DAS MEMÓRIAS DO 4.º CONDE DA ERICEIRA


Memórias de D. Francisco Xavier de Menezes, 4.º conde da Ericeira, fundador daquela que viria a ser em 1720 a Real Academia da História. Transcritas pelo embaixador Eduardo Brasão, que encontrou o diário na Biblioteca da Ajuda e o transcreveu, aparece aqui com as abreviaturas desenvolvidas e a ortografia actualizada.

Nota: Algumas das ligações no texto remetem para entradas no «Portugal - Dicionário histórico».

 

Diário do Ano de 1731 que faz o Conde da Ericeira
D. Francisco Xavier de Menezes e este é de 1731.

 

Gravura de Vieira Lusitano

Gravura de Vieira Lusitano para a portada de obras a publicar pela
Academia Portuguesa da História

Diário de 6 de Novembro de 1731

Com a chegada da Nau da Índia que veio com o comboio da Nau Atalaia ainda que vem muito importante se entristeceu muito a corte com a confirmação das más novas daquele estado, estas se reduzem até mercê perdido seis galeões, ou Naus pequenas, que costumam ter vinte peças e sessenta ou setenta pessoas, três das quais tomou o corsário Angariá 1 por engano, uma se perdeu, e duas também foram represadas a capitania com 50 peças de bronze de que a bateria de baixo era de vinte e quatro libras, com 500 praças, e cem oficiais de Capitães de Infantaria para cima; um irmão legítimo do Conde Barão 2 , um filho legítimo do Vice-Rei 3 ambos casados na Índia, e um filho natural do Conde de Atalaia, e de nada disto há notícia havendo dois meses, que desapareceu ainda que o Vice-Rei com a sua bondade na última carta que escreveu a sua mulher se lisonjeia com uma notícia que corria de que a nau estava nas Ilhas Maldivas 4. O Marata que é neto do Sevagi 5 nos tomou 380 aldeias do Norte com que falta a Goa e às mais Praças mantimentos, e a toda a nobreza da Índia a renda, pois só D. Cristóvão de Melo viu reduzida a sua de 26 mil cruzados e 120 mil reis e ainda que Marcos Vieira só com 300 homens desalojou os Gentios descuidando-se o mataram valorosamente a todos os seus. O Vice-Rei manda acudir com o resto que tinha a estas terras. D. Luís Caetano de Almeida vendo que perdia na Ilha de Salcete do Norte tudo o que tinha foi buscar a Bombaim os Ingleses, e com bom modo e despesa defendeu, e recuperou com 500 a mesma ilha, e também nos ganharam os gentios alguns fortes perto de Baçaim mas não Praças de importância: morreram os dois Desembargadores, e o chanceler do reino, e muita gente da nau e dos que arribaram de Mombaça veio nesta José Barbosa Leal, fiscal da Armada queixar-se do Vice-Rei, e se afirma, e é de crer, que El-Rei previne um grande socorro, e mandará por Vice-Rei uma pessoa de maior capacidade 6.

A nau de licença do tabaco que é a de Vasco Lourenço quando se supunha perdida se sabe que está em Rias de Galiza, e de mais de ouro, e noutros géneros trás três milhões em Diamantes.

A 29 foi a Academia ao Paço 7 estando El-Rei incógnito a quem Marquês de Abrantes fez um breve, e elegante Panegírico, Filipe Maciel um largo, e douto papel contra uma oposição que D. José Barbosa tinha impresso referindo que o Secretário de Estado Pedro Vieira 8 dissera, que os povos eram os legisladores dos Reinos, e também o papel impugnou outro que D. Diogo Fernandes de Almeida tinha lido nos anos da Rainha em que negava ao colégio de S. Pedro de Coimbra o título de Pontifício Sagrado, e Real: também leram doutos papeis o Marquês de Alegrete Pai. Diogo de Mendonça filho; e se leu outro de D. Francisco de Almeida que está em Coimbra.

Fala-se muito em provimentos de Bispados, e em que El-Rei quer ilustrar mais os meios Cónegos da Patriarcal, mas ainda se não sabe se os Benefícios dos providos em Roma serão confirmados, nem o de D. Luís de Sousa que tinha já as suas Bulas está corrente.

As duas dispensas do filho, e filha do Conde de S. Miguel digo do Conde dos Arcos chegado com a de seu pai mas El-Rei esteve em segredo, o que agora se rompeu e as tem o Patriarca, e serão brevemente os casamentos em Caparica 9, estando agora em Lisboa os condes de S. Miguel, e os mais fidalgos mandaram buscar as suas dispensas e entre eles os Condes de Vale de Reis, e Redondo, e o filho de António Teles.

