A GUERRA EM ANGOLA

 

4. PRELIMINARES DAS OPERAÇÕES MILITARES EM 1915 (CONT.)

Morte

No Humbe - Morto pela fome

 

III. A situação vista de Luanda

Tendo embarcado no «África» em 5 de Março, acompanhado de 32 oficiais, dos quais 32 pertencentes ao Quartel General e os restantes destinados a diversos serviços, chegou o General a Luanda no dia 20 à noite, desembarcando na manhã do dia 21, assumindo logo as funções de Governador Geral da Província.

Não foi de pouca utilidade a sua permanência nesta cidade, que, por ser a sede do Governo, o punha em contacto com os órgãos superiores da administração e lhe permitiu ficar conhecendo a opinião pública sobre os acontecimentos desenrolados no sul, e as possibilidades de ordem financeira e económica de que a Província era capaz. Do Secretário-geral, encarregado do Governo, recebeu o relatório em que o seu antecessor, Norton de Matos, expunha, com precisão, clareza e inteligência, a situação e o seu modo de ver sobre a resolução que julgava ser a mais conveniente aos interesses da Província e de Portugal.

Poucos dias após o seu desembarque, chamou o General a Luanda os governadores do Congo e da Lunda, e, das informações prestadas por estas autoridades e pelo secretário-geral, confirmou a impressão que lhe deixara a leitura do relatório do seu antecessor: - de que os acontecimentos de Naulila se tinham reflectido em toda a Província mostrando o gentio, mais ou menos abertamente, indícios de rebelião.

A estes governadores, e mais tarde por escrito aos dos outros distritos, aconselhou uma política de contemporização para com o gentio, por não poder fornecer-lhes recursos extraordinários em caso de revolta e ser sua opinião que, submetidos ao nosso domínio os povos do sul, a normalidade voltaria a toda a Província.

Tendo ouvido o Inspector de Obras Públicas e o Chefe do Departamento Marítimo sobre a insuficiência do rendimento do caminho de ferro de Moçamedes e do apetrechamento do respectivo porto, ordenou desde logo as primeiras medidas para o seu melhoramento, mandando adquirir os materiais necessários para a construção de abrigos para abastecimentos, solicitando do Ministro das Colónias autorização para comprar locomotivas destinadas ao referido caminho de ferro.

Da inspecção passada às unidades expedicionárias estacionadas em Luanda (3.ª bateria de artilharia de montanha e 11.ª companhia de infantaria n.º 20), colheu as melhores impressões a respeito do seu aprumo, instrução e disciplina; pelo contrário, o material de guerra existente no respectivo depósito da província deixou-o muito mal impressionado.

Concedeu uma audiência ao cônsul inglês, que lhe ofereceu uma boa carta da Damaralandia, informando-o de que o General Botha já tinha iniciado as operações naquela região, prometendo pô-lo ao corrente do desenvolvimento destas e pedindo, por sua vez, informações sobre a situação das nossas forças e das prováveis operações.

Desta audiência deu conhecimento ao Governo Central em telegrama de 23 de Março, do teor seguinte

«Cônsul inglês recebeu do seu Governo instruções para servir intermediário entre União Sul-Africana e este Governo relativamente a operações de guerra. Governo inglês mantém-se estranho a estas informações sendo seu delegado aqui via comunicações unicamente. Cônsul inglês pediu informações sobre efectivos e situação forças no sul de Angola e sobre projecto operações afim de informar União Sul-Africana. Informei forças que disponho, local onde tenciono concentrá-las e quanto a operações contra alemães dependentes da atitude destes e forma como decorrerem operações realizadas por ingleses e instruções que receber de V. Ex.ª Informei mais só depois 15 de Maio poderei começar operações se forem satisfeitas todas minhas requisições prazo que deixei aí indicado. (a) Eça, General.»

Parece depreender-se deste telegrama que aos ingleses da União Sul-Africana não seria desagradável a nossa cooperação com as tropas do General Botha, mas sem que, de tal atitude da nossa parte, resultasse qualquer espécie de compromisso para o Governo metropolitano inglês. Só assim se explica a situação especial do cônsul, a atitude que tomou na audiência que solicitou e da qual o nosso Governo só teve conhecimento pelo telegrama acima transcrito e, mais desenvolvidamente, pelo ofício em que o General Pereira de Eça informava o Ministro das Colónias sobre a situação política e militar na província, insistindo pela satisfação de todas as requisições feitas, sem o que seria em pura perda, de vidas e dinheiro, o que se estava fazendo.

