As armas portuguesas no tempo de D. Sebastião incluído na História Genealógica da Casa Real Portuguesa |
D. ANTÓNIO CAETANO DE SOUSA
CAPITULO
XVII. Do
Rei D. Sebastião.
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Se
assim como dos Ceptros, e das Coroas é inseparável a Majestade, o fora
também a fortuna, não veríamos com mágoa no Capítulo presente um
Príncipe sucessor de hum Reino poderoso, rico, e elevado ao maior auge da
felicidade, reduzido a uma fatal ruína, sendo ainda maior a desgraça de
se não ter sujeitado ao tálamo por capricho da sua ideia, Com a qual
aspirava à glória do bom nome sem os caminhos proporcionados para
conseguir a heroicidade: o que ordinariamente sucede quando se despreza o
conselho, e se segue a vontade própria, como se viu no Rei D. Sebastião,
16.º de Portugal, 12.º dos Algarves, único do nome, e também único
nas esperanças, nascido para enxugar as lágrimas da antecipada morte de
seu pai o Príncipe D. João, que choravam os seus Vassalos, e que com
repetidos votos combatiam o Céu para que lhe desse Deus um Príncipe, que
conservasse o Reino na felicidade, a que o elevara a fortuna de seus
avós; pois considerando o perigo, viam por instantes exposto o Reino à
declinação, e a um lamentável precipício. Pelo que observavam
temerosos os fatais sinais, com que o Céu se explicava na decadência do
Império Lusitano, anteriores ao nascimento deste Príncipe, que viu a
primeira luz do dia 20 de Janeiro do ano de 1554, dia, em que a Igreja
celebra a Festa do Mártir S. Sebastião, em cujo obsequio lhe puseram
este nome. |
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Torre do Tombo, liv. 26. fol. 47. da Chancelaria del Rei D. Sebastião, e liv. 45. fol. 371. |
Teve
por Ama a D. Inês, que (segundo o costume daquele tempo) devia ser pessoa
de qualidade, como também por lhe chamar o Rei Dona Inês, sua Ama;
porque o pronome de Dona não se permitia senão a pessoas, que não eram
de ordinário nascimento: porém não lhe sabemos o apelido, e a notícia,
que temos do seu nome, consta de um Alvará, que diz assim: Eu
El Rei faço saber aos que este Alvará virem, que eu ey por bem, e me
praz fazer merce a D. Ignez, minha Ama, de dezaseis moios de trigo de
renda for tempo de tres annos, &c. feito em Cintra a 26 de Junho de
1570. Por outro Alvará passado depois da morte do Rei a 27 de Agosto
de 1581, consta, que tinha casas no Paço da Ribeira, e pelas obras, que
nele se fizeram, lhe deram por elas quarenta mil reis de tença. Contava somente três anos quando por morte do Rei seu avô, subiu ao Trono no ano de 1557 ficando debaixo da Regência daquela virtuosa, e prudente matrona a Rainha D. Catarina, sua avó, que com pouco mais de dois anos desistiu da Regência, e a passou a seu cunhado o Cardeal Infante D. Henrique. Entrou o Rei nos catorze anos da sua idade, e o Infante o Cardeal demitindo o governo, lho entregou no mesmo dia, em que nascera, de 20 de Janeiro no ano de 1568, precedendo hum discurso muito concertado em louvor do Rei, que respondeu com outro. |
Torre
do Tombo, liv. da sua Chancelaria, fol. 447. |
Teve por Aio a D. Aleixo de Menezes, Alcaide-mor de Arronches, por Carta passada a 10 de Novembro de 1559, filho de D. Pedro de Meneses, primeiro Conde de Cantanhede, ajuntando ao ilustre nascimento a reputação, que tinha adquirido na Europa, e na Ásia, nos empregos Políticos, e Militares, que exercitara, porque ocupou na Índia os maiores lugares do Estado, e na Corte tinha sido Mordomo mor da Rainha D. Catarina, da Princesa D. Joana, e da Infanta D. Maria, e Embaixador ao Imperador Carlos V. Estes grandes lugares acompanhados de virtuosos costumes, largas experiencias em idade venerável prometiam bem fundadas esperanças na educação do Rei, se o seu génio fora dócil; porém o tempo o mostrou tão absoluto, que se perdeu a si, e ao Reino. |
Prova
num. 152. |
No dia, em que entrou a governar, D. Aleixo revestido de zelo, a que o incitava o amor de o haver criado, lhe fez uma eloquente Oração, com tão prudentes máximas, que lhe poderiam servir de muita glória ao se nome, se as quisera seguir; mas pelo contrário começou a exercitar-se em temeridades, como adiante veremos; porque vendo-se robusto, com forças, e valor, se encheu de uma cobiça da glória militar, que foi a sua total ruína; para o que concorreu ter um ânimo voluntário, e despresador do conselho dos seus prudentes Ministros, sem os quais de ordinário são muito duvidosos nos Príncipes os acertos das resoluções públicas. Ardia o Rei num desejo de conquistar toda África, desprezando tudo o mais que não fosse a guerra; porque para esta parece, que se exercitava, mostrando-se impávido em muitas ocasiões. Dele se contam alguns casos bem estranhos. Saía de noite às dez horas a passear à praia só sem companhia, e no