A GUERRA EM ANGOLA

 

4. PRELIMINARES DAS OPERAÇÕES MILITARES EM 1915 (CONT.)

Chibia

Vista parcial de Chibia

 

II. A situação vistA de Lisboa

Para fazer uma ideia tão aproximada quanto possível da nossa situação na Província, especialmente no sul, e da situação na Damaralandia, socorreu-se o general Pereira de Eça da correspondência trocada entre o Ministério das Colónias, o Governador Geral da Província e o comandante das forças expedicionárias, tenente coronel Alves Roçadas, e dos elementos e informações que, a seu pedido, lhe foram directamente fornecidas pelo chefe da missão de estudos luso-alemã, o coronel Coelho, e pelo tenente coronel de engenharia Roma Machado, companheiro de trabalhos do Dr. Schubert na referida missão.

 

Da leitura daquela correspondência concluiu o general Pereira de Eça:

«1.º – que a acção das forças da Damaralandia no combate de Naulila não fora uma acção a fundo, pois não tendo elas efectuado a perseguição das nossas, pouco tempo depois se afastaram da fronteira; 2.º - que o resultado do combate de Naulila, juntamente com a intensa propaganda desde larga data efectuada pelos alemães e com a retirada das nossas forças, teve como consequência natural a rebelião, formal ou latente, de todo o gentio de além Cunene, e da região do Humbe».

Os elementos e informações fornecidas, especialmente pelo tenente coronel Roma Machado, deveriam tê-lo posto ao par das dificuldades que, sob os pontos de vista das comunicações e do terreno, iria encontrar no distrito da Huíla, particularmente na região a oeste do Caculovar.

Baseado nas melhores opiniões, computava o general Pereira de Eça o efectivo das forças alemãs na Damaralandia em cerca de 7.000 homens, sendo 4.000 de tropas regulares e 3.000 de reservistas, aos quais esperava poder opor 5.000 a 6.000 homens, na pior das hipóteses.

 

De que forças dispunha o general Pereira de Eça para execução do seu projecto de operações?

Os efectivos das forças expedicionárias da Metrópole deviam ter sofrido diminuição, particularmente o daquelas unidades que tomaram parte no combate de Naulila.

Quanto às unidades indígenas de Moçambique e às europeias e indígenas da guarnição no sul da Província, o seu estado de mobilização e de preparação era, ao tempo, insuficientemente conhecido no Ministério das Colónias.

Em resumo: O general Pereira de Eça, ao elaborar e seu primeiro projecto de operações, contava poder dispor no sul da Província de um efectivo de cerca ele 300 oficiais, 6.000 praças brancas, 700 indígenas de Moçambique e Angola, 20 peças de artilharia, 28 metralhadoras e 3.000 solípedes, assim distribuído

Da metrópole:

Quartel-general – 5 Batalhões de infantaria (3.º / 14, 3.º / 16, 3.º / 17, 3.º / 18, e 3.º / 19); 1 Batalhão de marinha (3 comp. a 2 pelotões e 2 secções de met.); 8 Baterias de metralhadoras (1.ª e 2.ª do 1.º G. M.; 1.º', 2.º' e 3.º do 2.º G. M.; 1.ª e 2.ª do 3.º G. M.; e 2.ª' do 6.º G. M.); 2 Companhias de infantaria n.º 20 (11.ª e 12.ª); 3 Baterias de artilharia de montanha (1.ª. 2.ª e 3.ª); 5 Baterias de artilharia de campanha (8.ª / I, 8.ª / II, 6.ª / III, 5.ª / VII e 5.ª / VIII); 3 Esquadrões de cavalaria (3.ª / IV, 3.ª / IX e 3.ª / XI); Pequenos destacamentos de: Telegrafistas de campanha, Sapadores mineiros, Saúde, Subsistências, Equipagens.