Como a situação política não fosse tranquilizadora, mas a permanência do General no sul fosse necessária pelas exigências das operações, estabeleceu ele o estado de sítio em toda a Província, mandou pôr em execução, sempre que se tornasse necessário, o regulamento de requisições militares da metrópole, e encarregou da administração o Secretário Geral, com a obrigação de lhe enviar semanalmente um relatório sobre os assuntos que requeressem a sua directa intervenção.

A situação em Moçamedes

Tomadas todas estas medidas que as circunstâncias exigiam, embarcou o General em 3 de Abril no vapor Luanda, com destino a Moçamedes onde chegou a 7.

Os efectivos das forças militares em Angola sucessivamente aumentados pela chegada de novas unidades expedicionárias e serviços vindos da metrópole, pelo reforço de algumas unidades da guarnição privativa da Província e pela organização de serviços quase inexistentes, e diminuídos, por outro lado, pelo repatriamento dos oficiais do quartel general de Roçadas e de oficiais e praças incapazes de serviço de campanha no ultramar, elevaram-se nos primeiros dias do mês de Julho - data em que se iniciaram as operações militares - a 11.267 homens (317 oficiais, 6.166 praças europeias, 763 praças indígenas, 310 auxiliares europeus e 3.711 auxiliares indígenas), 3.018 solípedes, 26 peças de artilharia, 28 metralhadoras, 4.700 espingardas, 795 carabinas, 410 viaturas hipomóveis, 340 carros boers e 82 camiões.

 
Camelos

No Lubango - Camelos empregados no transporte de carga para a expedição

Não foi, porém, sem dificuldades, que se atingiram estes efectivos, como difícil foi também levar a efeito a organização da linha de comunicações e demais serviços necessários à movimentação de tais efectivos, ainda não excedidos em nossas campanhas coloniais.

Faltavam ainda ao Comando informações de que carecia para fazer uma ideia, o mais completa possível, sobre a situação no planalto, não só quanto às tropas ali já estacionadas e à possibilidade de para ali mandar outras das que permaneciam ainda em Moçamedes, mas também às condições em que se encontravam os abastecimentos e as comunicações.

Para colher todos esses elementos de informação seguiu em 17 de Abril para o planalto uma missão de cinco oficiais, de infantaria, artilharia, engenharia, estado-maior e administração militar, que sucessivamente visitou o Lubango, Humpata, Chibia, loba, Tchivinguiro, Gambos, Forno da Cal, Quipungo, Capelongo e Cassinga.

O percurso, numa extensão superior a 1.400 quilómetros, foi feito na sua quase totalidade em camião Fiat, tendo a missão reconhecido que as carreteiras dos carros boers podiam, com relativa facilidade, ser adaptadas à circulação automóvel.

Todas as mais informações, fornecidas pela missão de reconhecimento, quanto a recursos da região e deficiências materiais das unidades, eram desanimadoras; mas necessário foi conhecê-las a tempo de se poderem tomar as medidas urgentes e indispensáveis à reorganização das unidades, formações e serviços, e à reconstituição dos depósitos.

Os serviços da retaguarda e os transportes

Foi sob a designação de Serviço de Etapas, que, a partir do mês de Abril de 1915, se organizaram e funcionaram os serviços da retaguarda, suprimindo-se a zona do interior e ficando a zona da retaguarda com todo o serviço desde o litoral, incluindo o posto de desembarque de Moçamedes, até à zona de operações, sob a superintendência do major Romeiras de Macedo, que foi nomeado Director de Etapas, tendo por chefe do E. M. o tenente Santos Correia.

A partir de Abril, e por o General ter renunciado à utilização do porto do Lobito, o porto de Moçamedes constituiu exclusivamente a estação de embarque e de desembarque das tropas em operações no sul de Angola.

Não estava o porto equipado para tão intenso movimento como o que lhe foi exigido, e por esse motivo, até Janeiro, os serviços relativos às tropas expedicionárias foram desempenhados por particular, mediante contrato. A partir deste mês, porém, tendo-se reconhecido haver vantagem para o Estado e para o próprio serviço, a capitania foi encarregada de todo o movimento, e autorizada, por meio de requisição militar, fretar lanchas, batelões, caíques e rebocador, que não possuía, enquanto não recebesse o material que fosse requisitado. Foi depois dotada com várias embarcações e acessórios para amarrações. A impossibilidade da reconstrução da ponte acostavel aumentou o tempo gasto na descarga dos paquetes e o percurso por via-férrea em mais 9 quilómetros, e sobrecarregou o Estado com as indemnizações de estadia dos que tinham de esperar a vez de descarregar.