bosque de Sintra do mesmo modo. Esperava em Almeirim posto sobre uma árvore um javali, e aplicando a vista viu um vulto, e descendo-se com pressa investiu com ele: ao estrondo acudiram alguns monteiros, imaginando seria fera; acharam porém o Rei lutando com hum negro boçal, que havia largos dias que fugindo a seu amo habitava com as feras daquele monte. Ordenou, que de noite não passasse embarcação alguma pelas torres entre Belém, e S. Julião, sem que fosse: registada, e que se passasse, fosse metida no fundo com a artilharia: depois ou por ver como se executava a sua ordem, ou por temeridade, entrava num bergantim com alguns Fidalgos, e sem que fosse conhecido passava; começavam as peças a laborar, e ele sem se dar a conhecer, por entre as balas, que cruzavam o bergantim, voltava para o Paço. Quando o mar com tempestuosa fúria ameaçava naufrágios, entrava em uma galé, e saía ao mar largo, como se fosse a combater com os elementos; e quando a tormenta punha em destroço quase toda a embarcação, rindo-se do risco passava por entre todos, abominando os que temiam o perigo, e acabando de um se dispunha para outros. Todos estes temerários exercícios, em que o Rei se empregava, lhe aguentavam os desejos de passar à África; para o que examinava as forças dos lugares, e os melhores portos para a condução dos Exércitos. Ouvia o Rei, que na regência da Rainha sua avó conseguira Álvaro de Carvalho imortal glória no cerco de Mazagão, e outros sucessos prósperos das suas armas em África. Na Índia, que D. Constantino de Bragança conquistara com pequeno corpo de Soldados a Cidade de Damão, e que D. Luís de Ataíde fizera pelo seu valor tributaria à Coroa de Portugal a Barcelor, e que com pouca gente defendera a Cidade de Goa do formidável poder do |
Faria, Europ. Portug. t. 3. c. 1 fol. 9. |
Hidalcão,
o qual com cem mil Bárbaros, dois mil elefantes, e quase quatrocentas
peças de artilharia pôs sitio àquela Cidade, de que se retirou com
perda de oito mil homens, e de trezentos elefantes, e de quatro mil
cavalos; e que D. Francisco Mascarenhas em Chaul de outro semelhante poder
de Niza Maluco ficara vitorioso: que Jorge de Moura com António Chalé
fizeram levantar o sítio de Onor, com perda de seis mil homens, e que
tendo com cinquenta mil bloqueado o Samorim a Praça de Chalé, o mesmo
Antonio Chalé com D. Diogo de Meneses fizeram levantar o campo com menos
número; e que D. Leoniz Pereira com duzentos portugueses em Malaca
obrigou a levantar o sítio, que com duzentas embarcações, em que trazia
quinze mil homens, lhe pusera o Rei de Achém, e com perda de três mil
homens, e de um filho seu se retirou: que D. Diogo de Meneses no Malavar
reduziu a cinzas muitas Povoações, e todo o Reino de Mangalor, e que
finalmente todos os Reis do Oriente conjurados ao mesmo tempo para sacudir
da cerviz o jugo Lusitano, vergonhosamente foram obrigados a se retirar. Todas estas vitórias, e outros sucessos gloriosos, conseguidos no seu tempo, de tal sorte dilatavam o animoso coração do Rei, que preocupado destas ideias, e naturalmente ambicioso de glória, desejava mostrar ao Mundo o seu valor, que fomentado da lisonja dos Validos, e Cortesãos, desprezava o conselho, e experiência |
O Conde da Ericeira, Historia de Tanger, liv. 2 |
dos
velhos. No ano de 1574 passou a primeira vez à África, em que não fez
mais que pisar, e discorrer por aquelas terras, visitando as Praças de
Tânger, e Ceuta, com que encobriu o pouco, que podia empreender,
lisonjeando-se com guardar aquela acção para melhor tempo. Antes do Rei pôr em execução a segunda jornada de África se avistou em Guadalupe com o Rei Filipe, o Prudente, que pretendeu dissuadi-lo da empresa, e não podendo, lhe deferiu o socorro, que lhe pedia, prometendo-lhe cinquenta Galés com cinco mil homens, o que depois não teve efeito. Entrou o Rei a tratar com grande calor dos aprestos para a expedição, que intentava, a qual apressaram as discórdias dos Xerifes tio, e sobrinho, Mulei Maluco, e Mulei Hamet; porque dizia este, que aquele o despojara tiranamente do Reino de Marrocos, ardendo por esta causa entra eles hurra guerra civil. Mulei Hamet, vendo-se destroçado, e fugitivo discorria o modo da sua fortuna, e entendeu a achava em Rei D. Sebastião, de quem não ignorava os pensamentos, e lhos aumentou no socorro, que lhe pediu, oferecendo-lhe a sua pessoa, e de muitos Mouros seus parciais, que o seguiam. Maluco sabedor desta negociação, e dos desígnios do Rei, buscou todos os caminhos para alcançar a paz, porém nunca foi ouvido. O Rei desprezando o conselho dos seus, pôs em execução a jornada, que o levava com fatal destino ao precipício, e por essa causa, nem a experiencia, nem o valor de homens tão grandes, foram atendidos no Concelho, tendo-se por cobardia o que era prudência.
