D. João Peculiar, estátua de Raul Xavier |
D. João Peculiar (1100? - Braga, 3 de Dezembro de 1175)
2.
Organizando pari passu A Canónica
de Santa Cruz de Coimbra, fundada nos anos 30 do século XII, contou com
a estreita colaboração e empenho daquele que viria a tornar-se
arcebispo de Braga. Duarte
Galvão, na Crónica de D. Afonso
Henriques - que D. Manuel I convidou a escrever sobre os seus
feitos de grande louvor, sendo de considerar que “pêra
obrar uirtudes, por mujto que naça com a pessoa, nam pode ser comprida
nem auer perfeiçam senam per ajuda e graça diuinall” -
contrapôs a perfeição nos feitos de D. João, pelo facto de ter
cumprido e preparado tarefas ao seu rei, diminuindo a perfeição que se
impunha realçar ao monarca. A História Seiscentista teria de envolver
o Arcebispo em pecados horrendos que lhe tirassem força e poder, não
igualando os do seu Senhor. Só que a História voltou a colocar no seu
devido lugar a referida personagem – por factos difíceis de aceitar -
quando, acusada de “actos de heresia”, a pôs na sua missão,
completamente alheia aos ditos actos e às suas inevitáveis
consequências. Assim a veremos. Assim a julgaremos. Aquando
da triste e irreflectida cavalgada contra o Castelo de Badajoz, não
sabemos em que estado ficou realmente a perna de Afonso Henriques, que
tipo de encontro se deu, nem qual o trato que os dois reis fizeram entre
si. Apenas temos notícias mais concludentes de que o soberano português
fora preso e libertado nessa luta nas caldas de Lafões, tendo aí
permanecido entre Setembro e Dezembro desse mesmo ano. Foi, então, que
exarou documentos vários, durante a sua recuperação física,
apondo-se um sinal rodado com que a chancelaria régia autentica os
documentos de Afonso Henriques, passando a incorporar o nome Sancho, com
o epíteto de rei, ao mesmo tempo que secundariza ou omite os nomes dos
restantes irmãos.
3. Insistindo na Resolução. Notas de fecho.
Recapitulemos,
precisando melhor, se possível, alguns dos motivos que levaram D. João
Peculiar a certo tipo de atitudes e decisões políticas, agora,
tão-só centrais. Sendo
assim, pode pôr-se a hipótese de a decisão de Afonso Henriques casar
com uma filha de Amadeu III, conde de Sabóia e de Maurienne, ter ficado
a dever-se a uma inspiração de reforço político por parte do
inteligente Arcebispo, por alargamento de contactos com poderosos
europeus e por quem está junto da Santa Sé, embora a justificação
“oficial” que corria Somos
também sabedores de que as viagens feitas pelo Arcebispo de Portugal o
puseram em contacto com muita gente e com personalidades bem colocadas
nos centros europeus de poder. A respeito da vinda de D. Mafalda para o
nosso Reino, tem-se-lhe atribuído, sempre ao nível da hipótese, pois
não há documento que elucide verdadeiramente a questão, um papel de
relevo na condução da Infanta junto de D. Afonso Henriques. A Infanta
faleceu, pouco depois da tomada de Alcácer, a 3 de Dezembro de 1158,
ficando-lhe dela um filho e três filhas: Sancho, Mafalda, Teresa e
Urraca, todos ainda na infância, além dos quais tivera outra filha, D.
