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Barbosa du Bocage (Manuel
Maria).
n.
15 de setembro de 1765.
f. 21 de dezembro de 1805.
É considerado como um dos nossos
melhores poetas, e depois de Camões o mais popular e celebrado de
todos.
Nasceu em Setúbal a 15 de setembro
de 1765, faleceu em Lisboa a 21 de dezembro de 1805. Era filho do
bacharel José Luís Soares de Barbosa, antigo juiz de fora,
ouvidor, e depois advogado, e de D. Mariana Joaquina Xavier Lestof
du Bocage. A ascendência da sua família é a mesma do Dr. José
Vicente Barbosa du Bocage (V. o
artigo anterior).
Sua mãe era segunda sobrinha da célebre
poetisa francesa, madame Marie Anne Le Page du Bocage, tradutora do
Paraíso de Milton, imitadora da Morte de Abel, de Gessner, e
autora da tragédia As Amazonas e do poema épico em dez
cantos A Columbiada, que lhe mereceu a coroa de louros de
Voltaire e o primeiro premio da academia de Rouen.
Passados os anos da puerícia nos
primeiros estudos, com um mestre que o maltratava, entrou na aula régia
de gramática do padre espanhol D. João de Medina, e ali aprendeu a
língua latina. Era então moda a educação humanista,
ainda pouco acompanhada pelo estudo das ciências naturais. No país
havia, contudo, dois homens que a par duma cultivavam a outra: José
Anastácio da Cunha e José Monteiro da Rocha, ambos lentes da
Universidade de Coimbra, novamente fundada pelo marquês de Pombal,
e ambos poetas de elevado merecimento. O primeiro, militar infeliz,
vítima do seu génio brusco e das ideias da época; o segundo, jesuíta
insigne, reitor daquele estabelecimento de instrução, e preceptor
dos príncipes. Bocage, que sentia admiração por tudo que é
grande e belo, extasiava-se ao ler as poesias daqueles sábios, e até
aos estranhos as inculcava por muito superiores às suas;
procedimento raro, que define o seu excelente carácter.
No ano de 1779 assentou praça de
cadete no Regimento de Infantaria n.º 7 de Setúbal, vindo estudar
para Lisboa aos 14 anos de idade. O desprezo constante pelos actos
do ex-ministro de D. José, levara os conselheiros da rainha D.
Maria I a criar em Lisboa, em 5 de agosto de 1779, uma instituição,
a que chamaram Academia real de marinha, dando aos que a
frequentavam as mesmas regalias que tinham o estudantes da
Universidade. Foi nesse instituto que Bocage recebeu a sua educação
científica, indo talvez mais tarde aperfeiçoá-la na Academia
dos guardas marinhas, criada em 14 de agosto de 1782. Sete anos
passou Bocage em Lisboa a estudar ciência e a compor versos.
Carpindo acerbas mágoas, e sofrendo cruciantes dores, que o seu
viver demasiado livre lhe acarretava continuamente, aquela musa
brilhantíssima expandia-se em lágrimas, em suspiros e em queixumes
amorosos, ora de ternura inexcedível, ora de aspereza selvática.
Assim descansava o vate enamorado, para quem as paixões levianas
eram tudo. As damas que julgava requestar, constituíam o seu único
pensamento. Por elas fazia sacrifícios, que somente a sua alma de
poeta podia compreender, e enlevado nas mais doces ilusões quase
nunca a realidade aparecia ao seu brilhante espírito. Confiando nos
seus dotes de claro entendimento, estava tão certo de agradar às
belas, que notava com espanto a resistência dalguma, que porventura
se esquivava aos seus galanteios. Tomava como correspondência
amorosa o aplauso unânime que obtinha nas salas ao recitar os seus
versos. E assim viveu sempre em toda esta primeira fase das suas
aventuras, a amar e a padecer. O nome de Gertruria que muitas
vezes invocava apaixonado, tornava-se o seu pensar constante;
anagrama imperfeito de Gertrudes, ficção poética ou realidade
histórica; foi este nome que por muito tempo e mais profundamente o
inspirou.
