Portugal - Dicionário

A B C D E F G H I J K L M N O P Q R S T U V W X Y Z
O Portal da História Dicionário > Legião Portuguesa
Legião Portuguesa
Infantaria da Legião Portuguesa

Legião Portuguesa.

 

O general francês Junot, por ordem do imperador Napoleão, assenhoreou-se de Portugal, onde entrou em 1807, vindo em direcção de Lisboa a marchas forçadas, com um exército já muito fatigado e faminto, que facilmente seria derrotado se o príncipe regente D. João, embarcando para o Brasil, não deixasse recomendado que os franceses fossem recebidos em Portugal como amigos. (V. João VI). 

Nas suas instruções a Junot, recomendava Napoleão o desarmamento do pequeno exército português, e a organização duma coluna de 5.000 ou 6.000 soldados escolhidos, que devia mandar para França em pequenos troços de mil homens para ficarem ao serviço do império, ao lado doutros contingentes que ali militavam. Foram estas as primeiras instruções na carta que o imperador dirigiu a Junot em 12 de novembro. Napoleão escreveu novamente a Junot em 20 de dezembro, recomendando-lhe com insistência que não perdesse um momento em se desfazer do exército português, dando-lhe minuciosas indicações acerca do modo de organizar as tropas portuguesas que deviam ficar ao serviço do império. No meio de todas as preocupações da sua política absorvente, por entre os mil cuidados daquele agitado império feito nos campos de batalha, Napoleão adivinhava em Portugal o futuro revês do seu plano, e instava pelo completo desarmamento de Lisboa e do pais. Em 23 de dezembro escreveu outra vez a Junot, censurando-o amargamente pelas suas ilusões e pelos seus processos políticos, vagarosos e ineficazes. Dizia-lhe o imperador: «É vosso inimigo todo esse povo que aí vedes. Com o mar seguro para a Inglaterra, tereis os ingleses no litoral e a intriga inglesa a minar as províncias do pais. Então voltar-se hão contra vós quantos recursos tenhais deixado aos portugueses, porque afinal, a nação portuguesa é de valentes». E insistia pela organização das tropas portuguesas que deviam ir para França. 

Em 7 de janeiro do ano de 1808 outras carta do imperador a Junot fazendo-lhe ainda mais áspera censura, recomendando energicamente o desarmamento da população e a marcha das tropas portuguesas para França. Os incumbidos da ordem da dissolução do exército português foram os tenentes-generais marquês de Alorna e Gomes Freire de Andrade, o marechal de campo D. Rodrigo de Lencastre, os brigadeiros Pamplona, D. José Carcome e Brito Mozinho, e o coronel Francisco António Freire Pego; a redução fez-se, mandando para casa todos os soldados casados, assim como os que tinham mais de vinte e menos de onze anos de serviço e os oficiais que pediam a demissão ou tinham direito a reforma. Em dezembro de 1807 havia começado o licenciamento da parte menos válida e mais aproveitável do pequeno exército português. Em janeiro de 1808, um decreto de Junot, invocando os seus títulos de governador de Paris, de primeiro ajudante de campo do imperador e rei, e de general em chefe, organizava as tropas de primeira linha, que deviam partir para França. Os melhores oficiais e soldados dos extintos regimentos ficariam constituindo três novos regimentos de cavalaria, cinco de infantaria de linha e um batalhão de infantaria ligeira. O decreto da organização definitiva destas forças foi promulgado por Junot em nome de Napoleão, que já se intitulava, não só imperador dos franceses, como rei de Itália e protector da confederação do Reno. O 1.º regimento de cavalaria organizou-se na Luz com os restos dos regimentos dessa arma n.os 1, 4, 7 e 10; o segundo com os dos n.os 6, 9, 11e12;e o 3.º com os dos nos 1, 3, 5 e 8. O primeiro regimento de infantaria formou-se com os restos dos quatro regimentos de guarnição de Lisboa; para o 2.º e 3.º deram contingentes os n.os 4, 6, 9, 11, 12, 18, 21, 23 e 24; para o 4.º e 5.º os regimentos do Alentejo e Algarve. Não se conseguiu formar, como Junot quisera, um 6.º regimento de infantaria, e o 4.º nunca chegou a ter senão um batalhão. A Legião de Tropas Ligeiras só teve um batalhão de caçadores a pé e um esquadrão de caçadores a cavalo. Em 20 de fevereiro um novo decreto agrupava em duas divisões os regimentos criados, ficando a 1.ª divisão com cavalaria n.os 1 e 3, a infantaria n.os 1 e 4; e a 2.ª divisão com cavalaria n.º 2, um esquadrão de caçadores a cavalo, infantaria n.os 3 e 5, e o batalhão de infantaria ligeira. 