Sancha, como alguns pretendem e dois rapazes, Henrique e João,
falecidos ainda de tenra idade. Ao todo sete filhos, em 12 anos de
casamento. Como o
papa Eugénio III [1145-1153] deliberasse celebrar concílio em Reims,
em 1148, para nele se condenarem vários erros que começavam a ser
noticiados, enviou a Portugal um delegado com o encargo de convocar os
prelados. D. João Peculiar, arcebispo de Braga, reuniu na cidade um sínodo,
para que os bispos tomassem conhecimento das resoluções do Papa; a ele
assistiram o embaixador pontifício e seus oficiais mais notáveis. Foi assim
que o soubemos ter-se deslocado a Toledo – como acima dissemos -, com
o pequeno infante Henrique [1147-?], porque, então, sucessor de seu
pai, como o Arcebispo pretenderia mostrar para que começasse a
hereditariedade a ser considerada, talvez também por tomar parte no
Concílio de Toledo, de 16 de Maio de 1150. Aliás, a linha havia sido
definida anteriormente: A D. Henrique sucedeu D. Teresa, em 1112, porque
os hipotéticos herdeiros eram menores (recorde-se que D. Afonso
Henriques tinha 3 anos, ou para lá ainda caminhava) e, em 1128, este
retirou o poder das mãos da mãe para governar. Por motivos vários,
dependentes da interpretação de cada autor. Mas também, é inegável,
porque o Infante, neto de Afonso VI, tinha, à altura, 18 anos para
dezanove, e a ele deveria ter já passado o governo da Terra,
da parte da Regente, sua mãe. O infante tinha Casa e ministros que o
ajudariam na governação, como, aliás, se provou e uma das suas
primeiras manifestações de poder interino mais significativo desta
vertente terá sido o de mover os restos mortais do Cônsul seu pai de
Astorga, “damdo hordem como o corpo de seu pay fosse muy homrradamente
leuado a Samta Maria de Bragaa, homde sse mamdara lamçar”. Em 1151,
o Arcebispo empreende nova viagem a Roma. Foi junto do Sumo Pontífice
sete vezes, a fim de defender os direitos da sua diocese e de Portugal,
cuja independência ajudou a garantir, lutando contra os desideratos dos
arcebispos de Santiago e Toledo, os quais, apoiados por Afonso VII,
representavam a hegemonia castelhana. Como atrás
referimos, depois de Badajoz (1169), D. Afonso Henriques ficou em Lafões,
em banhos A longa e
corajosa luta travada com os arcebispos de Compostela e de Toledo na
defesa dos bispados sufragâneos e da independência da sua metrópole
era o meio mais eficaz para se obter a independência nacional, por
aqueles terem o apoio de Afonso VII e representarem a hegemonia
castelhana. A
documentação hoje existente a respeito da maioria destes factos
permite, umas vezes, verificar a efectiva intervenção do principal
conselheiro de Afonso Henriques; outras, ajuda apenas a formular hipóteses
mais verosímeis, mas sem provas documentais explícitas, acerca do
papel que o arcebispo de Braga decerto desempenhara constantemente. Em
1161, D. Afonso Henriques voltou a privilegiar os Cistercienses de Lafões,
entre outros 19, anos antes e depois. O acto de
homenagem a Afonso VII, em 1139, foi testemunhado por Paio Mendes,
arcebispo de Braga, João Peculiar, bispo do Porto, Pedro, bispo de Segóvia,
Paio, bispo de Tui e Marinho, bispo de Orense. O
regresso vitorioso de D. Afonso Henriques em 1139 sucedeu pouco depois
de D. João Peculiar voltar da 2.ª viagem à Itália. O fundador de
Santa Cruz de Coimbra regressava à cidade onde vivera momentos de
grande intensidade, juntamente com o prior D. Teotónio, mas agora
investido no mais importante cargo eclesiástico de Portugal. Tinha
sobre os seus ombros a responsabilidade não só de colaborar com as
actividades religiosas de uma ordem nova, mais empenhada em responder
às necessidades concretas dos homens, mas de dirigir toda a vida da
Igreja no seu País. A responsabilidade temporal cabia ao príncipe que
tinha apoiado, com tanto interesse, os primeiros passos da fundação