Era estreitíssimo; asfixiante, o
ambiente que então se respirava na capital. Por um lado os medos da
propagação das doutrinas filosóficas traziam empenhados o
tribunal da Inquisição, a polícia e o intendente Pina Manique,
seu chefe, na indagação minuciosa dos factos, ainda os de menor
alcance, que pudesse cada indivíduo praticar com intuitos liberais;
e já para escapar à perseguição havia emigrado para França em
1778 o padre Francisco Manuel do Nascimento, Filinto Elísio,
acusado pela espionagem ao Santo Ofício. Por outro lado não estava
ainda extinta a luta dos ódios contra o marquês de Pombal, a quem
as famílias dos nobres, por ele castigados, acusavam violentamente,
imputando-lhe acções desonrosas, delitos infamantes, e tentando
reabilitar-se como inocentes no atentado contra el-rei D. José. Época
de incertezas, de dúvidas, de receios e de perseguições. Como
poderia florescer no mais elevado grau a literatura portuguesa,
embora tivesse por cultor um génio como Barbosa du Bocage? O gosto
de então, a moda predominante, eram as canções brasileiras,
cantadas à guitarra ou à viola, desde as reuniões de família, até
ás orgias dos botequins. Todos os poetas davam à porfia letras
para estas árias, e Manuel Maria, como Bocage era ordinariamente
conhecido, não foi dos menos pródigos. Demais, o poeta, que sempre
sonhava parecer-se o seu destino com o de Camões, que só invejava
a imorredoura glória do grande épico, comparava a sua mocidade
livre com a que ele tivera, e pensava porventura que também este na
corte compunha e recitava versos, requestava donzelas, e cantava a
Natércia. Camões tinha ido ao Oriente, Bocage foi também.
Em 1786, antes de terminar um mês
depois de alcançado o despacho de guarda-marinha, por decreto de 4
de fevereiro daquele ano, partia o nosso poeta a visitar as terras
que inspiraram o imortal cantor dos Lusíadas. A nau de
viagem, Nossa Senhora da Vida, Santo António e Madalena,
comandada por José Rodrigues Magalhães, transportava a seu bordo o
vate enamorado, que na força da vida e no vigor do talento ia
procurar novos horizontes para melhor desenvolver as suas formosíssimas
concepções poéticas. A nau de viagem arribou ao Rio de Janeiro,
por causa de tempestade que se levantou. Bocage ali se demorou,
sendo muito bem recebido pelo vice-rei do Brasil, Luís de
Vasconcelos e Sousa, e pela melhor sociedade fluminense. Voltando ao
país, em abril de 1786, tornava a partir na mesma nau, Nossa Senhora
da Vida, Santo António e Madalena, e chegava finalmente a Goa a
29 de outubro deste referido ano. O portentoso engenho de Bocage
poderia elevar-se imenso, se houvesse tido outra educação literária
e científica, e soubesse subtrair-se à influência do meio social
em vez de buscar nele efémera popularidade. Camões era não só um
génio, mas o primeiro sábio da sua época, Bocage aprendera bem as
línguas, o latim, o francês e o italiano, trocara, porém, pelo
culto exclusivo das musas os conhecimentos de ciências naturais,
que alcançara nas academias de marinha. Foi por tudo isto,
certamente, que ao chegar a Goa nem se impressionou com a luxuriante
vegetação oriental, nem com as religiões, raças, línguas e
costumes daqueles povos, e continuou cantor da arcádia preso às
regras horacianas, e não conseguiu produzir um poema. Satirizou
primorosamente os índios, lamentou em magníficos versos a decadência
de Goa e das possessões portuguesas, e o seu espírito não
descansou enquanto esteve ausente da pátria. Em Goa encontrou muita
estima no desembargador Sebastião José Ferreira Barroco, também
poeta, e um dos maiores amigos de Filinto Elísio, conhecido em
Lisboa pelo nome arcádico de Albano, quando fazia versos à
bela Alcipe, marquesa de Alorna, nos celebrados outeiros de
Chelas. Em 25 de fevereiro de 1789 havia sido promovido a tenente,
de infantaria da 5.ª companhia da guarnição da praça de Damão,
onde chegou a 6 de abril do mesmo ano, mas logo dois dias depois
dali desapareceu em companhia doutro oficial da mesma praça, indo
ter, pela Porta do Campo, a Macau, onde sofreu inclemências, em
resultado desta arrojada aventura. O que obrigaria Bocage a
desaparecer tão precipitadamente da praça de Damão, e a
apresentar-se na colónia de Macau? Movê-lo-ia ainda o desejo de
imitar Camões, o prazer de visitar todos os lugares que ele
percorrera? Seria apenas excentricidade do seu temperamento
irrequieto, ou extravagância do seu espírito volúvel? Ninguém o
poderá dizer, talvez nem ele o soubesse. Nestas paragens foi ainda
mais infeliz do que nas possessões da Índia, e só teve dois
homens que lhe valeram: Lázaro da Silva Ferreira, governador de
Macau, que o não pronunciou por haver desertado de Damão, e o
negociante Joaquim Pereira de Almeida, que recebendo-o e dando-lhe
agasalho o apresentou na sociedade macaense. Mas absolvida a culpa,
o poeta não descansava com saudades da pátria, dos amigos e dos
amores.