O comando em chefe das tropas portuguesas foi confiado ao marquês de Alorna; Gomes Freire de Andrade foi nomeado segundo comandante; o brigadeiro Pamplona chefe do estado-maior; D. José Carcome comandante da 1.ª divisão, e João de Brito Mosinho comandante da 2.ª; coronéis de infantaria: Joaquim de Saldanha e Albuquerque, marquês de Ponte de Lima, Francisco António Correia Pego, conde de S. Miguel, e Francisco Ferrari; de cavalaria: Roberto Inácio Ferreira de Aguiar, Álvaro Xavier de Povoas e marquês de Loulé. As tropas do marquês de Alorna não tinham marchado para França por colunas de mil homens, como Napoleão primeiro planeara. O Regimento n.º 1 de Cavalaria partiu em março, e o n.º 2 teve de retardar a marcha por falta de cavalos, mas a quase totalidade da Legião pôs-se a caminho de Salamanca nos princípios de maio. De 10 a 17 as tropas atravessaram a cidade de Burgos, ocupada então pelas forças do marechal Bessiéres, comandante da guarda imperial, a quem Napoleão ordenara em carta de 22 de abril que o prevenisse da chegada da Legião a S. João de Luz, para ficar conhecendo a direcção que tomava e mandar que seguisse para as melhores regiões do Languedoc. Napoleão estava satisfeito com o procedimento de Junot. Lisboa e o país estavam desarmados, como ele tanto recomendava, e as tropas portuguesas iam já a caminho de França. 

Os três primeiros regimentos de infantaria, os dois de cavalaria e o esquadrão de caçadores a cavalo foram internados em França, onde entraram em 1 de junho; o 4.º e 5.º regimentos de infantaria e o batalhão de caçadores ficaram em Espanha, e só passaram a fronteira francesa em julho e setembro do mesmo ano de 1808. Quando as tropas chegaram a Salamanca, os 9.000 homens, que as compunham, estavam reduzidos a 6.000, porque as haviam abandonado perto de 3.000, uns rendidos pela fadiga e outros desejosos de voltar à pátria, ou de se colocarem ao lado dos patriotas espanhóis. Uma pequena parte da Legião, compreendendo o 5.º regimento de infantaria. e o batalhão de caçadores, foi incorporada na 2.ª brigada da 2.ª divisão do corpo do exército do general Verdier, a quem fora cometida a direcção do primeiro cerco de Saragoça. Ferido gravemente Verdier, foi substituído pelo general Lefebvre-Desnouettes. 

O tenente general Gomes Freire comandou durante o cerco a 2.ª divisão francesa, na qual se incluíam 800 portugueses da Legião. Segundo as memórias portuguesas, os nossos tiveram 150 feridos durante o cerco daquela praça e no assédio sangrento de Tudela, 302 mortos e feridos. Eram enormes estas perdas, atendendo ao diminuto efectivo dos três corpos portugueses que tinham entrado em campanha no território espanhol. Mais de 30 por cento do efectivo total ficara fora do combate. Tinha assim a Legião Portuguesa um baptismo de fogo sanguinolento e rude. Atravessando depois os Pirenéus, a Legião Portuguesa entrou em França, onde teve nova organização, recebendo em seguida ordem de ir guarnecer as proximidades dos Alpes, ficando a força principal em Grenoble. Em maio de 1808 Napoleão ainda contava fazer novo recrutamento em Portugal para reforçara Legião. Assim o declarava por escrito ao general Clarke, ministro da guerra. Queria levar a Legião 14.000 homens, mas já era tarde para o conseguir, porque Portugal, em agosto, já não era dos franceses. Junot fora vencido. A Legião merecia especiais cuidados do imperador, que descia a espantosas minúcias nas suas instruções ao ministro da guerra e aos generais que superintendiam na organização daquele corpo de tropas. Deram-lhe novos uniformes, segundo planos que neste ponto a não deixavam confundir com as tropas francesas, substituíram-lhe o armamento já velho e incapaz de serviço, aperfeiçoaram-lhe a instrução, e por várias vezes, durante o ano de 1808, lhe decretaram algumas modificações de organização. 