que pretendia restaurar a “vida apostólica”, professada pelos
primeiros cristãos Tudo isto
se apresenta decerto ao espírito de D. João Peculiar, não só porque
parecia conjugar-se, na perfeição, com o ideal de pátria em que
exercia tão grandes responsabilidades; mas também – e talvez
sobretudo -, pois que regressava do próprio centro da Cristandade, onde
o Papa representava o poder e a vontade de Deus, e, ao contacto com o
qual, tivera o privilégio de participar em acontecimentos não menos
representativos do que aqueles a que assistia ao regressar a Coimbra. Em
Roma, no palácio de Latrão, juntamente com centenas de bispos de toda
a Cristandade, assistira à solene proclamação da vitória do Papa
Inocêncio II sobre o cisma que dividira a Igreja, contrapondo o partido
das famílias romanas, dos Normandos sicilianos e dos sectores mais
conservadores da Igreja ao sector que mostrava ser o preferido de Deus
por ter do seu lado o imperador, o carismático abade de Claraval e as
novas ordens dos Cistercienses, dos cónegos regulares, dos eremitas e
das ordens militares. Os representantes do movimento renovador
português tinham conseguido a benevolência e a protecção dos
cardeais romanos, especialmente de Guido de Vico; tinham merecido a
protecção do próprio Papa e haviam por certo chamado a atenção de
São Bernardo. Por estes factos, estariam confiantes na protecção
dispensada por Deus. A
surpreendente vitória do jovem Rei sobre o grande exército sarraceno e
a quantidade de despojos que ele trouxera de Ourique (Vila Chã de
Ourique, nos termos de Santarém?), como se fossem penhor da abundância
prometida aos defensores da fé, eram uma espécie de milagre que se
apresentava aos olhos de toda a multidão, participando, em uníssono,
na celebração do triunfo, a chuva de bênçãos com que Deus cobria o
seu novo povo, o Povo que o escolhera para Rei e sobre quem Deus
outorgara o novo título pela dispensatio
coelestis que lhe assistia. Mais o gérmen de um novo imperium
no Mundo conhecido e desconhecido. Não fosse assim, César D. Manuel, como lhe chamou Duarte Pacheco Pereira, não
pediria a redacção da Crónica do 1.º Rei de Portugal, com toda a auctoritas,
para vir a legitimar a sua. Não fosse assim, as lendas que se
transmitiram até hoje, não invocavam a acção da Virgem e de Jesus em
Carquere e Ourique. Não fosse assim, não teriam pensado, fosse a que
custo fosse, na reunião de umas Cortes em Lamego para, no século XVII,
legitimarem os Bragança no trono de Portugal e a linha sucessória
directa que D. João IV representava, perante o afastamento compulsivo
de Filipe IV de Espanha do governo do nosso País.
Não é difícil imaginar a intensidade com que D. João Peculiar
decerto viveu aqueles meses, com a consciência de também celebrar uma
grande vitória, por ter atingido a dignidade de Arcebispo, por receber
o pálio das mãos do papa, ao trazer consigo as bulas de reconhecimento
dos direitos metropolitanos de Braga, em concorrência com Compostela,
por tomar parte no concílio ecuménico de Latrão, pela solene
proclamação do triunfo. Em 1139,
D. Afonso Henriques concedeu carta de couto a S. Cristóvão de Lafões,
usando de uma política de favorecimento do local onde vivera grandes
momentos de muita intensidade com o presbítero Telo e o prior Teotónio,
até então muito pobres e errando pelo território, nas suas missões
evangélicas. Recordando tempos difíceis para aqueles que, até então,
se haviam desembaraçado de propagar a união das gentes através dos
exemplos de Cristo, no conjunto de instituições cistercienses, D.
Afonso Henriques outorgou benesses a eremitas, em número de 10; aos
mosteiros beneditinos, 34; aos cónegos regrantes 30, aos cistercienses
19, às ordens militares Não
é de todo inverosímil que o contacto do Arcebispo e D. Telo com S.