Tratou logo de partir, e em Agosto de
1790 entrava a barra do Tejo. Chegava então a Lisboa o eco da
revolução francesa de 1789. A liberdade era o hino que se cantava
às escondidas por toda a parte, porque a polícia estava cada vez
mais intransigente. O poeta cantou logo contra o despotismo,
chamando-lhe sanhudo, inexorável, monstro que em pranto, em
sangue a fúria ceva, mas que não tiraniza do livre coração
a independência, e compôs muitos sonetos em honra da
liberdade. Eram estes os sentimentos políticos de Bocage e de todos
os sócios da Nova Arcádia, salvas poucas excepções. Nem
escapava ao influxo o padre José Agostinho de Macedo, ex-frade
graciano, amigo do vate no seu regresso ao país, mais tarde seu
declarado inimigo, e por fim reconciliado com ele no período curto
da fatal doença que o prostrou. A Nova Arcádia, chamava-se
uma sociedade de poetas daquela época, para onde Bocage entrara em
1791, tomando o nome pastoril de Elmano Sadino, e contra a
qual se indispôs em 1793. Em todo o tempo que durou esta guerra com
os seus colegas, levantada por vaidades de poetas e de literatos,
jogaram-se as mais acerbas sátiras e vibraram-se epigramas os mais
frisantes. O Dr. Luís Correia do Amaral França, o Abade de
Almoster, Joaquim Franco de Araújo Barbosa, e Caldas Barbosa foram
os mais atingidos nesta polémica poética. Com José Agostinho de
Macedo ainda a luta se tornou mais acesa. O forte despotismo da época
não podia deixar de. perseguir a quem possuía sentimentos
liberais, e Bocage era pouco acautelado na manifestação das suas
crenças políticas e. religiosas. No ano de 1797 foram denunciados
à intendência da polícia, como escritos pelo poeta, uns papeis ímpios,
sediciosos e satíricos, que apareciam clandestinamente com o título
de Verdades duras, e continham entre outras coisas a epístola
Pavorosa ilusão da eternidade. Bocage soube-o, e tentou
fugir, mas foi preso a 10 de agosto do referido ano, a bordo da
corveta Aviso, que se destinava a partir para a Baía. Nas
suas odes pinta o infeliz poeta os dissabores por que passou, a
entrada no Limoeiro, como ali o apalparam, o segredo em que foi lançado,
as perguntas que lhe fizeram, finalmente, tudo quanto sofreu até à
transferência, por solicitação de amigos e protectores, em 7 de novembro,
para os cárceres da inquisição. E tão rápido aí andaram com o
processo, que a 17 de fevereiro de 1798 dava entrada no mosteiro de
S. Bento da Saúde, de Lisboa, e a 22 de março passava ao hospício
de Nossa Senhora das Necessidades dos clérigos de S. Filipe Néri.
Os frades do Oratório com facilidade o doutrinaram, pois que em
poucos meses ficou desfrutando outra vez a liberdade, que alcançou
por lhe não terem encontrado no processo motivos de condenação, e
também devido à protecção do ministro José de Seabra e Silva.
Uma beata, Maria Teodora Severiana Lobo Ferreira, denunciou-o mais
tarde, em 23 de novembro de 1802, ao Santo Ofício como pedreiro
livre, mas o processo apenas principiado não teve seguimento.