De Moçambique:

2 Companhias de infantaria indígena (15.ª e 16.ª).

De Angola:

1 Divisão de artilharia de montanha Erhardt; 2 Companhias de infantaria europeia (1.ª e 2.ª); 2 Esquadrões de dragões (1.º e 2.º); 4 Companhias de infantaria indígena (14.ª, 15.ª, 16.ª e 17.ª).

A leitura da correspondência acima mencionada deu ao general Pereira de Eça um conhecimento aproximado dos recursos à sua disposição em Angola, o que o levou a concluir: - «Que pelas diversas e grandes requisições feitas pelo Governador Geral e pelo tenente coronel Roçadas, se verificava a existência de grandes dificuldades com que se lutava para pôr as tropas enviadas para o Sul de Angola em estado de executarem as operações, dificuldades principalmente derivadas da não existência de uma conveniente linha de etapas, do facto de os grandes reforços para ali enviados, depois dos acontecimentos de Naulila, não terem sido precedidos, ou pelo menos acompanhados, de tudo quanto era necessário para a sua pronta entrada em acção, e ainda da circunstância de as funções de comando e de as funções de governo não estarem concentradas na mesma pessoa, o que, apesar de exercidas por dois oficiais muito distintos e patriotas, não pôde deixar de traduzir-se em falta de unidade de acção e em perda de tempo».

Acrescia, ainda, a circunstância de haver fome no Sul da Província, por falta de chuvas nos últimos quatro anos, e a estreiteza do tempo para realizar as operações, derivada da pressão exercida pelos ingleses na Damaralandia que forçaria os alemães a invadir o nosso território, e da impossibilidade de movimentos durante a época das chuvas, que devia principiar em fins de Setembro. A concentração de funções na mesma pessoa era já um facto consumado pela previsão e decisão do Governo Central.

 
Julgamento

No Humbe - Julgamento de um indígena

Restavam a organização e equipamento da linha de etapas, o que só em Moçamedes poderia levar a efeito, e a questão dos abastecimentos e transportes, e de outro material indispensável de que, ainda em Lisboa, passou à tratar especialmente material de pontes, projectores e cinco secções de T.S.F. com o alcance de 350 quilómetros.

Nem todas estas requisições foram satisfeitas com a pontualidade e regularidade requeridas, o que sobremaneira concorreu para aumentar as dificuldades com que lutou o general Pereira de Eça durante a sua permanência no Sul de Angola.

Outras houve que nem mesmo chegaram a ser tomadas em consideração, apesar das repetidas instâncias do Comando Superior, como foram as relativas a pessoal e material de engenharia, particularmente o de T.S.F., cuja falta se fez sentir não só nos trabalhos preparatórios que precederam o período das operações, como principalmente durante estas.

Era natural, e assim sucedeu, que o general Pereira de Eça, antes do seu embarque para Angola, elaborasse um projecto de operações que, aprovado pelo Governo, constituísse o instrumento em que deveria basear a sua acção de comando.

A nossa actividade militar, em território português, tinha de desenvolver-se na vasta região entre o Oceano e o Cubango, limitada a Sul pela Damaralandia e a Norte por uma linha passando por Bentiaba – Quipungo – Capelongo – Cassinga - Posto A, numa extensão superior a 600 quilómetros de largura por 300 de profundidade.

Em toda esta região merecia especial atenção o Ovampo, território além Cunene, habitado por povos da mesma raça, de entre os quais, pelo seu espírito guerreiro e valor do armamento, se distinguiam os cuanhamas, os cuamatos e os evales.

Quanto à Damaralandia, região onde teríamos de actuar se, na devida oportunidade, passássemos à ofensiva, eram insuficientes as informações.

