Bartolomeu Lourenço de Gusmão

 

Bartolomeu de Gusmão
Padre, inventor da Passarola.

Nasceu em Santos, Brasil, em 1685;
morreu em Toledo, Espanha, em 1724.

 

Bartolomeu Lourenço de Gusmão (1685-1724), por antonomásia o Voador - como precursor da navegação aérea ­, nasceu em 1685, no Brasil (Santos), filho dum modesto cirurgião-mor de presídio, Francisco Lourenço, e de sua mulher, Maria Álvares.

Irmão mais velho do Dr. Alexandre de Gusmão, a quem o futuro reservaria uma carreira brilhante na diplomacia e política de D. João V, fez com ele seus estudos no Seminário Jesuítico da Baía, em que ambos foram discípulos dilectos do reitor, padre Alexandre de Gusmão, cujo nobre apelido ele consentiu que adoptassem desde a adolescência, na falta de mais condigno nome de família.

Por sua precoce inteligência e aplicação a estudos eclesiásticos, fez Bartolomeu de Gusmão no seminário o noviciado para padre jesuíta, de que em breve desistia, mas mantendo a disposição de se ordenar padre secular. Em 1701, o provincial da Companhia manda-o, com 16 anos, ao Reino, a completar os estudos, e muito impressionaram logo favoravelmente em Lisboa os seus conhecimentos profundos de casuística eclesiástica, bem como o vivo engenho em matérias de Matemática e Física Experimental. Quatro anos mais tarde voltava ao Brasil, e lá comprovava a extraordinária vocação para inventos mecânicos, com uma sua bomba hidráulica de elevação de água, cuja instalação ele próprio dirigiu, para fornecimento da do rio Paraguaçu ao seu antigo seminário da Baía, erguido no alto duma colina.

Voltava em 1708 definitivamente a Lisboa, porque, no seu destino de homem, o talento de inventor mecânico atrofiava-lhe o saber eclesiástico, pois trazia então em mente outros mais altos e audaciosos projectos, entre eles o de um aparelho, ou máquina voadora, baseado no velho princípio de Arquimedes acerca dos efeitos de impulsão dos fluidos sobre os corpos neles mergulhados.

Apresentado então na corte e recebido com o maior agrado pelo monarca, requeria-lhe e obtinha em 1709 o privilégio de exclusivo sobre o seu rudimentar aeróstato, depois apelidado, irónica e pitorescamente pelo vulgo, de Passarola. Em resumo, consistia o aparelho num grande balão esférico, de tela consistente, cheio de ar aquecido por estopa a arder na abertura da base, devendo erguer-se livremente na atmosfera, mais densa que o ar quente do balão, e, ao sabor do vento, deslocar-se, voar.

Realizou-se em Agosto a primeira experiência desde o alto do Castelo de S. Jorge, perante o rei e toda a corte. A experiência, como era de prever, foi infeliz, dada a improvisada técnica simplista. Pouco depois de efectivamente se ter erguido nos ares, o aparelho incendiou-se; confirmara-se, porém, na prática, a validez da teoria de base do princípio de Arquimedes para a navegação aérea, e é de crer que se tivessem repetido novas experiências, de que não houve notícia, embora houvesse ficado na tradição que uma nova Passarola, também lançada do Castelo, teria por fim descido intacta no Terreiro do Paço.

A glória dessa primazia viria a ser contestada nos fins do século, em França, por outro aeróstato do matemático e engenheiro francês Monge, aparelho do mesmo tipo, fundado na mesma teoria, e que, menos rudimentar, fora experimentado com mais êxito pelos irmãos Montgolfier, em 1794. Posteriormente, porém, tornou-se indiscutível em conferências várias, e mesmo num recente congresso internacional de aeronáutica, que ao inventor português se ficara devendo, como seu antecessor, a glória dessa conquista do espírito humano, a abrir na História Universal um novo capítulo de progresso de extraordinárias e imprevisíveis consequências científicas e tecnológicas, políticas e sociais.

Como de regra, as infelizes tentativas do autor da «Passarela» concitaram logo as invejas e vaias dos seus detractores, reforçados pelas suspeitas da Inquisição de que Bartolomeu, o Voador, teria tido pacto com o Diabo, sem que, todavia, essa torpeza fizesse decair Bartolomeu de Gusmão no conceito e apreço do Magnânimo, em cuja corte, aliás, seu irmão Alexandre gozava já de sólido prestígio como político e diplomata.

É, aliás, obscuro e confuso o curriculum vitae de Bartolomeu de Gusmão a partir da sua proeza aerostática. Sabe-se que, um tanto deprimido moralmente, os fracassos, decepções e embates da opinião pública o reconduziram às funções eclesiásticas, conquanto em seu espírito possivelmente não esmorecesse a imaginação inventiva para fins práticos.

Em 1710, obtinha privilégio do exclusivo de uma nova bomba hidráulica para esgotar água entrada nos porões das naus; mas, em 1713, talvez receoso do Santo Ofício, abandonou sem grandes recursos materiais o País, vagabundeando quatro anos por Holanda, França e talvez Inglaterra, mantendo-se a custo em ocupações modestas, mesmo a de ervanário em Paris, até se encontrar na Embaixada portuguesa com seu irmão Alexandre, então secretário da missão diplomática do conde da Ribeira. Com ele regressou a Portugal, e então, a expensas dele, se decidiu a completar seus estudos da Baía na Universidade de Coimbra, que em 1720 o doutorava com brilho em Cânones. No ano seguinte ordenava-se padre secular, notabilizando-se, elevado a cónego, como eloquente orador sacro. Por fim, elevou-o D. João V, em 1722, a fidalgo capelão-mor da Capela Real, e já nessa categoria foi como enviado extraordinário a Roma, incumbido de tratar com a Cúria pontifícia da obtenção dos ambicionados privilégios do monarca em benefício da Sé de Lisboa e seu alto Clero.

Nada, porém, tendo obtido o padre Bartolomeu de Gusmão em todo um ano de falhadas negociações, foi seu irmão Alexandre, em 1723, substitui-lo em Roma na difícil missão. No seu regresso ao Reino, porém, designou-o D. João V sócio efectivo da Academia Real de História, entre os 50 candidatos escolhidos, o que lhe valeu terem-lhe sido impressos, até 1721, os seus sermões e outras obras, em três volumes.

Em remate de tão desorbitada existência, pelo excesso de faculdades e inquietação de espírito, uma última desventura lhe estava tristemente reservada. Com efeito, no renovado convívio da corte, viu-se por fim envolvido com um irmão do rei, infante D. Francisco, numa tortuosa intriga, suspeita de escândalo, que o forçou em 1724 a de novo se expatriar escusamente por Espanha, em companhia de outro irmão seu, frei João Álvares, carmelita descalço. Adoecendo gravemente à chegada a Toledo, teve de recolher ao hospital, onde, apesar dos seus ainda robustos 39 anos, veio a morrer esgotado por tão intensa e desordenada vida de actividades e das mais díspares ocupações, efémeros êxitos, lutas, decepções, misérias e grandezas, em permanente insatisfação de espírito, que dia a dia lhe ia minando o rico potencial de vitalidade.

Obscuramente ficava sepultado numa campa rasa de Toledo o imortal precursor da navegação aérea, hoje insuperável glória da Humanidade.

 

Fonte:
Carlos Selvagen e Hernâni Cidade, Cultura Portuguesa: 10, Lisboa, Empresa Nacional de Publicidade, 1973.

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