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Chr. delRey D. Sebastião, m.s. |
Determinou o Rei a jornada, e recusando o Cardeal Infante D. Henrique a
regência do Reino, nomeou cinco Governadores, que foram D. Jorge de
Almeida, Arcebispo de Lisboa, Pedro de Alcáçova, Védor da Fazenda,
Francisco de Sá, D. João Mascarenhas, e o secretário Miguel de Moura,
todos beneméritos de tão grande confiança. Achava-se o Rei nas vésperas da partida, e como era pio, e Católico, não puderam os cuidados da guerra, a quem era tão naturalmente inclinado, embaraçar-lhe os da Religião, nem deixar de se lembrar das disposições da alma, quando evidentemente se expunha a tantos perigos; e assim determinou o seu Testamento, |
Prova num. 153. |
que
foi feito em 13 de Junho de 1578, segundo a cópia, que dele tirei da
Livraria manuscrita do Duque de Cadaval, porque na Torre do Tombo não
achei o Original, e talvez ficaria na mão de algum particular, como vemos
em muitos papéis importantes, que tocam àquele Real Arquivo. Nomeia nele
por Testamenteiros a D. Manuel de Meneses, Bispo de Coimbra, Conde de
Arganil, Cristóvão de Távora, seu Camareiro, e Estribeiro-mor, D.
Francisco de Portugal, e Luís da Silva, seus Camareiros, e Védores da
Fazenda, e todos do seu Concelho. Ordena, que morrendo em África, se
deposite o seu corpo na Sé de Tânger, e que passado hum ano seja
trasladado para o Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, que o elegia para sua
sepultura, a qual seria na Capela-mor defronte da em que está o Rei D.
Afonso Henriques, primeiro Rei deste Reino, e que não se lhe faça
sepultura mais sumptuosa do que a do dito Rei; e que fazendo-se, se lhe
faça também outra na mesma forma, e deixa hum juro perpetuo ao Mosteiro
para uma Missa quotidiana, e hum Ofício todos os anos no dia do seu
falecimento. Ordena se digam cinco mil Missas com diversas tenções, e
que lhe enviem hum Cavaleiro, que por ele vá em romaria a Jerusalém
visitar o Santo Sepulcro, e outro a Santiago. Deixa muitos legados pios, a
saber: ao Hospital, para pagar dívidas de presos para
que sejam soltos, casar órfãs, e resgatar cativos. Deixa ao Mosteiro de
Belém as Relíquias, que tinha na sua Capela. Os seus livros da
Escritura, Teologia, e de rezar, ao Mosteiro de Santa Cruz. Ao Santo
Ofício, que sempre favoreceu, e conservou, para se poder perpetuar,
depois de lhe aplicar com autoridade do Papa nos Arcebispados de Lisboa, e
Évora, e Bispado de Coimbra três contos, suplicava ao Papa que de rendas
Eclesiásticas lhe aplicasse mais hum conto e duzentos mil reis, com que
vinham a fazer de renda quase onze mil cruzados, com que comodamente se
podia manter; ordenando, que da sua fazenda se lhe pague tudo o que faltar
para a sua sustentação: e que porque não tinha filho, nem descendente,
que lhe houvesse de suceder, lhe sucedesse quem por direito a tal
sucessão pertencesse. E que acontecendo depois da sua morte não ter
descendente, ou pessoa, que lhe haja de sucedes, e haja de ir ao Rei, que
ao tal tempo for de Castela, em nenhum caso a Coroa destes Reinos se
ajunte à de Castela, nem a de Castela a eles, pelos grandes trabalhos,
que disso se podiam seguir a ambos os Reinos, como em outras ocasiões
sucedeu; porque a Divina Providencia ordenou, que nunca tivesse efeito,
por parecer não ser da vontade de Deus, e que neste caso nomeará o filho
segundo, que tiver, e não o tendo, o mais chegado parente, que seja Rei
destes Reinos, para que logo o governe. Manda pagar as suas dívidas, e
outros encargos, para o que aplica todo o móvel de prata, ouro, jóias, e
tapeçarias, que seus Testamenteiros mandariam vender para satisfazer às