Dizem que o célebre Pintor Francisco Vieira passou com a sua família para Inglaterra por lhe não segurarem a vida do Falcão seu cunhado que lhe deu um tiro, e perdemos um dos maiores homens de Europa na pintura.

O filho único do Conde de Atouguia tem dado algum cuidado, com uma terçã dobre mas com água de Inglaterra esta melhor 10. Continuam as sezões, e as tem o filho do Conde de Prado: em Vila Franca malignou; mas não embaraçou este perigo, que é maior nas vizinhanças do Tejo o que os Senhores Infantes D. Francisco, e D. António não fossem o primeiro por 5 meses, e o segundo por algum tempo, aquele para Samora para donde convidou o Cónego Francisco de Sales, Pedro Mascarenhas o Visconde Pai, o Conde de Atalaia, e outros que ainda não foram; e o segundo para Pancas só com Aires de Saldanha.

Ao Infante D. Carlos de Espanha 11 foi ao caminho a investidura em que o Imperador 12 reconhece Duque de Parma. A Corte de Sevilha está luzida, El-Rei de Castela 13 são ainda que preguiçoso, pois encostando-se na mão estando à mesa dormiu cinco horas assistindo-lhe a Corte, e ainda se não sabe bem a causa porque El-Rei de Sardenha prendeu seu Pai que está no Castelo de Suca, e sua Madrasta em outro.

El-Rei veio de Mafra, e de Iá mandou prender Bento Fernandes, que está na sala livre culpado em comprar bois na Beira dos que vinham para Mafra dando-os por descarregados aos donos para depois os vender por maiores preços, e também se vão prendendo outras muitas pessoas pela mesma causa.

Diário de 13 de Novembro de 1731

Vieram novas da Índia por Inglaterra de Fevereiro que dizem que há cartas de Março e ainda que se lisonjearam alguns com a notícia de que a Nau perdida fora dar a uma ilha, ou porto, que não nomeiam aonde se estava em mastreando, esta se não confirma e só se sabe que o Vice Rei mandou ao Norte um socorro de gente, que chegou com felicidade. O Conselho Ultramarino fez nova consulta muito forte, e dizem que El-Rei sem dúvida socorrerá aquele estado nomeando Vice Rei de maior capacidade 14.

Um soldado de Trás-os-Montes que tinha servido em Catalunha e Itália não achou que justificar, que também tinha servido naquela Província, e duvidando o Conde de Alvor de aceitar duas testemunhas que lhe dava, por que não eram Generais e dizendo-lhe (parece que por zombaria) que ele em duas testemunhas só creria se fossem S. Fabião e Sebastião, ou S. Cosme e S. Damião teve o soldado a insolência ou a ignorância de recorrer ao Conselho de Guerra. fazendo esta queixa, e juntando a petição um couro, de dois palmos onde vinham pintados ao óleo em corpo inteiro os quatro santos, que oferecia por testemunhas.

Um clérigo na freguesia de S. Cristóvão estando doente, o foram sacramentar e achando-o sem ninguém em casa sobre um enxergão com uma manta de retalhos lamentando a sua pobreza lhe deu o Pároco, e Irmãos uma bastante esmola e na manhã seguinte vendo os vizinhos que ele não chamava entraram na casa, e o acharam levantado, e pegado na aldraba de um caixão, que tinha aberto em que havia metido a chave, e com o dinheiro da esmola ao pé de si, e abrindo-se o caixão tinha dentro trinta mil cruzados.

Morreu João da Maia Governador que foi do Maranhão não estando ainda sentenciado a sua residência de que trouxe muitos inimigos tinha servido na Índia valorosamente; e deixou dois sobrinhos.

José Teles filho de João Teles que foi conselheiro do Ultramarino tinha ido para a sua quinta da Arruda, e deixando fechadas as suas casas de S. Vicente lhe entraram de noite por uma porta falsa arrombaram nove de angelim, quebraram-lhe escritórios de Xarão, e lhe levaram seis, ou sete mil cruzados com o descanso de comerem, e beberem o que acharam, e terem bestas em que conduzir o móvel mais grosso, de mais da prata, e diamantes.

Dizem que casa uma filha de D. João de Almeida veador da Rainha com o filho de João Peixoto fidalgo de Guimarães.

Houve no Hospital umas conduzões de Anatomia em que o Doutor Monrrara 15 que está para ser aposentado quis mostrar a sua ciência com grande concurso de Nobreza, e homens doutos: abriu-se um cadáver de um homem morto havia duas horas de sezões, mas foi o acto mais ridículo, que horroroso.

A Nau da Índia, que se vai descarregando, e ao Conde de Coculim 16 lhe vem vinte e quatro mil cruzados, e está em termos de arrendar as suas aldeias por treze mil cruzados postos livres de risco em Lisboa.