Relativamente ao principal inimigo com que teríamos de nos defrontar, os alemães, insuficientes eram também os conhecimentos sobre a sua capacidade militar na Damaralandia. Assim, em telegrama de 20 de Setembro de 1914, o Governador Geral Norton de Matos informava o Ministério das Colónias de que eles dispunham de muita artilharia, 1.600 a 1.700 homens de infantaria, três aviões e uma população branca de 12.000 homens nacionais, na sua quase totalidade constituída por homens válidos capazes de pegar em armas; o general Pereira de Eça atribuía-lhes, como. vimos, um efectivo de aproximadamente 7.000 homens, cuja acção, tendo de se dividir por portugueses e ingleses, facilitaria a missão das nossas tropas.

Eram, todavia, mais precisas as informações relativas à questão indígena, ou seja ao valor da resistência que viríamos a encontrar na ocupação do Cuanhama e submissão do gentio revoltado de aquém e além Cunene.

Os povos do Ovampo viviam numa espécie de regime feudal. Cada «sobado», governado pelo «soba», dividia-se em «mucundas», circunscrições à testa das quais se encontravam «fidalgos» ou «lengas». As «mucundas» subdividiam-se em fracções dirigidas por «seculos» que governavam «libatas» ou povoações em número variável, tendo cada «libata» o seu chefe. As «libatas», exceptuando as «embalas» (capitais), não possuíam mais de 200 almas, havendo mesmo algumas de 12, e juntavam-se em torno das «cacimbas» e terrenos cultivados.

O efectivo de homens que poderiam opor-nos era, na opinião autorizada de Eduardo Costa, de cerca de 37.000 dos quais 4.000 a 6.000 dispondo de armas finas, e entrando naquele número os cuanhamas com 15.000 homens e os cuamatos com 10.000.

Se, porém, na coligação entrassem os povos da mesma raça habitantes da Damaralandia, aquele efectivo deveria ser aumentado de 20.000 guerreiros, ou seja um efectivo total de 57.000 homens.

A unidade táctica era a «tanga» (100 homens), comandando cada lenga, 2, 3, 4, 5 ou mais destas unidades, em média 600 homens.

Três eram os objectivos que se apresentavam como principais ao general Pereira de Eça:  

* reduzir à obediência o gentio revoltado, reocupando o seu território;
* ocupar o Cuanhama, que, sendo nosso «in nomine», nunca estivera de facto sob o nosso domínio efectivo e onde desde longa data os alemães da Damaralandia vinham realizando em proveito próprio uma intensa propaganda contra a nossa soberania;
* e, principalmente, castigar a afronta sofrida em Naulila, recebendo condignamente os alemães se eles voltassem ao nosso território, ou passando à ofensiva no momento e na região mais convenientes, prestando assim, em qualquer dos casos, um valioso auxílio aos nossos aliados da África do Sul.

Para base de operações, tudo indicava, na opinião do general Pereira de Eça, que deveria ser escolhido o Humbe, que, estando coberto pela linha defensiva do Cunene e constituindo o principal nó de comunicações que do planalto da Huíla se dirigem para a Dongoena, Cuamato, Cuanhama, e Evale, apresentava ainda a vantagem de encontrar-se a uma distância conveniente da fronteira da Damaralandia.

O Humbe era, portanto, a base correspondente à zona central de operações do teatro entre o Oceano e o Cubango.

Reputava, por isso, essencial a concentração no Humbe de 6.000 a 7.000 homens e 3.000 solípedes, efectivo este necessário para as operações que pretendia realizar, partindo desta região como base, quer contra o gentio revoltado quer contra os alemães.

As linhas do Cubango e de Otchinjou – Pocolo seriam devidamente observadas, para o que destacaria para ali tropas, mas de muito menor efectivo.

Impunham-se também, como essenciais ao bom êxito das operações, a vigilância da costa de Angola e a segurança dos transportes marítimos entre Luanda, Lobito e Moçamedes, questões estas para as quais, perfilhando a opinião do Governador Geral Norton de Matos, chamava muito especialmente a atenção do Governo.