tais dívidas, e legados do seu Testamento; porém que não compreende
entre as demais peças, que manda vender, o arreio rico, que veio da
Índia. Suposto este Testamento não ter legalidade, por ser cópia,
também se é verdadeiro não teve para se cumprir nada do que o Rei
dispunha. No
dia 14 de Junho seguinte ao da factura do Testamento, montado o Rei a
cavalo, acompanhado da nobreza, seguido de numeroso concurso, foi à
Catedral, onde o Arcebispo lhe lançou a bênção, e benzeu o Estandarte
Real, que levava o Alferes mor D. Luís de Meneses. Não voltou o Rei ao
Paço por querer dar com a sua presença mais calor aos aprestos da
Armada. Foram nomeados Generais D. Diogo de Sousa, dos navios de alto
bordo, e das Galés Diogo Lopes de Sequeira, e no dia 24 de Junho saiu o
Rei do porto de Lisboa, que não voltou a ver. O Exército se compunha de
dezoito mil homens, sem a gente de serviço, que chegaria a oito mil. Eram
três mil Castelhanos, três mil Alemães, novecentos Italianos, e os
demais Portugueses, gente toda luzida, e sem duvida valorosa, mas sem
nenhuma experiência, e faltos da disciplina militar, e munições, foram
sacrificados ao bárbaro poder da multidão. O Exército dos Mouros
constava de oitenta mil cavalos, e de Infantaria á proporção, e pôs-se
em batalha em forma de meia-lua para cobrir, e cercar com aquele grande
numero o pequeno Exercito dos Portugueses. Foi esta acção bem
sanguinolenta, acompanhada de obras maravilhosas dos nossos, em que
fizeram à custa das suas vidas imortal a sua memória: duas vezes
apelidaram a vitória, e a conseguiriam sem dúvida, se uma casualidade
não fora a causa da infelicidade deste dia. Foi o caso, que sendo morto
na batalha Maluco, pode tanto a indústria de hum renegado, que meteu o
corpo em uma liteira, e fingindo ser vivo, lhe fazia tomar as ordens, e
distribui-las ao Exercito. Este engano, que deu constância aos Mouros,
foi a destruição dos nossos, que fizeram na batalha tudo quanto se pôde
imaginar do valor, e grandeza do ânimo, sendo o destemido coração do
Rei uma das principais causas da perda do seu Exercito; porque não cabia
senão em hum experimentado General, tudo o que quis somente fiar do seu
acordo, e actividade. Os nossos revestidos de generosidade estimavam mais
perder a vida, do que seguir a fugida: mas todos os milagres de valor, que
então obraram, eram inúteis naquela acção; porque oprimidos do grande
número dos Bárbaros, cedia a este o valor; pois não constando o nosso
Exercito mais que de dezoito mil homens, o de Maluco se compunha de cento
e cinquenta mil, de que na batalha perderam trinta e cinco mil, e os
nossos nove mil, e poderiam conseguir a vitoria, se os acidentes os não
puseram em ruína, pela fatalidade, que esperava aos Portugueses no dia 4
de Agosto do ano 1578, em que se tingiram as ribeiras de África do
valoroso sangue Lusitano, e se cobriram os campos de cadáveres de muitos
homens ilustres, que tendo pelo valor imortalizado a memoria do seu nome,
se viram precisados a ceder à barbara multidão neste infeliz dia,
assinalado com lastima nos Fastos Lusitanos pela decadência do Reino de
Portugal, que neste funesto dia viu perdido o mais florido, e ilustre
ornato da sua nobreza, e em seus lugares relataremos alguns Portugueses,
que acabaram no conflito, e outros, que arrastaram as pesadas cadeias da
escravidão. Finalmente
nesta batalha com o Rei acabou tudo: depois o seu corpo sendo conhecido,
foi sepultado em Alcácer Quibir, e pretendendo o Rei D. Henrique
resgatá-lo, o Xerife lho deu graciosamente, recusando uma grossa soma de
dinheiro, e o entregou ao Embaixador de Castela, e a Frei Roque do
Espírito Santo, Religioso da Santíssima Trindade, que o Rei mandara a