Saíram por Decreto quatro Tesoureiros que foram Francisco Correia da Silva Escrivão da mesa do Despacho dos contos para o tabaco, Manuel de Faria e Sousa filho de Sebastião Leite para os Armazéns, e Jacome Vidal criado do Visconde para as Terças.

O Conde dos Arcos, e seu filho, e filha casam a 18 em Caparica.

A Rainha jantou a 12 na quinta do Secretário de Estado, que sempre dá a maior, e a mais delicada parte da mesa, e S. Majestade e Príncipes apesar do mau tempo, que tem dado inundações tem ido à caça dos coelhos em várias partes.

Na Conferência da Academia fez Manuel Pereira da Silva Leal uma larga, e forte defesa do colégio de S. Pedro contra o papel de D. Diogo Fernandes de Almeida a que já tinha respondido Filipe Maciel.

Chegou o Visconde da Asseca, e a sua família para uma quinta nos Olivais a fazer o casamento de sua filha com o filho de António de Albuquerque 17.

As doenças aplacam com as chuvas, e se livraram de sezões o Conde de S. Vicente Pai, a Senhora Condessa do Prado, e seu filho, o do Conde de Atouguia, e outros fidalgos.

Na Sé de Braga houve uma tal contenda de Cónegos para distribuírem entre si os governos que uma parcialidade chamada a catorzada dava até agora, que introduziram na Sé muitos homens armados com que lograram o seu fim.

No Paço se fizeram entre vários furtos o de um castiçal de que resultou fechar-se a porta da escada interior que vai para a Patriarcal de .que o Padre Martinho de Barros distribuiu nove chaves.

Procura estabelecer-se coma protecção do Senhor Infante D. António uma Academia em que há-de escrever-se as histórias das Ciências e Artes.

Fez quinze anos a onze a Sr.ª Dona Joana 18 neta da Sr.ª Marquesa de Arronches que os festejou cantando admiravelmente a mesma senhora, e outras dez senhoras de que algumas cantaram com grande número de instrumentos baile, e ceia magnifica até às três horas da madrugada as senhoras foram a Senhora Marquesa de Távora moça, e as condessas da Ericeira, Soure, e Atouguia, Dona Clara, as duas de Aveiras, as duas da Ribeira; e a Senhora Dona Luísa sua filha, a Senhora Dora Ana Joaquina; e de fidalgos foi o Conde. da Ericeira Pai, e diversos meninos filhos destas senhoras que iam vestidos magnificamente.

Continuam as notícias da prisão de El-Rei de Sardenha, e seu filho em querer justificar-se da causa pretendendo mostrar que o foi a ambição da madrasta, e a debilidade em que os últimos acidentes opuseram e se afirma, que França se interessa na liberdade do avô de el-Rei.

Os Persas derrotaram outra vez o socorro, que os Turcos mandaram a Babilónia: apareceu o rol da família que levou o Infante D. Carlos, e consta de 800 pessoas com bastantes ordenados, o Conde de S. Estevan dei Puerto é Mordomo Mor, o Duque digo o Príncipe Corssini Estribeiro Mor, o Duque de Turci Sumilher de Corpos, D. Lelio Carrafa Capitão da Guarda, e sete Gentis-homens da Câmara o Cardial Bentivoglio tomou posse dos bens que o Duque de Parma tinha em Roma os quais dizem lhes disputa o Papa 19, e o Cardial de Poligna cá fica continuando os negócios de França.

Diário de 20 de Novembro de 1731

Não se pode ainda dizer com certeza os casamentos, que nas conversações se contam com dúvida estes são da filha segunda do Conde de Vila Flor com o filho de D. Sancho Manuel, e que o Grão-Mestre de Malta faz, este casamento 20, também falam no Armeiro Mor com a filha do Almirante, um filho de Manuel Inácio com a Senhora Dona Leonor de Távora filha de D. Luís de Almeida, e outra vez se repete, mas negam-no os parentes o do Cónego D. Luís de Castelo Branco com a filha mais velha do Conde de Vila Flor que tem cinco mil cruzados de renda, e o de Gonçalo da Costa com sua prima camarista da Princesa.

Todos estão muito sentidos de ficar ungido o Conde da Ilha em Alenquer.

As filhas de Luís de Brito do Rio de que é tutor o Visconde foram tiradas da Rosa por um Decreto, e levadas para as Trinas donde o filho de Fernão de Lima que pretende a herdeira lhe não pode falar.

