Edmund Burke
EDMUND BURKE VISTO POR JOSÉ DA SILVA LISBOA
PREFÁCIO. Os presentes Extractos foram feitos a instâncias do Ministro
e Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, o Ill.mo e
Ex.mo Sr. Conde de Linhares, D. Rodrigo de Sousa Coutinho, que Deus haja em glória.
Ele tinha a mais entusiástica paixão por Burke, considerando-o entre os
salvadores da Grã-Bretanha, e da Sociedade. Por isso havia dado ordem para a
publicação deste meu trabalho, recomendando-me que o fizesse divulgar quanto
antes. Como o seu tão inopinado falecimento impossibilitou que visse sair do
prelo esse monumento do fervoroso espírito público, que tanto distinguiu o
seu iluminado Ministério, e nada tinha mais a peito do que o fazer espalhar
as luzes dos verdadeiros princípios políticos, e económicos, que sustentam
as Monarquias legítimas, e constituem execráveis as Revoluções e desordens
civis, extremosamente desvelando-se em todos os expedientes, que pudessem
concorrer à segurança, defesa, e prosperidade do Estado, para quem só
viveu; apresso-me a satisfazer, no modo possível, aos seus ardentes votos,
acelerando a edição em observância da sua última vontade, prestando este
sinal de gratidão à saudosa memória de quem tanto me honrou com a sua
amizade. E sendo Tácito um dos seus mais estimados Autores, seguirei o
preceito deste Mestre da vida pública, o qual bem advertiu, que o principal
ofício dos amigos não era darem inúteis lágrimas ao falecido, mas
lembrarem-se do que ele queria, e cumprirem o que havia ordenado
1. Na verdade as Obras dos Grandes Homens devem ser a
Propriedade de todos os países; e os que dissipam erros fatais à civilização,
interessam especialmente ao Novo Mundo na actual conjuntura. Tais são as que
submeto no juízo do Publico. Edmund Burke, havendo na Grã-Bretanha
adquirido celebridade, pelos escritos que deu à luz sobre o Sublime, e
a Defesa da Sociedade Civil 2;
subindo depois à consideração política por eloquentes Falas no Parlamento
sobre assuntos da maior importância para o seu País e com especialidade pela
Proposta de Conciliação (que infelizmente então não foi atendida) para
prevenir o infausto cisma da América do Norte; elevou-se enfim à imortal
fama por vários discursos contra a Revolução da França, concorrendo muito
a que o Governo Britânico
entrasse, com as Potências Confederadas, na guerra, que a Facção dos Galos
levantados provocou na Europa com a escandalosa disseminação dos seus
Dogmas. Dotado de extraordinária óptica mental, viu as fatais consequências
desse segundo, e ainda mais pestífero, Mal Francês, com que
ambiciosos, entusiastas, e sofistas, ofertando atraiçoados presentes de
amor, tinham feito a Declaração e Propaganda dos Falsos Direitos do Homem,
atacando na raiz os elementos da vida social, com promessas de regenerarem a
Constituição de sua Pátria, e produzirem a felicidade do Mundo. Ele
prognosticou, que o necessário efeito do delírio dos Inovadores era o
perverterem-se as Leis fundamentais da Sociedade Civil, e entronizar-se o mais
feroz Despotismo Militar. O sucesso verificou o vaticínio; pois ora se vê o Dragão,
que se acoitará no fantástico paraíso da terra, erguer de súbito a cabeça
ante nós e sobre nós, empecendo o leal trato dos homens, assaltando
por toda a parte a destruir Tronos e Povos, e espargindo discórdia e
desconfiança entre consanguíneos e amigos, evidentemente interessados na
intima união, e mútua resistência, contra esse Inimigo do Género Humano.
