei António Teixeira, acusava de causar paralisias e abortos, e a que os
capelos amarelos de D. João V tinham já atribuído, em 1743, um dos
ataques de epilepsia jaksoniana do rei. É DaIrymple que em 1774, por ocasião
da sua viagem, surpreende e revela este singular costume das portuguesas: ”On
a dans ce pays ci (Portugal) comme en Espagne, un plaisant préjugé dont je
veux vous faire part. Durant les plus beaux clairs-de-lune du monde, j'ai
remarqué que les femmes se couvrent soigneusement le visage de leur éventail,
pour empêcher les malignes influences de cette planète qui attaquerait
leur santé.”*. Leque-brinquedo com a bandarra; leque-rebuço com a casquilha, - essa arma eterna de sedução feminina transforma-se em leque-telégrafo com a peralta da Viradeira. À medida que muda de moda, vai mudando de dimensões. Pequenino com a frança, como uma asa de oiro dê borboleta; grande e forte com a casquilha viril das caçadas e dos capotes de saragoça, - torna-se outra vez, com «as da sécia» de 1778, delicado e leve como um sopro de rendas, e chama-se «desdém»; atinge, nos, últimos anos do século XVIII, as proporções minúsculas dum mosquito, o brilho intenso duma joia, a transparência inverosímil duma teia de aranha, - e chama-se «marotinho».
Desdéns
e marotinhos foram os leques namoradores do tempo de D. Maria I. Era com
eles que se faziam sinais, do postigo das rótulas, do estribo dos coches,
da grade dos mosteiros, das frisuras doiradas da ópera de S. Carlos. Eram
eles que respondiam, em clarões, em sopros, em lampejos, aos grandes chapéus
de papelão e tafetá preto dos peraltas do Passeio Público. Foi pela sua
asa ligeira que passou, como um estremecimento luminoso, o génio de
Tolentino. Foi no seu pequenino coração de seda que pode refugiar-se, como
uma sombra triste, a alma amorosa dum quarto de século. Foi com um
pequenino "desdém" que à linda condessa de Assumar, rival da
espanhola Maria de Mendonça, ensinou a corte do Arcebispo de Tessalónica a
abanar-se e a namorar. E se o próprio Amor viesse, no fim do século XVIII,
escolher um berço a Portugal, - teria ficado a dormir, baloiçando, na asa
de espuma dum «marotinho»,..
*
Há neste
país (Portugal), assim como em Espanha, um estranho preconceito de que
lhe quero dar conta. Durante os mais bonitos luares do mundo, tenho
notado que as mulheres cobrem o rosto com o seu xaile para evitar as
influências malignas deste planeta que dizem ataca a sua saúde
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© Manuel Amaral 2009-2012