Foi preso no segredo o capitão do Navio de Vasco Lourenço por não aparecer o ouro, e diamantes, que dizem importava muito e culpam com arribar a Rias de Galiza sem necessidade deixando desembarcar muita gente e entre ela dois culpados na casa da moeda do Brasil, mas desconhecidos que foram com outros para Inglaterra, e em Cascais descobriu que tinha deixado um caixão de diamantes, que apareceu. No mesmo Navio vinha um cristão novo a quem prendeu Vasco Lourenço com bastante cabedal em diamantes.

O Marquês de Alegrete e o Conde de Assumar não acharam as pinturas que tinham pagas a Francisco Vieira, que se entende as mandara de Inglaterra, ou o dinheiro delas.

Na caçada que a fizeram os Príncipes em que mataram vinte coelhos ficou ferido na boca levemente de um coice de uma espingarda o Duque do Cadaval, e o Senhor Infante. D. Francisco mandou vinte veados a vários fidalgos, e ministros, e outros o senhor Infante D. António.

Dizem que se queixa Belchior Félix de que tendo embargado duas mulas que tinha vendido a João da Maia sabendo que as queria o Enviado de Inglaterra lhe mandou pedir licença para segurar 40 moedas que se lhe deviam ele lha negou, e mostrando-lhe o seu procurador o mandado do Corregedor do Cível o rasgou, e  obrigando-o por força a levar consigo os pedaços de papel.

A Armada Inglesa com as tropas espanholas chegou a Leorne, o Infante D. Carlos vai dilatando a sua jornada para ter cumprido quinze anos antes de chegar a Parma pois é a idade de que só pode governar sem tutor 21, e o Imperador reforma vinte mil homens, e dizem que para a Primavera outros tantos. O Papa não deu ainda licença a seu sobrinho o Príncipe de Corssini para aceitar Estribeiro-Mor deste Infante. Em França se supõem inocente um Padre da Companhia a que em Marselha acusou uma Dama de que a pervertera para a seita de Mulinos entregaram-no aos seus Padres, ela teve muitos votos de queima remeteram-na ao Bispo de Marselha. Um cura roubou uma freira muito formosa. Em Paris dando-se culto à Sepultura de um clérigo Janssenista fingiu-se uma mulher coxa de uma perna. para atribuir-lhe o milagre, e o ficou de ambas as pernas verdadeiramente. Os ossos se desenterraram e confundiram com outros em um Cemitério.

A frota que daqui partiu para a Baia chegou a 7 de Agosto, e ainda não aparecem os outros dois Navios do Maranhão.

Chegaram 15 facas de montar para a Princesa que lhe mandam os Reis seus Pais por via do Duque de Banhos que aqui .mandou bordar mantas para todos, e se lhe tem remetido 36 dobrões de letras ao caminho.

O ourives que fez um Decreto falso de vinte mil cruzados em Mafra já confessou.

O Sr. Infante D. Carlos teve repetições: o Conde de Vilar Maior está livres das sezões que padecia: o filho 2.º do Conde de Tarouca tem queixa de perigo: a senhora condessa da Ribeira moça dá algum cuidado por um mau parto repetido

O Secretário de Estado está com uma erizepela: as doenças diminuem em Lisboa  não no termo.

Diário de 27 de Novembro de 1731

O cerimonial do Duque de Lorena em Inglaterra tem suas controvérsias porque pareceu a muitos que ainda incógnito merecia maiores honras, e como há-de ver-se nas Gazetas 22 direi só, que o fizeram atravessar um pátio a pé, que o esperavam dois Gentis-homens da Câmara, e que o Príncipe lhe falou no seu leito: a mulher de el-Rei de Sardenha foi a perguntas, e se continuam as prisões: O infante D. Carlos não leva por França que 60 soldados de Guarda, e há-de embarcar em Antibris nas galés de Espanha.

O Provedor da fazenda do Maranhão fugiu com o dinheiro de el-Rei; o do Pará foi passado com duas balas no Rio do Espírito Santo; perto da Baia se acha muito ouro de que uma barra que veio tocou 23 quilates 2 grãos e uma oitava. As minas do Cantins no Maranhão vão saindo abundantíssimas neste metal: acharam-se matos de canela, e dizem que diamantes: de alguns governadores há queixas atrozes.

Morreu de 22 anos o Conde da Ilha D. Francisco Carneiro com grande lástima de todos pela sua grande índole, e por deixar filhos tendo sua mulher dezasseis anos 23, e ficando com pouca, ou nenhuma renda por ter vendido a sua Tença; foi para casa de seu irmão o Conde do Lavradio em Matacães, e dizem que virá para a da condessa de S. Lourenço sua tia. Também está morrendo uma filha de D. Diogo de Meneses, freira dos Cardais e com sezões fortes o Conde de Castelo Melhor e seu irmão Francisco de Vasconcelos, e o Conde da Ribeira com quase toda a família que levaram à feira da Golegã.