Baseado nas considerações que precedem, elaborou o General o seu projecto de operações, que mereceu aprovação do Governo, comunicada em ofício n.º 1, de 2 de Março; da Rep. do Gabinete do M. das Colónias, cujo texto a seguir transcrevemos na íntegra, considerando o General como ligeiras restrições as alterações nele contidas:

«Encarrega-me Sua Ex.ª o Ministro das Colónias de comunicar a V.ª Ex.ª para seu conhecimento e devidos efeitos, que o Governo aprovou o plano por V.ª Ex.ª apresentado sobre as operações militares a empreender no sul de Angola, resolvendo, porém, que o objectivo a ter-se em vista, e que no referido plano vem mencionado na alínea a) do n.º 3.°, seja o seguinte: Fazer face a qualquer incursão no território da província e defender a sua integridade e a honra da Nação, e que, sobre o assunto de que trata a alínea c) do mesmo n.º 3.º, só possa haver qualquer procedimento de conformidade com as ordens ou instruções que pelo Governo oportunamente forem dadas. a) Eduardo Marques.»

Antes do seu embarque para Angola, entendeu o General ser-lhe conveniente conhecer, na parte que directamente poderia merecer interesse à sua acção de governo e de comando, a orientação do Governo Central sobre a questão política internacional.

 
Tratamento

Tratamento de feridos

Conhecia o General por experiência própria, pois tinha sido Ministro da Guerra à data do início da conflagração europeia, as dificuldades e transcendência da questão, resultantes da insuficiência dos nossos recursos e do facto das conveniências nacionais nem sempre se ajustarem perfeitamente às dos nossos aliados. Sabia, por ser do domínio público, que forças da Damaralandia tinham atacado, por surpresa, os nossos postos de Maziúa e Cuangar, massacrando as respectivas guarnições; sabia, ainda, o que se passara em Naulila, quer por ocasião do incidente de fronteira em 19 ele Outubro de 1914, quer por ocasião do combate em 18 de Dezembro do mesmo ano, isto é, que fôramos forçados pelos nossos inimigos a com eles nos batermos dentro do nosso território. Mas ignorava-se as forças atacantes eram, ou não, regulares e se tinham procedido por motu-próprio ou se tinham cumprido ordens do Governo local ou do da metrópole 1.

Dizia-se, além disso, que o General Botha, tinha. recebido do Governo da África do Sul a incumbência de invadir a Damaralandia.

Era verdade? Não era? E, na primeira hipótese, quais os pontos de vista comuns a portugueses e ingleses em que poderiam cooperar as forças do seu comando?

A nossa situação internacional apresentava-se, pois, mal definida, e, como tinha de actuar muito longe da metrópole e numa região onde só tardiamente poderia receber instruções do Governo Central, solicitou o General uma audiência do Ministro dos Negócios Estrangeiros para que lhe fossem fornecidos elementos de informação precisos para que o seu procedimento, como comandante, fosse nítido, claro e franco, manifestando-se por uma acção conveniente das suas forças, tanto sob o ponto de vista militar, como sob o ponto de vista político.

Recebeu-o o Ministro, mas esclarecimentos não conseguiu obter, e partiu, orientado apenas pelo seu projecto de operações e firmemente resolvido a desagravar, na primeira oportunidade, a honra nacional.

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Notas:

1. O Governo Alemão, da Metrópole, pretendeu sempre isentar-se da responsabilidade nos acontecimentos de Angola, perante o Governo Português (V. Livro Branco - Doc. n.º 237). Todavia, um radiograma de Berlim para Windhuk, em Novembro de 1914, interceptado pela T.S.F. dos aliados, dava claramente a perceber que Franck actuara, não por sua iniciativa como se pretendia fazer crer, mas em cumprimento de ordens do seu Governo. (M. N. E. - Mémoire justificatif des réclamations portugaises - pág. 40-41).

 

Fonte:  

Coronel António Maria Freitas Soares, «A campanha de Angola»
in General Ferreira Martins (dir.), Portugal na Grande Guerra, Vol. 2, Lisboa, Ática, 1934,
págs. 219-234

A ver também:

Portugal na Grande Guerra

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