Bernardo no Concílio de Pisa tivesse inspirado a São Bernardo a decisão
de enviar a Portugal o grupo de oito monges de Claraval que o texto
semilendário intitulado Exórdio
do Mosteiro de S. João de Tarouca menciona e que teria sido
orientado e apoiado por João Cirita na escolha do lugar onde, havia
pouco, se fundara o referido Mosteiro. A
consolidação da vida regrante em Coimbra não foi fácil. Segundo
Pedro Alofardek, em breve, surgiram as rivalidades com o bispo Bernardo
e o cabido. Para escaparem às suas manobras, os regrantes trataram de
defender-se, enviando à cúria romana uma delegação chefiada por Telo
e João Peculiar, para pedir a protecção do Papa, adoptando um
estatuto que, nessa época, se tornou frequente. Mostravam, assim, o seu
carácter decidido e empeendedor. Não hesitaram em fazer uso dos meios
materiais que tinham já conseguido reunir para poderem dominar a
situação criada pela rivalidade com o Arcebispo, adoptando uma
situação dispendiosa, mas eficaz. Agiam com a plena consciência de
que faziam parte da igreja universal. Os seus problemas ligavam-nos a
movimentos e transformações em pleno desenvolvimento, e que agitavam
os sectores mais activos da Europa de então. Não se sentiam na
periferia do mundo cristão. As viagens que faziam à cúria romana e a
Avinhão, as frequentes visitas de legados papais à Hispânia, as não
menos frequentes reuniões de concílios nos vários reinos
peninsulares, as vastas assembleias de bispos promovidas pelos papas
desde a segunda metade do século XI, a publicidade concedida às bulas
e instruções pontifícias, enfim, as peregrinações a Roma, a
Santiago e a outros santuários – tudo isto criava um ambiente de
comunicação activa, encorajava as iniciativas e dinamizava toda a
Cristandade. Telo e Peculiar foram bem homens do seu tempo. Inocêncio
II estava, então, em Pisa e impedido de regressar a Roma pelo cisma de
Anacleto [1131-1138]. Foi lá que os dois portugueses, depois de uma
longa viagem, encontraram a cúria papal. Dirigiram-se a Guido de Vico,
cardeal de São Cosme e São Damião, que conhecia os assuntos da Península.
No ano anterior, tinha estado em Compostela, desempenhando funções de
legado, e voltaria à Hispânia no seguinte, em Outubro, para reunir um
concílio O
resultado concreto da viagem de Telo e de Peculiar foi a concessão das
bulas em que o papa recomendou os cónegos regrantes de Coimbra ao príncipe
D. Afonso e ao bispo da diocese, em 20 de Maio de 1135. Logo a seguir,
em 26 de Maio, concedeu-lhes a protecção papal e a isenção canónica,
nos termos que viriam depois a ser mais bem definidos pelo
desenvolvimento das práticas institucionais, sobretudo a partir do
pontificado de Alexandre III. Dias
depois, a 30 de Maio, o papa presidia à abertura solene de um
importante concílio em Pisa, a que assistiram mais de cem bispos e
muitos abades, entre eles, São Bernardo. Além de confirmar os decretos
acerca de algumas questões institucionais adquiridas pela reforma da
Igreja, pretendia fazer daquela reunião uma demonstração de força,
de forma a desautorizar o antipapa. É muito provável que Telo e João
Peculiar, que estavam de facto naquela cidade, tenham também
participado no concílio, iniciando-se, então, porventura, as relações
dos cónegos crúzios com o fogoso abade de Claraval, de que fala a Vida
de S. Teotónio. Talvez Bernardo não se esquecesse do relato que
Hugo de Payns tinha decerto feito, seis anos antes, no Concílio de
Troyes, acerca da recepção feita a si próprio e aos seus
colaboradores na França e na Hispânia, e mencionasse os principais