El-Rei concedeu ao Conde de Coculim o aceitar-lhe uma consignação para uma dívida da sua casa ao tabaco, e se espera da sua benignidade que pela boa fé com que o conde mostrou na casa da Índia o conhecimento dos seus diamantes, que vinham em confiança se lhe mande entregar como o concelho da fazenda consultou.

El-Rei vai cada dia acrescentando o socorro para a Índia já são três Naus de guerra uma charrua 500 soldados pagos e boa de levas o que se tem resoluto, José da Silva Pais se ofereceu, e foi aceito este excelente oficial sem pôr condição alguma ao que S. Majestade sem dúvida há-de atender.

O Navio do Maranhão que tinha arribado com o quarto, e o quinto acossado de quatro piratas mouros chegou ao Algarve donde se manda comboiar, mas não se confirma que a trota do Rio apareça como se dizia.

A Sr.ª Camareira-mor Marquesa de Unhão leva a Caparica a Sr.ª Dona Maria de Noronha filha dos Condes dos Arcos a ver seu Pai e madrasta, e a Sr.ª Dona Ana de Lorena está com nova erisipela o que dizem tem detido, a seu Pai o Marquês de Abrantes, que diz vai outra vez para aquela vila.

Os contratos do Brasil que se arrematavam ultimamente no concelho Ultramarino mandou El-Rei que se arrendasse no mesmo Estado com alguma perda nas propinas dos Ministros, e se entende que não será aceita a proposta do Figueiró, e seus companheiros querem arrendar a Alfândega dando 150 mil réis cada ano mais do que o ano em que ela tivesse maior rendimento.

O Sr. Infante D. António achou destruída toda a caça do Pinheiro, e dizem que por esta causa volta na presente semana com que o Conde de Coculim D. Francisco que aqui chegou com grande gosto dos amigos, e parentes deixou de Ir buscar a S. A. como determinava para lhe beijar a mão antes de voltar para Alentejo.

As ultimas cartas do Duque de Banhos dizem que partirá de Madrid o primeiro de Dezembro. Em pancas se queimou ao Sr. Infante D. António o palheiro, e cavalariças mas livraram-se os cavalos.

A Rainha foi em público a Santo Antão na sua última sexta feira, e em Belém ficaram quebrados dois coches reduzindo-se todas as Damas a um só.

Ao Conde de Montijo está nomeado por Castela Embaixador a Inglaterra o Grande D. Lelio  Carrafa e dizem mandarão apreçar as jornadas ao Infante D. Carlos por estar mal o Grão-Duque da Toscana.

Na Misericórdia se deram dos mil cruzados a juro a José da Serra, e doze sobre uma jóia, e outras seguranças ao Marquês de Angeja, e porque D. Diogo de Almeida superintendente dos capelães pretendeu que o Mestre das Cerimónias lhe fosse levar aviso nos dias em que havia de ir missa como tinha feito vinte e cinco anos o seu Antecessor e ele conseguiu que a desobrigassem largou D. Diogo aquela ocupação.

A água livre se adianta muito sendo muito bem pagos os oficiais em Mafra continuam as prisões as tropas se mandam para as suas províncias, a empreitada não se ajusta.

Bento Fernandes não melhora na sua prisão e se afirma que lhe mandaram sem nome uma caixa com todos os instrumentos de seu primeiro ofício de sapateiro para se entreter.

El-Rei tem feito o projecto de comprar as casas defronte de S. Pedro de Alcântara que foram de Manuel Teixeira de Carvalho e fazer ali hum largo com uma boa fonte de água livre, comprar todas as terras da Cotovia para as cortar em ruas, e socalcos cheios de árvores com outra fonte, e uma estrada que vá de S. José evitando a subida da calçada da Glória em que tem muito interesse o Conde da Ericeira pela vista que lhe fica no seu vale, e pela esperança de acrescentar com água de beber a do seu jardim que agora tinha já desembaraçado.

O quarto do Príncipe se acaba para o Natal mas não se sabe o dia da união 24.