Se a sua carreira e fúria não for em toda a parte encontrada, e rebatida,
bem se poderá exclamar com terror – Céus! Que futuros se nos preparam! Mirabeau, um dos Corifeus, e depois vítima, da nefanda Revolução,
tendo dito em ódio de Inglaterra, que aí nada havia de polido senão o aço,
como se unicamente temesse achar nela afiada espada de dois gumes contra a
Perfídia Gálica; todavia, não podendo contestar a notoriedade das boas
obras da Nação, que agora se sustenta por si só, sobressaindo com dobrado
lustre no Teatro Politico, defendendo a seus Fiéis Aliados, e derribando as
maquinações do Opressor das Gentes, fez a confissão ingénua de ser tão
famosa Ilha o inesgotável foco de grandes exemplos, e a terra clássica dos
amigos da Liberdade 3 : devia
acrescentar – bem regulada – e não Liberdade à francesa,
que só consiste no desenfreio das paixões animais, e na destruição da
ordem estabelecida. As Obras de Burke vieram confirmar esta verdade: elas
excitando com a maior intensidade a Energia do País, constituíram os Territórios
e a Marinha da Grã-Bretanha os inexpugnáveis Baluartes da Razão, e
Lealdade, e a esperança do Orbe depois do Dilúvio de doutrinas falsas, que não
só destruiu milhões de homens, mas também quase extinguiu os princípios da
Humanidade. Surgiu aquele Luminar Literário, quando se escurecia o horizonte
científico, para esclarecer todos os países, e dissipar os negros vapores do
horrível meteoro da Cabala Galicana, que tentou com a sua Constituição
Aerostática assombrar o Universo, e desluzir o esplendor da Pátria dos Newtons
e Smiths, que tantas luzes haviam espalhado para a comunicação de
todas as Nações , e comércio franco dos produtos de sua terra e indústria.
Com singular força de carácter, argumento, e estilo, contribuiu
poderosamente, no fervor das gerais preocupações, a libertar a sua Nação
do Monstro da Revolução 4, que,
semelhante ao Saturno da Mitologia, devora os próprios filhos 5
, e que já começava a pôr ali invisível pé, e ganhar terreno, pela
secreta correspondência da Assembleia Francesa com um Conciliábulo de
Londres 6 de mal intencionados,
descontentes, e fanáticos (de que nenhuma Nação é isenta) os quais,
blasonando de conhecimentos superiores, e patriotismo heróico, tinham posto
em seu ânimo corromper o bom natural dos Bretões, fazendo circular milhares
de cópias de libelos incendiários, e com predilecção de Thomas Paine,
adoptado pela dita Assembleia, e unido a seu Corpo, que intitulou iluminado
e iluminante; tendo-se-lhe depois aí retribuído o galardão de ser
tratado por idiota, e destinado a perder a vida, por seguir o partido dos
brissotinos 7 , e não chegar à altura
da Montanha, onde trovejavam, como os Titãs da fábula, os Marats
e Roberspierres, cujos abortos ainda hoje horrorizam, e que bem se
poderiam classificar como pertencentes à ordem das feras mais carniceiras,
mal tendo a face de homens, quais descreveu Juvenal Nomen erit tigris, pardus, leo, et síquid est quod Fremat in terris
violentius. Apesar dos desfavoráveis juízos que alguns fizeram do mérito
de Burke, considerei ser útil assoalhar algumas amostras dos
pensamentos deste insigne Mestre de Ciência prática de Administração e
Politica Ortodoxa; por ser o mais valente Antagonista da Seita Revolucionária,
e o que, ensinando realidades, e não quimeras, expôs os Verdadeiros Direitos
do Homem; lançando exacta linha divisória entre as ideias liberais de numa
Regência Paternal, e as cruas teorias de especuladores metafísicos, ou
maquiavelistas, que tem perturbado, ou pervertido, a imutável Ordem Social,
estabelecida pelo Eterno Regedor do Universo, e convencendo a impiedade e inépcia
dos Princípios Franceses, que tem causado tão grandes desastres. Tomei por isso o presente trabalho, persuadido, de que breve
transumpto extraindo dos escritos de maior nomeada de Burke, ficando mais ao nível
de todas as classes, - que não podem ler o original, servirá de antídoto
contra o pestífero miasma, e súbtil veneno das sementes da Anarquia e
Tirania da França, que insensivelmente voam por bons e maus ares, e por todos
os ventos do Globo. Notórios sucessos de algumas regiões da América, que já
deram hórridos exemplos de atentados da Galomania, ditam as maiores precauções
contra o contágio desta segunda Lues Celtica. Um epílogo das
doutrinas daquele Estadista é oportuno a extirpar pensamentos celerados, e vãs
esperanças, dos que se prevalecem das dissensões e desgraças dos tempos,
para perturbarem a harmonia dos Estados, e fazerem paródias das portentosas
malfeitorias francesas. Não proponho este resumo como Símbolo de Fé Política, e
nem ainda como perfeito modelo de composição de literatura. Muitos descontos
se devem dar a quaisquer escritos, ainda dos sábios da primeira ordem 8.