O movimento do porto de Moçamedes, exclusivamente na parte relativa às tropas expedicionárias, foi de Outubro de 1914 a igual mês de 1915, de 30.000 passageiros, 3.500 solípedes e a 24.000 toneladas de material em volumes, o que fica aquém da verdade por, nos documentos de onde extraímos estes elementos, se ter atribuído a cada volume, incluindo peças de artilharia, automóveis e outro material pesado, o peso médio ele 50 quilogramas.

Desde que fora abandonado para fins militares o porto do Lobito, Moçamedes estava indicada como estação de depósito.

Ali estacionaram catorze unidades e estava instalada já a Direcção de Etapas, que procedia à transformação dos serviços da extinta zona do interior.

Ali se instalou também o Quartel-general do Comando Superior.

Era enorme a existência de material de guerra e de subsistências, formando um amontoado de caixotes, sacaria e carris, de mistura com cunhetes de munições e peças de hospitais desmontáveis, material ele engenharia, etc., mas faltavam armazéns para tudo guardar das intempéries e dos ladrões, pois os que havia na cidade estavam ocupados por tropas, sendo por isso necessário construir abrigos.

A esta superabundância de material de guerra e de subsistências correspondia uma carência, quase absoluta, de outro material indispensável. Assim aconteceu, por exemplo, quanto a fardamento, pois tendo-se esgotado em Setembro o que existia em depósito, foi necessário recorrer ao mercado local.

A distribuição da carga a bordo dos vapores era um exemplo tipo de desorganização.

O material chegava a Moçamedes apenas com a indicação Reforço expedicionário! Os conhecimentos de carga vinham, às vezes, um mês e mais depois do material ter desembarcado! Para citar um único exemplo basta dizer que os setenta camiões Fiat, desembarcados em Junho, não traziam uma única câmara-de-ar ou pneumático de reserva. Estes, em número de trezentos e quarenta e quatro, só chegaram a Moçamedes em 23 de Agosto, a bordo do

Peninsular, sendo necessário fazê-los seguir imediatamente para o planalto, onde a sua falta esteve a ponto de comprometer gravemente o andamento das operações. Ninguém a bordo, incluindo o próprio comandante, sabia onde se encontravam os pneumáticos e as câmaras-de-ar. Encontraram-se os pneus às 15 h do dia 23, e as câmaras só apareceram no fim de oito dias, depois de terem sido desembarcados trinta e seis mil volumes!

As câmaras vinham, além disso, em enormes caixotes de cem câmaras, e foi preciso, à pressa, arranjar caixotes pequenos, de cinco a seis câmaras, com o peso de trinta e cinco quilogramas, para poderem ser transportados pelos carregadores, do quilómetro 184, da via férrea, à Quilemba, no alto da Chela!

A aglomeração de tropas, inevitável nos primeiros tempos, em Moçamedes, e a pequena capacidade do seu hospital permanente, obrigou, durante este período, de crise, a utilizar tendas tipo Cunha Belém, que tiveram de ser armadas nuns terrenos adjacentes ao mesmo hospital. Este, que apenas tinha capacidade para cinquenta doentes, teve de alojar o máximo de cento e oitenta e cinco, deitados por toda a parte onde podia colocar-se um colchão.

Quanto aos solípedes, foram alojados em barracas ligeiras.

Assegurados estavam, pela Companhia Nacional de Navegação, os transportes marítimos, desde a metrópole a qualquer dos portos da província.

Outrotanto se não podia dizer dos transportes terrestres, destinados a colocar no planalto e nos locais previstos todo o pessoal e material necessários ao ulterior desenvolvimento das operações, muito embora nesse sentido estivessem já em execução vários trabalhos, por ordem do Governador Geral Norton de Matos e do tenente-coronel Roçadas.

Era urgente acelerar o seu acabamento e iniciar sem demora outros essenciais.

Sob três aspectos teve de ser considerado este problema: transportes até à base da Serra da Chela; através da Serra da Chela até ao planalto; no planalto (incluindo os da zona de operações).