este negócio a Marrocos, e sendo-lhe entregue, o acompanharam alguns
Fidalgos, que passavam a Portugal a tratar do negócio do resgate, a
saber: D. Jorge de Meneses o
Cantanhede, D. Miguel de Noronha, D. Duarte de Castelo-Branco,
Meirinho mor, D. João da Silva, Embaixador de Castela, D. Fernando de
Castro, e Luís César, os quais foram com Frei Roque a Alcácer Quibir, e
apresentando as ordens do Xerife ao Alcaide lhe concedeu licença para o
conduzirem a Portugal. Desenterrado o corpo do Rei o meteram em uma tumba,
e o cobriram com hum pano de veludo, e com esta comitiva, e de outros
Cristãos o levaram à Cidade de Ceuta, onde o Bispo com o Cabido, e os
Religiosos de S. Francisco, e Trindade, o foram receber à porta da
Cidade, e o levaram ao Mosteiro da Trindade, e foi depositado na
Capela-mor, onde esteve até o tempo do Rei D. Filipe II. que o mandou
trazer ao Algarve, e da í a Lisboa no ano de 1582, como escreveu o
Licenciado Francisco Galvão Machado, naquele tempo, num livro, de que tem
cópia o Duque de Cadaval na sua Livraria manuscrita, com este título: Lembranças
da vida do Cardeal D. Henrique. Jaz
no Mosteiro de Belém, na sepultura, que lhe mandou fazer o Senhor Rei D.
Pedro II. no ano de 1682. Foi trasladado o Real cadáver para ela, sendo
esta função feita incognitamente às portas fechadas, somente com a
assistência dos Conselheiros de Estado, dos Oficiais da Casa, e dos
Religiosos do Mosteiro. Aberto o caixão foram achados os ossos do Rei,
metidos num saco de pano de linho, atado com uma fita negra, e colocados
com toda a decência noutro pelos Conselheiros de Estado, foi posto no
Mausoléu, que o Provedor das obras mandou cerrar. O secretário de Estado
D. Frei Manuel Pereira, fez um termo da forma, em que fora achado o corpo
do Rei, o qual assinaram os Ministros de Estado, que estavam presentes. Na
sepultura se lhe gravou o seguinte Epitáfio. Conditur
hoc tumulo, si vera est fama, Sebastus,
Não
posso deixar de relatar, que naquele tempo se duvidou, que o Rei morrera
na batalha, o que deu ocasião a muitos o esperarem tão porfiadamente,
que passando em tradição a sua teima, a seguiram ainda em tempos
chegados a nós algumas pessoas mais como delírio da imaginação, que os
levava a esperar hum prodígio, do que com razões, que pudesse abraçar a
prudência. Também alguns Impostores se valeram do mesmo motivo para se
declararem com o seu nome, pretendendo fazer sequito; pelo que foram
punidos pela justiça, sendo muito celebre o que foi visto em Veneza, e
dava tão evidentes sinais do que passara, como muita semelhança na
figura, que depois de largos, e ignominiosos casos acabou (pelo que se
infere) tragicamente. D. João de Castro, filho ilegítimo de D. Álvaro
de Castro, Senhor de Penedono, neto do grande D. João de Castro, Vice-rei
da Índia, que viveu muito tempo em Paris, foi muito apaixonado pela
opinião de que não morrera na batalha, e de que era vivo o Rei D.
Sebastião, sobre o que escreveu hum livro intitulado: Discurso
da vida do sempre bem vindo Rei D. Sebastião nosso Senhor o encoberto,
desde o seu nascimento até o Presente, &c. impresso em Paris no
ano de 1602. Foi
o Rei D. Sebastião de mediana estatura, branco, e louro, olhos azuis, de
aspecto majestoso, com admirável proporção de partes, de espíritos
verdadeiramente reais, porque nada viu de que, se admirasse, coração
ousado, e destemido, com tantas forças, que o fizeram temerário, e nos
exercícios violentos excedia a todos na bizarria de obrar assim a pé,
como a cavalo. (...) |
Fonte: D. António Caetano de Sousa, História
Genealógica da Casa Real Portuguesa, vol.III, Coimbra, Atlântida ,
1947; págs. 345-353. |
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