Notas:

1. O pirata hindu Kanogi Angriá, estabelecido perto de Chaul a sul de Bombaím, na costa do Decão, desde 1707, tinha assinado em 1721 um tratado de paz com o governador  Francisco José de Sampaio e Castro. Em 1740 o filho Sambagi Angriá, venceu uma pequena esquadra portuguesa perto de Mangalor, aprisionando-a. (regressar ao texto)

2. D. Francisco Xavier José Lobo, irmão mais novo de D. José António Francisco Lobo da Silveira, 3.º conde de Oriola, 10.º barão do Alvito, tinha nascido em 8 de Setembro de 1703. (regressar ao texto)

3. José Saldanha da Gama, casado com Ana Joaquina de Melo e Castro, tinha nascido em 15 de Abril de 1711. (regressar ao texto)

4. O desastre naval foi provocado por um violento temporal - possivelmente um ciclone tropical -, no regresso a Goa de uma expedição militar a Mombaça na costa oriental de África, que tinha sido reconquistada em 1728, mas perdida de novo em 1730. No desastre desapareceu a nau capitania, tendo morrido o general Luís de Melo de Sampaio e uma parte da nobreza da Índia. (regressar ao texto)

5. O autor refere-se a Shivaji, o heróico rei dos Maratas, que se revoltou em 1657contra os reis muçulmanos de Bijapur, tendo sido coroado rei em 1664, e que morreu em 1680. O rei Marata naquele momento era neto de Sivaji, mas já não exercia o poder, que era dirigido pelo peshwa, o primeiro ministro hereditário. (regressar ao texto)

6. Durante o governo do vice-rei João de Saldanha da Gama (1725-1732) o poder do império Marata, no centro da Índia, começou a fazer-se sentir determinantemente, devido ao esboroar do império mongol no Norte do sub-continenente, havendo também um crescimento da actividade dos piratas, não só hindus, como árabes do Omã. Este ataque às províncias do Norte, em 1730/1731, terminou com a assinatura de um tratado de paz em 3 de Junho de 1731. Portugal irá perder até 1740, Baçaim, a ilha de Salsete, Chaul e todas as outras praças do Norte, com excepção de Damão e Diu. Tendo um a frota de guerra na Índia muito diminuta, só na década de quarenta a situação melhorará, com as campanhas do futuro marquês de Alorna que anexaram a Goa as Novas Conquistas. (regressar ao texto)

7. Na Colleçam dos documentos e memorias da Academia Real da Historia Portuguesa que nos annos de 1731 e 1732 se compuzerão e se imprimirão por ordem dos seus censores ... vem escrito sobre a sessão de 29 de Outubro de 1731: «Esta conferência se transferiu para o dia 29 de Outubro, em que Sua Majestade se serviu de que a Academia fosse à sua Real presença, fazer aquele acto, que se devia executar no dia dos seus felicíssimos anos. Foi Director dela o Marquês de Abrantes, o qual conduziu a Academia para a casa destinada, depois de receber a ordem para que pudesse entrar, tendo precedido avisarem-se todos os Académicos assistentes nesta Corte, para se acharem na casa chamada a Galé, à hora assinalada. Leu o Director a sua Oração, a qual se dará impressa separadamente, e se continuou esta cessão com as contas seguintes ...» E mais adiante, nesse volume, vem impressa a «Oração», que recitou o Marquês de Abrantes, sendo Director da Academia Real da História Portuguesa, na conferência, que se fez no Paço, em 29 de Outubro de 1731». (nota do editor) (regressar ao texto)

8. Pedro Vieira da Silva, foi secretário de Estado de D. João IV e de D. Luísa de Gusmão, enquanto regente em nome de D. Afonso VI, de 1642 a 1662 e de D. Pedro, enquanto regente em nome do irmão, de 1667 a 1669. (regressar ao texto)

9. O triplo casamento do 5.º conde dos Arcos (pai), com D. Antónia Xavier de Lencastre; do filho, o 6.º conde dos Arcos, D. Marcos José de Noronha e Brito, com D. Maria Xavier de Lencastre; e o de D. Luísa do Pilar de Noronha, com o 4.º conde de S. Miguel, todos três filhos do 3.º conde de S. Miguel, Tomás José Botelho de Távora, realizou-se em 19 de Novembro de 1731 na Quinta da Torre na Caparica. (regressar ao texto)

10. Terçãs e sezões eram febres. A água de Inglaterra era um tipo de vinho quinado que tinha vindo originalmente daquele país, que servia tanto de tónico como de antipenódico, e que se utilizava simples ou misturado com água em doses diárias de 30 a 120 gramas. (regressar ao texto)

11. O futuro Carlos III (1716-1788) de Espanha, filho mais velho do casamento de Filipe V com Isabel Farnésio, foi duque de Parma de 1731 a 1737, rei das Duas Sicílias a partir de 1734, mas tendo de renunciar ao ducado de Parma, e rei de Espanha de 1759 a 1788. (regressar ao texto)

12. O Imperador Carlos VI foi o pretendente à coroa de Espanha que Portugal apoiou durante a Guerra da Sucessão de Espanha que decorreu de 1701 a 1713, enquanto arquiduque Carlos. Sucedeu nas possessões da Coroa de Áustria ao seu irmão o Imperador José I, em 1711, sendo eleito imperador no mesmo ano. (regressar ao texto)