Foi notável a acção elo General Pereira de Eça na resolução deste complexo problema; e só a sua energia e a actividade e a dedicação do pessoal incumbido da execução das suas ordens conseguiram na verdade, resolvê-lo.

O General visitou, em 18 de Abril, as unidades estacionadas no planalto.

Os transportes iam-se efectuando por uma forma precária, insuficiente, permitindo o reabastecimento diário e pouco mais, enquanto se esperava a chegada das locomotivas para o caminho de ferro e dos 80 camiões Fiat requisitados, e se procurava dar uma melhor organização e eficiência aos vários serviços. 1

A 24 de Maio, porém, um telegrama do Cônsul inglês em Luanda, transcrevendo o que recebera do Governador-geral da Rodésia, informava o General sobre a actividade militar dos alemães nas imediações da fronteira sul da Província. Conquanto essas informações não fossem ainda alarmantes, constituíam todavia um indício possível de uma nova incursão em território português, muito de ponderar.

A 29, dá-se o combate de Tchipelongo, em que o 1.º tenente Afonso de Cerqueira, com dois pelotões, um do batalhão de marinha e outro da 15.ª companhia indígena de Moçambique, bate o gentio que cercava e ameaçava a missão do mesmo nome, conseguindo proteger a retirada dos missionários, pessoal e haveres da missão. Foram feridos neste combate o 1.º tenente Cerqueira, o tenente Ataíde, duas praças de marinha e quatro landins.

Todas estas informações denotavam o recomeço de actividade por parte dos nossos inimigos, alemães e indígenas.

Linhas telegráficas e telefónicas. Linhas de comunicações

Em obediência ao plano de transmissões telegráficas e telefónicas destinado a ligar a retaguarda com as colunas que viessem a operar nos vales do Caculovar, do Cunene e do Cubango, e estas entre si, foram sucessivamente construídos, até o mês de Setembro, 640 quilómetros de linhas.

Projectavam-se mais 497 quilómetros cuja construção se não chegou a iniciar.

As linhas de comunicações que atingiram o seu máximo desenvolvimento de cerca de 1.200 quilómetros no período que decorre entre a reocupação do Humbe (começo das operações, 7 de Julho) e a entrada das tropas em N'Giva (4 de Setembro) compreendiam: uma linha principal, Moçamedes – Lubango – Gambos – Humbe; duas linhas secundárias: a) Lubango – Quipungo – Capelongo – Cassinga (373 quilómetros) exclusivamente destinada às tropas da região militar de Cassinga e do Mulondo, e b) Gambos – Pocolo (42 quilómetros) destinada às tropas do Pocolo e Otchinjou.

As três linhas devidamente organizadas eram servidas por linhas telegráficas e telefónicas.

Página anterior:
«Preliminares das operações
de 1915: a situação vista de Lisboa» Página de entrada: 
«A Guerra em Angola» Página seguinte:
«Operações no Baixo Cunene:
Reocupação do Humbe»


Notas:

1. Para poder avaliar-se o trabalho despendido para fazer chegar ao planalto (posto de etapas da Quilemba) os abastecimentos que o caminho-de-ferro desembarcava na estação testa de etapas (km. 185), são impressionantes estes números: - carga média transportada diariamente, desde 12 de Março a 31 de Outubro de 1915, 29.699 quilogramas; média diária de meios de transporte empregados, 1.742 carregadores. 2 carros boers e 1 camião.

 

Fonte:  

Coronel António Maria Freitas Soares, «A campanha de Angola»
in General Ferreira Martins (dir.), Portugal na Grande Guerra, Vol. 2, Lisboa, Ática, 1934,
págs. 219-234

A ver também:

Portugal na Grande Guerra

| Página Principal |
|
A Imagem da Semana | O Discurso do Mês | Almanaque | Turismo histórico | Estudo da história |
|
Agenda | Directório | Pontos de vista | Perguntas mais frequentes | Histórias pessoaisBiografias |
|
Novidades | O Liberalismo | As Invasões Francesas | Portugal Barroco | Portugal na Grande Guerra |
|
A Guerra de África | Temas de História de Portugal| A Grande Fome na Irlanda | As Cruzadas
|
A Segunda Guerra Mundial | Think Small - Pense pequeno | Teoria Política |

Escreva ao Portal da História

© Manuel Amaral 2000-2010