Deixo aos Leitores formarem por si o devido conceito; na certeza de que se
fixará a opinião a respeito da um Génio tão feliz, que doura tudo que toca
e que parece ter concentrado a Sabedoria das Idades. Burke foi arguido de declamador, que defendia notórias
corrupções dos Governos, contraditório a seus antigos princípios, e
vendido à Corte. Mas ele soube desprezar injúrias confundir caluniadores. A
Apologia que deu contra émulos e maldizentes, por si fala, e contém, sobeja
justificação, não menos da causa dos Governos regulares, que da pessoa de
seu Defensor. O Filantropo de boa fé pode inocentemente desejar melhora das
coisas humanas; mas o Homem de Estado só consulta o que é praticável nas
circunstâncias de cada Nação. Isto é o que fez Burke. Não se eclipse a
sua virtude por ter-lhe o Soberano feito justiça, remunerando dignamente os
seus tão assinalados serviços, como usa conceder a todos os eminentes
Servidores do Estado; sendo esta uma das principais causas de se criarem em
Inglaterra tantos homens de saber prodigioso, e de espírito duplicado dos
Aristides, Fabricios, e Cincinatos, que têm honrado a Espécie. Burke judiciosamente observou , que não se precisava de
talento, nem sagacidade fora do comum; para notar irregularidades na regência
dos Estados, e os abusos dos nobres, ricos, e administradores públicos: a
questão só é sobre os oportunos remédios de prevenir os danos, e emendá-los. Execrar revoluções não é defender desgovernos, nem
excluir boas leis. Ainda os melhores Soberanos e Administradores são
obrigados a conformarem-se às opiniões das diversas ordens do Estado. Quando
o remédio é pior que o mal; até as boas reformas são inúteis, ou nocivas.
As revoluções são como os terramotos tudo arruinam, e nada reparam. A
sociedade civil, depois de convulsões políticas, sempre torcia a compor-se
de ricos, e pobres, nobres e plebeus, bons e mãos, quem mande e quem obedeça.
A cena será renovada, e unicamente mudaram os actores. Só a doce influência
da verdadeira Religião, e o progresso da cultura do espírito podem diminuir
erros e vícios dos homens e fazer durar e florescer os Impérios. Mas perfeição
ideal é de absoluta impossibilidade 9.
Que se ganha em revoluções?, As ambições desordenadas se desenfreiam. É
preciso confiar a Força Publica de novas mãos, e, concentrá-la na de
poucos, ou de algum, para resistir-se aos inimigos internos e externos. Eis
organizada a oligarquia, que logo finda em Ditadura, e Tirania. Tal é o
desfecho das Revoluções antigas e modernas: e em algumas, o Despotismo se
firmou para sempre. Contra os que tem feito severas invectivas a Burke basta
dizer, que, se o fundo capital da doutrina é solido, ainda os desvios dos
entendimentos extraordinários, empregados no bem da Humanidade, são mais
objectos de escusa, que de censura. Gibbon 10, profundo
Autor da História da decadência do Império Romano, achando-se retirado na
Suiça no tempo das mais trágicas cenas da Revolução Francesa, e vendo em
fim realizadas as profecias de Burke, deu às Obras deste Escritor o
competente apreço; e afinal nas suas memórias póstumas deixou a seguinte
Protestação - Assino o Credo de Burke sobre a Revolução da França; adoro
a sua eloquência; adoro os seus sentimentos cavaleiros 11
etc. Ele igualmente reconhece o bem que Burke fez à Inglaterra, livrando-a do
Caos da anarquia, em que também correu risco de se precipitar. Diz mais «A
prosperidade de Inglaterra, forma soberbo contraste com as desordens da França.