Em 1801 aceitou a proposta que lhe
fez o naturalista brasileiro, o padre José Mariano da Conceição
Veloso para, mediante o ordenado de 24$000 réis, fazer as traduções
de vários poemas didácticos: Os Jardins de Delille; As
Plantas, de Castel; A Agricultura, de Roset; e O Consórcio
das flores, epístola de Lacroix; deste trabalho penosíssimo e
de máxima responsabilidade, se saiu Bocage brilhantemente, e é uma
das coroas mais viçosas da sua glória de poeta. Além dos poemas
franceses, traduziu vários poetas latinos e italianos. Em 1791
publicou o 1.º volume das suas Rimas, os Queixumes do
pastor Elmano, e os Idílios marítimos. Em 1799 publicou o 2.º
tomo das Rimas, e em 1804, o 3.º. Em 1805 declarou-se-lhe a
doença, a que devia de sucumbir. Ainda nesse ano publicou Os
improvisos e os Novos improvisos, escritos já durante a
enfermidade. Os últimos cinco anos, que precederam a sua morte,
foram bem dolorosos para o infeliz poeta, agitados de terrores e
ansiedades, vendo-se pobre e doente. Tinha um grande amigo, o dono
do café das Parras, no Rossio, José Pedro da Silva,
conhecido pela alcunhado José Pedro das Luminárias, que
tinha por ele como que adoração, e que na sua doença muito
auxiliou com donativos pecuniários e promovendo-lhe a venda de
livros, concorrendo também com as despesas do funeral. Aquele café
tornara-se notável, por se reunirem ali habitualmente os poetas,
pelas discussões e distúrbios, num gabinete reservado, que
intitulavam o Agulheiro dos sábios. Fora este o período
mais frisante da vida de Bocage, improvisando em outeiros, em
saraus, em partidas, com uma desenvoltura de costumes que muito
concorreram, talvez, para lhe abreviar a existência.
Quando o pai do poeta faleceu, veio
para Lisboa sua irmã, D. Maria Francisca, e na companhia do irmão
viveu numa pobre casa da travessa de André Valente, até que a
morte lho roubou. Alguns dos seus inimigos se reconciliaram com ele,
assistindo-lhe aos últimos momentos; Curvo Semedo, e até o próprio
José Agostinho de Macedo, que mais o agredia com o seu génio
maldizente e invejoso. Em 15 de setembro de 1865, quando se
completava o centenário do nascimento do poeta popular foi
apresentado nas salas do Clube Fluminense do Rio de Janeiro, uma
proposta, por José Feliciano de Castilho para se lhe erigir um
monumento. Abriu-se logo uma subscrição para esse fim, sendo as
quantias recebidas depositadas numa casa comercial. Pouco depois,
deu-se na praça do Rio de Janeiro, uma violenta crise, e perdeu-se
grande parte do dinheiro, salvando-se apenas uma pequena parte. José
Feliciano de Castilho, apesar dessa contrariedade, não desanimou, e
vindo a Portugal, conseguiu realizar o seu patriótico pensamento. A
22 de novembro de 1871 a câmara municipal de Setúbal colocava a
primeira pedra no monumento, que foi inaugurado a 21 de dezembro
seguinte. Em 1868 a referida câmara tinha já mandado colocar uma lápide
comemorativa na casa onde nascera o grande poeta.
Para a biografia do poeta pode
consultar-se o seguinte: Memórias sobre a vida de Manuel Maria
Barbosa de Bocage, por António Maria do Couto; Vida de M. M.
B. du B. por José Maria da Costa e Silva, no tomo IV das Poesias
publicadas por Marques Leão; Biografia, que Rodrigo
Felner publicou em 1846, no Panorama, vol. IX; Noticia da
vida e obras de M. M. de B. du B., por José Feliciano de
Castilho; Memória biográfica e literária acerca de M. M. de B.
du B., de Rebelo da Silva, e também no Estudo biográfico e
literário, na edição completa das Poesias de Bocage,
feita, em 1853, e no tomo X do Panorama, do mesmo ano. Os
documentos para a biografia de M. M. de B. du B. por F. N.
Xavier, no Arquivo Universal; Bocage, por Teófilo Braga,
etc.
V. também Bibliografia
de Manuel Maria Barbosa du Bocage.
Genealogia
de Bocage
Geneall.pt
Eis
Bocage ... [Exposição bibliográfica]
Biblioteca
Nacional de Portugal
Estudo
sobre Bocage
Citi
- Centro de Investigação para tecnologias interactivas
Retrato
presumível de Bocage
O
Portal da História - Uma Imagem da Semana
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