13. Filipe V de Espanha, tinha subido ao trono em 1700, por ter sido nomeado herdeiro de Carlos II, o último rei Habsburgo de Espanha. A sua ascensão ao trono espanhol provocou a Guerra da Sucessão de Espanha. De saúde mental muito débil, que lhe provocava ataques de melancolia e um comportamento estranho, Filipe tinha tido um ataque de histeria em 1717 e um novo ataque em 1727. Por este motivo, a corte transferiu-se para Sevilha de 1728 a 1733, tendo a instabilidade mental reaparecido oficialmente em princípios de 1732. (regressar ao texto)

14. Jaime Cortesão (História de Portugal - dirigida pelo Prof. Damião Peres - vol. VI, pág. 670), escreve: «Atentos sempre a todas as possibilidades de alargar os seus domínios, os holandeses não deixavam de aproveitar-se de todas estas circunstâncias. Assim, ao mesmo tempo que na Índia durante o governo do Conde de Sandomil, caiam em mãos de inimigos algumas das nossas melhores praças, também em Timor os holandeses, unindo-se aos indígenas revoltados se apoderaram da província de Sorvião, que nunca mais abandonaram». Assim todos os nossos inimigos nos atacavam à uma nessas paragens orientais, onde se ia esfumando a pouco e pouco a grande sombra de Albuquerque. (nota do editor)  (regressar ao texto)

15. O autor do Diário refere-se ao Dr. Monravá que foi substituído, em 1732, no ensino de anatomia, por Santucci, como já se disse aqui. A má impressão que Ericeira mostra pela dissecação referida dum cadáver não era um mero sentimento pessoal: assim, em Fevereiro de 1739, foram proibidas tais experiências, permitindo-se apenas o ensino teórico da anatomia. (Vid. o estudo já cit. de Pires de Lima, no n.º 2 dos Estudos italianos em Portugal, págs. 310 e segs.). (nota do editor) (regressar ao texto)

16. D. Filipe de Mascarenhas, 2.º conde de Coculim, tendo nascido em Junho de 1680 e morrido em 13 de Maio de 1735, casado com D. Catarina Úrsula de Lencastre, filha dos 2.os condes de Sarzedas, era membro da Junta dos Três Estados. (regressar ao texto)

17. Francisco de Albuquerque Coelho casou com Teresa de Lencastre, 8.ª de uma prole de 13 filhos do casamento do 3.º visconde de Asseca com D. Inês Isabel Virgínia da Hungria de Lencastre. (regressar ao texto)

18. D. Joana Francisca Antónia de Bragança, nascida em 11 de Novembro de 1715, era filha primogénita de D. Miguel de Bragança, filho legitimado de D. Pedro II, e de Luísa Casimira de Sousa Nassau e Ligne, 1.ª duquesa de Lafões, sucessora de D. Mariana Luísa Francisca de Sousa Tavares, 2.ª marquesa de Arroches. Era, por isso, irmã mais velha do célebre Duque de Lafões, criador da Academia das Ciências, no reinado de D. Maria II. (regressar ao texto)

19. Lorenzo Corsini (1652-1740), membro de uma das mais influentes famílias de Florença, cardeal de Santa Susana desde 1706, foi papa de 1730 a 1740 com o nome de Clemente XII. (regressar ao texto)

20. O Grão-Mestre de Malta de que aqui se fala, era D. António Manuel de Vilhena, filho de D. Sancho Manuel, 1.º Conde de Vila Flor o vencedor do Ameixial. Foi eleito para esse alto cargo a 19 de Junho de 1722, permanecendo nele durante 15 anos. (Caetano de Sousa -  Mem. hist.e genealog. ed. de MDCCLV, pág. 626. Vid. também José Anastácio de Figueiredo - Nova história da Militar Ordem de Malta.  (nota do editor) (regressar ao texto)

21. Na Gazeta de Lisboa de 22 de Novembro de 1731 vem escrito nas notícias de Parma (29 de Setembro): «A Duquesa primeira viúva Doroteia de Neuburgo, se acha nesta Corte cuidando dos interesses do Infante D. Carlos seu neto, mas como, se não faz alguma preparação para o recebimento deste Príncipe, se duvida que chegue a este país antes da Primavera próxima.» E numa carta de D. Mariana Vitória para seus pais de 29 de Novembro de 1731 (C. Beirão - ob. cit. pág.88) vem escrito: «Je suis fort aise que mon chaire frère Charles fasse son voyage avec toute la felécité et je crois bien qu'il sera fort festoige que il mérite tous.» (Sobre a acção o exercida pelo governo de Espanha para colocar em Parma o filho de Filipe V e da Farnésio - D. Carlos. Vid. Ballesteros - Hist. de España, t. V, págs. 68 e segs. (nota do editor) (regressar ao texto)

