John Locke
ENSAIO SOBRE O GOVERNO CIVIL
CAPÍTULO
I.
INTRODUÇÃO.
Tendo-se mostrado anteriormente,
1 I. Que Adão não tinha, nem
por direito natural de paternidade, nem por doação positiva de Deus uma
autoridade tal sobre seus filhos, ou domínio sobre o mundo como se pretende. lI. Que se ele o tinha,
assina mesmo seus herdeiros não tinham direito a ele. III. Que se seus herdeiros o
tinham, não havendo lei alguma natural, nem lei positiva de Deus, que
determine qual seja o justo herdeiro em todos os casos que possa haver, o
direito da sucessão, e por consequência duma regra fixa não podia ter sido
Y exactamente determinado. IV. Que ainda que aquele
tivesse sido determinado, assim mesmo, não havendo memória de qual seja a
linha mais antiga da posteridade de Adão, nas gerações dos homens e famílias
do mundo, não existe lima que possa, com preferência a outra, ter a menor
pretensão de ser a casa mais antiga, e de ter o direito de herança.
1. Tendo estes princípios
sido, segundo julgo, claramente desenvolvidos, é impossível que os actuais
governos do mundo possam tirar beneficio algum, ou derivara mais mínima
sombra de autoridade, daquela fonte que é tida como origem de todo o poder,
i. e. a jurisdição paternal e domínio privativo de Adão. Assim aquele que
não quer conceder, que todo o Governo no mundo é produto da força e violência,
e que os homens vivem juntos por nenhum outro instinto senão o das feras,
aonde a força é sempre quem prevalece; e que assim se estabelecem os
alicerces da desordem, tumulto, sedição, rebelião, e confusão perpetua,
(coisas contra as quais os sequazes daquela hipótese clamam tão altamente)
deve necessariamente procurar outra fonte de Governo, outra origem do poder
politico, e outra maneira de designar e conhecer as pessoas a quem compete,
diferente da que Sir Robert Filmer nos indicou. 2. Para este fim, julgo não
será fora de propósito, declarar o que eu entendo por poder politico, a fim
de que o poder dum magistrado sobre um súbdito, se possa distinguir do poder
dum pai sobre seus filhos, dum amo sobre o seu criado, dum marido sobre a sua
mulher, e dum senhor sobre seu escravo; cujos poderes distintos acontecendo
algumas vezes reunirem-se num só homem, se ele for considerado debaixo
destes diferentes pontos de vista, pôde ajudar-nos a distinguir estes
poderes hum do outro, e mostrar a diferença entre o Chefe duma República, o
pai duma família e o capitão duma galera.
Nota: 1 Esta obra foi publicada por Mr. Locke como uma segunda parte dum tratado, em que ele tinha sustentado uma controvérsia com Sir R. Filmer, sobre os falsos princípios contidos num ensaio escrito por este. A primeira parte é mero objecto de controvérsia, que está em completo esquecimento; e é inteiramente distinta e separada da segunda parte, que aqui aparece como uma obra inteira e completa de per si. O princípio deste capítulo é o único lugar em que se alude à primeira parte. (nota do tradutor) |
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