Em 1809 tornou-se inevitável uma nova guerra com a Áustria. Combatiam na Espanha e em Portugal os melhores exércitos da França e a própria guarda imperial. Parecia aquele o melhor ensejo para o império austríaco procurasse desforçar-se do enorme desastre de Austerlitz. Volvido da Espanha às Tulherias, em 1809, Napoleão tratou logo de preparar o exército para a grande e inevitável campanha. Pois apesar das mil coisas graves que exige a mobilização de um exército enorme, Bonaparte não esquecia a Legião e logo em 12 de março escrevia ao ministro da guerra dizendo-lhe que encarregasse o general Mathieu-Dumas de ir inspeccionar os regimentos portugueses e de informar acerca do espírito daquelas tropas e da conveniência de as empregar na guerra da Alemanha. Em 7 escrevia novamente ao general Clarke, dando-lhe já as minúcias orgânicas para a formação de uma meia brigada escolhida composta dos nossos legionários. Foram excelentes as informações do general Mathieu-Dumas no seu relatório ao imperador, e em vista dele, Napoleão decretou em 10 de março a organização de uma 13.ª meia brigada, que devia compor-se de granadeiros e atiradores da Legião Portuguesa para ser incorporada no corpo de granadeiros, que era o corpo do exército de Oudinot, formado pelos granadeiros e atiradores de 18 regimentos de infantaria de linha e dez regimentos de infantaria ligeira do exército francês. A 13.ª meia brigada devia ter três batalhões e quatro companhias cada batalhão. A campanha de 1809 foi uma longa série de vitórias para aqueles bravos militares. A 13.ª meia brigada bateu-se valentemente na batalha de Aspern; passou o Danúbio na  noite de 21 de maio, com a divisão de Saint-Hilaire do corpo de Oudinot. Em 22 entrou no sangrento ataque dirigido pelo duque de Montebello contra os austríacos. Alguns esquadrões da Legião tomaram parte no assalto e tomada do castelo de Sachsengang. Na batalha de Wagram distinguiu-se extraordinariamente a 13.ª meia brigada. Os 1.800 portugueses, incluindo a cavalaria, tinham colaborado brilhantemente numa das mais altivas paginas da história de Napoleão. Mas custou muito sangue essa grandiosa glória. 0 nosso punhado de bravos teve 491 mortos e feridos. O marquês foi ferido pelo estilhaço duma granada, quando carregava à frente dos esquadrões portugueses; Cândido José Xavier, gravemente ferido, ficou entre os mortos no campo da batalha, e só no dia seguinte ao da batalha foi levado para um hospital de Viena. Segundo as memórias portuguesas, Napoleão conferiu às nossas tropas sessenta cruzes da Legião de Honra, mas no livro de mr. Boppe vem apenas uma relação de dez oficiais legionários a quem aquela honrosa insígnia foi solenemente distribuída na sala dos Marechais nas Tulherias. Sem dúvida, a maior glória de Wagram coube ao corpo de exército de Oudinot, e nesse corpo teve um papel primacial a 13.ª  meia brigada. 