22. Na Gazeta de Lisboa de 6 de Dezembro de 1731, vem, nas notícias da Grã-Bretanha (2 de Novembro):

«O Duque de Lorena chegou a 23 do mês passado a Greenwich, despachou-se logo hum Expresso a Hamptoncourt, onde a Corte se achava, para a informar da sua vinda. Sua Alteza Real ficou de noite a bordo do iate, em que veio de Holanda. No dia seguinte desembarcou na Torre, onde foi recebido pelo Conde de Kinski, Ministro do Imperador, que o conduziu no seu coche até à sua casa, situada na praça do Hannover e ali foi logo cumprimentado da parte de el-Rei, e do Príncipe de Gales, pelo Conde de Scarboroug e pelo Lord Malpaz Estribeiros-mores de Sua Majestade, e de Sua Alteza. A 25, que era o dia nomeado por El-Rei, para receber este Príncipe, partiu ele daqui com o Conde de Kinski, o Conde de Watzdorff, Enviado de el-Rei de Polónia, Mons. Hop Ministro da República de Holanda, e três Gentis-homens da sua comitiva, e chegou a Hampton court pelas duas horas depois do meio dia. A pouca distância do Palácio se apeou do coche, e se meteu em uma cadeira portátil, passou o primeiro páteo, e chegando à segunda porta onde o esperavam dois Gentis-homens, e pelo Castelão, ou guarda do Paço foi a pé pelo segundo páteo; e entrou pela escada oculta na galeria em que estavam os retratos dos Almirantes da Grã-Bretanha, onde foi recebido pelo Conde de Grafton, Camareiro-mor de el-Rei, que o conduziu a outra galeria, adornada toda de pintiras de Rafael, e ali o recebeu o Conde de Dummore, Gentil-homem da Câmara de semana, que o conduziu ao gabinete de sua Majestade do qual fechou a porta, e saindo Sua Altaza Real alguns minutos depois foi recebido pelo Conde de Grantam gentil-homem da Câmara de Sua Majestade que o conduziu pela escada oculta à casa da Rainha, onde se achavam também o Duque de Cumberlandia, e as cinco Princesas; esteve o Duque ali um bom quarto de hora, e depois foi com as mesmas cerimónias ao quarto do Príncipe de Gales, atravessando todas as antecâmaras do mesmo Príncipe, até à câmara onde tem o seu leito, na qual se entretiveram algum tempo. Depois destas visitas voltou o Duque ao quarto da Rainha, onde se achou toda a Corte, e ali falou a um grande número de Senhores, e Damas; e seriam quatro horas quando partiu de Hampton court para ir jantar a Isterworth na casa de Campo do Conde de Kinski.» (nota do editor)  (regressar ao texto)

23. D. Ana de Lima, nascida por volta de 1710, era filha de D. Luís de Almeida Portugal (1669-1730), 3.º conde de Avintes, e irmã de D. António de Almeida Soares Portugal (n.1699) 4.º conde de Avintes, 1.º conde do Lavradio em 1725, pelos serviços do seu tio o 1.º cardeal patriarca de Lisboa, e 1.º marquês em 1753. D. Madalena Rosalina de Lima (1672-1739), condessa de São Lourenço pelo casamento com Martim Afonso de Melo e Silva, 4.º conde de São Lourenço, era tia materna de D. Ana de Lima, sendo a irmã primogénita da mãe. (regressar ao texto)

24. O princípe do Brasil D. José tinha casado em Janeiro de 1729 com D. Mariana Vitória de Bourbon, filha de Filipe V e de Isabel Farnésio, sendo irmã do príncipe Carlos, fututo Carlos III. À data do casamento a princesa tinha 10 anos de idade e o príncipe 17. Em finais de 1731 estava a tratar-se portanto da consumação do casamento, o que era considerado um assunto de estado. A filha primogénita do matrimónio, a futura rainha D. Maria I, nasceu em Dezembro de 1734, tendo a mãe 16 anos. (regressar ao texto)

 

Fonte:

Eduardo Brazão, «Diário do 4.º conde da Ericeira, D. Francisco Xavier de Menezes (1731-1733)», Biblos Revista da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Vol. XVII – Tomos I (1941), págs. 109-115; e Tomo II (1941), págs. 567-572.


A ver também:
  • D. João V
    Entrada no «Portugal - Dicionário histórico».

 
  • Outras histórias
    A lista completa de documentos pessoais ordenada alfabeticamente.

 

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