dons recebidos pelos Templários, entre os quais tomaria relevo a doação
de D. Teresa. Quiçá, não datará também do possível encontro de São
Bernardo com Telo e João Peculiar em Pisa o eventual conhecimento que o
abade de Claraval teve das experiências eremíticas no vale do Douro, Interessado
como estava na renovação da vida religiosa na Igreja, São Bernardo de
Claraval não deixaria de ouvir com atenção o relato do que a esse
respeito se passava no longínquo extremo da Península, no finisterra,
lá para os lados do túmulo do apóstolo São Tiago, em lugares
expostos à crueldade dos cavaleiros almorávidas. O exemplo
de Santa Cruz de Coimbra transmitia-se a outras comunidades monásticas
já existentes no Condado Portucalense. Em 1134, João Peculiar, a
pedido, decerto, dos religiosos, passou a observar a Regra de Santo
Agostinho. Foi o primeiro de uma longa série de mosteiros de Entre
Douro E Minho que, nos anos seguintes, lhe seguiram o exemplo. Eram,
geralmente, mosteiros que, na remodelação da vida religiosa dos anos Em 1139,
o chanceler arcebispo de Braga, D. Paio Mendes é substituído por D. João
Peculiar, um conimbricense de formação francesa e um bom conhecedor
das concepções impessoais do exercício do poder eclesiástico e civil
que, por essa altura, começavam a inspirar a prática da cúria papal.
O primeiro era, decerto, um aliado da aristocracia nortenha; não pode
dizer-se o mesmo de D. João Peculiar que, com toda a probabilidade,
procedia de uma família secundária e que defendeu mais fortemente a
independência política do rei do que a sua submissão ao partido
feudal. D. João
Peculiar, quando foi mestre-escola da Catedral de Coimbra, procurou os
meios necessários para instalar os primeiros adeptos da sua obra, ao se
proporcionar a ocasião de obter a ajuda de Afonso Henriques.
Os dois
fundadores de Santa Cruz não esqueciam, porém, a sua condição de cónegos
regrantes e a sua profissão sob a Regra de Santo Agostinho. Por isso,
na viagem de regresso, procuraram visitar Pavia, onde, então, se
venerava o corpo do seu santo patrono, na esperança de conseguirem
trazer alguma relíquia para o seu mosteiro. Não puderam realizar o seu
intento, por terem sido roubados por salteadores e serem obrigados a
tomar um itinerário mais directo. Dirigiram-se, então, a Avinhão, que
ficava no caminho de regresso, e permaneceram no Mosteiro de São Rufo o
tempo suficiente para obterem uma cópia do costumeiro de Letberto, onde
se prescreviam observâncias muito mais pormenorizadas como é óbvio,
do que a Regra de Santo Agostinho. Viria a ser esta a norma canónica
coimbrã até ao fim da Idade Média, embora com algumas modificações
e adaptações. Entre estas, salientam-se as que resultaram de uma clara
e significativa influência dos usos cistercienses, nas suas versões
mais antigas, como mostrou há pouco Agostinho Frias. De regresso a
Coimbra, Telo, então, com uns 60 anos de idade, debilitado, talvez, por
esta longa viagem, pouco tempo resistiu a um tumor que nessa altura lhe
apareceu, tendo morrido no dia 9 de Setembro de 1136. A
primeira recolha dos costumes rufianos foi feita por dois companheiros
de Telo e de Peculiar que com eles viajaram, Domingos e João. Mas o
contacto directo dos dois fundadores, com os seus confrades franceses
mostrou-lhes que necessitavam de mais elementos para conseguirem
organizar, com verdadeiro rigor, a vida religiosa de Santa Cruz. Para
completar o trabalho de Domingos e João, Teotónio, pouco depois da
morte de Telo, mandou a São Rufo outro cónego, Pedro Salomão, o qual
permaneceu em Avinhão desde Novembro de 1136 até Março de 1137.