Mais uma vez foi reorganizada a Legião, que devia partir para a grande campanha da Rússia em 1812, ficando com três regimentos de infantaria e alguns esquadrões de cavalaria. O 1.º regimento era comandado pelo coronel Ferreira Pego, e fazia parte do corpo de exército do marechal Ney, assim como o 2.º regimento, que foi quase sempre comandado pelo major Cândido José Xavier. O 3.º regimento, sob o comando do major Castro, foi colocado no corpo de exército do marechal Oudinot depois substituído por Gouvion Saint-Cyr. Diante das muralhas de Smolensko deu-se a primeira batalha daquela formidável guerra. O nosso 1.º regimento bateu-se intrepidamente, e quando o corpo de exército de Ney entrou na cidade em chamas, os nossos estavam cruelmente dizimados pela metralha. No sanguinolento, combate nocturno de Valoutina, o 1.º regimento levou a bravura até à heroicidade, e perdeu um terço dos seus oficiais. A 7 de setembro pelejou-se a batalha de Moscovo, a batalha de gigantes a mais sangrenta de todas as batalhas do império. Ney foi o prodigioso herói daquela extraordinária vitória; o seu corpo de exército o mais brilhante de todas naquele dia de sangue, e na sua vanguarda os nossos legionários. O 1.º regimento português perdeu grande parte dos seus oficiais, o 2.º regimento 21 oficiais e um número de soldados relativamente enorme. Moscovo foi incendiada pelos russos, o que obrigou Napoleão a retirar-se com o seu exército lugubremente sofrendo os rigores do inverno que começava. Famintos, quase descalços, enregelados, os soberbos batalhões ficavam sepultados no gelo ou caiam desbaratados pelas hordas ferozes dos cossacos. Ney, combatendo de espingarda nas mãos, como um simples soldado, sustentava a retirada, e entre os seus valentes iam os nossos. Tinha apenas algumas dezenas de mil homens o poderoso exercito de 500.000 soldados. A cavalaria não tinha cavalos, a artilharia ficara abandonada pelos caminhos. Os dois regimentos portugueses estavam reduzidos ao efectivo dum pequeno batalhão e os antigos batalhões mal davam para formar pequenas companhias. De poucos mais de 3.000 homens apenas restavam 300. Na passagem de Beresina, o 3.º regimento perdeu-se quase todo, golpeado pelos cossacos ou afogado no degelo do rio. Apenas alguns milhares de franceses  voltaram a França, vindo incorporados 150 portugueses. 

O Grande Exército ficou sepultado sob as neves; a Legião Portuguesa cerrou a sua história brilhante na retirada angustiosa de 1812. Alguns bravos da sua cavalaria ainda entraram na campanha de 1813, ainda combateram em Lutzen e Leipzig. Em 1814 poderiam regressar a Portugal alguns dos raros sobreviventes, que tinham menos elevada categoria e não haviam sido condenados em Lisboa, como traidores à pátria. Mas em junho daquele ano já o exército português estava vitorioso em Baiona. A repatriação dos legionários era fácil. A pátria estava também nas bandeiras do exército ovante de Albuera, dos Arapiles, de Vitória, dos Pyrinéos, de Nivelle e de Nivé. Os legionários foram apresentar-se a Baiona

Em Portugal não consta que haja uma história completa da Legião Portuguesa; publicaram-se apenas os apontamentos ou pequenas monografias e memórias de alguns raros oficiais legionários. Em volumes especiais parece haver somente os Apontamentos para a historia da legião portuguesa ao serviço de Napoleão I, do tenente Teotónio Banha; a História da Legião Portuguesa em França, atribuída ao conselheiro Pereira de Mesquita; A Legião portuguesa ao serviço do império francês, colecção de manuscritos de José Garcez, um valente oficial de cavalaria legionária. As duas primeiras obras foram coordenadas e revistas pelo general Cláudio de Chaby, e a terceira pelo capitão Bento da França. Em Paris, porém, apareceu em 1898 nas livrarias um volume de 518 páginas em oitavo grande, com este título de muito interesse para nós, La Legion Portugaise, 1807-1813. Era a história dos nossos valentes legionários escrita por um francês. E seu autor mr. P. Boppe, chefe de esquadrão da cavalaria territorial. A obra é ilustrada com uma heliogravura representando o marquês de Alorna, e com quatro estampas coloridas de figurinos dos uniformes da cavalaria e infantaria da Legião; é propriamente a história documental das tropas portuguesas ao serviço de Napoleão. V. Alorna (3º marquês). 1.º vol. do Portugal, pág 326 a 328. A Legião portuguesa ao serviço de . Napoleão 1808-1813, pelo sr. Coronel Ribeiro Artur, Lisboa, 1901.

 

 

 

 

Legião Portuguesa ao serviço de Napoleão (1808-1813) de Ribeiro Artur
O Portal da História

A Legião Portuguesa
O Exército português em finais do Antigo Regime

 

 

 

 

 

 

Portugal - Dicionário Histórico, Corográfico, Heráldico, Biográfico, Bibliográfico, Numismático e Artístico,
Volume IV, págs. 110-112.

Edição em papel © 1904-1915 João Romano Torres - Editor
Edição electrónica © 2000-2015 Manuel Amaral