A Revolução deste país humilhou tudo que era alto, e exaltou tudo que era
baixo. O vivo, mas irregular, espírito da Nação Francesa, em lugar de
edificar uma boa Constituição; só a mudou em anarquia e tirania. A Glória
Britânica está pura e esplêndida. Se Inglaterra, com a experiência da própria
felicidade, e das desgraças da Europa, ainda se deixar seduzir pelos latidos
dos facciosos, e quiser comer o pomo da falsa liberdade e igualdade,
ela merecerá ser exterminada do paraíso que goza.» Os mais distintos Escritores de Inglaterra são admiradores
de Burke; e o quase unânime parecer da parte sã dos pensadores de boa fé,
é que ele apresentou o padrão do maior espírito público, empregado para os
melhores destinos; e que a sua sabedoria, e eloquência, desvanecendo as
especulações ilusórias de políticos superficiais, dera aos Regedores das
Nações prudentes conselhos para resgatarem a Europa da Barbaridade Francesa,
e prevenirem futuras revoluções com saudáveis reformas dos respectivos
Estados. Bastará citar o seguinte testemunho
público do Corpo Académico de uma das mais ilustres Universidades;
que dirigiu esta Carta a Burke. Notas: 1. Non hoc praecipuum munus amicorum est prosequi
defunctum ignavo questu , sed quae voluerit , miminisse , quae mandaverit,
exequi. - Tácito. (nota do autor) 2. Philosophical Inquiry into the Origin of our Ideas
of the Sublime and Beautiful, de 1757 e Vindication of Natural Society
de 1756. 3. Cette fameuse, cet inépuisable foyer de grands
exemples, cette terre classique des amis de Ia liberté. (nota do autor) 4. Bem lhe quadra a descrição de Horácio: Desinit in
piscem mulier formosa supernè. (nota do autor) 5. Expressão de um dos Membros da Assembleia Francesa ,
indo ao patíbulo por sentença dos Colegas. (nota do autor) 6. Intitulava-se Sociedade da Revolução. (nota
do autor) 7. Sectários de Brissot, chefe do Partido dos
chamados Federalistas, o qual proclamou, que se devia pôr fogo aos
quatro cantos da Europa, e fazer saltar os seus Governos, pela erupção vulcânica
dos Dogmas da Liberdade e IguaIdade. (nota do autor) 8. «Se pensais ver uma obra sem defeito, pensais no que
nem houve, nem há, nem haverá. Em qualquer composição atendei o fim do
Escritor: se escolheu os meios próprios, e os dirigiu com acerto, merece
aplauso, com desprezo dos defeitos triviais. Dez censuram sem razão por um
que escreve mal...» Pope, Ensaio sobre a critica, Tradução C. A. (nota
do autor) [Ensaio incluído nos Ensaios moraes, em quatro epistolas a
diversas pessoas, de Alexander Pope traduzidos pelo Conde de Aguiar,
Fernando José de Portugal, e impresso no Rio de Janeiro, pela Imprensa Régia
em 1811] 9. Vitia erunt, donec homines. - Tácito. (nota do
autor) 10. Edward Gibbon (1737-1794) escreveu Decline and Fall of
the Roman Empire, tendo o primeiro volume saído em 1776 e o último, o
6.º, em 1788. Fonte: José da Silva Lisboa,
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