Regressou a Portugal com o seu manuscrito a 24 de Junho, na mesma ocasião
D. João
Peculiar, mestre escola da Sé de Coimbra, e habitando a sua família em
Lafões, depois em Coimbra ou na região do Vouga, deve ter feito em
França estudos suficientes para vir depois a encarregar-se do ensino na
catedral. Todavia, não desempenhara, exclusivamente, funções
intelectuais; colaborou, eficazmente, com as formas mais radicais da
vida religiosa. Fundou De
qualquer maneira, compreende-se a sua associação a D. Telo. Estavam
ambos seduzidos pela “vida apostólica” e pelas experiências de
vida pobre e despojada de bens materiais. Telo contactara com ela Lançaram
a primeira pedra da igreja no dia 28 de Junho de 1131, na vigília da
festa litúrgica dos santos apóstolos Pedro e Paulo, os patronos por
excelência da vida apostólica. Afonso Henriques participou das suas
celebrações, O que
sabemos da luta entre D. João Peculiar e o papado para ver reconhecidos
os seus direitos sobre algumas dioceses portuguesas da antiga Lusitânia
torna verosímil uma fricção séria entre o rei e os enviados da Santa
Sé. Estava chegada a hora de começar a voltar a insistir na questão
de reconhecimento de Portugal e do rei em Roma, a qual fora, como nos
pareceu, praticamente abandonada desde a data da última deslocação de
D. João Peculiar a Roma, em 1163. Uma vez
libertado pelo genro, após o desastre de Badajoz, D. Afonso Henriques
foi para Lafões ou, mais exactamente, para as terras de S. Pedro do
Sul, onde permaneceu convalescente durante alguns meses, pelo menos
entre Setembro e 13 de Novembro de 1169. Em Março de 1170, está, de
novo, em Coimbra. Vejamos:
Começam
a desaparecer os mais fiéis auxiliares de Afonso Henriques, a saber: S. Teotónio
tinha morrido em 1162; D. Gonçalo
Mendes de Sousa, mordomo-mor, faleceu em 1167; Mestre
Alberto, o fiel chanceler-mor, redige o último documento assinado por
ele em Setembro de 1169, quando o rei ainda continuava em Lafões; D. João
Peculiar, o grande inspirador das orientações diplomáticas e das
relações como o Papa, deixou este mundo em 1175, considerado um dos
maiores prelados bracarenses de todos os tempos e um dos heróis
fundadores da “nacionalidade”. Com o
tempo, Afonso Henriques deixa o Norte entregue a si próprio e volta-se
para o Sul. Entre 1169 e 1176, os protagonistas desta política mudam,
mas a orientação mantém-se, e talvez se acentue. Cremos mesmo
encontrar indícios de esta orientação ter sido conscientemente
assumida em Lafões durante os meses de convalescença do rei. Na nossa
opinião foi esse o motivo que presidiu à escolha de novos oficiais
para a cúria. Mas todos
os documentos assinados em Lafões são confirmados pelo rei, o que
significa que pai e filho estiveram aí juntos. Num
processo canónico acerca da relação de dependência do arcebispo de
Braga para com o de Toledo, em Junho de 1217, uma testemunha afirmava
que, durante os últimos dez anos de vida, Peculiar permaneceu doente e
incapacitado de viajar para fora da sua arquidiocese. Todavia, temos
provas de que, em 1169, continuava com energia suficiente para o fazer.
Com efeito, presidiu, em 18 de Maio desse ano, à solene consagração
da igreja abacial de Tarouca, na qual também participaram os bispos
Pedro, do Porto, Mendo, de Lamego, e Gonçalo, de Viseu, como consta da
inscrição lapidar que perpetuou o facto. Depois, desde Setembro até
Novembro de 1169, confirmou todos os documentos de Afonso Henriques
outorgados em Lafões, o que quer dizer que acompanhou a corte nesse
período crucial de reorganização da autoridade régia e de revisão
da política nacional.
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